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Processo nº 255/2014
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 21/Maio/2015
    
Assuntos:
- Residência de menores filhos de residente permanente por morte do pai


SUMÁRIO:
    Se um determinado residente permanente, de nacionalidade chinesa morre e a mulher, indonésia, e as filhas, australianas, crianças de 9 e 6 anos de idade, estavam a viver com ele em Macau, devidamente autorizados, aqui tendo vivido e permanecido e se cancelam as autorizações anteriormente concedidas, fica uma dúvida muito grande, não esclarecida, sobre a ponderação entre o sacrifício dos interesses das crianças e os interesses públicos prosseguidos, sendo que, à míngua de outros elementos, a decisão tomada configura uma situação injusta, porque conformada a partir de um acontecimento de infortúnio que atingiu aquela família, não dando resposta à situação humana em presença e às necessidades daquelas crianças que aqui criaram raízes, afigurando-se desrazoável, inadequada e atentatória do princípio da proporcionalidade.
     O Relator,
           João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 255/2014
(Recurso Contencioso)

Data : 21 de Maio de 2015

Recorrentes:
- A
- B (menor, representada pela sua mãe, A)
- C (menor, representada pela sua mãe, A)

Entidade Recorrida:
- Secretário para a Segurança

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, mais bem identificada nos autos, vem, por si e em representação das suas filhas menores, B, titular do Passaporte da Austrália n.º N47XXXXX, e C, interpor, na pendência de suspensão de eficácia que corre termos sob o processo número 206/2014,
RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO
    Do acto consubstanciado no despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, de 27 de Fevereiro de 2014, que lhe indeferiu o pedido de Renovação de Autorização de Residência com alegado fundamento na alínea 3) do n.º 2 do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003 e no n.º 2 do artigos 22.º do Regulamento Administrativo 5/2003 e, simultaneamente, declarou caducada a Autorização de Residência concedida às suas filhas B e C, com alegado fundamento na alínea 3) do n.º 2 do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003 e no n.º 1 do art.º 24.º do Regulamento Administrativo 5/2003,
    O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes, em síntese conclusiva:
    a) O acto ora recorrido é o despacho do Ex.mo Senhor Secretário para a Segurança, que indeferiu o pedido de Renovação de Autorização de Residência da Primeira Recorrente com alegado fundamento na alínea 3) do n.º 2 do art. 9.º da Lei n.º 4/2003, e no n.º 2 do art.s 22.º do Regulamento Administrativo 5/2003 e, simultaneamente, declarou caducada a Autorização de Residência concedida às suas filhas, Segunda e Terceira Recorrentes, com alegado fundamento na alínea 3) do n.º 2 do art. 9.º da Lei n.º 4/2003 e no n.º 1 do art.s 24.º do Regulamento Administrativo 5/2003;
    b) A Primeira Recorrente casou na Austrália, em 2003, com D, titular de Passaporte da RAEM e de Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau;
    c) Em Agosto de 2007, o D e a ora Primeira Recorrente deixaram de viver em Macau com carácter habitual, tendo passado a viver entre Jakarta, Indonésia e Xiamen, China, onde o D mantinha um negócio familiar;
    d) Do casamento nasceram duas filhas, B e C, respectivamente, em 24 de Maio de 2007 e 17 de Dezembro de 2009, também Recorrentes nos presentes Autos;
    e) Em 2011, o D adoeceu e foi diagnosticado com um tumor maligno nas vias hepáticas e após várias tentativas de tratamento, a família decidiu regressar para Macau, em Fevereiro de 2012, para aqui o D passar os seus últimos dias, pelo que o D voltou a requerer a residência em Macau para a sua mulher e para as duas filhas por motivo de junção conjugal, a qual foi deferida;
    f) O D veio a falecer no Hospital Kiang Wu, em 2 de Junho de 2012, vítima de neoplasia maligna do fígado e dos duetos biliares;
    g) Era expressa vontade do D que a sua família permanecesse em Macau ao cuidado da sua mãe, E, residente permanente de Macau;
    h) A Primeira Recorrente vive com as suas filhas numa casa que é propriedade plena da sua sogra, E e tem comprovados meios de subsistência;
    i) As Recorrentes têm permanecido em Macau honestamente encontrando-se plenamente integradas em Macau a todos os níveis, designadamente, familiar, social e económico;
    j) As ora Recorrentes sofrem evidentemente uma lesão dos seus direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos com o acto recorrido, e têm um interesse directo, pessoal e legítimo, na medida em que do provimento do presente recurso lhes advém um inegável proveito imediato e objectivo;
    k) O acto recorrido faz uma aplicação indiscriminada, discricionária e irrazoável da alínea 3 do n.º 2 do art. 9º da Lei 4/2003 e do n.º 2 do art.º 22º e n.º 1 do art.º 24º do Regulamento Administrativo 5/2003, violando princípios fundamentais da RAEM e incorrendo em erro manifesto e total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, previstos na al. d) do n.º 1 do art.º 21.º do CPAC;
    I) A Entidade Recorrida não demonstrou minimamente como é que a morte do D, falecido marido da Primeira Recorrente e pai das menores B e C, torna não verificado um dos requisitos de concessão de autorização de residência, qual seja, "Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade";
    m) O entendimento de que a Primeira Recorrente, cônjuge supérstite, não reúne os pressupostos para a renovação da autorização de residência e de que as Recorrentes, filhas do casal, decaíram nos pressupostos sobre os quais se tinha fundado a respectiva autorização de residência, apenas pelo infortúnio da morte do seu marido e pai, revela erro manifesto por parte da Entidade Recorrida e um manifesto abuso dos poderes de discricionariedade de que é titular na apreciação dos pressupostos acima enunciados;
    n) Não se trata, in casu, de uma família emigrante mas sim de família de sangue e de "papel passado" de residente permanente da RAEM, com familiares superviventes ainda a residir em Macau;
    o) Nos termos do n.º 1 do Artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 o agregado familiar do residente (o D) são o seu cônjuge (alínea 1)) e os descendentes de primeiro grau (alínea 4));
    p) As filhas do residente permanente, ora Recorrentes, deveriam ter adquirido o mesmo estatuto do pai, residente permanente, e não decaíram em quaisquer pressupostos e requisitos para as respectivas autorizações de residência, pois o instituto familiar da paternidade, é insusceptível de dissolução e não está sujeito a qualquer caducidade, não havendo sequer lei que justifique tal decisão de caducidade;
    q) Igualmente, a Primeira Recorrente não decaiu em quaisquer dos requisitos da lei nem teve qualquer atitude no sentido de incumprir em qualquer uma sua obrigação legal: o único facto que ocorreu foi a triste morte do seu marido, que nem sequer está prevista na lei expressamente como motivo de indeferimento de renovação da autorização de residência;
    r) Alguns efeitos pessoais e patrimoniais do casamento sobrevivem à morte, e é bom de ver que com a morte de um dos cônjuges a família não se desintegra automaticamente, tal como não se desintegrou a família das ora Recorrentes, que continuaram a ter em Macau o seu centro de vida estável;
    s) É por isso que é entendimento de ordenamentos jurídicos semelhantes que a morte de um nacional não implica automaticamente a perda do direito de residência dos seus filhos em idade escolar, bem como da pessoa que tenha a sua guarda efectiva (para não provocar nem a desintegração da unidade familiar, nem a abrupta cessação dos estudos dos filhos dos nacionais);
    t) Contando que as Recorrente preenchem todos os requisitos do artigo 9.º da Lei 4/2003, conclui-se que o exame administrativo acerca da conveniência ou inconveniência da autorização não levou em devida conta a situação pessoal, profissional e familiar do agregado das Recorrentes;
    u) O interesse das Recorrentes é desproporcionalmente superior a qualquer interesse público subjacente ao acto recorrido (o qual carece de fundamentação e apresenta uma dispositividade com uma dimensão maior do que é razoavelmente expectável);
    v) A decisão ora recorrida tem efeitos que claramente não se acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, e vai para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir, sendo desrazoável;
    w) O acto recorrido é, ainda, flagrantemente injusto, porque vai além do que o aconselha a natureza do caso não considera aspectos pessoais do destinatário que deveriam ter levado a outras ponderação e prudência administrativas;
    x) Com efeito, o acto impugnado, não ponderando sobre o direito à família dos residentes permanentes de Macau, e a correspondente unidade e estabilidade familiares, viola o artigo 38º da Lei Básica, o artigo 1534.º do Código Civil e os valores humanos e sociais eminentes constantes dos artigos 1º, 2º, 3º e 15.º da Lei de Bases da Política Familiar da RAEM.
    y) O direito de a sociedade se precaver contra situações de eventual desequilíbrio social e de desordem ou tranquilidade públicas que a Lei 4/2003 visa acautelar, não está em causa no presente caso;
    z) Assim, não sendo a decisão recorrida expressão de uma justa medida, deve a mesma ser revogada por pôr em causa tais exigências fundamentais.
V - DO PEDIDO
    TERMOS EM QUE se requer:
    a) Que o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se a decisão recorrida, pelas apontadas ilegalidades, resultantes dos vícios de violação de lei por erro manifesto e por total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, bem como a violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e outros princípios fundamentais da RAEM nos termos do Artigo 21.º n.º 1 alínea d) do CPAC;
    b) Que a Entidade Recorrida seja citada para contestar, querendo, e enviar o competente processo administrativo; e
    c) Que ao presente recurso sejam apensados os Autos de Suspensão de Eficácia que correm termos sob o número 206/2014 com aproveitamento de toda a prova documental aí produzida, a acrescer à prova que conste do processo administrativo.
    
2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança, apresentou a seguinte contestação:
    Nos termos do artigo 22.º do RA n.º 5/2003, a renovação da autorização de residência deve preencher os pressupostos e requisitos previstos neste RA e na lei de princípios, quer dizer que a manutenção da autorização de residência depende da verificação dos pressupostos e requisitos existentes no momento da sua concessão, nomeadamente daqueles referidos no artigo 9.º da Lei n.º 4/2003.
    Em relação à autorização não sujeita à renovação, de acordo com o disposto no artigo 24.º do mesmo RA, o decaimento de quaisquer pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização de residência causa a caducidade da autorização.
    As recorrentes pediram a autorização de residência para reunir-se com o marido/pai (ao abrigo do artigo 9.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003). Mas este fim tornou-se impossível com o falecimento do marido/pai, razão pela qual os pressupostos e requisitos para pedir a autorização de residência deixam de se verificar.
    A violação da lei consiste na inexistência dos factos em que se funda o acto administrativo e no erro de juízo e de análise destes factos, bem como no erro de interpretação ou de aplicação da lei.
    No entanto, o acto recorrido baseia-se no facto concreto e no juízo correcto, também aplica correctamente a correspondente disposição legal, daí que inexiste o vício de ilegalidade que, segundo alegaram as recorrentes, resulta do erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.
    O artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003 enumera os factores a considerar pela Administração para a concessão de autorização de residência, mas não prevê o modo como considera-os, daí que atribui à Administração um enorme poder discricionário para que esta possa, na determinação do deferimento (ou manutenção) ou não da autorização de residência, escolher livremente a totalidade ou parte dos factores enumerados no artigo acima referido para a consideração.
    O exercício de poder discricionário só é proibido quando se verificar erro notório ou total desrazoabilidade.
    A desrazoabilidade acima referida não é qulquer desrazoabilidade formulada da perspectiva subjectiva, mas consiste numa situação em que o respectivo acto se revela manifesta e totalmente desrazoável nos olhos de toda e qualquer pessoa.
    Como é evidente, neste caso em apreço não se verificam as duas situações acima referidas.
    Apesar de a relação de parentesco (são genericamente consideradas as relações referidas no artigo 2.º do RA n.º 5/2003) entre o requerente e o residente de Macau ser um dos factores consideravelmente relevantes no que toca à concessão ou manutenção da autorização de residência, é evidente que o legislador da Lei n.º 4/2003 não pretende conceder a autorização de residência a toda a pessoa que tenha parente em Macau, mas só àquelas pessoas que se relacionem intima e praticamente com os seus parentes em Macau.
    Caso contrário, a qualidade de residente de Macau seria necessariamente atribuída ao requerente cujo parente é ou costumava ser residente de Macau, independentemente de a relação de parentesco ser próxima ou distante, de o parente viver ou não em Macau, até de este estar vivo ou não.
    Tanto a Lei Básica (artigo 38.º) como o artigo 1.º, n.º 1 da Lei de Bases da Política Familiar (Lei n.º 6/94/M) reconhecem que todas as pessoas têm o direito de constituir família, mas tal direito não compreende o direito dos não-residentes à residência em Macau.
    Há dois meios de obter a qualidade de residente de Macau, um é a obtenção automática da qualidade de residente permanente quando se verificam os requisitos previstos no artigo 24.º da Lei Básica; o outro é a obtenção da qualidade de residente não permanente mediante meio administrativo, quer dizer a obtenção da autorização de residência (artigo 9.º da Lei n.º 4/2003).
    A qualidade de residente das 2ª e 3ª recorrentes foi obtida através do segundo meio, e a mudança desta para residente permanente precisa, para além de sete anos de residência habitual, ainda da manutenção dos pressupostos e requisitos verificados no momento do deferimento da autorização de residência.
    A decisão recorrida foi feita com base nas situações concretas das recorrentes e após plena análise, revelando-se adequada, necessária e proporcional e mostrando o prosseguimento do interesse público, sem ter cometido nenhum excesso nem ter violado o princípio da proporcionalidade no que tange aos efeitos causados aos interesses individuais das recorrentes.
    Face ao exposto, pede se julgue improcedente o recurso e se mantenha o acto recorrido pela não verificação de qualquer vício de ilegalidade que afecte o acto.
3. A, recorrente nos autos, ofereceu alegações facultativas, dizendo, em resumo:
    O acto recorrido é, por isso, e antes de tudo o mais, um acto profunda e chocantemente INJUSTO.
    O acto recorrido revela, também, uma total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
    De outro passo, desconhece-se o interesse público que o acto recorrido visa, supostamente, prosseguir.
    O acto recorrido revela, ainda, um manifesto erro nos pressupostos de direito, na medida em que a morte do Senhor D não determina, nos termos do artigo 9.º do Regulamento Administrativo 4/2003, o indeferimento do pedido de Renovação de Autorização de Residência da sua cônjuge, nem, tão-pouco, a caducidade da Autorização de Residência concedida às suas filhas.
    Quanto às Recorrentes menores: deveriam ter adquirido o mesmo estatuto que o seu pai, ou seja, deveriam ter adquirido o estatuto de residentes permanentes da RAEM, uma vez que são filhas menores de residente permanente nascidas fora da RAEM - cf. artigo 21º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 -, residência essa que não está sequer sujeita a qualquer renovação.
    Tal estatuto não está - pela natureza do instituto familiar da paternidade, que é insusceptível de dissolução - sujeito a qualquer caducidade, na medida em que não é (legalmente) possível deixar de ser filho de residente permanente da RAEM,
    Pelo que se revela ilegal a declaração de caducidade da autorização de residência das Recorrentes menores, uma vez que estas não decaíram em quaisquer pressupostos ou requisitos sobre os quais se tenha fundado a autorização da sua residência. Deve, ao invés, ser-lhes concedida a autorização de residência permanente!
    Quanto à primeira Recorrente, o acto recorrido é ilegal, essencialmente, e além do que se deixou exposto supra, por duas (outras) razões:
    Em primeiro lugar, porque é incorrecto o entendimento de que a morte do marido da primeira Recorrente determina o decaimento do pressuposto no qual se tinha fundado a autorização de sua residência, uma vez que alguns dos efeitos do casamento sobrevivem à morte de um dos cônjuges, não havendo razão para se entender que tais efeitos não sobrevivem para efeitos de autorização de residência - antes pelo contrário, aliás, para protecção do instituto da família e, em concreto, dos parentes sobrevivos.
    Com efeito, a decisão recorrida poderia compreender-se se estivéssemos perante um divórcio ou dissolução voluntária da união conjugal, mas, pelo contrário, estamos perante uma sofrida viúva, cônjuge supérstite de residente permanente da RAEM, que aqui pretende continuar a residir e a criar e educar as suas filhas, como era vontade do seu marido. De resto, o fundamento invocado no acto recorrido - a morte do marido da primeira Recorrente - não está, de todo, consagrado na Lei.
    Em segundo lugar, o acto recorrido é ilegal porque a Recorrente preenche todos os requisitos enunciados no artigo 9.º do Regulamento Administrativo 4/2003, a saber:
    (i) Não tem antecedentes criminais e não incumpriu com a legislação da RAEM (cf. artigo 9.º, n.º 2, alínea 1));
    (ii) Dispõe de meios de subsistência - como resultou provado em julgamento, a primeira Recorrente e as suas filhas residem numa casa que é propriedade da mãe do Senhor D - sogra da primeira Recorrente e avó das Recorrentes menores -, sendo também esta quem ajuda as Recorrentes nas suas despesas diárias (cf. artigo 9.º, n.º 2, alínea 2));
    (iii) A Primeira Recorrente pretende continuar a residir em Macau e aqui continuar a criar e educar as suas filhas - local onde a família está inserida e onde também reside a mãe do Senhor D (cf. artigo 9.º, n.º 2, alínea 3));
    (iv) Resultou também provado em julgamento que a primeira Recorrente está actualmente à procura de trabalho na área da sua especialidade - Marketing (cf. artigo 9.º, n.º 2, alínea 4));
    (v) A primeira Recorrente é viúva de um residente permanente da RAEM e as Recorrentes menores são filhas desse mesmo residente permanente, sendo certo que a avó destas e sogra daquela é igualmente residente permanente da RAEM (cf. artigo 9.º, n.º 2, alínea 5));
    (vi) Resultou provado em julgamento que as Recorrente não têm condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território (cf. artigo 9.º, n.º 2, alínea 6)).
    Ora, sendo a concessão da autorização de residência um poder discricionário da Administração, estando preenchidos todos os requisitos exigidos pelo artigo 9.º do Regulamento Administrativo 4/2003 e uma vez que é incorrecto o entendimento de que a morte do marido da primeira Recorrente determina o decaimento do pressuposto que fundou a sua autorização de residência, impõe-se concluir que o acto recorrido foi proferido em manifesto erro nos pressupostos de Direito, o que determina, igualmente, a sua invalidade e consequente anulabilidade.
    Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser julgado procedente o pedido formulado na petição de recurso, com as devidas consequências legais.

4. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto, emite o seguinte douto parecer:
    Nas suas alegações, assaca a recorrente ao acto - despacho do Secretário para a Segurança de 22/3/14, que lhe indeferiu pedido de renovação de autorização de residência e declarou caduca a autorização concedida a duas filhas menores, com fundamento em decaimento dos pressupostos em que se haviam fundado tais autorizações -vícios de atropelo da justiça e da proporcionalidade, erro nos pressupostos de direito e total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, a que associa, no âmbito do petitório inicial, a ofensa do art. 38° da LBRAEM e artigos 1°, 2°, 3° e 15°, da Lei de Bases da Política Familiar da RAEM, bem como falta de fundamentação.
    Começando, apenas por interesse argumentativo, por este último, facilmente se alcançará não deter o mesmo qualquer consistência, já que se colhem, com clareza, suficiência e congruência do conteúdo dos pareceres em que o acto se estribou e anuiu, as razões de facto e de direito que o sustentaram e que se prendem com a circunstância de, ainda antes da formulação do pedido de renovação, ter falecido o marido da recorrente, pai das menores, residente permanente da RAEM, cuja "junção familiar" havia justificado a concessão da recorrente e ilhas de ambos, razão por que, no entender da entidade recorrida, terá ocorrido motivo para não renovação da autorização relativamente ao cônjuge sobrevivo, nos termos do n.º 2 do art. 22° do R.A. 5/2003 e para a declaração de caducidade de autorização das menores, de acordo com o preceituado na ali) do art. 24° do mesmo R.A., ambos com reporte ao art. 9°, n.º 2, al. 3) da Lei 4/2003, ficando, pois, um cidadão médio com pleno conhecimento do "iter" cognoscitivo e valorativo empreendido pelo decisor, o que não terá deixado de suceder com a recorrente, pelo que o acto se encontra devidamente fundamentado. Poderá com tal fundamentação a recorrente não concordar, mas isso serão "águas de outro moinho", de que adiante tentaremos cuidar.
    Posto isto, pretende a recorrente, além do mais, que, sendo as menores filhas de residente permanente da RAEM, nascidas fora de Macau e com ascendência chinesa, deveriam, desde logo, ser consideradas residentes permanentes, à luz do preceituado na al. 3) do n.º 1 do art. 1° da Lei 8/1999 de 20/12.
    Não nos parece. A razão é evidente : a norma não contempla os menores de "ascendência chinesa", mas sim de "nacionalidade chinesa", coisa bastante diferente e que, no caso, não sucede, já que as menores em causa, conforme facilmente se alcança dos elementos juntos aos autos (cfr. fls. 59 e 60), são de nacionalidade australiana.
    Sensibilizam-nos, porém, relativamente a tais menores, duas outras ordens de questões :
    - por um lado, não se alcança que o instituto familiar da paternidade seja susceptível de dissolução por via da morte do progenitor:
    - por outro, quiçá pela razão referida, é a própria lei (n.º 2 do art. 21°, R.A. 5/2003) a prever que a autorização deferida aos filhos menores de residentes permanentes nascidos fora da RAEM não é sujeita a renovação, motivos por que mal se alcança a validade da declaração de caducidade da autorização de residência das menores em questão na Região e, daí, afigurar-se-nos merecer, por esta via, provimento o recurso.
    Nestes parâmetros, porque o acto se apresenta cindível e porque não se vê que, a perfilhar-se o entendimento supra referente às menores, o mesmo haja que, forçosa e automaticamente, prejudicar o conhecimento do indeferimento relativo à recorrente/mãe, seríamos, neste passo, tentados à abordagem de tal matéria (designadamente no que tange à desrazoabilidade do exercício de poderes discricionários, inadequação e desproporção da medida e afectação da unidade e estabilidade familiares, nos termos adiantados pela recorrente), à luz do contexto acima enunciado relativamente àquelas.
    Afigura-se-nos, porém, que, não tendo sido esse o pressuposto em que se fundou a Administração para o indeferimento registado, não poderá à mesma ser retirada a prerrogativa de, assim o entendendo, configurar, de novo, a situação, sendo certo que, a terem-se como boas as razões que acima se explanaram, não poderá o acto deixar de ser anulado.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
    1. A Primeira Recorrente e o seu falecido marido, D, residente permanente da RAEM, conheceram-se na Austrália, em 2001,
    Onde contraíram casamento em 16 de Abril de 2003.
    O falecido D cresceu em Macau, sendo titular de Passaporte da RAEM e de Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau.
    A Primeira Recorrente veio residir para Macau, com o seu marido, em 2006, tendo aqui fixado residência por motivo de junção conjugal.
    Em Agosto de 2007, a família deixou de viver em Macau com carácter habitual, tendo passado a viver entre Jakarta, Indonésia e Xiamen, China, onde o marido da Recorrente mantinha um negócio familiar.
    As duas filhas do casal, B e C, nasceram na Austrália, respectivamente, em 24 de Maio de 2007 e 17 de Dezembro de 2009.
    Em Fevereiro de 2011, a D foi diagnosticado com um tumor maligno nas vias hepáticas,
    Altura em que a família decidiu fixar residência em Xiamen, China, onde se situava o negócio familiar.
    Contudo, após procedimentos cirúrgicos e várias tentativas de tratamento em Shanghai, a Recorrente e os seus familiares ficaram cientes de que a morte do D seria um evento inevitável,
    Tendo a família decidido regressar para Macau, em Fevereiro de 2012, para aqui o D passar os seus últimos dias.
    Assim, em inícios de 2012, D voltou a requerer a residência em Macau para a sua mulher e filhas por motivo de junção conjugal, a qual foi deferida.
    Em consequência, a Primeira Recorrente voltou novamente a ser titular de BIR de Macau (não permanente) em 6 de Setembro de 2012, com validade até 11 de Julho de 2013,
    E as filhas do casal passaram a ser titulares de BIR de Macau (não permanente) em 6 de Setembro de 2012, com validade até 6 de Setembro de 2017.
    
    D veio a falecer no Hospital Kiang Wu, em 2 de Junho de 2012, vítima de neoplasia maligna do fígado e dos duetos biliares.
    Era expressa vontade do D que a sua família permanecesse em Macau ao cuidado da sua mãe, E, residente permanente da RAEM.
    Depois da morte dolorosa do seu marido e chefe de família, a Primeira Recorrente continuou a viver com as suas duas filhas em Macau, tendo aqui constituído residência habitual.
    A Primeira Recorrente vive com as suas filhas numa casa que é propriedade plena da sua sogra, E.
    Além de ter ajuda financeira da sua sogra, E, para as despesas diárias,
    A Primeira Recorrente é titular única de um depósito bancário, que lhe permite fazer face a qualquer imprevisto.
    Assim, embora a Primeira Recorrente não se encontre neste momento a trabalhar,
    Tem condições económicas para permanecer em Macau e sustentar as suas filhas, sem dificuldades.
    A Primeira Recorrente é licenciada em Marketing pela Universidade Monash, Austrália.
    Pelo que a Primeira Recorrente pretendia eventualmente procurar emprego em Macau, mas apenas quando ela estivesse mais recuperada da morte do seu jovem marido e as suas filhas mais crescidas e mais recuperadas da morte do seu pai.
    As Recorrentes têm permanecido em Macau honestamente,
    As filhas menores da Primeira Recorrente encontram-se a estudar, com bons resultados.
    As Recorrentes encontram-se plenamente integradas em Macau a todos os níveis, designadamente, familiar, social e económico.
    Ter de abandonar repentinamente Macau, depois de mais de dois anos de vida estável na RAEM, implica, portanto, um profundo transtorno e grave constrangimento na vida das Recorrentes,
    Implicando a desintegração do seu lar, e retirando-as da convivência que mantêm em Macau, junto da avó paterna.

    2. A Primeira Recorrente foi notificada do despacho recorrido nos seguintes termos:
    “SERVIÇO DE MIGRAÇÃO
    Notificação n.º: NOT.520/14/E
Vem notificar A (titular do Passaporte da Indonésia n.º V33XXXX), em relação ao requerimento juntado no dia 11 de Junho de 2013 a pedir a renovação da autorização da residência, o Secretário para a Segurança concorda com o parecer no relatório n.º MIG. 1112a/2013/E do Serviço de Migração deste Corpo, proferindo o despacho de “não se autoriza” no dia 27 de Fevereiro de 2014. Ao mesmo tempo, declara que fica caduca a autorização da residência das duas filhas da V. Ex., B (titular do passaporte de Austrália n.º N47XXXXX) e C (titular do passaporte de Austrália n.º N167XXXXX).
    Ora reproduz em seguinte o conteúdo do parecer do aludido relatório:
“1. A interessada Sra. A e as duas filhas B e C foram autorizadas da residência no dia 12 de Julho de 2012 com vista a reunir com o cônjuge/pai em Macau.
2. A interessada A pretende pedir a renovação da autorização da residência, a certidão de narrativa do registo de óbito que apresentou demonstra que o cônjuge da interessada, D, faleceu no dia 2 de Junho de 2012, desta mesma situação resulta que o fundamento para a concessão da autorização da residência não existe mais; pelo que, o tal pedido de renovação da autorização não deve ser aprovado; enquanto a autorização de residência às duas filhas é declarada caduca.
3. Após a audiência escrita, a interessada juntou a declaração ao nosso Serviço.
4. Após analisar o presente processo em geral, uma vez que o cônjuge da interessada tinha falecido antes de ser concedida a autorização da residência, pelo que, tendo em consideração os dispostos do art.º 9º, noº2, al. 3) da Lei n.º 4/2003, e o art.º 22º, noº2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, promove que não autorize o pedido de renovação de residência da interessada. Ao mesmo tempo, tendo em consideração do art.º 9º, noº2, al. 3) da Lei n.º 4/2003, e o art.º 24º, noº1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, promove que declare a caducidade da autorização de residência das duas filhas da interessada.”

    O aludido acto administrativo pode deduzir o recurso contencioso junto ao Tribunal da Segunda Instância conforme o art.º 25º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
    
Chefe do Comissariado de Estrangeiros
(ass.) vide o original
Comissário XXX
Aos 17 de Março de 2014”

3. O despacho recorrido baseou-se no seguinte parecer:

“1. A interessada Sra. A e as duas filhas B e C foram autorizadas da residência no dia 12 de Julho de 2012 com vista a reunir com o cônjuge/pai em Macau.
2. A interessada A pretende pedir a renovação da autorização da residência, a certidão de narrativa do registo de óbito que apresentou demonstra que o cônjuge da interessada, D, faleceu no dia 2 de Junho de 2012, desta mesma situação resulta que o fundamento para a concessão da autorização da residência (reunião com o cônjuge em Macau) não existe mais; pelo que, o tal pedido de renovação da autorização não deve ser aprovado; enquanto a autorização de residência às duas filhas é declarada caducada.
3. Após a audiência escrita, a interessada juntou a declaração ao nosso Serviço. (anexo 21)
4. Após analisar o presente processo em geral, uma vez que o cônjuge da interessada tinha falecido antes de ser concedida a autorização da residência, pelo que, tendo em consideração os dispostos do art.º 9º, noº2, al. 3) da Lei n.º 4/2003, e o art.º 22º, noº2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, promove que não autorize o pedido de renovação de residência da interessada. Ao mesmo tempo, tendo em consideração do art.º 9º, noº2, al. 3) da Lei n.º 4/2003, e o art.º 24º, noº1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, promove que declare a caducidade da autorização de residência das duas filhas da interessada.
5. À vista do Exmo. Comandante.
Aos 07 de Fevereiro de 2014
Chefe do Serviço de Migração
(Ass.)vide o original
XXX, Intendente”

4. Do PA colhe-se ainda o seguinte Relatório, relativo ao referido assunto:
“Assunto: Pedido da renovação da autorização de residência
Relatório Complementar n.º MIG.1112a/2013/E
Data: 28/01/2014
1. Em relação à renovação da autorização de residência da Sra. A, elaboramos o relatório n.º MIG.1112/2013/E; ao entender deste comissariado, promove o superior não aprovar o aludido pedido; e declarar caduca a autorização de residência concedida às suas duas filhas B e C, fundado da reunião com o pai em Macau.
2. No dia 27 de Janeiro de 2014, em virtude do falecimento do cônjuge da interessada, ao abrigo do art.º 94º do Código do Procedimento Administrativo, notificamos oficialmente a interessada o nosso parecer por “audiência escrita”; esta podia alegar por escrita sobre a proposta dentro de 10 dias, vide em pormenor a notificação MIG.251/2013/P.2.124. (anexo 20)
3. No dia 27 de Janeiro de 2014, a interessada apresentou a declaração neste comissariado (anexo 21), a declarar que “… uma vez que as filhas estão a estudar em Macau, que precisam ela cuidar delas, pelo que, é desejado que seja aprovada a renovação. …. Ela própria veio fixar residência em Macau é porque o marido queria que as duas filhas crescer e estudar em Macau. Antes de migração, o marido já tinha tudo preparado. Ela própria também entende que em Macau tem melhor ambiente e o regime educativo. ….... Ela própria também pretende trabalhar em Macau, não consegue porque não tem bilhete de identidade válido. ……”(vide a mesma declaração)
4. Ao apurar o registo fronteiriço, durante o meio ano passado (Julho de 2013 até Dezembro de 2013), a interessada e as suas duas filhas respectivamente permaneciam em Macau por 179, 133 e 188 dias.
5. À vista do superior.

Elaborador
(Ass.) XXX
Chefe do Comissariado de Estrangeiros, em substº
(Ass.) vide o original
XXX subcomissário”


    IV - FUNDAMENTOS
    1. O caso
    Trata-se de uma situação em que um nacional chinês, D, residente permanente na RAEM, que cresceu e estudou em Macau resolveu emigrar, em 2007, para Jakarta, onde montou um negócio.
    Em 2001, na Austrália, conheceu a recorrente A, indonésia, com ela vindo a casar, em 2003.
    A vem a Macau, em 2006, aqui fixando residência por motivo de junção familiar.
    Em 2007, a família deixa de viver em Macau e vai para Jakarta, onde mantinha um negócio.
    Tiveram duas meninas, que nasceram na Austrália, em 2007 e 2009, e, por isso, adquiriram nacionalidade australiana.
    Em 2011, é diagnosticado um cancro a D, passando a família a fixar-se em Xiamen, China, onde aí possuíam um negócio.
    Vêm para Macau em 2012, sendo a família, mulher e filhas autorizadas a residir aqui.
    D morre em 2012 e toda a família passa a ser amparada material e espiritualmente pela avó paterna das crianças, pessoa com meios para tanto, que desveladamente tem tratado das suas netinhas, substituindo-se ao “chefe de família”, entretanto desaparecido.
    
    2. As recorrentes nas suas alegações de recurso proferem o seguinte clamor:
    “A verdade nua e crua dos factos em discussão nos presentes autos é esta: as autoridades públicas da RAEM decidiram expulsar uma mãe e duas filhas do território da RAEM pelo facto de o marido da primeira e pai das segundas ter morrido.
    Ou seja, as Recorrentes não só tiveram que passar pelo infortúnio de ficarem sem marido e sem pai, como, por esse mesmo facto, vêem-se confrontadas com uma decisão que as expulsa do território onde são Residentes e onde sempre viveram em família (ainda que com alguns interregnos).
    O acto recorrido é, por isso, e antes de tudo o mais, um acto profunda e chocantemente INJUSTO, o que é bastante para que este Venerando Tribunal e, em particular, V. Exa., que tem como nobre função servir e administrar a justiça, anule o acto recorrido e, assim, corrija a tamanha injustiça que tal acto impõe sobre as Recorrentes.
    É essa, acima de qualquer outra, a função dos Tribunais: fazer Justiça.”
    3. Da falta de fundamentação do acto recorrido
    Sustentam as recorrentes que, visto o texto do despacho recorrido, se indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência da Primeira Recorrente e se declarou caducada a autorização de residência das suas filhas menores em virtude de ter sido efectuada uma aplicação indiscriminada, discricionária e irrazoável da alínea 3 do n.º 2 do art. 9º da Lei 4/2003 e do n.º 2 do art.º 22º e n.º 1 do art.º 24º do Regulamento Administrativo 5/2003, dispositivos estes que estabelecem os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência.
    Com efeito, a Entidade Recorrida justifica a sua decisão com base no requisito "finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade" (alínea 3 do n.º 2 do art. 9º da Lei 4/2003), pressupondo as ora Recorrentes (uma vez que isso não resulta claro da notificação supra referida) que será a alegada falta de preenchimento deste requisito que dá lugar à não renovação da autorização de residência da Primeira Requerente (n.º 2 do art.º 22º do Regulamento Administrativo 5/2003) e à caducidade da autorização de residência das menores B e C (n.º 1 do art.º 24º do Regulamento Administrativo 5/2003).
    Não têm inteira razão as recorrentes quanto a esta particular alegada falta de fundamentação, na medida em que se alcançam, pelo menos genericamente, do despacho proferido as razões da não renovação da autorização de residência e o cancelamento da autorização de residência das crianças.
    No fundo, foi porque o pai morreu e deixaram de subsistir as razões que motivaram a concessão da autorização, ou seja a união familiar.
    Boas ou más razões o despacho está fundamentado e ficamos a saber o porquê da decisão.
    Aliás, são as próprias recorrentes que se focam noutros vícios, enquanto dizem que “Ressalvado o devido respeito por opinião contrária, afigura-se às ora Recorrentes que a (quase inexistente) fundamentação acima aduzida contamina a decisão recorrida dos vícios de violação de princípios fundamentais da RAEM e violação de lei por erro manifesto e por total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários, previstos na al. d) do n.º 1 do art.º 21.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.”
    Mas não ficamos a saber se foram ponderados determinados elementos que se afiguram relevantes.
    Vamos, no entanto deixar esta porta entreaberta.
    4. Da violação de lei; do erro manifesto
    4.1. Defendem as recorrentes que este vício se baseia na inverificação do pressuposto da alínea 3) do n.º 2 do RA n.º 4/2003, pois a entidade recorrida fundamenta a sua decisão, sem demonstrar minimamente como é que a morte do D, falecido marido da Primeira Recorrente e pai das menores, B e C, torna não verificado o requisito "3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade".
    Mais: o entendimento de que a Primeira Recorrente, cônjuge supérstite, não reúne os pressupostos para a renovação da autorização de residência e de que as recorrentes, filhas do casal, decaíram nos pressupostos sobre os quais se tinha fundado a respectiva autorização de residência, apenas pelo infortúnio da morte do seu marido e pai, revela erro manifesto por parte da Entidade Recorrida e um manifesto abuso dos poderes de discricionariedade de que é titular na apreciação dos pressupostos acima enunciados.
    
    4.2. Desde logo se verifica que, na sua alegação, as recorrentes misturam a concretização dos vícios assacados ao acto, ora falando em errada interpretação da lei, ora em erro nos pressupostos de facto, ora abuso da discricionariedade.
    
    4.3. Atentemos no artigo 9.º do Regulamento Administrativo 4/2003 enumera alguns dos pressupostos a ter ("nomeadamente") em conta na decisão de concessão de autorização de residência:
    
    "Autorização de residência
    Artigo 9.º
    Autorização
    1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
    2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
    1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.Q da presente lei;
    2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
    3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade:
    4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
    5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
    6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
    
    3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência."
    
    4.4. Alega-se que a decisão tomada se revela, nas circunstâncias concretas do caso, gravemente violadora da lei, incorrendo em erro manifesto, pois tendo em conta as circunstâncias do agregado familiar e a lei aplicável a Administração deveria ter decidido em sentido diverso.
    De facto, nos termos do n.º 1 do Artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 o agregado familiar do residente (o D) são o seu cônjuge (alínea 1)) e os descendentes de primeiro grau (alínea 4)).
    Também é certo que que as filhas do residente permanente não deixaram de o ser pelo facto da morte do seu pai, pelo que para as recorrentes, obviamente, não decaíram nos pressupostos e requisitos para as respectivas autorizações de residência, não havendo sequer lei que justifique a decisão ora recorrida, enquanto para a entidade recorrida, por tal facto, já não se mantém o pressuposto da reunião familiar que terá presidido à concessão da autorização de residência e do estatuto de residente não permanente.
    4.5. Não vamos entrar, por agora, na dissecação deste argumento, pois a sua análise constitui o cerne da questão que resolve o presente recurso. Ou seja, no fundo, o que interessa é saber se se verifica o requisito legal da manutenção dos pressupostos da permanência da autorização de residência, ou, mesmo a considerar que sim, formalmente, se houve violação da adequação e razoabilidade na medida tomada.
    4.6. Defendem as recorrentes que as filhas menores deveriam ter adquirido o mesmo estatuto que o seu falecido pai, ou seja, deveriam ter adquirido o estatuto de residentes permanentes da RAEM, uma vez que são filhas menores de residente permanente nascidas fora da RAEM, nos termos do artigo 21.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, residência essa que não está sequer sujeita a qualquer renovação.
    
    4.7. Não têm razão.
    Esse artigo estabelece o seguinte:
    “1. Aos filhos, menores, dos residentes permanentes e dos titulares dos documentos referidos no n.º 3 do artigo 10.º da lei de princípios, nascidos fora da RAEM e aos quais seja concedida a autorização de residência nos termos do artigo 14.º, é aplicável, com as necessárias adaptações, o procedimento previsto no n.º 6 do artigo 19.º
    2. A autorização deferida aos menores a que se refere o número anterior não é sujeita à renovação prevista no artigo seguinte.”
    
    Decorre ainda da Lei 8/1999 que são residentes permanentes da RAEM os filhos dos residentes permanentes da RAEM de ascendência Chinesa nascidos fora de Macau (alínea 3 do n.º 1 do Artigo 1.º): 1. São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
    “(…)
    3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);”
    
    Esta lei parece ser consentânea com a da Lei Básica que estabelece no artigo 24º:
    “Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
    São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
    1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
    2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
    3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
    4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
    5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
    6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
    As pessoas acima referidas têm direito à residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.
    Os residentes não permanentes da Região Administrativa Especial de Macau são aqueles que, de acordo com as leis da Região, tenham direito à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau, mas não tenham direito à residência.”`
    
    4.8. Isto é, para a Lei Fundamental, só serão residentes permanentes os filhos dos residentes permanentes, de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes.
    Da conjugação das diversas normas, resulta, contrariamente ao defendido, que o estatuto de residentes permanentes, em relação às crianças, delas não emerge minimamente. Para que os filhos de residente permanente, nascidos fora de Macau, beneficiassem de tal estatuto, precisavam de ser nacionais chineses, o que não é o caso, pois as crianças, ao adquirirem a nacionalidade australiana, perderam a chinesa, como claramente flui da Lei da Nacionalidade da República Popular da China, publicada no BO n.º 1/1999, de 20/Dez, Adoptada em 10 de Setembro de 1980 pela 3ª Sessão da 5ª Legislatura da Assembleia Nacional popular, promulgada em 10 de Setembro de 1980 pelo Decreto do Presidente do Comité Permanente da assembleia Popular Nacional n.º 8.
     A questão que resta é a de saber se, uma vez concedida a autorização de residência deferida aos menores, nos termos do n.º 2 do artigo 21º do RA n.º 5/2003, não carece de renovação, tal como a lei diz, ou se por essa razão se entende que está sujeita à caducidade nos termos do art. 24º do mesmo Regulamento Administrativo.
    Aqui são possíveis duas interpretações: ou se entende que a caducidade da autorização nada tem a ver com a renovação de residência, mas, aí, não faria sentido a necessidade de uma autorização e, concedida esta, adquiria-se o estatuto de residente permanente; ou a caducidade da autorização seria para os casos de incompatibilidade com uma residência na RAEM, como seria o caso de os interessados deixarem de ter o seu domicílio na RAEM. A primeira das interpretações não faz sentido, sob pena de esvaziar o sentido da utilidade ou necessidade de uma autorização; já a segunda nos parece mais razoável. Não há necessidade de renovação quando essas pessoas, os filhos dos residentes aqui permanecerem, o que se conjuga, no fundo, com a ligação às suas raízes e à terra dos seus progenitores ou, numa interpretação mais restritiva, caduca a autorização, não apenas quando aqui deixarem de residir, mas também quando desapareçam os pressupostos que levaram à autorização.
    Não vamos tomar posição sobre qual das interpretações possíveis, constatando apenas que os filhos dos residentes nascidos fora de Macau têm um tratamento especial e beneficiam de algo mais em relação aos outros no que tange à renovação.
    Mas se bem atentarmos, não foi uma não renovação de autorização de residência aos menores, antes um cancelamento de autorização de residência a quem aqui permanecia.
    Pior, a nosso ver, no que aos menores respeita.
    Assim, considerando que, sob um ponto de vista puramente formal, aparentemente, a lei não foi postergada, vamos prosseguir.
    
     4.9. Da falta do pressuposto relativo ao preenchimento da previsão da norma quanto à manutenção das finalidades por que foi autorizada a residência.
     A lógica do acto impugnado é a de que o pai morreu e se a família foi autorizada à junção, tal pressuposto desapareceu.
    Vamo-nos centrar, por agora, apenas nas crianças e vamos deixar a mãe de parte.
    A família, no seu conceito mais puro não desaparece com a morte. É a memória, o nome, os laços parentais, os restos mortais, que ficam e continuam a ligar, muito particularmente os filhos aos pais que partiram.
    É verdade que tudo isto pode ser cultivado à distância, com excepção do culto dos mortos e respectivo cerimonial, mas até isto pode ser minorado com as deslocações que se possam fazer.
    O que sobressai, no entanto, é uma situação de infortúnio que atingiu aquela família, que ocorreu, não por sua vontade, mas por motivo e força alheia ao seu desígnio.
    Até aqui, no entanto, ainda não nos deparámos com uma razão jurídico-formal capaz de abalar o acto que foi praticado.
    A abordagem passa, então, pela indagação da verificação do pressuposto relativo às finalidades que levaram à concessão.
    Deixámos uma porta aberta em dois momentos, quando dissemos que a fundamentação do acto se limitou a indicar a norma donde depreendemos que estava em causa a cessação das finalidades que motivaram a autorização, a da junção familiar e quando dissemos que a lei prevê a desnecessidade da renovação nos casos de permanência dos filhos dos residentes permanentes, ainda que não olvidando a possibilidade de caducidade da autorização concedida.
     4.10. Não obstante a morte do pai, certa esfera jurídica material e imaterial do pai continua em Macau e daí entendermos que se mantém essa ligação, por via do uso dos apelidos do falecido, do direito à herança, aos alimentos, à permanência na casa da morada de família, à comunicabilidade do direito ao arrendamento, ao direito a alimentos em relação aos seus antecedentes, em particular à avó que tudo lhes providencia, a relação de afectividade com a família do falecido, pelas memórias e pela cultura transmitida.
    Quadro que aponta ainda para uma ligação ao falecido e que, a nosso ver, pode passar pela junção familiar, ainda que em torno do falecido.
    As recorrentes continuaram a ter em Macau o seu centro de vida estável e a viver na casa de morada de família, propriedade da mãe do falecido, não chocando, antes pelo contrário, que a morte de um residente permanente não implique automaticamente a perda do direito de residência dos seus filhos em idade escolar, bem como da pessoa que tenha a sua guarda efectiva (para não provocar nem a desintegração da unidade familiar, nem a abrupta cessação dos estudos dos filhos dos nacionais).
    Tanto mais que o n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, prescreve que na decisão de atribuição de autorização de residência deverá atender-se a, nomeadamente, a um conjunto de aspectos, a saber:
    
    - Antecedentes criminais ou comprovado incumprimento das leis da RAEM;
    - Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
    - Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
    - Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
    - Laços familiares do interessado com residentes da RAEM; e
    - Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
    
    4.11. Sustentam as recorrentes que, pela análise do caso concreto, se verifica que a Primeira Recorrente (bem como, de resto, as suas filhas) preenchem todos os requisitos da lei: não têm antecedentes criminais, tem comprovados meios de subsistência, a finalidade pretendida com a residência na RAEM é legal e legítima, qual seja a continuação da família na residência de família escolhida pelo cônjuge falecido, e tem laços familiares com residentes permanentes na RAEM, laços esses que sobrevivem à morte do seu cônjuge (tudo o que está devidamente comprovado no seu processo de renovação de residência).
    É verdade que não existe nada na lei que determine a caducidade ou recusa automática da renovação de autorização de residência em caso de morte do cônjuge,
    Mas isso não impede que a Administração possa fazer a avaliação da situação concreta e, perante os elementos enfrentados, dentro da sua actividade discricionária, que tome a posição que entenda ser a que melhor prossegue os interesses gerais e da RAEM.
    O problema com que nos defrontamos, perante uma situação com contornos de dimensão humana muito expressivos - é sempre a situação das crianças e o seu destino que nos sensibiliza - é o de saber qual o destino dessas crianças, ainda por cima de ascendência chinesa e que se vêem erradicadas da terra, parte da China, que o seu pai escolheu para elas.
    Não se mostra que tenham qualquer ligação à Austrália, onde terão nascido, numa passagem, num momento da vida do pai, tendo adquirido a nacionalidade australiana via “jus soli”.
    A mãe, indonésia, sempre as pode levar para a sua terra, dir-se-á. Mas quem nos diz que a Indonésia, tal como acontece com a lei da nacionalidade chinesa, não as reconhece no seu seio, exactamente porque adquiriram uma outra nacionalidade?
    São estas questões e a interrupção de uma ligação escolar, familiar, afectiva à avó materna e as sequelas que advirão desse corte que nos fazem vacilar.
    Será que esta problemática, devendo ser equacionada, como vimos, face ao disposto no n.º e do artigo 9º da Lei n.º 4/2003, acima citado, o foi realmente?
    Essa ponderação não se colhe do despacho proferido e aqui voltamos a reentrar na questão que deixámos entreaberta em sede de fundamentação.
    É que ficamos sem saber se estamos perante uma interpretação aleatória de conceito indeterminado constante da lei.
     5. Da desnecessidade, desproporcionalidade, inadequação, desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários e da violação intolerável da justiça e dos princípios fundamentais da RAEM
    Com o que vimos dizendo, estamos a entrar num domínio em que a decisão tomada, pelas consequências que daí advirão, se mostra extremamente gravosa e, mesmo que se entenda que não houve erro, afigura-se estarmos perante uma solução menos razoável, sabendo-se que só por manifesta desproporcionalidade ou irrazoabilidade devem os tribunais intervir, devendo esses caso ser contados e excepcionais.
    O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5° do CPA, deve, neste caso, ser entendido como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, seja na relação custos-benefícios.
    Da decisão ora recorrida decorre a consequente necessidade de as crianças abandonarem Macau, onde têm o seu centro de vida estável, desestruturando-se a sua vida pessoal, familiar e social e quebrando-se as expectativas legítimas quanto à conservação de efeitos jurídicos de acto administrativo anterior.
    Se o pai fosse vivo aqui continuariam, sem necessidade de renovação.
    A Primeira Recorrente e as suas filhas encontram-se plenamente integradas a todos os níveis em Macau, designadamente, familiar, social e económico, e o acto recorrido implica a desintegração do seu lar, retirando-as da convivência que mantêm em Macau, junto da avó paterna.
    Mas o que nos sensibiliza é a situação das crianças, sendo que a da mãe vem por arrasto.
    Configura-se a eventualidade de ter havido um excesso nos meios que o acto adopta em relação ao fim que a lei persegue ao dar à Administração os poderes que esta exerce. Não estamos a dizer que esta não foi motivada por interesses superiores legítimos, mas tão-somente, cura-se de indagar se a outra dimensão, a dos interesses concretos e particulares atingidos, foi ponderada e se uma outra situação não pode ser compatibilizada com os outros interesses que prevaleceram.
    Sempre temos dito e reafirmado que não cabe aos tribunais imiscuir-se nas tarefas da Administração, mas os tribunais também não podem deixar de intervir em situações pontuais e sensíveis, também em nome dos superiores interesses e princípios que regem o nosso ordenamento.
    Com efeito, percebe-se, por um lado, que o interesse público subjacente a um acto limitativo das autorizações de residência, se prendem com razões de segurança pública interna, recusa de entrada de "indesejáveis", de um aumento populacional desequilibrado, dos custos sociais inerentes que cada residente arrasta para os cofres da RAEM, mas, por outro lado, o nosso ordenamento não deixa de contemplar as situações carentes de humanidade, a contemplação da situações concretas carenciadas e é, desse balanceamento que se conseguem as soluções mais justas, sempre dentro do respeito pela lei.
    
    6. Da protecção familiar
    6.1. Já não se acompanha a argumentação das recorrentes quando invocam a violação da Lei Básica que consagra a protecção familiar no art. 28º e se pretende a violação dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei número 6/94/M, de 1 de Agosto (Lei de Bases da Política Familiar da RAEM), bem como do artigo 15.º
    É verdade que o ordenamento jurídico da RAEM protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, plasmado no artigo 38.º da lei Básica, bem como nos artigos 1°, 2° e 3° da lei n.º 6/94/M de 1 de Agosto, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados, não deixando contudo de ter que se encontrar o equilíbrio entre os diversos princípios e valores que devem igualmente ser prosseguidos pela Administração.
    
    Não obstante aquela consagração importa atentar que o direito à protecção da família não passa necessariamente pela junção familiar em Macau, sob pena de termos de admitir que a autorização de residência individual passaria automaticamente a ser alargada para toda a família de qualquer interessado que viesse a Macau para aqui trabalhar.
    Esta interpretação tem sido a acolhida neste Tribunal, já se tendo afirmado por várias vezes que a protecção da unidade familiar não passa necessariamente pela garantia de reunião de familiares que se encontrem no Exterior.1
    
    É exemplar, a este propósito, a seguinte passagem extractada de um acordão do V.º TUI, reflectindo jurisprudência unânime que se lhe seguiu:
«Os recorrentes entendem que a decisão recorrida - ao não autorizar a permanência dos filhos da recorrente em Macau - viola o disposto no art. 1.º n.° 1 e 3.º da Lei 6/94/M de 1 de Agosto, mormente o direito que a lei confere aos cidadãos de constituírem família.
É fora de dúvida que a Lei Básica confere aos residentes a liberdade de contrair casamento e o direito de constituir família e de livre procriação (art. 38.º, 1.º parágrafo).
O direito a constituir família significa que duas pessoas de sexo oposto, em idade de procriar, têm o direito de estabelecer vida em comum.
Recorde-se que de acordo com o n.º 1 do art. 23.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, “A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção da sociedade e do Estado”. E, dispõe o n.º 2 do mesmo art. 23.º do mencionado Pacto que “O direito de se casar e de fundar uma família é reconhecido ao homem e à mulher a partir da idade núbil”.
Embora o direito a constituir família já implique o direito à livre procriação, a Lei Básica reconhece expressamente este último direito.

Os direitos mencionados são reconhecidos aos residentes, entendendo-se por estes os residentes permanentes e os residentes não permanentes. Os residentes permanentes têm direito à residência na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) e os residentes não permanentes não têm direito a tal residência (art. 24.º da Lei Básica).

A Lei Básica, no seu art. 43.º, equipara as pessoas que não sejam residentes de Macau, mas se encontrem na Região, aos residentes, para o efeito do gozo dos direitos e liberdades dos residentes previstos no Capítulo III da Lei Básica.
Contudo, há uma importante diferença entre o gozo dos direitos fundamentais previstos na Lei Básica por parte dos residentes e por parte dos não residentes: quanto aos residentes, a lei ordinária não pode restringir o conteúdo dos direitos previstos na Lei Básica, a menos que esta expressamente o admita. Mas já o pode fazer quanto aos não residentes, pois que, nos termos do referido art. 43.º, o gozo dos direitos fundamentais por parte dos não residentes é feito “em conformidade com a lei”. Quanto aos não residentes, a lei – entendendo-se aqui a expressão como significando lei formal da Assembleia Legislativa - pode prescrever discriminações entre residentes e não-residentes e, portanto, pode prever excepções e limitações ao princípio da equiparação entre residentes e não residentes.
De qualquer maneira, ainda que a recorrente fosse uma residente – e não é – não teria um direito a que os seus filhos permanecessem em Macau, desde que estes não tivessem, por si, o direito a residir na Região, como é o caso.
É que, se é certo que, tanto a Lei Básica (art. 38.º ), como o art. 1.º, n.º 1 da Lei de Bases da Política Familiar (Lei n.º 6/94/M, de 1 de Agosto) reconhecem a todos o direito a constituir família, este direito não abrange o direito à permanência dos filhos em Macau.
Uma coisa é a liberdade de contrair casamento e de procriar livremente, que são reconhecidos aos que residam ou permaneçam em Macau. Coisa diferente é o direito dos residentes ou não-residentes a ter os seus filhos em Macau, que não existe genericamente, a não ser nos casos previstos na lei.»2
    
    6.2. A separação familiar é uma contrariedade dos trabalhadores não residentes que se contrapõe às vantagens que decorrem desse estatuto, cabendo aos próprios ponderar as vantagens e os inconvenientes, pelo que não pode afirmar-se que a Administração viola os princípios de protecção à família quando decide em nome de outros interesses e no uso legítimo do seu direito de concepção e execução das suas políticas migratórias, ao que se não opõem o Direito Interno e Internacional.
    
    Não há, pois, qualquer violação da Lei Básica, v. g. do artigo 38º da LB, porquanto, como é óbvio, não é por causa do acto praticado que se impede a reunião, harmonia e manutenção da estabilidade familiar.
    É certo que a maioria dos casos respeita a quem está fora e pretende vir para Macau, mas casos tem acontecido de trabalhadores que aqui tiveram os seus filhos e se vêem necessidade de os ver partir.
    Esta situação até aí é um pouco diferente, mas não nos pronunciamos no sentido da violação de lei com tal fundamento.
    7. Em suma…
    O que fica, aliás, na esteira do próprio Ministério Público, é uma dúvida muito grande, não esclarecida, sobre a ponderação entre o sacrifício dos interesses das crianças e os interesses públicos prosseguidos, sendo que, à míngua de outros elementos, a decisão tomada configura uma situação injusta, porque conformada a partir de um acontecimento de infortúnio que atingiu aquela família, não dando resposta à situação humana em presença e às necessidades daquelas crianças que aqui criaram raízes, afigurando-se desrazoável.
    Nesta conformidade por falta de elementos donde se possa compreender a decisão tomada, em termos de ponderação do sacrifício e prossecução dos diferentes interesses em presença, somos a concluir por violação do princípio da adequação, razoabilidade e proporcionalidade .
    
     V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao presente recurso contencioso e, em consequência, em anular o acto recorrido.
    Sem custas, por delas estar isenta a entidade recorrida.
                 Macau, 21 de Maio de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Fui presente
Mai Man Ieng
1 - V.g. Ac. do TSI de 16/12/2010, Proc. n.º 167/2009; de26//7/2012, Proc. n.º 766/11
2 - Ac. TUI, de 10/1/2007, Proc. n.º 39/2006
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255/2014 44/44