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Processo n.º 110/2014
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Secretário para a Economia e Finanças
Recorrida: A
Data da conferência: 15 de Julho de 2015
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Processo disciplinar
     - Processo de avaliação do desempenho
- Exclusão da responsabilidade disciplinar
- A circunstância dirimente prevista na al. d) do art.º 284.º do ETAPM

SUMÁRIO

1. Nos termos do n.º 5 do art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, das reuniões de avaliação é elaborado um resumo escrito, que deve ser assinado e junto ao processo de avaliação do notado; em caso de desacordo, o notado pode fazer constar nesse resumo escrito as suas próprias conclusões, o que constitui um direito seu.
2. Face à actuação indevida da notadora que não permitiu fazer constar nos resumos escritos das reuniões as suas próprias conclusões, não deve ser disciplinarmente punido o notado que reagiu imediatamente com a recusa à assinatura dos mesmos resumos para manifestar a sua discordância, pois é de considerar verificada a circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar prevista na al. d) do art.º 284.º do ETAPM.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 1 de Junho de 2009, que indeferiu o recurso hierárquico da decisão tomada em 26 de Junho de 2008 pela Directora da Direcção dos Serviços de Finanças, que por sua vez lhe aplicou a pena disciplinar de 5 dias de multa, no montante de MOP$4.769,20.
Por Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, foi concedido provimento ao recurso, anulando-se a decisão impugnada.
Deste Acórdão vem o Secretário para a Economia e Finanças recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. O Acórdão recorrido procede a uma errada aplicação da lei substantiva, ao pugnar o entendimento segundo o qual a conduta da ora recorrida – não assinar os resumos das reuniões de avaliação – consubstanciou causa de exclusão da culpa prevista na alínea d) do artigo 284.º do ETAPM.
II. A inobservância do n.º 5 do artigo 16.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 implica a violação de um dever especial imposto aos funcionários sujeitos a notação.
III. A ora recorrida poderia, como o fez, recorrer aos meios de impugnação administrativa e recurso contencioso para pôr em causa a legalidade da decisão da notadora.
IV. Pelo que não foi a recorrida compelida a recusar a assinar os resumos das reuniões de avaliação inexistindo causa de exclusão da responsabilidade disciplinar ao abrigo da alínea d) do artigo 284.º do ETAPM.

A recorrida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que se deve negar provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
O Tribunal de Segunda Instância considerou provada a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
- Por despacho da Exmª Directora dos Serviços de Finanças datado de 18.02.2008, determinou-se a instauração de processo disciplinar contra a recorrida, letrada principal do quadro da Direcção dos Serviços de Finanças, tendo o mesmo por origem factos ocorridos no âmbito do processo de avaliação do seu desempenho relativo ao ano de 2007 e 2008;
- Aos 09.04.2008, e nos referidos autos de processo disciplinar (nº XXX/AT/2008), foi deduzida a seguinte acusação:
“Por despacho de 18 de Fevereiro de 2008 da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, exarado na Informação n.º XXX/SM/2008, foi determinada a instauração de processo disciplinar à trabalhadora A, Letrada Principal do quadro de pessoal, a exercer funções no Núcleo de Tradução e Interpretação da Direcção dos Serviços de Finanças. Vista e ponderada a prova constante dos identificados autos e, nos termos do n.º 2 do artigo 332º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), deduzo contra a arguida A, a seguinte:
ACUSAÇÃO
1º A arguida exerce, actualmente, funções na Direcção dos Serviços de Finanças, no Departamento de Contabilidade Pública.
2º Ao tempo da prática dos factos de que vem acusada, a arguida A, exercia funções de acordo com a carreira onde se insere, no Núcleo de Tradução e Interpretação, com a categoria de Letrada Principal, nesta Direcção dos Serviços de Finanças.
3º Em reunião realizada em 11 de Janeiro de 2008, entre notadora e a notada, ora arguida, e no âmbito do processo de avaliação de desempenho relativo ao ano de 2007, esta, apesar de presente, recusou a assinatura do resumo escrito da reunião.
4º Igual atitude e procedimento, adoptou a arguida numa segunda reunião realizada em 14 de Janeiro de 2008, correspondente à 3ª reunião de avaliação, tendo igualmente recusado a assinatura da ficha de notação.
5º Também na reunião de 14 de Janeiro de 2008 se verificou a recusa da arguida na assinatura do primeiro resumo escrito relativo ao processo de avaliação de desempenho do ano de 2008, a qual poderia ter sido realizada atento o disposto no n.º 4 do artigo 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 de 23 de Agosto.
6º A arguida encontra-se obrigada à assinatura do resumo escrito elaborado no final das reuniões de avaliação de acordo com o estabelecido no n.º 5 do artigo 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 de 23 de Agosto.
7º A arguida encontra-se obrigada a tornar conhecimento, com aposição de assinatura, da ficha de notação, conforme estatui o n.º 6 do artigo 19º do mencionado Regulamento.
8º Com o comportamento descrito nos artigos anteriores a arguida violou os deveres de zelo e lealdade previstos, respectivamente, nas alíneas b) e d) do n.º 2 do artigo 279º do ETAPM; com as especificações constantes nos n.ºs 4 e 6 do mesmo preceito legal, revelando culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres profissionais a que está sujeita.
9º A conduta descrita constitui infracção disciplinar nos termos do artigo 281º do ETAPM, punível abstractamente com a pena de suspensão de acordo com o n.º 1 do artigo 314º do mesmo diploma legal.
10º A arguida beneficia das circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas b) e f) do artigo 282º do ETAPM, traduzidas na confissão da infracção e na ausência de publicidade sobre a mesma.
11º Contra a arguida pendem as circunstâncias agravantes da premeditação e da acumulação, previstas nas alíneas c) e h) do n.º 1 do artigo 283º do ETAPM, circunstâncias descritas nos n.ºs 2 e 5 da mesma norma.
Pelo exposto e, nos termos dos artigos 333º e 334º ambos do ETAPM, fixo à arguida um prazo de 10 (dez) dias, contados da data da notificação da presente acusação para, querendo, apresentar defesa escrita, oferecer provas testemunhal ou documental que entender e requerer a realização das diligências de prova, podendo por si, ou por intermédio de advogado constituído, examinar o processo disciplinar que contra si pende, durante o horário normal de expediente no 9º andar do Edifício da Direcção dos Serviços de Finanças, sito na Avenida da Praia Grande, n.ºs 575, 579 e 585, na RAEM.
A ausência de resposta nos prazo supra equivale, para todos os efeitos legais, como efectiva audiência do arguido, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 334º do ETAPM.
Notifique-se a arguida entregando-lhe cópia da presente acusação.
Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 9 de Abril de 2008” (cfr. fls. 316 a 320 do processo administrativo)
– Por ofício datado de 10.04.2008, foi a recorrida notificada do que segue:
“Avaliação de desempenho - notificação do despacho da Directora dos Serviços de Finanças de 01/04/2008.
Por referência ao procedimento de Avaliação de Desempenho de V. Ex.ª, relativa ao período de 01.01.2007 a 31.12.2007, fica pelo presente notificada que, por Despacho da Srª. Directora dos Serviços de 01 de Abril de 2008, foi-lhe atribuída a menção de “Satisfaz Muito”.
Reproduz-se, de seguida, o despacho n.º XX/DIR/2008 de 01 de Abril que sustenta a decisão ora notificada:
“Tendo a Letrada Principal, A, reclamado ao abrigo do artigo 20º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 da avaliação de desempenho efectuado pela notadora;
Tendo a mesma solicitado ao abrigo do artigo 21º do mesmo diploma, que o seu processo de avaliação de desempenho fosse submetido a parecer da Comissão Paritária:
Face ao Parecer da Comissão Paritária n.º XX/CP-DSF/2008, com o qual concordo na generalidade, e aos factos provados, a saber:
1. A não realização das 1ª e 2ª Reuniões de avaliação: e a
2. Verificação de que não foi observada a forma legalmente prevista para o processo de avaliação, estando em causa a preterição de uma formalidade essencial, cominada pelo CPA no seu artigo 122º, n.ºs 1 e 2, alínea f) com a nulidade;
Determino:
1. É declarada a nulidade do referido processo.
2. A integração da lacuna legal decorrente da declaração de nulidade do presente processo de avaliação, concretamente quanto à forma de suprir a inexistência da atribuição de uma menção qualitativa ao desempenho do trabalhador para o período em causa, seja suprida pelo recurso à solução consagrada na alínea 4) do número 2 do artigo 1º de Regulamento Administrativo n.º 31/2004, isto é, seja “atribuída a menção “Satisfaz”, salvo se a última menção que lhe tiver sido atribuída for superior, caso em que se mantém esta última”, ficando a mesma para o período de 01.01.2007 a 31.12.2007 sedimentada na menção “Satisfaz Muito”.
3. Dê-se conhecimento do meu despacho à notada, através da DAF, em virtude de ter decaído a relação funcional entre a notadora e notada.
Ass.: Lau Ioc Ip, Orieta, aos 01 de Abril de 2008.
Mais se informa V. Ex.ª que, nos termos do n.º 6 do artigo 3º da Lei n.º 8/2004, do acto ora notificado cabe recurso contencioso a apresentar no prazo de 30 dias junto do Tribunal Administrativo, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 25º do Código de Processo Administrativo Contencioso ou, querendo, recurso hierárquico facultativo, ao abrigo do artigo 23º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, o qual não suspende o prazo de interposição do recurso contencioso.
(...)” (cfr. fls. 133 a 135 do processo administrativo)
- Oportunamente, e no âmbito do atrás referido processo disciplinar, elaborou-se o relatório final, nele se propôs aplicar à arguida A, ora recorrida, a pena de 5 dias de multa (a que corresponde o montante de MOP$4.769,20 - quatro mil setecentas e sessenta e nove patacas e vinte avos), nos termos dos nºs 1, alínea b) e 3 do artigo 300º, artigo 302º e nºs 1 e 2, alínea e) do artigo 313º, todos do ETAPM. (cfr. fls. 174 a 194 do processo administrativo)
- Seguidamente proferiu a Exmª Directora dos Serviços de Finanças o seguinte despacho:
“Despacho nº XX/DIR/2008
Para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 338º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, foram analisados os autos de processo disciplinar n.º XXX/AT/2008, mandados instaurar por meu Despacho datado de 18 de Fevereiro de 2008, à funcionária A, Letrada Principal do quadro de pessoal da Direcção dos Serviços de Finanças.
Considerando as diligências instrutórias desenvolvidas e a matéria fáctica carreada para os autos;
Considerando as diligências probatórias realizadas, requeridas pela defesa;
Considerando, ainda, o teor do Relatório elaborado nos termos do n.º 1 do artigo 337º do ETAPM, com o qual concordo e cujo teor dou por reproduzido para todos os efeitos legais;
Ao abrigo das competências que me são conferidas pelo no n.º 1 do artigo 318º do ETAPM, determino a aplicação da pena de 5 dias de multa, a que corresponde o montante de MOP$4.769,20 (quatro mil setecentas e sessenta e nove patacas e vinte avos) no procedimento disciplinar n.º XXX/AT/2008 com os seguintes fundamentos:
1. A análise feita à conduta adoptada pela funcionária A, em termos de enquadramento jurídico-disciplinar do seu comportamento, é susceptível de ser valorada como infracção disciplinar, nos termos previstos no artigo 281º do ETAPM, considerando que com a sua actuação não cumpriu com diligência e zelo os deveres que lhe são exigidos enquanto trabalhadora da Administração Pública.
2. É de exigir dos funcionários e agentes da Direcção dos Serviços de Finanças, na qualidade de trabalhadores da Administração Pública, um regular conhecimento da lei e dos respectivos deveres funcionais a que se encontram adstritos, dado que a actuação que a contrarie é susceptível de gerar responsabilidade disciplinar e a aplicação da pena correspondente.
3. No caso em apreço, resulta claro do Relatório que o prosseguimento dos autos e a formulação da acusação mostram-se adequados, porquanto é exigível da funcionária o conhecimento do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, que regula o regime geral da avaliação de desempenho.
4. A aplicação da pena disciplinar à funcionária, proposta no Relatório, é adequada à prossecução do interesse público visado mostrando-se necessária e exigível, atendendo à finalidade de prevenção especial, característica do direito disciplinar.
5. A falta de assinatura dos resumos escritos resultantes das reuniões de avaliação de desempenho por parte da funcionária, mesmo tendo subjacente a discordância desta com as formalidades das mesmas, não desculpabiliza a sua conduta, revelando negligência e má compreensão dos deveres funcionais a que se encontra adstrita.
6. A funcionária agiu na certeza de que o seu comportamento contraria as regras imposta pelo n.º 5 do artigo 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004.
7. Aliás, a conduta adoptada pela funcionária de se socorrer do parecer da Comissão Paritária, denota o conhecimento dos direitos e deveres que lhe assistem.
8. A assinatura dos resumos escritos das reuniões de avaliação de desempenho é uma exigência legal e a funcionária violou-a. Das suas declarações em sede de instrução resulta claro o conhecimento que tem da obrigatoriedade que violou.
A instrutora notificará a funcionária do presente despacho de decisão de aplicação de pena nos presentes autos com posterior remessa do presente expediente à Divisão Administrativa e Financeira para cumprimento.
Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 26 de Junho de 2008.” (cfr. fls. 164 a 166 do processo administrativo)
- Do assim decidido, interpôs a ora recorrida recurso hierárquico para o Exm° Secretário para a Economia e Finanças.
- No âmbito do processamento de tal recurso, elaborou-se o seguinte parecer:
“1- Em cumprimento do determinado pelo Exmº Senhor Coordenador do Núcleo de Apoio Jurídico, somos a emitir parecer sobre o recurso interposto por A da decisão que, na sequência de processo disciplinar contra aquela instaurado, lhe aplicou uma pena de multa nos termos e com os fundamentos constantes do Despacho n.º l8/DIR/2008, de 26 de Junho.
2- Nas suas alegações, a recorrente começa por formular alguns considerandos que a levam a concluir que existiu negligência na condução do processo e má-fé no seu desenvolvimento processual.
3- Apresenta como indício de negligência por parte da instrutora do seu processo disciplinar, o facto de o seu nome ter sido transcrito de forma errada - omissão do “X” em XXXXXXX.
4- Como a própria reconhece, trata-se de um mero lapso de escrita perfeitamente irrelevante, até porque em nada afectou os seus direitos de defesa nem contribuiu para que, de algum modo, de todo o processado não tivesse conhecimento.
5- Sendo irrelevante, como a própria reconhece, manifesto é que daí não se pode concluir que existiu falta de diligência, como parece pretender, mas apenas um mero lapso de escrita susceptível de ocorrer com quem quer que seja. Falta de diligência - ou negligência - existiria se o lapso provocasse algum prejuízo na sua esfera jurídica, o que notoriamente não aconteceu.
6- Pelo que ficou dito esta questão por si suscitada não deve (nem pode) ser ponderada para efeitos de valoração da condução do processo e, consequentemente, da decisão que veio a ser proferida.
7- Considera ainda a recorrente que a decisão violou o princípio da “boa-fé”, na medida em que, tendo o processo sido instruído em língua que não a sua materna, ficou em desvantagem já que teve de consultar terceiros para melhor entender todo o processado, tanto mais que, segundo ela, o seu nível de português “apenas atinge o de comunicação” não lhe permitindo entender correctamente “documentos jurídicos rigorosos ...” .
8- Convirá ter presente que o processo correu seus termos em português - língua da instrutora do mesmo - sendo que, nos termos da lei, a recorrente sempre se poderia fazer assistir e acompanhar de uma intérprete habilitada ou da sua confiança, o que deveria ter requerido se o entendesse necessário.
9- Daí que nos pareça excessivo e destituído de fundamento que se considere que o facto de o processo ter sido instruído em língua materna que não a sua - embora o tenha sido numa das línguas oficiais - tenha conduzido a uma decisão que violou a “boa-fé e lhe causou transtornos no entendimento do processado”.
10- E mesmo que se admitisse que alguma dificuldade teve na compreensão de “documentos jurídicos rigorosos”, certo é que, como mais à frente alega, durante o processo foi apoiada por um advogado por si escolhido, o que desde logo afastou essa eventual má compreensão.
11- Tanto mais que, como adiante também se verá, é a própria recorrente que invoca os seus conhecimentos jurídicos para justificar a sua decisão de não assinar os resumos escritos das reuniões de avaliação de desempenho, factos que estiveram na origem do procedimento disciplinar contra si instaurado.
12- Pelo exposto somos de parecer que nesta matéria não lhe assiste razão.
13- Analisados que estão os considerandos iniciais constantes das alegações do recurso em apreço, importa agora apreciar os fundamentos que a mesma invoca para requerer a revogação da decisão que lhe aplicou uma pena de multa.
14- Em síntese, a recorrente considera que a decisão padece do vício de ilegalidade, porquanto se fundou em factos “inventados”, em distorções de textos, em interpretações absurdas, demonstrando mesmo falta de profissionalismo, parcialidade, injustiça e tratamento desigual, para além de que não teve em conta as provas por si carreadas para o processo.
15- Para sustentar esse seu entendimento, a recorrente, ao longo das suas alegações, historia todo o procedimento de avaliação de desempenho referente ao período que decorreu entre 1 de Agosto de 2007 e 31 de Dezembro do mesmo ano, dando conta das diversas ilegalidades que, de acordo com o seu entendimento, foram então praticadas pela sua notadora, as quais, ainda de acordo com o que pensa, legitimam o seu comportamento (recusa de assinatura dos mapas resumo das reuniões de avaliação) e nunca deveriam ter levado a que lhe fosse aplicada qualquer pena disciplinar.
16- Em traços gerais, das suas alegações e quanto ao que considera serem os seus fundamentos de facto, relevam o seguinte:
a) Em 11/01/2008, a ora recorrente compareceu perante a sua notadora, que nessa mesma data a convocara telefonicamente e só quando na presença daquela teve conhecimento que o objectivo era a realização das 1ª e 2ª reuniões de avaliação referentes ao período que decorreu entre 01/08/2007 e 31/12/2007;
b) Logo que teve conhecimento do objectivo da convocatória - o que, segundo a recorrente, aconteceu no momento em que compareceu perante a notadora - manifestou a sua indisponibilidade para a realização daquelas reuniões porquanto já havia sido ultrapassado largamente o prazo legalmente fixado para o efeito, tanto mais que era inexequível que em 2008 se fixassem os objectivos a atingir em 2007;
c) Ainda de acordo com as alegações de recurso, pretendeu a recorrente que dos Mapas Resumo das reuniões antes referidas constassem as razões pelas quais aquela se opunha à realização das reuniões e que a levavam a não assinar aqueles, o que, segundo ela, foi recusado pela notadora;
d) Em 14/01/2008, a recorrente foi convocada pela notadora para a realização conjunta da 3ª reunião de avaliação referente ao período de 2007 em questão e 1ª reunião de avaliação referente a 2008;
e) A recorrente, ainda segundo as suas alegações, terá recusado a realização da 3ª reunião de avaliação referente a 2007, porquanto nunca se haviam realizado as 1ª e 2ª reuniões referentes à avaliação de Agosto a Dezembro de 2007;
f) Recusou-se ainda a realizar a 1ª reunião de avaliação referente a 2008 e a assinar o respectivo Mapa Resumo, porquanto, nesse mesmo dia e em momento anterior à convocação da reunião havia requerido a substituição da notadora com o fundamento na sua falta de imparcialidade, nos termos do n.º 2 do artigo 3º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, entendendo, que por tal facto, estava obrigada a tal recusa;
g) Ainda nesse mesmo dia 14/01/2008, pelas 16h00, por convocação da notadora, a recorrente compareceu a uma reunião em que estavam presentes mais duas pessoas que identifica, as quais foram testemunhas que ela se havia recusado a realização da 3ª reunião referente a 2007 e a 1ª de 2008, bem como a assinatura do mapa resumo das reuniões de avaliação de 2007, a ficha de avaliação e o Mapa Resumo da 1ª reunião de 2008;
h) Dessa reunião havida com a notadora e com testemunhas, não foi assinada a acta porquanto a recorrente terá pretendido que na mesma fosse acrescentado o que ocorrera em 11 de Janeiro do mesmo ano, o que a notadora recusou;
i) E, posteriormente, terá aquela elaborado um auto de ocorrência de onde constava que a recorrente se havia recusado a assinar os Mapas Resumos, ao contrário do que havia acontecido, já que ela se recusara a realizar as reuniões;
j) Entretanto, a recorrente foi colocada noutro Departamento da DSF, sendo que já se realizou com o novo notador a 1ª reunião referente a 2008, pelo que a reunião que ela se recusou a fazer com a anterior notadora deixou de ter, segundo ela, qualquer relevância;
k) De qualquer forma, é entendimento da recorrente que todo este processo padece desde logo de um vício que legitima todo o seu comportamento, qual seja o de a convocatória das reuniões não respeitar o disposto no artigo 19º do Código do Procedimento Administrativo, o qual no seu n.º 3 estipula que a convocatória da reunião deve ser feita com a antecedência de 48 horas, sendo que do artigo 23º do mesmo diploma legal se conclui que a ilegalidade resultante do não cumprimento das regras de convocação das reuniões só se considera sanada quando todos os membros do órgão compareçam à reunião e não suscitem oposição à sua realização;
l) Assim sendo, de acordo com a recorrente, apenas existiram convocatórias para reuniões, ilegais por não respeitarem o prazo de convocação fixados na lei, nunca se tendo realizado qualquer reunião pelo que nada havia para assinar;
m) Ao que acresce que, no caso da 3ª reunião referente a 2007, a mesma nunca se poderia realizar já que não se tinham realizado a 1ª e 2ª para além de que a 1ª referente a 2008, nunca se poderia realizar já que aquela não iria ser imparcial;
n) Sendo que, segundo alega a recorrente, o que era da responsabilidade da notadora - a não realização das 1ª e 2ª reuniões referentes ao desempenho de 2007 - acabou por penalizar quem não tinha qualquer responsabilidade, já que sobre si é que recaiu a acusação de “recusa subjectiva e dolosa da assinatura”;
o) Em abono da sua tese e como prova que aquelas reuniões nunca se realizaram, solicita que seja verificado no respectivo processo se os Mapas Resumo da 1ª e 2ª reuniões existem e, caso estes não tenham sido assinados pela notadora, fica, segundo ela, demonstrado que as referidas reuniões nunca existiram;
p) Mais solicita que se apure se foi instaurado procedimento disciplinar contra a notadora por não ter assinado tais documentos, à semelhança do que aconteceu com ela e à luz “do princípio da igualdade, previsto na Lei Básica ...”;
q) Caso, por outro lado, existam tais documentos assinados pela notadora - os Mapas Resumo da 1ª e 2ª da avaliação em questão - então, ainda de acordo com a recorrente, aquela terá praticado um crime de falsificação de documentos, uma vez que não existiu qualquer reunião;
r) Alega também a recorrente que, apesar de, a seu pedido, lhe terem sido facultadas cópias dos Mapa Resumo da 3ª reunião referente ao período em questão e do mesmo documento referente à 1ª reunião da avaliação de 2008 - o que aconteceu em 16/01/2008 - o prazo de reclamação quanto à sua avaliação de 2007, começou a contar de 14/01/08, pelo que também aqui foi prejudicada;
s) Termina esta sua fase das suas alegações repetindo argumentos e factos já anteriormente descritos e relatando situações análogas de colegas que não procederam como ela porque não tinham formação jurídica;
17- Quanto a esta parte das suas alegações, com o devido respeito e salvo melhor opinião, é nosso entendimento que não assiste razão à recorrente.
18- Antes de mais refira-se que, ao contrário do que alega, não estava a notadora obrigada a convocar as reuniões em questão com 48 horas de antecedência, já que a norma por si invocada só é aplicável às reuniões dos órgãos colegiais, o que manifestamente não é o caso de reuniões entre notadora e notada num processo de avaliação de desempenho.
19- Daí que as reuniões em questão nunca possam ser consideradas ilegais com tal fundamento.
20- Acresce que o facto de as duas primeiras reuniões terem sido convocadas para data em que já estava largamente ultrapassado o prazo legalmente fixado para a realização das mesmas, não obsta à realização daquelas, pode é, quando muito, determinar a invalidade do processo de avaliação de desempenho.
21- Isto porque estamos perante realidades diversas. Uma, a reunião e o prazo legalmente fixado para a sua realização; outra, o dever de assinar a acta da reunião cuja convocatória não padecia de qualquer vício.
22- Daí que o procedimento adequado da recorrente fosse o de assinar as referidas actas e, quando muito, delas fazer constar que as mesmas se realizavam fora do prazo legalmente fixado para o efeito, o que até seria desnecessário, uma vez que das actas constaria, certamente, a data da sua realização.
23- E, posteriormente, se assim o entendesse, deveria proceder em conformidade com o disposto na legislação aplicável ao processo de avaliação de desempenho.
24- E o mesmo se diga quanto ao procedimento adequado no que à 3ª reunião e ao Mapa Resumo, diz respeito.
25- Já quanto ao facto de não ter assinado a acta referente à 1ª reunião do processo de avaliação referente a 2008, com o fundamento que a notadora não seria imparcial - sem que tenha apresentado quaisquer factos - apenas se dirá que o dever de assinar a que a recorrente estava vinculada nunca pode ser afastado por meras conjecturas.
26- Nada se nos oferece dizer quanto ao pretendido apuramento da existência de eventual processo disciplinar à notadora, alegando a recorrente, para o efeito o princípio da igualdade consagrado na Lei Básica, tão manifesto que é o despropósito de tal pedido e a sua desconformidade com a lei.
27- Apresenta como seus fundamentos de direito, em síntese, os seguintes:
a) Invocando o disposto no artigo 277º do ETAPM - que determina a aplicação supletiva ao procedimento disciplinar do Código Penal - e acolhendo as teses de um criminalista de Taiwan, pretende demonstrar que sendo a ordem ilegal nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos funcionários inferiores pelo seu não cumprimento, uma vez que não estão habilitados para avaliarem da sua ilicitude, razão pela qual aos seus colegas que assinaram os Mapas Resumo que lhes foram presentes pela notadora, embora tenham agido de forma ilícita nenhuma responsabilidade lhes pode ser assacada;
b) Tendo ela, recorrente, conhecimentos jurídicos - é, tanto quanto se sabe, licenciada em Direito - estava obrigada a conhecer “da ilicitude substancial da realização de uma reunião fora de prazo”, pelas razões anteriormente apontadas, sendo que o “cumprimento do dever de não praticar acto ilícito é superior hierarquicamente ao cumprimento do dever de assinar” cessando o dever de obediência hierárquica quando este conduz à prática de um crime, tudo isto nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 35º do Código Penal;
c) Ora, uma vez que sabia que seria ilegal a realização da 1ª e 2ª reunião antes referida, por extemporânea e que conhecia a intenção da notadora na prática do crime de falsificação de documentos, entendeu que não devia praticar o crime nem colaborar com aquela na sua prática, pois que com a sua assinatura ajudaria a notadora a praticar um crime de falsificação de documentos;
d) Continuando a alegar, a recorrente volta a invocar neste capítulo que denominou de “Fundamentos de direito”, a questão do seu desconhecimento da língua portuguesa, considerando que na fase de instrução a instrutora abusou da sua confiança, fazendo-a assinar uma declaração onde constava a sua “confissão de ter infringido a lei”, quando ela o que tinha afirmado é que tinha tomado “conhecimento para assinar, mas não assinei”;
e) Ainda nesta fase a recorrente faz uma exposição exaustiva das diversas fases do processo de avaliação de desempenho, concluindo que, por facto imputável à notadora, a realização em 2008 das 1ª e 2ª reuniões referentes ao período de 2007, padecia do vício de ilicitude, o que diga-se, antes já havia feito;
f) Considerando mesmo que a notadora teve azar porque ela não sabe “engraxar” e não a ajudou a praticar um crime;
g) Voltando então, nas suas alegações, a suscitar a questão da responsabilidade única da notadora em todo este processo de avaliação;
h) Pelo que, “Como o acto da notadora é nulo, não tenho qualquer dever de obediência”, pelo que não tinha o dever de assinar.
28- E, por força do que ficou exposto, conclui que:
a) Não é verdade que se tenha recusado a assinar os mapas resumos das reuniões de avaliação de desempenho, conforme se refere no ponto 5 da Decisão, porquanto não houve qualquer reunião onde “se formasse consentimento” apenas tendo entrado na sala onde se encontrava a notadora e se existem os Mapas Resumo dessas reuniões é porque foram falsificados por aquela e não podem ter qualquer valor;
b) Se não existem os Mapas Resumo quanto à 1ª e 2ª reunião, então só podem existir os da 3ª reunião, mas como não houve uma fase de discussão nesse encontro com a notadora, não se pode dizer que houve uma reunião, logo não havia qualquer obrigação de assinar;
c) Até porque o seu dever de obediência cessou quando a notadora tentou falsificar os documentos;
d) Recusou assinar porque a isso estava obrigada e não por divergência de formalidades quanto às mesmas;
e) Impugna ainda a parte desse ponto 5 da Decisão em que se refere que revelou negligência e má compreensão dos deveres funcionais, porquanto não se trata de entender erradamente os seus deveres funcionais. Na verdade, não assinou porque não houve qualquer reunião;
f) Impugna ainda o mesmo ponto 5 da Decisão porquanto aquele contradiz os pontos 6, 7 e 8 daquele mesmo documento, pois neles se refere que conhecia o seu dever de assinar e restantes direitos e deveres;
g) O que aconteceu foi que, ciente dos seus deveres, evitou, de forma bem sucedida, que a notadora cometesse um crime;
h) E agiu sempre de forma a que ficasse bem demonstrado que conhecia os seus deveres funcionais, designadamente solicitando uma reunião à Senhora Directora e recorrendo à Comissão Paritária, tendo sempre agido com lealdade;
i) Impugna também o ponto 6 da Decisão porquanto ao não ter assinado não violou qualquer lei, já que, por força do artigo 277º do ETAPM, aplica-se subsidiariam ente ao procedimento disciplinar o Código Penal, designadamente as normas que se referem à exclusão da culpa e da ilicitude;
j) No fundo, de acordo com o que alega, ao não assinar cumpriu um dever imposto por lei, pois assim não procedeu a um acto ilegal, já que o seu dever de assinar cessou porquanto tinha o dever de não cometer um crime de falsificação;
k) Não entendeu, pois, erradamente os seus deveres funcionais, antes os cumpriu com super zelo. Por ter entendido correctamente os seus direitos e deveres recusou a violação, obediência cega e assinatura indevida;
l) Ainda quanto a todos os outros pontos da decisão que "impugna" considera que os mesmos assentam em factos inventados já que a realidade é aquela que relatou anteriormente, daí resultando que não violou qualquer dever, antes agiu correctamente de forma a evitar a prática de ilegalidades por parte da notadora;
m) Mas mesmo que assim se não entendesse que agiu em conformidade, então todos os trabalhadores que não assinaram deveriam ter sido punidos de igual forma, de acordo com o princípio da igualdade consagrado no artigo 25º da Lei Básica;
n) E, por isso mesmo, entende que deverão ser consultados todos os processos de avaliação de 2007, de forma a apurar quem não assinou e não foi punido de modo idêntico;
o) Acabando por concluir que, assentando todo o processo em acto nulos e sendo eles insusceptíveis de produzirem efeitos nunca lhe poderiam ser assacadas responsabilidades por não ter assinado um documento quando se tratava de um acto nulo;
p) Concluindo que a decisão só tem palavras “ocas” imputando-lhe factos sem qualquer fundamento;
q) Pelo que requer a revogação do referido Despacho n.º XX/DIR/98 e que a Ex.ma Senhora Directora dos Serviços de Finanças lhe peça desculpas publicamente.
29- Na análise de tudo o que anteriormente é alegado, apenas nos deteremos sobre os factos que relevam para a decisão que se pretende impugnar, dando como excessos, próprios de quem se defende em causa sua, todos os considerandos que faz sobre os comportamentos da notadora, da instrutora do processo disciplinar e até da Ex.ma Senhora Directora dos Serviços, a quem chega a exigir um pedido de desculpas público.
30- Quanto à questão da utilização no processo disciplinar da língua portuguesa e não da chinesa, tal matéria já foi objecto de análise em momento anterior (cfr. 7 a 10 da presente Informação), pelo que nos limitamos a remeter para aí a apreciação do mérito de tal argumento, reproduzindo aqui apenas a conclusão que é nosso entendimento que nessa parte não lhe assiste qualquer razão, sendo manifestamente abusiva e destituída de qualquer fundamento a alegação da existência de conduta menos própria da instrutora do processo disciplinar, alegação que se enquadra no entendimento que nos levou a considerar como irrelevantes e meros excessos de linguagem, alguns considerandos que formula.
31- Também nos mesmo âmbito se enquadram as acusações de falsificação que formula, até porque manifesto é que, tendo comparecido às reuniões, haveria que assinar a respectiva ficha do seu “Resumo”, ainda que, por hipótese, da mesma apenas constasse a sua posição quanto à ilegalidade da mesma, como adiante se verá.
32- Aliás, toda a argumentação que apresenta para justificar a sua conduta com o dever de evitar a prática de um crime de falsificação por parte da notadora, é de tal forma absurda que pelo alegado só se pode concluir que a realização das reuniões constituiria um crime de falsificação, pois que em momento algum alega, antes pelo contrário, que a notadora pretendeu “viciar” as datas de realização das reuniões, não se vislumbrando de que outra forma tal tipo de crime poderia ser cometido.
33- Como anteriormente já se referiu, o facto de as reuniões em questão se realizarem em data posterior àquela que a lei para o efeito fixava, não é causa justificativa para afastar o seu dever de assinar os respectivos “Resumos”.
34- Tal dever de assinar é inquestionável e a recorrente, à semelhança de qualquer notado, não pode, em circunstância alguma, eximir-se ao seu cumprimento, assistindo-lhe, no entanto, o direito de, em caso de desacordo, fazer constar dos “Resumos” de tais reuniões, as suas próprias conclusões, que, depois de assinados, são juntas ao processo de avaliação do notado (n.º 5 do artigo 16º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004).
35- Com o devido respeito pelas alegações da ora recorrente, manifesto é que ela labora num vício de raciocínio, qual seja o de confundir a realização das reuniões de avaliação fora do prazo legalmente fixado - o que pode gerar, como efectivamente aconteceu, a declaração de nulidade do respectivo processo de avaliação por preterição de formalidade essencial - e o dever de assinar os “Resumos” de tais reuniões.
36- Ora, claro é que são realidades diferentes e para as quais a lei exige comportamentos diversos.
37- Para as reuniões de avaliação, determina a lei que, sejam elaborados “Resumos” das mesmas, assinados pelos intervenientes e juntos ao processo de avaliação do notado.
38- Sendo que, quando as reuniões não se realizem ou quando se realizem para além do prazo legalmente fixado para o efeito, assiste ao notado o direito de reclamar ou recorrer (artigos 20º e 23º do citado REGA), consoante a fase do processo em que se encontre, invocando, no caso em apreço; a preterição de formalidade essencial.
39- Em caso algum a lei reconhece à notada o direito de fundamentar o não cumprimento de um qualquer dever com base numa eventual nulidade.
40- E mesmo que declarado nulo o acto não deixa de existir a violação de um dever sempre que tal ocorre.
41- Isto tanto vale para o dever de assinar como para outro qualquer dever dos intervenientes processuais.
42- Por tudo o que fica dito, parece claro que não assiste razão alguma à recorrente quando pretende ver justificado o não cumprimento de um dever (o de assinar), porquanto era seu entendimento que o acto era nulo.
43- Nem tão pouco poderá considerar justificada a violação do seu dever por efectivamente o ser.
44- No caso em apreço, como é bom de ver, não é ao notado que cabe decidir da legalidade da conduta da sua notadora, apenas lhe sendo facultado o direito de questionar a conformidade daquela com a lei através dos meios que a lei lhe faculta.
45- Ora em parte alguma da lei lhe é conferido o direito de recusa à assinatura, antes pelo contrário, é-lhe imposto tal dever, como antes se viu.
46- E bem se compreende que assim seja, pois que, não ser assim, isto é, a não existir tal dever de assinar os “Resumos” das reuniões, realizadas ou não dentro do prazo, poderia ficar em crise todo o sistema de avaliação de desempenho, na medida em que um mero entendimento de um notado, mesmo que sem qualquer cobertura legal, poderia fundamentar a sua recusa de assinatura e, em consequência, inviabilizar a realização tempestiva das reuniões, com as consequências legais.
47- Ora, manifesto é que, ao agir como agiu, a recorrente violou de forma intencional um dever no âmbito do processo de avaliação de desempenho. O que, aliás, ela mesmo reconhece.
48- Foi por esta sua conduta violadora de deveres no âmbito de um processo de avaliação de desempenho que lhe foi instaurado procedimento disciplinar e para o qual nada releva a validade ou invalidade dos actos praticados naquele.
49- Pelo que somos de opinião que também aqui nenhuma razão assiste à ora recorrente.
50- Concluindo:
a) Não assiste razão à recorrente quando invoca que existiu má-fé na condução do processo disciplinar, já que aquele correu seus trâmites em língua portuguesa, quando a sua língua materna é o chinês, porquanto não só a recorrente sempre se poderia fazer acompanhar de tradutora, nos termos legais, ao que acresce que durante o processo foi apoiada por advogado por si escolhido;
b) A convocatória para a realização das reuniões referentes ao processo de avaliação de desempenho do ano de 2007, não está ferida de qualquer vício, já que a obrigação da sua convocatória com 48 horas de antecedência apenas se verifica para as reuniões de órgão colegiais;
c) O facto de as reuniões terem sido convocadas para data posterior àquela que a lei fixava não obsta à sua realização nem afasta o dever de o notado comparecer às mesmas e proceder em conformidade com a lei, designadamente, assinando os “Resumos” das mesmas, podendo em caso de discordância, fazer dos mesmos constar o que entender por conveniente;
d) o incidente de suspeição sobre a isenção da notadora deve ser suscitado pelas vias próprias, não podendo ser considerado como causa justificativa de qualquer violação de um dever a mera conjectura sobre a imparcialidade da notadora;
e) Não assiste à recorrente o direito de ser informada sobre a existência de eventual procedimento disciplinar contra a notadora, ao abrigo do princípio da igualdade consagrado na Lei Básica, não só porque tal princípio não é aplicável ao caso em apreço, mas também porque a própria o lei o impede;
f) Em caso algum a lei reconhece à notada o direito de fundamentar o não cumprimento de um qualquer dever com base numa eventual nulidade processual.
g) E ainda que uma acto seja nulo, como de facto aconteceu, não se extingue a responsabilidade disciplinar por actos ou omissões praticadas no âmbito do procedimento em que tal nulidade se verificou;
h) Não é legítimo pretender que a impossibilidade da produção de efeitos jurídicos de um acto nulo praticado no âmbito de um determinado procedimento se estenda a procedimento completamente autónomo, ainda que na sua génese estejam comportamentos havidos no âmbito daquele;
i) Daí que a ora recorrente não possa pretender justificar com tal fundamento a violação dos seus deveres;
j) O Despacho n.º XX/DIR/98, não padece, pois, em nossa opinião, de qualquer vício.
51- Pelo exposto, somos de parecer que o presente recurso hierárquico deve ser indeferido.
Mais se informa V. Ex.ª que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36º da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e na alínea a) do n.º 2 do artigo 25º do Código de Processo Administrativo e Contencioso, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso a interpor, no prazo de 30 dias a contar da data da notificação, junto do Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.” (cfr. fls. 19 a 35 do processo administrativo).
- Submetido o recurso e o transcrito parecer à apreciação do Exm° Secretário para a Economia e Finanças, proferiu o mesmo o seguinte despacho (objecto do presente recurso):
“Concordo com o parecer. Indefiro o referido recurso.”
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3. Direito
A entidade recorrente suscita a única questão que reside em saber se no caso vertente se verifica a causa de exclusão da culpa prevista na al. d) do art.º 284.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Na tese da entidade recorrente, não foi a recorrida compelida a recusar a assinar os resumos das reuniões de avaliação, inexistindo causa de exclusão da responsabilidade disciplinar em causa.

Ora, é consabido que, com excepção dos trabalhadores expressamente excluídos, todos os trabalhadores da Administração Pública, incluindo os contratados no regime de direito privado, estão sujeitos à avaliação do desempenho.
O Regulamento Administrativo n.º 31/2004 estabelece as normas complementares respeitantes ao regime geral de avaliação do desempenho dos trabalhadores da Administração Pública, prevendo a criação da Comissão Paritária, os factores de avaliação, as modalidades da avaliação e o processo de avaliação, etc..
E o processo de avaliação, tanto ordinária como extraordinária, compreende as seguintes fases: designação dos notadores, reuniões de notadores, reuniões de avaliação, auto-avaliação, notação e homologação (n.º 1 do art.º 12.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004).
No que concerne às reuniões de avaliação, que nos interessa no caso vertente, estipula o art.º 16.º do diploma o seguinte:
“Artigo 16.º
Reuniões de avaliação
1. O processo de avaliação compreende a realização, após a reunião de notadores e até 15 de Janeiro seguinte, ou após a designação do notador, quando a mesma não ocorra no prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º, de uma reunião de avaliação entre o notador e o notado, tendo em vista, designadamente:
1) A clarificação dos objectivos prosseguidos pela subunidade orgânica em que se insere o notado, para o período objecto de avaliação;
2) O planeamento das actividades a desempenhar no período de avaliação que se vai iniciar, tendo em consideração a área e o conteúdo funcional do notado, o plano de actividades elaborado nos termos da lei e os recursos necessários;
3) A definição dos objectivos e resultados a atingir no período objecto de avaliação;
4) A identificação dos factores em que se vai basear a avaliação do notado, designadamente a dos factores a ponderar duplamente, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 7.º
2. Sem prejuízo da obrigação dos notadores de acompanharem regularmente o desempenho dos notados a seu cargo, deve ser realizada, a meio do período a que respeita a avaliação, uma reunião na qual são clarificados os objectivos e prioridades de trabalho e é efectuada uma apreciação do desempenho do notado até esse momento, procedendo-se, quando se justifique, aos ajustamentos necessários.
3. Durante o mês de Dezembro do ano a que respeita a avaliação e até ao dia 15 de Janeiro do ano seguinte, ou antes do preenchimento definitivo das fichas de notação, nos casos de avaliação extraordinária, os notadores devem reunir com os notados, tendo em vista a apreciação final do desempenho.
4. As reuniões previstas nos n.os 1 e 3 podem ser realizadas conjuntamente, procedendo-se em primeiro lugar à apreciação final do desempenho do notado.
5. Das reuniões referidas no presente artigo é elaborado um resumo escrito, no qual, em caso de desacordo, os intervenientes podem fazer constar as suas próprias conclusões e que, depois de por eles assinado, é junto ao processo de avaliação do notado.”

Ora, a publicação do Regulamento Administrativo em causa visa, sem dúvida, o bom funcionamento da máquina administrativa, a boa gestão da equipa dos trabalhadores da Administração Pública e, enfim, os interesses públicos, pelo que é estabelecido um conjunto das regras destinadas à avaliação do desempenho dos funcionários públicos, que devem ser seguidas tanto pelos notadores como pelos notados.
Como uma das fases essenciais do processo de avaliação, devem ser realizadas três reuniões de avaliação, uma após a reunião de notadores e até 15 de Janeiro seguinte, outra a meio do período a que respeita a avaliação e a terceira durante o mês de Dezembro do ano a que respeita a avaliação e até ao dia 15 de Janeiro do ano seguinte, podendo as primeira e terceira reuniões ser realizadas conjuntamente (n.ºs 1 a 4 do art.º 16.º).
A realização de reuniões de avaliação entre o notador e o notado faz parte integrante do processo de avaliação, que visam: i) para a primeira reunião: a clarificação dos objectivos prosseguidos pela subunidade orgânica em que se insere o notado, o planeamento das actividades a desempenhar no período de avaliação que se vai iniciar, a definição dos objectivos e resultados a atingir no mesmo período e a identificação dos factores em que se vai basear a avaliação do notado; ii) para a segunda reunião: a clarificação dos objectivos e prioridades de trabalho, a apreciação do desempenho do notado até esse momento e os ajustamentos necessários; e iii) a apreciação final do desempenho (para a terceira reunião).
E é elaborado um resumo escrito das reuniões, que deve ser assinado e junto ao processo de avaliação do notado; em caso de desacordo, os intervenientes podem fazer constar nesse resumo as suas próprias conclusões (n.º 5 do art.º 16.º)

Constata-se nos presentes autos que a pena disciplinar foi aplicada devido à falta de assinatura, por parte da recorrida, dos resumos escritos resultantes das reuniões de avaliação de desempenho, tendo a recorrida recusado a assinar esses resumos das reuniões realizadas no âmbito dos processos de avaliação de desempenho.
Na óptica da entidade recorrente, a recorrida encontra-se obrigada a assinar o resumo escrito elaborado no final das reuniões de avaliação de acordo com o estabelecido no n.º 5 do art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 e o seu comportamento, de não assinar os resumos das reuniões de avaliação, é susceptível de ser valorado como infracção disciplinar nos termos previstos no art.º 281.º do ETAPM, considerando que com a sua actuação não cumpriu com diligência e zelo os deveres que lhe são exigidos enquanto trabalhadora da Administração Pública.
E no Acórdão ora recorrido, apesar de entender que houve violação do dever de zelo por parte da recorrida, que se recusou a assinar os documentos, pois a inobservância da norma de conduta contida no n.º 5 do art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004 implica a violação de um dever especial imposto aos funcionários sujeitos à notação, o Tribunal de Segunda Instância considera verificada uma das causas de exclusão da culpa prevista na al. d) do art.º 284.º do ETAPM, face ao motivo que levou a recorrida a recusar à assinatura, pelo que fica excluída a sua responsabilidade disciplinar.
Concordamos com tal entendimento.
Na realidade, tendo em consideração a relevância das reuniões de avaliação que assumem em todo o processo de avaliação, as finalidades visadas pela realização dessas reuniões e a regra estipulada no n.º 5 do art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, pode considerar-se como obrigação legal do notado a assinatura do resumo escrito das reuniões, que faz prova da sua realização e do conhecimento por parte do notado dos objectivos prosseguidos pelo seu serviço em que se insere, o planeamento das suas actividades a desempenhar, os respectivos resultados bem como a respectiva apreciação do seu desempenho, etc., todos elementos importantes para a avaliação do desempenho do notado e para o bom funcionamento do respectivo serviço.
Nos termos do art.º 281.º do ETAPM, é considerada como infracção disciplinar o facto culposo praticado pelo funcionário ou agente, com violação de algum dos deveres gerais ou especiais a que está vinculado.
E como um dos deveres gerais expressamente previstos, o dever de zelo “consiste em exercer as suas funções com eficiência e empenhamento e, designadamente, conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho” (art.º 279.º n.º 2, al. b) e n.º 4 do ETAPM).
A conduta da ora recorrida, descrita nos autos, constitui uma violação, culposa, do dever de zelo, ao recusar-se a assinar os resumos escritos das reuniões de avaliação, bem sabendo que tinha obrigação legal de assinar.
Não obstante a sua prática no processo de avaliação, certo é que tudo está estreitamente relacionado com o exercício das funções da recorrida.
E viola também o dever especial previsto no n.º 5 do art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004.

No entanto, não se pode ignorar a circunstância que motivou a recusa por parte da recorrida.
De facto, constata-se nos autos que a recorrida não assinou os resumos escritos porque a notadora se tinha recusado a fazer constar nos mesmos as suas próprias conclusões.
Ora, ao abrigo do disposto na referida norma, n.º 5 do art.º 16.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004, em caso de desacordo, o notado pode fazer constar no resumo escrito as suas próprias conclusões, o que constitui um direito do notado, ao lado do seu dever imposto de assinar o resumo.
Sendo um direito assistido ao notado, afigura-se que tinha a recorrida toda a legitimidade para pedir que as suas conclusões fossem incluídas nos resumos escritos, devendo a notadora fazer constar nos mesmos tais conclusões.
Não o fazendo, nem dando nenhuma justificação, o que se pode exigir da recorrida?
Sustenta a entidade recorrente que a recorrida poderia recorrer a meios de impugnação administrativa ou recurso contencioso para pôr em causa a decisão da notadora, facultando-lhe apenas o direito de questionar a conformidade daquela com a lei através dos meios legais.
Ora, é verdade que a lei prevê a reclamação e o recurso como meios de impugnação da avaliação efectuada pelo notador (art.ºs 20.º a 23.º do Regulamento Administrativo n.º 31/2004), podendo ainda o notado interpor recurso contencioso.
Tratam-se, porém, dos meios de impugnação depois das fases posteriores de notação e de homologação, respectivamente, entre as quais e as reuniões de avaliação existem ainda a fase de auto-avaliação.
Não há meio legal próprio para que a recorrida possa agir imediatamente contra a actuação da notadora.
Há que ter em consideração o circunstancialismo em que a recorrida se recusou a assinar os resumos escritos das reuniões, daí que se encontra a explicação para a sua conduta, sendo a sua recusa à assinatura a reacção imediata e directa à actuação indevida da notadora, tal como afirma o Acórdão ora recorrido.
Nos termos da al. d) do art.º 284.º do ETAPM, é circunstância dirimente da responsabilidade disciplinar “a não exigibilidade de conduta diversa”.
Como uma das causas de exclusão da culpa, tal circunstância dirimente verifica-se “sempre que concorram circunstâncias exteriores ao agente que o arrastem de forma irresistível para a prática do facto, de tal modo que não seria de esperar que se comportasse de maneira diferente”, sendo o exemplo a situação em que o funcionário se ausenta momentaneamente do seu posto de trabalho, sem ter obtido previamente autorização para tal, porque recebeu notícia de que o seu filho tinha sido atropelado e transportado para o hospital.1
No nosso caso concreto, não obstante ter violado um dever imposto por lei, certo é que a conduta da recorrida teve a sua justificação na não permissão pela notadora para fazer constar nos resumos escritos das reuniões as suas próprias conclusões, evidentemente discordantes, sendo este um direito que lhe é legalmente facultado.
Do ponto de vista da recorrida, considerada como uma pessoa normal, tendo sido impedida a exercer o seu direito, não resta outra maneira para manifestar a sua discordância, a não ser se recusar a assinar os resumos das reuniões, revelando assim a sua posição e a reacção imediata face à actuação da notadora. Serve como meio de auto-defesa a recusa à assinatura.
Por outro lado, face à disposição no art.º 147.º n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo e no art.º 34.º n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, que retira a legitimidade de impugnação administrativa ou contenciosa àqueles que, sem reserva, tenham aceitado, expressa ou tacitamente, o acto administrativo depois de praticado, afigura-se compreensível e aceitável a reacção imediata da recorrida, pois a assinatura dos resumos escritos, pura e simplesmente e sem reserva, podia ser vista como aceitação dos resumos e do acto, embora não administrativo do ponto de vista jurídico.
Resumindo, havendo embora a violação culposa do dever legal por parte da recorrida, a sua responsabilidade disciplinar fica excluída pela verificação da circunstância dirimente prevista na al. d) do art.º 284.º do ETAPM.
Improcede o recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Sem custas, pela isenção da entidade recorrente.
  
   Macau, 15 de Julho de 2015
  
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
  
1 Cfr. Manuel Leal-Henriques, Manual de Direito Disciplinar, 2.ª edição, 2009, p. 84 e 85.
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1
Processo n.º 110/2014