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Processo n.º 36/2015. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Recurso. Mérito da causa. Provimento do recurso. Tréplica. Influência no exame ou decisão da causa. Princípio da proporcionalidade.
Data do Acórdão: 15 de Julho de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
I – Quando um tribunal de recurso aprecia um recurso que não incide sobre o mérito da causa, só pode provê-lo quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa, pelo que deve confrontar-se com a aplicação do disposto no artigo 628.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, salvo se, pela violação em causa, seja evidente a mencionada influência.
II – Para efeitos do disposto no artigo 628.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a violação cometida tem influência no exame ou decisão da causa quando é relevante.
III – Para os efeitos previstos no artigo 628.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a violação é irrelevante quando o despacho em causa não influi no andamento regular da causa, não só quando não obsta a que fosse convenientemente instruída e discutida em ordem a assegurar a sua justa decisão, como ainda quando não compromete a apreciação do fundo da causa na sentença final.
IV – A violação legal, que consiste em não admitir tréplica que se destinava à defesa do réu contra a excepção oposta à reconvenção, não influi no exame ou decisão da causa, desde que o réu tenha tido oportunidade posterior de se pronunciar sobre tal matéria, designadamente na audiência de discussão e julgamento e nas alegações de direito antes da sentença.
V - Na apreciação que o tribunal de recurso faz da influência da violação legal no exame ou decisão da causa, para efeitos do disposto no artigo 628.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, deve também entrar em conta com o prejuízo para a causa com o provimento do recurso, isto é, ponderar se o prejuízo resultante do provimento do recurso excede a lesão resultante da infracção cometida. Se isso acontecer, não deve prover o recurso.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A intentou acção declarativa com processo ordinário contra B.
Despacho do Ex.mo Juiz do processo, de 28 de Fevereiro de 2011, determinou o desentranhamento da tréplica (e não réplica, como se diz no acórdão recorrido), com fundamento em que o autor na réplica não deduziu nenhuma excepção à reconvenção, mas mera impugnação fundamentada (e também com outro fundamento, que agora não está em causa, face a decisão do acórdão recorrido).
Recorreu a ré para o Tribunal de Segunda Instância (TSI).
Posteriormente, foram indeferidas determinadas diligências probatórias requeridas pela ré.
Recorreu a ré deste despacho.
A sentença de 29 de Abril de 2013 julgou parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção.
Recorreu a ré.
Por Acórdão de 27 de Novembro de 2014, o TSI revogou o despacho de 28 de Fevereiro de 2011, que determinara o desentranhamento da tréplica e anulou todo o processado posterior, decidindo estar prejudicado o conhecimento dos outros recursos.
Recorre a autora A para este Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- Toda a matéria que o TSI considerou como sendo excepção não corresponde a uma defesa sobre o pedido reconvencional, mas antes uma defesa às excepções alegadas pela ré na contestação;
- Ainda que assim se não entendesse, não deveria o acórdão recorrido ter anulado todo o processado posterior, mas antes ser ordenado a apenas a realização parcial do julgamento por referência à factualidade da tréplica, tendo em atenção a que os factos respeitam a 2007 e 2008, tendo em atenção que a irregularidade não influiu no exame ou na decisão da causa.

II – Os factos
Os factos da réplica, que o acórdão recorrido considerou serem matéria de excepção ao pedido reconvencional, são os seguintes:
13.º
Ao longo de toda a relação jurídica que ligou e liga a A à B, esta última, na sequência da sua incapacidade financeira para cumprir com os compromissos por si assumidos, tentou convencer a A de diversas soluções, com vista ao refinanciamento do projecto que a mesma apresentou à A.
16.º
Com esse propósito, a B convenceu a A a entrar num acordo de princípio (Memorandum of Understanding), junto pela B como documento n.1 da Contestação,
17.º
Através do qual a A ajudaria a B com um empréstimo, inicialmente no valor de MOP$6,000,000.00, e que levaria, após o seu bom cumprimento (por parte da B), a que a A participasse, no futuro, em 45% do capital de investimento da B.
19.º
O referido acordo de princípio (Memorandum of Understanding) estava assim sujeito às seguintes condições:
- Que os titulares de participações/Investidores acordassem com os termos e, consequentemente:
- Que procedessem à formalização de toda a documentação que possibilitasse a A de participar no capital social da B;
- Que fosse celebrado um acordo de investimento aceitável por todos os participantes (incluindo a A).
20.º
O acordo de princípio ou Memorandum of Understanding não era por isso vinculativo, porquanto dependia sempre e afinal da aceitação por parte da A das condições de investimento, o que não veio a suceder.
21.º
Essa não vinculatividade encontra-se reflectida na cláusula do Memorandum of Understanding que estabelece:
«Each of the parties hereby, and all investors thereof agree not to pursue, or contemplate to pursue, any legal action against any party or associated parties (including directors and officers thereof) to this MoU»
«Cada uma das partes e todos os investidores, por esta forma acordam em não intentar nenhuma acção judicial contra qualquer uma das partes ou suas associadas (incluindo administradores e directores) respeitante a este MoU»
22.º
A B violou assim, em sede de contestação, o resolvido acordo de princípio.
26.º
Apesar de muitos esforços, e apesar de muitas insistências feitas pela A, a B, uma vez mais não cumpriu com o acordo, não tendo a mesma apresentado qualquer contrato celebrado ou a celebrar entre os sócios que viabilizasse o acordo de princípio ("Memorandum of Understanding") ou mesmo minuta do contrato de investimento.
28.º
O acordo de princípio ou ("Memorandum of Understanding") foi celebrado em 19 de Outubro de 2006.
29.º
A B, até Abril de 2007, não apresentou o acordo devidamente formalizado, de titulares de titulares de participações/Investidores e de sócios que permitisse juridicamente a A em participar no capital da B.
30.º
Tendo em consideração os montantes envolvidos e o compromisso assumido pela A, B cumprir a sua parte, devendo a mesma obter a documentação que cumprisse com os objectos do acordo de princípio que deveras "vendeu" à A.
31.º
Quanto à documentação, apenas sabe a A que a mesma apresentou umas cópias impressas de correspondência electrónica cujos endereços a A desconhece, assim como também desconhece se as pessoas envolvidas nessa correspondência electrónica pudessem sozinhas e dessa forma vincular as sociedades que alegadamente afirmavam representar.
De todo o modo,
32.º
Nunca foi dado pela B qualquer contrato autónomo a celebrar entre os sócios da B que permitisse à A participar no capital social da B, como esta havia assumido.
34.º
Só 4 meses depois de ter embolsado os referidos HKD$6,000,000.00 constante do referido acordo de princípio ou ("Memorandum of Understanding") a B enviou para a A uma proposta de investimento de todo inaceitável.
35.º
Na sequência de mais este incumprimento contratual da B, à A não restou outra alternativa senão resolver com justa causa o acordo de principio ("Memorandum of Understanding"), o que fez por carta de 9 de Abril de 2007.
36.º
Nos termos da referida carta de resolução, a A fundamenta o seu direito de resolver:
a) No facto de a proposta de investimento ter sido recusada, por inaceitável;
b) Ter decorrido mais de 5 meses desde a celebração do acordo de principio ("Memorandum of Understanding"), sem qualquer desenvolvimento por parte da B;
c) Não ter a B ou os seus sócios dado andamento à preparação dos termos em que se suportaria o investimento a realizar e que deveria ainda ser sujeito ao escrutinio da A;
37.º
Caem assim por terra as teses da B apresentadas na sua contestação, porquanto, a A não tinha qualquer obrigação de adiantar 45 milhões de dólares de Hong Kong à B, uma vez que esse capital era um capital de investimento que apenas poderia ser realizado se a B cumprisse com o referido acordo de princípio ("Memorandum of Understanding"), o que não sucedeu.
Assim,
38.º
Não tendo a B cumprido com as suas obrigações, que constituíam conditio sine qua non do investimento a realizar pela A, esta não tinha, nem tem, obrigação de cumprir uma prestação que nunca se venceu, nem se poderá vencer dada a resolução com justa causa exercida pela credora (A).
43.º
Nos termos da referida Escrow Undertaking Letter a B, intitulada por "subscriber" acordaram que todos os documentos entregues à sociedade de advogados C ficariam sob escrow e não poderiam ser libertados, não produzindo quaisquer efeitos jurídicos até que fossem cumpridas todas as condicções "conditions precedent" constantes na cláusula 10 do Subscription Agreement.
Sucede que,
44.º
Mais uma vez a B não cumpriu as condições de que dependia o investmento e tornou a incumprir com as suas obrigações.
56.º
A Escrow Undertaking Letter e, bem assim, os contratos nela incluídos nunca ganharam eficácia jurídica, facto que se deve única e exclusivamente ao inadimplemento da B.
67.º
  Esta atitude da Ré é condenável pelo instituto do abuso de Direito na medida em que figura a modalidade tu quoque que vem sendo acolhido na nossa jurisprudência e que tem como ideia básica, que "aquele que viole uma norma jurídica não pode tirar partido da violação exigindo a outrem o acatamento das consequências daí resultantes."

III – O Direito
1. As questões a resolver
Trata-se, fundamentalmente, de saber se os factos alegados pela autora na réplica constituem excepção (peremptória) à reconvenção, admitindo, assim, tréplica da ré.

2. Excepção peremptória. Tréplica.
Como se sabe, a acção declarativa inicia-se com a apresentação de petição inicial do autor, onde este formula uma pretensão, indicando os factos e o direito em que se fundamenta.
O réu pode apresentar contestação, que é o articulado onde deduz toda a defesa, contradizendo os factos do autor (ou não) ou afirmando que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor ou, ainda, alegando factos que obstam à apreciação do mérito da acção ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido.
O autor pode apresentar réplica para responder à contestação, se for deduzida alguma excepção e somente quanto à matéria desta e deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção (omite-se aqui a acção de apreciação negativa, já que não estamos perante tal cenário).
Pode haver lugar a tréplica do réu, se houver réplica e nesta for modificado o pedido ou a causa de pedir ou se, no caso de reconvenção, o autor tiver deduzido excepção (artigo 421.º, n.º 1).
As excepções são dilatórias ou peremptórias.
As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar, consoante os casos, à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
As excepções peremptórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (artigo 412.º do Código de Processo Civil).
No caso dos autos, conquanto tenha havido ampliação do pedido na réplica, por razões puramente processuais que agora não interessa descrever, só está em causa saber se o autor deduziu excepção ao pedido reconvencional da ré.
Na petição inicial, a autora alegou que tinha contratado com a ré a utilização por esta de edifícios da Doca dos Pescadores, mediante retribuição. Não tendo a ré pago certas retribuições, a autora pediu a sua condenação no pagamento das mesmas retribuições.
Na contestação, a ré alegou que a autora não tinha cumprido um contrato posterior que renegociara os invocados pela autora e que, portanto, tinha havido acordo para suspender o pagamento das remunerações contratuais. Para além disso, alegou a ré que a autora não cumprira outros aspectos de contratos entre as partes.
Impugnou, ainda, a ré factos alegados pela autora e deduziu reconvenção.
Na réplica, a autora respondeu à matéria nova suscitada pela ré, sendo esta matéria de excepção peremptória, na medida em que consistiu na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pela autora.
Como é evidente, a resposta a matéria de excepção peremptória não constitui matéria de excepção.
Nos factos alegados pela autora na réplica, que o acórdão recorrido considerou constituírem excepção (arrolados atrás em II – Factos), os dos artigos 13.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º, 21,º, 22.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 43.º, 56.º e 67.º, a autora limita-se a responder à matéria de excepção da ré (artigos 5.º a 120.º da contestação).
Na verdade, embora a ré nos artigos 5.º a 120.º da contestação não diga que contesta por excepção, como exige o disposto no artigo 408.º do Código de Processo Civil, é evidente que o faz, sob as rubricas “Do incumprimento do memorandum of understanding” (artigos 5.º a 7.º), “Do Waiver Arrangement” (artigos 8.º a 13.º), “Do Escrow undertaking Letter” (artigos 14.º a 21.º), “Do incumprimento do Contrato License To Use Agreement (F&B), A Cláusula do capítulo I (fls. 30)” (artigos 22.º e 23.º), “Entertainment Component” (artigos 24.º a 33.º), “O Money Exchange” (artigos 34.º a 35.º), “O Hotel e as Slot Machines” (artigos 36.º a 40.º), “A Inexistência da Marina”, (artigos 41.º a 47.º), “Convention centre Shopping Arcade” (artigos 48.º a 52.º), “Dos Edifícios Temáticos” (artigos 53.º a 63.º), “Os Retails Shops”, (artigos 64.º a 76.º), “A Competição entre a Autora e a Ré” (artigos 77.º a 84.º), “Da Nulidade dos License Agreement” (artigos 88.º a 91.º), “Do Incumprimento” (artigos 92.º a 110.º), “Da Resolução do License Agreement” (artigo 110.º), “Compensação” (artigos 111.º a 116.º), “Dos Contra-Créditos que a B dispõe sobre a A” (artigos 117.º a 120.º).
De resto, nos artigos 121.º a 140.º da contestação a ré titula esta parte por “Impugnação”, seguida por “Juros” (artigos 141.º a 144.º), “ Da Reconvenção” (artigos 145.º a 147.º), “Do Enriquecimento sem Causa” (artigos 148.º e 149.º) e, finalmente, “Do Direito de Retenção” (artigos 150.º a 157.º).
Ora, a autora, nos artigos 13.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º, 21,º, 22.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 43.º, 56.º e 67.º da réplica, limita-se a responder à matéria dos artigos 5.º a 23.º da contestação. Ora, esta parte da contestação é, claramente, matéria de excepção.
O acórdão recorrido veio dizer que tal matéria da réplica constituía matéria de excepção. Mas nunca explicou que excepção a que matéria. E só podia admitir-se tréplica da ré se a excepção da autora fosse à matéria da reconvenção, que a ré se limitou a descrever em três artigos da sua longa contestação. Ora, não foi o caso.
Por outro lado, a circunstância de terem sido levados à base instrutória factos que constituem resposta às excepções da ré, não prova que sejam de facto excepções à reconvenção. É que não está excluído que na base instrutória não se tenham seguido os cânones próprios da elaboração desta peça processual.
Logo, a tréplica não era admissível, como decidiu o Ex.mo Juiz do processo.
Procede, portanto, o recurso.

3. Não provimento de recurso de decisão, cuja violação não tenha influído no exame ou decisão da causa
Mas ainda que se entendesse que os factos da réplica eram defesa por excepção à reconvenção, permitindo tréplica da ré, então devia o acórdão recorrido ter-se confrontado com a possível aplicação do disposto no artigo 628.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, onde se estatui:
“Artigo 628.º
(Julgamento dos recursos que sobem conjuntamente)
1. …
2. …
3. Os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o recorrente”.

O recurso em causa não incidiu sobre o mérito da causa, pelo que o acórdão recorrido deveria ter ponderado se a infracção cometida influiu no exame ou decisão da causa1. Porque se não influiu, então o TSI não devia ter provido o recurso.
Tal ponderação só não seria necessária se, pela violação em causa, fosse evidente a influência no exame ou decisão da causa. O que não era o caso.
Quando é que se pode dizer que a infracção cometida influiu no exame ou decisão da causa?
ALBERTO DOS REIS2 entende que a violação cometida tem influência no exame ou decisão da causa quando é relevante.
Resta saber quando é que a infracção é relevante ou irrelevante.
Pode dizer-se, parafraseando uma decisão de um tribunal português3, que fez uma boa síntese, interpretando norma idêntica, que a violação é irrelevante quando o despacho em causa não influi no andamento regular da causa, não só quando não obsta a que fosse convenientemente instruída e discutida em ordem a assegurar a sua justa decisão, como ainda quando não compromete a apreciação do fundo da causa na sentença final.
Também ANSELMO DE CASTRO4, pronunciando-se sobre expressão idêntica do Código português (influência no exame ou decisão da causa) utilizada a propósito das nulidades processuais, e constante, também, do artigo 147.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de Macau, dava exemplo do que constituiriam irregularidades susceptíveis de integrar o conceito: na citação, a falta de indicação do prazo para contestar e da cominação em que incorre o réu se não contestar. Ou seja, irregularidades que afectam a própria citação.
Nos articulados, o fundamental é aquele em que o autor alega os factos que integram a causa de pedir e em que formula o pedido (petição inicial) e aquele em que o réu apresenta a defesa (contestação). Em muitos ordenamentos jurídicos só existem estes dois articulados.
No regime experimental, português, de processo civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho, entretanto revogado, só há lugar a resposta à contestação quando o réu deduza reconvenção ou a acção seja de simples apreciação negativa. Ou seja, o autor não pode responder a excepções da contestação.
E no novo Código de Processo Civil português, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção e nas acções de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu. Isto é, a réplica não se destina à defesa das excepções da contestação. Às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
Em bom rigor, a réplica do autor só é fundamental (excluída a hipótese de acção de apreciação negativa) quando exerce uma função semelhante à contestação do réu, isto é, quando o autor se defende de pedido reconvencional do réu.
Quando a réplica serve para o autor responder a excepção deduzida pelo réu na contestação, embora legal, bem podia o legislar dispensar esta peça processual, como aliás o fazem muitos sistemas jurídicos, como se disse. Até porque os factos articulados nessa circunstância não carecem de ser provados, não integram o tema da prova, como resulta do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Da mesma maneira, a tréplica do réu não é fundamental quando se resume a responder a excepção deduzida pelo autor à reconvenção do réu.
Aliás, no Código de Processo Civil de Macau isso mesmo é reconhecido, já que nos termos do artigo 423.º, às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder no início da audiência de discussão e julgamento.
Ou seja, às excepções deduzidas na tréplica contra o novo pedido ou causa de pedir da réplica (artigo 421.º, n.º 1), o autor não pode apresentar nenhum articulado.
O mesmo se diga quando o réu, na tréplica, deduz contra-excepções às excepções deduzidas pelo autor quanto à reconvenção5. O autor não tem nenhum articulado para invocar excepções a estas contra-excepções.
Pode, apenas, em ambos os casos, responder no início da audiência de discussão e julgamento.
O que demonstra a não essencialidade de articulado de resposta às excepções.
E desde que o réu tenha a oportunidade de se pronunciar sobre a excepção deduzida pelo autor à reconvenção do réu noutra ocasião, designadamente nos debates orais sobre a matéria de facto ou nas alegações de direito, como aconteceu no caso dos autos, podemos dizer que a falta de tréplica não é relevante, porque não obstou a que a acção fosse convenientemente instruída e discutida, em ordem a assegurar a sua justa decisão, como a omissão não comprometeu a apreciação do fundo da causa na sentença final.
Efectivamente, como bem nota o acórdão recorrido, vários dos factos em causa foram levados à base instrutória, pelo que a ré teve a oportunidade de os discutir a propósito da prova dos factos e na alegação de direito antes da sentença.
Por outro lado, na apreciação que o tribunal de recurso faz da influência da violação legal no exame ou decisão da causa, deve também entrar em conta com o prejuízo para a causa com o provimento do recurso, isto é, ponderar se o prejuízo resultante do provimento do recurso excede a lesão resultante da infracção cometida. Se isso acontecer, não deve prover o recurso. Trata-se de aplicar o princípio da proporcionalidade, à semelhança do que se prevê no artigo 332.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Ora, no caso dos autos a acção foi instaurada em 18 de Dezembro de 2009. Só conseguiu citar-se a ré editalmente, que contestou em 12 de Outubro de 2010, quase um ano depois.
Seguiu-se a apresentação de réplica e tréplica.
O despacho recorrido e base instrutória foram elaborados em 28 de Fevereiro de 2011.
A audiência de julgamento terminou em 23 de Abril de 2012.
Após alegações de direito, a sentença foi proferida a 29 de Abril de 2013 e o processo, com os recursos interpostos, foi recebido no TSI em 12 de Novembro de 2013.
Se o recurso fosse provido, perder-se-iam quatro anos, se a futura tramitação decorresse ao mesmo ritmo da anterior (desde o fim dos articulados até à nova decisão do TSI).
Ora, apenas para que a ré se pudesse pronunciar sobre matéria de excepção, perder-se quatro anos seria claramente excessivo, sendo que a ré sempre teria, como teve, oportunidade de se pronunciar noutra ocasião sobre tais aspectos da causa.
Assim, é indiscutível que o prejuízo resultante do provimento do recurso excederia consideravelmente a lesão resultante da infracção cometida.
Também por este motivo, por si só, o recurso não deveria ter sido provido.

IV – Decisão
Face ao expendido, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, devendo o TSI apreciar os restantes recursos interpostos.
Custas do recurso nas duas instâncias pela ré.

Macau, 15 de Julho de 2015.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
     1 Não está em causa o segmento “quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o recorrente”.
     2 ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, volume V, reimpressão de 1981, p. 463.
     3 Acórdão da Relação do Porto de 7 de Março de 1985, Colectânea de Jurisprudência, 1989, 5.º, p. 266.
     4 ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, Almedina, volume III, p. 109. Em bom rigor, o ilustre processualista refere, não o prazo para contestar, mas o dia até ao qual pode ser oferecida a contestação, porque, ao tempo, era esse o regime da citação.
     5 J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2008, p. 363.

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