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Processo nº 357/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 11 de Junho de 2015

ASSUNTO:
- Impugnação da decisão da matéria de facto

SUMÁRIO:
- Não pode, tal como é pretendido pela Autora, a partir da existência duma discussão em voz alta entre o condutor do autocarro e ela própria, retirar a conclusão ou a presunção de que a sua queda do autocarro tenha sido resultado do susto e medo causados pela má atitude do referido condutor, já que não existe qualquer consequência lógica e muito menos necessária entre a discussão em voz alta e a queda da Autora do autocarro, como resultado do susto e do medo causados por aquela discussão.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 357/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 11 de Junho de 2015
Recorrente: A (Autora)
Recorrida: Companhia de Seguros B, SARL (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 18/07/2014, julgou-se improcedente a acção e, em consequência, absolveu-se a Ré, Companhia de Seguros B, SARL, do pedido formulado pela Autora, A.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. 在本案中,經庭審聽證後,初級法院判處原告的訴訟請求不成立,最主要是初級法院認為是次意外並不涉及任何不法事實又或風險責任。
II. 然而,上訴人認為,初級法院在審理調查基礎內容第3條,第9條至第11條問題時對證人證言存在錯誤的理解。
III. 根據庭審錄音資料顯示,證人C確認上訴人與巴士司機之間的確發生聲響頗大的爭論。
IV. 上訴人認為,初級法院不應因證人未能清晰複述當時巴士司機與上訴人的對話內容而認定審理調查基礎內容第3條,第9條至第10條問題不被證實。
V. 事實上,結合所有的證據,初級法院應該可以得出一個完全合乎邏輯的結論,就是巴士司機當時的確以一個惡劣的態度去催促上訴人離開巴士。
VI. 而由於巴士司機以不合適及不友善的態度去對待上訴人而使之受到驚嚇。
VII. 由於年紀老邁的因素,上訴人因匆忙下車而跌倒受傷。
VIII. 因此,上訴人認為,調查基礎內容第3條,第9條至第10條問題應被認定為得以被證實。
IX. 作為一名服務於乘客的大眾交通工具的駕駛者,被上訴人所僱用的巴士司機理應以禮對待每一位乘客
X. 被上訴人的僱員D理應明白,其高聲斥喝及催促年紀老邁的乘客下車,絕對有可能會致使其跌倒而受傷。
XI. 然而,被上訴人的僱員仍然採用此不合適的態度去提供服務。
XII. 因此,被上訴人的僱員D對此存在過失,而其行為與上訴人受傷存在因果關係。
XIII. 根據《民法典》第477條第1款之規定,上訴人理應有權獲得賠償。
XIV. 由於上訴人所受的傷害是在乘搭被上訴人的交通工具時所引致,而肇事的車輛MK-69-XX已向被上訴人投保,根據第57/94/M號法令第3條、第6條第1款及第45條的規定,向上訴人作出賠償的責任應該由被上訴人承擔。
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A Ré respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 271 a 275v dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- Em 05 de Maio de 2011, pelas 10.00 horas, a Autora apanhou na Avenida Dr. Rodrigo Rodrigues, em Macau, o autocarro da E – TRANSPORTES URBANOS DE MACAU, SARL, com a matrícula MK-69-XX que fazia a linha n.º, sentido Portas do Cerco / Barra. (alínea A) dos factos assentes)
- O autocarro era conduzido por D, que também usa XX, motorista da E, SARL, ao serviço e sob as ordens e instruções desta. (alínea B) dos factos assentes)
- A Autora pretendia ir para o Mercado Vermelho, pelo que apanhou o autocarro no sentido contrário. (alínea C) dos factos assentes)
- Quando o autocarro virou à esquerda no final da Avenida Almeida Ribeiro, a Autora, porque não reconhecia as ruas, aproximou-se do condutor e perguntou-lhe em que local se encontrava. (alínea D) dos factos assentes)
- O condutor, antes de responder à pergunta, perguntou à Autora para onde pretendia ir, ao que esta respondeu que para o Mercado Vermelho. (alínea E) dos factos assentes)
- O condutor disse então à Autora para descer, atravessar a rua e apanhar o autocarro em sentido contrário. (alínea F) dos factos assentes)
- A Autora explicou ao motorista que vive há muito anos fora de Macau, que já não conhece as ruas e que tinha receio de sair numa zona desconhecida, e pediu-lhe para a deixar ir até ao terminal. (alínea G) dos factos assentes)
- À data do acidente a responsabilidade civil por danos causados a terceiro pelo veículo MK-69-XX encontrave-se transferida para a Ré através de contrato de seguro automóvel titulado pela apólice n.º LFH/MFT/2010/000095. (alínea H dos factos assentes)
- O autocarro chegou ao fim da linha e parou na paragem do Templo de À-Ma, onde desceram todos os restantes passageiros, com excepção da Autora. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- O condutor abriu a porta da frente. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Houve em diálogo entre o condutor e a Autora, durante o qual aquele disse a esta para ela sair. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- A Autora saiu do autocarro. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
- A Autora caiu ao chão. (resposta ao quesito 18º da base instrutória)
- Depois de cair, a Autora sentiu dores nas ancas, permaneceu deitada no chão, antes da chegada da polícia ao local. (resposta ao quesito 20º da base instrutória)
- Foi depois transportada de ambulância para o Hospital Conde São Januário, onde esteve internada até ao dia 26 de Julho. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- Apresentava contusões na anca direita e na região pélvica e não conseguia andar. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
- Foi-lhe diagnosticada uma fractura fechada e estável nos ramos pélvico superior esquerdo e da púbis inferior. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- A Autora esteve um dia e meio no serviço de urgência, imobilizada na cama. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- E com dores, apesar de medicamentos analgésicos. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- No dia 06 de Maio, a Autora foi transferida para o Serviço de Ortopedia do hospital, onde esteve internada até ao dia 26 de Julho de 2011. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
- Durante as primeiras semanas de internamento permaneceu imobilizada na cama. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
- Sentiu dores fortes que a impediam de dormir. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
- Até ao início do mês de Julho, a Autora não conseguia deslocar-se sozinha à casa de banho. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
- Pelo que durante o dia usava uma arrastadeira e durante a noite tinha de usar fraldas. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
- No início de Julho começou a usar cadeira de rodas. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
- Passou desde então a ter sessões de fisioterapia e reabilitação. (resposta ao quesito 34º da base instrutória)
- As dores mantinham-se e sentia tonturas. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
- A Autora reside habitualmente nos EUA. (resposta ao quesito 37º da base instrutória)
- Por isso, em 26 de Julho de 2011 foi-lhe dada alta a seu pedido. (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
- Com a sugestão de fazer fisioterapia pelos menos durante mais quatro semanas e a recomendação da locomoço auxiliada com mobilização passiva de ambas as articulação das ancas. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
- Por causa do seu estado de saúde a Autora teve de fazer a viagem de avião de regresso aos EUA sempre deitada. (resposta ao quesito 40º da base instrutória)
- Nos EUA continuou os tratamentos de fisioterapia e ainda contínua actualmente a fazer consultas em clínica de ortopedia. (resposta ao quesito 41º da base instrutória)
- Em 05 de Agosto de 2011, continuava com dor bilateral nas ancas, embora menos intensa. (resposta ao quesito 42º da base instrutória)
- E ainda não conseguia deslocar-se sem aparelhos de auxílio. (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
- Tendo os médicos determinado que teria de fazer fisioterapia durante mais 4 semanas. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
- Em 10 de Agosto de 2011, a situação mantinha-se, sentindo dores nas costas quando estava períodos prolongados sentada. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
- Em 09 de Setembro de 2011, a Autora deslocava-se em cadeira de rodas. (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
- A 19 de Outubro de 2011 começou a deslocar-se sozinha dentro de casa com o auxílio de andarilho, utilizando a cadeira de rodas para as deslocações no exterior. (resposta ao quesito 47º da base instrutória)
- Em 28 de Novembro de 2011 a Autora sentia melhoras mas continuava com dores repentinas e persistentes ao tentar caminhar e voltou à cadeira de rodas para deambulação. (resposta ao quesito 48º da base instrutória)
- A partir de 12 de Dezembro de 2011 a Autora passou a aplicar um gel tópico na zona afectada duas a três vezes por dia. (resposta ao quesito 49º da base instrutória)
- Em 19 de Dezembro de 2011 as dores ainda alcançavam o grau 6/10. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
- A Autora continuava a apresentar sinais de fraqueza moderada nas ancas. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
- Mas ainda assim regressou ao andarilho nas deslocações em casa. (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
- Em 13 de Janeiro, 29 de Fevereiro e 05 de Abril de 2012, ainda estava incapaz de se manter em pé por períodos longos. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
- E continuava com dores na bacia, nas nádegas, especialmente ao deslocar-se. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
- Nas datas referidas em 53 a Autora continuava a usar cadeira de rodas no exterior e a fazer fisioterapia. (resposta ao quesito 55º da base instrutória)
- Em 08 de Maio de 2012, a Autora já conseguia andar, embora continuasse a utilizar o andarilho. (resposta ao quesito 56º da base instrutória)
- A Autora só se sentia capaz de sair à rua de cadeira de rodas e continuava a fazer tratamento para dores, embora com pensos e não com comprimidos analgésicos. (resposta ao quesito 57º da base instrutória)
- Em 08 de Junho de 2012, deixou de utilizar cadeira de rodas e em 17 de Agosto de 2012 passou a utilizar muletas canadianas dentro de casa. (resposta ao quesito 58º da base instrutória)
- Mas continuou a fazer terapia em casa, situação que se foi mantendo pelos meses seguintes. (resposta ao quesito 59º da base instrutória)
- Em 12 de Dezembro de 2012, as dores tinham melhorado bastante, mas sentindo-as quando das mudanças de tempo. (resposta ao quesito 60º da base instrutória)
- A Autora foi obtendo melhoras graduais do seu estado de saúde até 05 de Fevereiro de 2013. (resposta ao quesito 61º da base instrutória)
- Em Março de 2013 passou a utilizar apenas muletas canadianas. (resposta ao quesito 63º da base instrutória)
- A Autora, antes do acidente, desde há anos, vivia sozinha e tinha um estado de saúde bom para a idade. (resposta ao quesito 64º da base instrutória)
- A Autora era uma pessoa alegre e tomava conta de si própria exercendo sem esforço as actividades pessoais e domésticas diárias. (resposta ao quesito 65º da base instrutória)
- Depois do acidente ficou dependente de terceiros, tendo sido forçada a contratar uma pessoa para a ajudar a cuidar de si. (resposta ao quesito 65º (66º) da base instrutória)
- Perdeu a mobilidade e por isso a confiança em si própria. (resposta ao quesito 67º da base instrutória)
- A Autora continua a ter dores. (resposta ao quesito 70º da base instrutória)
- A Autora chegou a Macau no dia 30 de Abril de 2011, vinda dos EUA, tencionando passar um curto período de férias na Região e ir dois dias a Hong Kong visitar um sobrinho. (resposta ao quesito 72º da base instrutória)
- E tinha viagem de regresso já paga marcada para o dia 24 de Maio de 2011. (resposta ao quesito 73º da base instrutória)
- A Autora pagou aos Serviços de Saúde a quantia total de MOP450,00 por duas consultas no Hospital Conde S. Januário. (resposta ao quesito 74º da base instrutória)
- Os Serviços de Saúde apresentaram à Autora uma factura na quantia total de MOP15.221,00 por serviços de análises, internamento, exames imagiológicos e medicamentos que lhe foram prestados no Hospital Conde S. Januário. (resposta ao quesito 75º da base instrutória)
- A filha da Autora, F, que também reside nos EUA, deslocou-se a Macau. (resposta ao quesito 77º da base instrutória)
- Para lhe prestar apoio na doença, tratar do seu regresso aos EUA e acompanhá-la na viagem. (resposta ao quesito 78º da base instrutória)
- A filha da Autora viajou para Macau no dia 14 de Julho de 2011, chegou no seguinte dia 15 e acompanhou a mãe no regresso aos EUA no dia 26 de Julho. (resposta ao quesito 79º da base instrutória)
- A Autora despendeu no bilhete de ida e volta da filha a quantia correspondente a USD1.425,00. (resposta ao quesito 80º da base instrutória)
- E despendeu em hotéis onde a filha esteve hospedada em Macau a quantia global de MOP3.738,90, correspondente a HKD1.200,00 e HKD2.430,00. (resposta ao quesito 82º da base instrutória)
- A Autora perdeu o bilhete de regresso aos EUA e teve de comprar outro, no que despendeu a quantia de USD2.370,00. (resposta ao quesito 83º da base instrutória)
- Este bilhete foi mais dispendioso porque a Autora foi forçada a fazer a viagem sempre deitada. (resposta ao quesito 84º da base instrutória)
- Pelo apoio de terceiro pessoa, a Autora despendeu entre os meses de Agosto de 2011 e Fevereiro de 2012 a quantia de USD8.700,00. (resposta ao quesito 85º da base instrutória)
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III – Fundamentação:
Vem a Autora impugnar a decisão da matéria de facto relativa aos quesitos 3º e 9º a 11º da Base Instrutória, a saber:

   A Autora insistiu em continuar no autocarro e o condutor continuou a dizer-lhe para sair, falando em voz alta e zangado?

   (...), abriu a porta da frente e disse várias vezes à Autora em voz alta: “Desce aqui! Vá, desce depressa, Depressa, sai”?
10º
Houve em diálogo entre ambos, durante o qual o condutor falava para a Autora em voz alta, sempre a insistir para ela sair?
11º
A Autora ficou nervosa e com medo e por isso saiu do autocarro?
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo respondeu pela forma seguinte:
Quesito 3º: Não provado
Quesito 9º: Provado que “o condutor abriu a porta da frente”.
Quesito 10º: Provado que “houve em diálogo entre o condutor e a Autora, durante o qual aquele disse a esta para ela sair”.
Quesito 11º: Provado que “a Autora saiu do autocarro”.
Na óptica da Autora, os referidos quesitos deveriam ser considerados como integralmente provados.
Para o efeito, indicou o depoimento da testemunha C, recordado 14.6.4 CV3-13-0046-CAO#6/TRANSLATOR2/RECORDED ON 04-JUN-2014 AT 11.01.53 (1-)E$D6100811270).WAV (1:48 - 07:00).
Segundo a Autora, o depoimento da testemunha em causa demonstra que o condutor do autocarro tinha ordenado, com má atitude, para que a Autora saisse do autocarro.
E devido a essa má atitude do condutor, a Autora, pessoa já idosa, ficou assustada, saindo do autocarro com pressa, o que a fez cair.
Quid iuris?
Nos termos do nº 1 do artº 599º e do nº 1 do artº 629º ambos do CPCM, este Tribunal de recurso pode alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância quando:
i. Foi cumprido o ónus de impugnação específica da decisão de facto;
ii. Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida;
iii. Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e
iv. Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Ouvida a gravação do depoimento da testemunha indicada, podemos dizer que não assiste razão à Autora.
Em primeiro lugar, a testemunha nunca afirmou que a Autora saiu do autocarro com pressa e com aparência de estar assustada/medo. Antes pelo contrário, a testemunha referiu que a Autora descia do autocarro com passo normal.
Não pode, tal como é pretendido pela Autora, a partir da existência duma discussão em voz alta entre o condutor do autocarro e ela própria, retirar a conclusão ou a presunção de que a sua queda do autocarro tenha sido resultado do susto e medo causados pela má atitude do referido condutor, já que não existe qualquer consequência lógica e muito menos necessária entre a discussão em voz alta e a queda da Autora do autocarro, como resultado do susto e do medo causados por aquela discussão.
Face ao expendido, o recurso não deixará de se julgar não provido.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Autora, sem prejuízo do apoio judiciário concedido à mesma.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 11 de Junho de 2015.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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