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Processo nº 445/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Sob acusação pública da prática de 1 crime de “apropriação ilegítima de coisa achada”, p. e p. pelo art. 200° do C.P.M., e de 1 outro de “reentrada ilegal”, p. e p. pelo art. 21° da Lei n.° 6/2004, respondeu , com os restantes sinais dos autos, vindo a ser absolvido da prática de ambos os ditos crimes; (cfr., fls. 115 a 118-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público recorreu, assacando à decisão recorrida os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 124 a 128).

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Sem resposta, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Assaca o recorrente à douta sentença sob escutínio vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova.
Não cremos que lhe possa assistir qualquer razão, a qualquer dos níveis.
Desde logo, no que respeita ao crime de reentrada ilegal, pretende o Exmo Colega o preenchimento do primeiro dos vícios mencionado pelo facto de, tendo sido validamente aditada à acusação a expressão “O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao praticar o acto, no sentido de entrar em Macau mesmo que conhecesse perfeitamente que estava interdito de entrar nesta Região”, não se topar na sentença que tal "factualidade" tenha sido dada como provada ou como não provada, existindo, pretensamente, lacuna no apuramento da matéria de facto constante da acusação.
Ora, tendo-se dado expressamente como não provada a factualidade referente ao elemento objectivo da infracção, “Após ser reencaminhado para o Interior da China, o arguido partiu da cidade de Zhuhai da província de Guandong da RPC e reentrou clandestinamente em Macau (em data incerta)”, torna-se óbvio e evidente que se encontraria prejudicado e não faria qualquer sentido o conhecimento da matéria a que o recorrente apela, referente, pura e simplesmente, ao elemento subjectivo da mesma infracção.
Depois, com referência, ainda, ao mesmo tipo de ilícito, mostra-se o recorrente inconformado com o facto de não ter sido dado como provado o elemento objectivo, apelando, para tal, a circunstâncias (data do despacho de interdição de entrada e respectiva notificação a 5/10/12, último registo de entrada em Macau a 8/10/11) que, conjugadas, ditariam, pelas regras da experiência e senso comum, haver que concluir, inevitavelmente, que quando o visado foi detectado e identificado no casino “B” de Macau a 10/12/13, o mesmo reentrara ilegalmente na Região.
É assim.
Simplesmente, não se descortina que tal matéria (a detecção e identificação do arguido no casino “B” a 10/12/13) conste do libelo acusatório.
Nesses parâmetros, ao julgador “a quo”, não tendo dado como provada a presença do arguido na data dos factos imputados (17/10/13), mais não restava que absolver o mesmo pela prática do crime em causa, já que inexistia no libelo acusatório qualquer outro elemento referente à presença do visado na Região.
Daí que se nos afigure, pois, por não registo de qualquer dos vícios assacados, haver que manter o decidido, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 170 a 171).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 116 a 117, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do T.J.B. recorrer da sentença absolutória pelo Mmo Juiz proferida, assacando à mesma os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”.

–– Desde logo, cabe notar o que segue: embora – expressamente – não o diga, retira-se (claramente) da motivação e conclusões pelo Exmo. Recorrente apresentadas que o seu inconformismo prende-se tão só com o segmento decisório que absolveu o arguido dos autos da imputada prática de 1 crime de “reentrada ilegal”.

De facto, nada é dito em relação ao crime de “apropriação ilegítima de coisa achada”, p. e p. pelo art. 200° do C.P.M., pelo que, nesta parte, se terá de considerar transitado em julgado o que decidido foi.
Esclarecido este aspecto, vejamos.

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–– Pois bem, no que toca ao assacado vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, repetidamente tem este T.S.I. considerado que o mesmo apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 23.01.2014, Proc. 756/2013, e mais recentemente, de 12.02.2015, Proc n.° 103/2015).

Por sua vez, temos igualmente afirmado que “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015 do ora relator).

Como também já tivemos oportunidade de considerar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015).

Aqui chegados, e correspondendo efectivamente à verdade que na sentença recorrida “nada disse” o Tribunal a quo relativamente (ao facto que oportuna e validamente se aditou à acusação quanto) ao “elemento subjectivo” do arguido em relação ao imputado crime de “reentrada ilegal”, e que se deu efectivamente como “não provado” que “após ser reencaminhado para o Interior da China, o arguido partiu da cidade de Zhuhai da província de Guandong da RPC e reentrou clandestinamente em Macau (em data incerta)”, quid iuris?

Eis a solução que se nos mostra de adoptar.

Subscreve-se o entendimento do Ilustre Procurador Adjunto no sentido de se admitir que o Tribunal a quo poderá nada ter dito quanto ao mencionado “elemento subjectivo” do crime de “reentrada ilegal” em virtude de não ter dado como provado o seu respectivo “elemento objectivo”, considerando assim aquele como “prejudicado”.

Todavia, ainda que, em teoria, se nos apresente tal entendimento como tentador, cremos que da análise que nos foi possível fazer aos autos, e com o devido respeito por opinião em sentido diverso, outra nos parece que deva ser a solução do presente recurso, já que o processado ilustra (com bastante clareza) que o arguido esteve (efectivamente) em Macau após a sua expulsão e interdição de reentrada por 5 anos.

De facto, no âmbito da investigação de um alegado “desaparecimento de uma mala numa sala de um casino da R.A.E.M.” – e pelo qual se veio a deduzir acusação pelo crime de “apropriação ilícita de coisa achada” e que agora não está em causa – foi o arguido encontrado em Macau, tendo sido submetido a interrogatório (como arguido) na Directoria da P.J. em 10.12.2013, (encontrando-se o respectivo auto pelo mesmo assinado), tendo-se também confirmado a sua identidade através do confronto das impressões digitais então colhidas com as já existentes e colhidas no âmbito do (anterior) processo que levou à sua expulsão; (cfr., fls. 32 a 54).

E assim, tendo o Tribunal a quo dado como “provado” que o mesmo arguido tinha sido “expulso de Macau e proibido de aqui reentrar por 5 anos”, e resultando também – de documentação autêntica – dos presentes autos que o mesmo esteve em Macau em data posterior a tal expulsão, (em 10.12.2013), há que dar como verificado o assacado vício de “erro”, procedendo-se, desde já, e atenta a “natureza” dos aludidos documentos, à sua rectificação em conformidade.

Dito isto, manifesto se apresenta que – em consequência do assinalado “erro” – incorreu também o Mmo Juiz do T.J.B. no igualmente imputado vício de “insuficiência”.

Com efeito, nenhuma referência fez ao facto (oportunamente aditado e) respeitante ao “elemento subjectivo” do crime de “reentrada ilegal” – isto é, que “o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao praticar o acto, no sentido de entrar em Macau mesmo que conhecesse perfeitamente que estava interdito de entrar nesta Região” – pouco se mostrando de acrescentar para se constatar da invocada “insuficiência”, impondo-se, assim, e nestes exactos termos, o reenvio dos autos para novo julgamento, como preceituado é no art. 418° do C.P.P.M..

Na verdade, em causa estando matéria integradora do “elemento subjectivo” do crime de “reentrada ilegal”, não parece que possa (ou deva) esta Instância sanar a constatada insuficiência.

Dest’arte, procede o recurso.

Decisão

4. Em face do que se deixou expendido, acordam conceder provimento ao recurso, decretando-se o reenvio dos presentes autos para novo julgamento no T.J.B. em relação à matéria de facto que se deixou identificada, proferindo-se, seguidamente, nova decisão.

Sem tributação, dado que o arguido é alheio ao presente recurso (e nem respondeu).

Macau, aos 18 de Junho de 2015
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
(subscrevo apenas a decisão de reenvio por ter verificado o vício de insuficiência, dado que na sentença a quo não ter pronunciado sobre os elementos de dolo entretanto aditado na audiência de julgamento. No entanto, quanto ao facto da detecção e identificação do arguido no casino “Venetian” no dia 10 de Dezembro de 2013, entendo, como entendido pelo Digno Magistrado do M°P° no seu douto parecer de fls. 170 e ss., que este facto não faz como objecto do processo por não se constar na matéria fáctica da acção.)
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