打印全文
Processo n.º 39/2015
Recurso penal
Recorrente: A e B
Recorrido: Ministério Público
Data do acórdão: 30 de Julho de 2015
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de tráfico de estupefacientes
- Fundamentação da sentença
  - Atenuação especial da pena

SUMÁRIO
1. Com a nova redacção dada pela Lei n.º 9/2013 ao n.º 2 do art.º 355.º do Código de Processo Penal, a lei passa a ser mais exigente em ralação à fundamentação da sentença, impondo ao tribunal que faça “exame crítico das provas”, para além da enumeração dos factos e da exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com indicação das provas.
2. Não se deve ignorar, no entanto, que o exame crítico, bem como a indicação das provas, faz parte da exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, que pode ser concisa, mas completa, conforme a disposição legal, daí que o legislador não exige que a fundamentação da sentença seja exaustiva, exaustão esta que é sempre difícil de ser alcançada, como bem se compreende.
3. Tanto a indicação como o exame crítico das provas servem para revelar as razões essenciais da convicção a que chegou o tribunal sobre a decisão de facto. E a extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo, havendo de ter sempre em conta os ingredientes do caso concreto.
4. Para efeito de atenuação especial da pena prevista no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, só tem relevância o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, A e B (1.º e 2.º arguidos) foram condenados, pela prática em co-autoria e na forma consumada de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 14 anos de prisão.
Inconformados com a decisão, recorreram ambos os arguidos para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu negar provimento aos recursos.
Vêm agora os arguidos recorrer desse Acórdão para o Tribunal de Última Instância, formulando na sua motivação do recurso as seguintes conclusões:
- Recurso do arguido A
1. No caso sub judice, o recorrente é delinquente primário, colaborou com as autoridades policial e judiciária no auto de interrogatório da PJ, no auto de 1º interrogatório judicial do Juízo de Instrução Criminal e na audiência de julgamento no tribunal a quo, contando o que tinha acontecido e confessando o indivíduo nos bastidores, o modo de execução do crime, o destino final das drogas e a remuneração a receber. Daí se pode ver que a confissão do recorrente produziu um efeito decisivo para o apuramento dos factos.
2. O 2.º arguido negou a prática dos factos criminosos lhe imputados.
3. Trata-se dum caso de transporte de drogas com circunstâncias complexas e modo de execução sinuoso, apesar de os agentes policiais terem interceptado o recorrente em flagrante e encontrado na posse deste os álbuns de fotografia e as fotos com drogas, tais circunstâncias objectivas revelam que o recorrente era apenas um “indivíduo de identidade desconhecida” quando foi detido, podia alegar que só veio a Macau para, a pedido do amigo, levantar a encomenda e não tivesse conhecimento das drogas nela escondidas.
4. O recorrente não é o destinatário indicado na encomenda, e não tem nada a ver com o respectivo endereço, pelo que quando foi detido pelos agentes policiais, não existiram objectivamente indícios suficientes de que ele tinha conhecimento das drogas escondidas na encomenda, do decurso de transporte das drogas e do seu destino final.
5. Se não fosse a colaboração do recorrente, que alegou ser empregado por um indivíduo de Hong Kong, designado por “C”, para receber e transportar as drogas, depois de as levantar de [Expresso Limitada], para o Interior da China através do posto fronteiriço das Portas do Cerco, cremos que só se pode provar o tráfico de drogas por parte do recorrente depois de investigar o remetente e o destinatário da encomenda e encontrar assim a verdadeira pessoa nos bastidores.
6. Segundo os referidos factos, o recorrente tinha sempre uma atitude de confissão e colaboração, revelando que ele esforçou-se seriamente para auxiliar concretamente na recolha de provas, desempenhando um papel decisivo para a identificação dele próprio como o agente.
7. As circunstâncias do presente caso são diferentes das circunstâncias dos outros casos de transporte de drogas transnacional, por exemplo, para uns delinquentes controlados também por pessoas nos bastidores para “transportar drogas através do corpo”, depois de serem interceptados pela polícia, não há margem para eles negar a prática dos crimes, porque as respectivas drogas foram embaladas de propósito e engolidas pelos delinquentes para efeitos de dissimulação, e depois transportadas para Macau, não existindo qualquer margem para tais delinquentes negar o seu conhecimento das drogas e a sua participação no tráfico de drogas.
8. Nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 17/2009 de 10 de Agosto, no caso de prática dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena.
9. De acordo com os factos provados, entende o recorrente que as suas condutas correspondem às circunstâncias que dêem lugar à atenuação especial de pena previstas no supracitado artigo. Pelo que deve-se aplicar o art.º 66.º do CPM e o regime de atenuação especial de pena.
10. O recorrente entende que a pena de 14 anos de prisão aplicada pelo acórdão a quo viola a supracitada disposição legal.
11. Por outro lado, o recorrente entende que além das outras circunstâncias, deve-se atentar, na determinação da medida da pena, os referidos elementos e as seguintes disposições legais.
12. Nos termos do art.º 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 de 10 de Agosto, quem, sem se encontrar autorizado, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, ceder, comprar ou por qualquer título receber, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 14.º, plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos.
13. Na nossa opinião, embora seja necessário censurar e combater gravemente este tipo de crime, o público também vai perdoar e aceitar os respectivos agentes desde que estes confessem sinceramente e emendem-se, e não sendo as circunstâncias e consequências demasiado graves, perversas e torpes.
14. O peso líquido das drogas apreendidos, após a análise quantitativa, foi verificado em 1721,33g, e o recorrente sabe que isso constitui uma circunstância bastante grave, mas conjugada com todas as circunstâncias no caso, entende que é normal a gravidade das suas condutas criminosas e das consequências do crime.
15. Como é referido, os factos constantes da acusação foram provados principalmente, além dos outros meios de prova, através da confissão do recorrente.
16. Quanto às exigências (finalidades) de prevenção criminal, sabemos que tem dois sentidos e efeitos: prevenção especial e prevenção geral.
17. In casu, conforme o certificado de registo criminal do recorrente, ele é delinquente primário, e só foi induzido a praticar as condutas criminosas, não é o líder das actividades de tráfico de drogas, fez a confissão integral durante a investigação e a audiência de julgamento, e manifestou o seu arrependimento profundo.
18. De acordo com as condições pessoais do recorrente e a sua situação económica, entendemos que o recorrente já aprendeu as suas lições através da audiência de julgamento e da censura e sanção no acórdão, tem conhecimento das graves consequências do crime, e vai deixar de praticar crimes no futuro.
19. Por isso, entendemos que a decisão condenatória, a censura e a aplicação de pena adequada já podem realizar de forma suficiente as finalidades de prevenção especial, podendo prevenir a prática de novos crimes por parte do recorrente.
20. Em relação à prevenção geral, no nosso regime penal, pode ser perdoado qualquer crime, dependente da sua espécie e grau de perversidade.
21. In casu, o crime praticado pelo recorrente é, sem dúvida, muito grave, mas não são torpes os factos e as circunstâncias do crime, e ainda não ficam provados os factos no sentido de o recorrente já ter entregado as drogas a outrem, transportado para exterior, posto em mercado ou vendido a outrem, razão pela qual não são graves as consequências do crime, e cremos que o público aceita a aplicação duma pena adequada ao agente em vez de manifesta oposição.
22. Ao mesmo tempo, desde que seja adequada a pena aplicada ao recorrente, cremos que o público não vai questionar a validade da ordem jurídica; e ao contrário, pode-se resultar na confiança ou no medo da ordem jurídica, produzindo o efeito de ameaça e prevenindo os potenciais delinquentes na sociedade de cometer crimes.
23. De acordo com as referidas disposições legais, conjugadas com os factos provados, entende o recorrente que a pena de 14 anos de prisão aplicada pela decisão de 1ª instância que por sua vez foi mantida pelo Colectivo do TSI, quase atinge o limite máximo da pena e é excessiva, atendendo às referidas circunstâncias que dêem lugar à atenuação especial de pena, conjugadas com as regras gerais da medida da pena, é o mais adequado condená-lo na pena de 8 a 12 anos de prisão.
24. O recorrente entende que o acórdão ora recorrido do TSI e a sua decisão de manter o acórdão de 1ª instância violam os art.ºs 40.º e 65.º do CPM.

- Recurso do arguido B
a) Vem o presente recurso interposto do acórdão supra referido que julgou improcedente o recurso oportunamente interposto para o T.S.I. e manteve a condenação do arguido, B, em co-autoria com o arguido A, pela prática do crime p. e p. pelo art.º 8º, nº 1 da Lei nº 17/2009, na pena de prisão de 14 (catorze) anos, para cada um deles.
b) Não se conforma o arguido recorrente com esta decisão, porquanto, mantendo o que se disse na anterior motivação do recurso, a decisão não se acha devidamente fundamentada; há contradição insanável de factos assentes; e, quando assim se não entenda, o que se admite sem conceder, a matéria assente resulta de erro notório na apreciação da prova.
c) Entende o recorrente que, nos presentes autos, as provas produzidas em audiência não foram “examinadas criticamente”, delas não se podendo extrair como é que o Tribunal “a quo” fundamentou a decisão que permitiu a condenação do arguido recorrente por um crime que ele negou; cuja participação foi excluída – diga-se, sempre, desde o início ... – pelo co-arguido, A; e cujas provas, meramente circunstanciais, algumas vezes, assentes em meras convicções pessoais (“segundo a sua experiência” – sic) estariam longe de permitir, salvo o devido respeito, aquela condenação;
d) Se a fundamentação da decisão é a narração dos depoimentos prestados em audiência (e não é !), então, daí não deriva uma absoluta certeza “jurisdicional” da culpabilidade do arguido recorrente nos factos da acusação.
Se a fundamentação da decisão é o relatório de fls. 67 a 73 e tudo o que existe nos autos (apreensões buscas, peritagens, declarações etc.), conjugado com a “experiência e a lógica”, então, além de manifestamente curto, não é seguramente, um “exame crítico” das provas;
e) Seria necessário entender a razão da decisão, no tocante ao arguido recorrente e, salvo o devido respeito, tal não se vislumbra da sua alegada fundamentação.
É que, como se tem vindo a referir, a fundamentação das decisões judiciais decorre da necessidade de as tornar controláveis por parte dos intervenientes do processo, no caso, os arguidos, quer seja para compreender a sua condenação quer seja pela via do recurso, como ora se faz;
f) E nem se diga que o recorrente pugna no presente recurso contra o “princípio da livre apreciação da prova” por parte do Tribunal “a quo”.
É que este princípio não poderá nunca significar que o Tribunal está desvinculado de explicar todo o processo racional que conduziu à condenação do arguido;
g) Afirmar-se, como faz o acórdão recorrido que, em audiência se procedeu à análise da prova, segundo “a experiência e a lógica”, não permite ao arguido recorrente perceber a lógica da decisão judicial da sua condenação quando ele, arguido, afirmou, desde o início do processo – o que, aliás, sempre foi confirmado pelo seu co-arguido – que era estranho à actividade confessadamente desenvolvida por este;
h) A falta da fundamentação da sentença acarreta a nulidade da mesma (art.º 355º e 360º do C.P.P.).
A jurisprudência sobre tal tema é uniforme (v. “Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau” – Leal Henriques, págs. 798 a 809).
Mas também,
i) Resulta, por outro lado, da matéria assente uma flagrante contradição entre factos;
j) Entre os locais das detenções dos dois arguidos dista mais de um quilómetro;
Os arguidos nunca mais se viram, nem voltaram a contactar telefonicamente, desde que se separaram.
Na posse do 1.º arguido, foi encontrada a droga apreendida;
Na posse do 2.º arguido, o ora recorrente, não foi encontrado qualquer produto estupefaciente
Contudo,
k) A 1ª Instância também por assente que “os dois arguidos, A e B, levantaram, receberam e possuíram a dita droga, tendo como objectivo entregá-la a terceiro, segundo instruções do C”.
Ora,
l) Se é certo que o arguido recorrente nunca levantou, recebeu ou possuíu a droga apreendida – actividade que só foi desenvolvida pelo 1.º arguido – não menos certo é que ele nunca poderia “entregar a droga a terceiro”, pois, não só nunca a deteve, como também nunca contactou com o 1.º arguido, desconhecendo-se, aliás, onde e para junto de quem este se dirigia;
A 1ª Instância – e o acórdão recorrido do confirmou – ficcionou, assim, uma “entrega” quando, manifestamente, tal “entrega” só poderia ser praticada pelo 1.º arguido, sendo que o 2.º arguido nunca poderia entregar o que não detinha, nem nunca deteve;
m) Há, assim, uma contradição insanável da matéria assente, sendo impossível ao Tribunal de recurso decidir da causa, perante tão patente contradição.
Deverá, portanto, determinar-se o reenvio do processo para novo julgamento (art.º 418º do C.P.P.);
Quando assim se não entenda, o que se admite sem conceder,
n) Não obstante os motivos supra invocados que envolvem a nulidade do acórdão e/ou o reenvio do processo para novo julgamento, verifica o arguido recorrente que a sua condenação nunca poderia ser, sempre salvo o devido respeito, consequência da prova produzida em audiência de julgamento, em 1ª Instância;
o) Por um lado, temos as declarações de ambos os arguidos que coincidem no tocante à não participação do arguido recorrente nos factos criminosos que constam da acusação. Com alguma lógica, aliás ... ;
p) Por outro lado, temos os depoimentos das testemunhas da acusação, a maioria, no sentido de que o arguido recorrente, tendo chegado a Macau com o 1.º arguido; seguido com ele no mesmo taxi; ficado de fora junto a uma paragem de autocarro, enquanto o 1.º arguido procedia ao levantamento da encomenda na secretaria da [Expresso Limitada] – o que, pelo menos para o agente da P.J., D, cujo o depoimento terá sido acolhido pela 1ª Instância, foi interpretado, recorrendo à sua experiência, como uma “actividade de supervisão” por parte do 2.º arguido –; e, tendo ambos os arguidos contactado telefonicamente com um mesmo número de telefone, enquanto ambos seguiam caminhos separados; então, tal terá sido gerador da convicção do Tribunal da culpabilidade do arguido recorrente; Convenhamos que é pouco para tão severa punição ...
q) Tratam-se de meras provas circunstancias – é possível que fracamente indiciadoras de uma “conexão” de ambos os arguidos na prática do crime – mas seguramente geradoras de dúvida, de que deveria sempre beneficiar o arguido recorrente;
r) Duas últimas notas, eventualmente relacionadas com a prova circunstancial utilizada pela 1ª Instância para a culpabilidade do arguido recorrente: a cooperação das autoridades policiais de Hong Kong e Macau – aqui, faça-se um elogio à mesma, de cuja a actividade resultou um frutuoso combate ao tráfico e consumo de elevada quantia de produto estupefaciente –; e o relatório das chamadas telefónicas de ambos os arguidos;
s) Assim, quanto à primeira, diga-se que, muito embora seja verdade que as informações policiais de Hong Kong referissem dois indivíduos que viriam a Macau proceder ao levantamento da droga, também o é que apenas foi fornecido à P.J. de Macau uma fotografia identificativa de um dos arguidos (sem que se tivesse apurado qual deles ... ), conforme informação do agente da P.J. E, confirmada pelo agente responsável da investigação, o inspector da P.J., F;
t) Quanto à segunda, salvo o devido respeito, é perfeitamente descabido que a 1ª Instância possa ter concluído, como concluíu, que o arguido recorrente, após se ter afastado do 1.º arguido tenha comunicado “ininterruptamente” (é este o advérbio utilizado ... ) com um telefone com o número XXXXXXXX, alegadamente pertencente a um tal “C”;
u) De facto, o arguido recorrente era o detentor do telefone com o nº XXXXXXXX e, como referiu, ligou, entre as 10:36:31 h do dia 26/02/2014 e as 11:11:06 h desse mesmo dia, apenas duas vezes para aquele número de telefone: precisamente, às 10:36:31 h e às 11:11:06 h (quando chegou a Macau e depois de “deixar” o 1.º arguido).
As outras três chamadas telefónicas entre estes dois números de telefone foram recebidas e não efectuadas;
v) Convenhamos que o “C” (ou seja ele quem for ... ) era um indivíduo que estava por dentro do esquema criminoso do tráfico de droga. Foi ele quem o incumbiu o 1.º arguido de vir a Macau; e era ele, aparentemente, o verdadeiro interessado no “sucesso” da operação de levantamento da droga no D.H.L. de Macau. Daí, as chamadas telefónicas que efectuou para o arguido recorrente;
w) Assim sendo, o arguido recorrente não ligou “ininterruptamente” para o “C”; nem ligou “por várias vezes” para ele.
Fê-lo, isso sim, por duas vezes, ou seja, à chegada a Macau e quando deixou o 1.º arguido (v. docs. de fls. 67 a 73);
x) Ele só é responsável pelas chamadas telefónicas que efectuou; e não por aquelas que recebeu.
Os interesses do arguido recorrente e os do “C” é bem possível que fossem distintos – daí a dúvida que subsiste e que deveria beneficiar o recorrente –.
O que nunca se poderia ter concluído é que o arguido recorrente fez o que não fez ... ;
y) De onde, claramente, resulta que a 1ª Instância deu como assentes factos que não resultam da prova constante dos autos, nem da produzida em audiência.
E não se trata de um pormenor, já que, como supra se referiu, os relatórios de fls. 67 a 73 foram expressamente determinantes para a parca fundamentação da decisão;
z) O “erro notório na apreciação da prova” é fundamento de recurso (art.º 400º, nº 2, al. c) do C.P.P.), o que aqui expressamente se invoca em benefício do arguido recorrente e de onde o Tribunal “ad quem” – pelo eventual improcedência das outras questões invocadas, o que se admite sem conceder – poderá determinar a não necessidade do reenvio do processo para novo julgamento, face à dúvida subsistente nos autos de que o arguido recorrente deverá sempre beneficiar.

Respondeu a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério público, terminando as suas respostas à motivação do recurso com as seguintes conclusões:
- Em relação ao recurso do arguido A
1. Na sua motivação do recurso, o recorrente indicou que por corresponder aos dispostos no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, devia a pena ser-lhe especialmente atenuada ao abrigo dos dispostos no art.º 66.º do CPM; entendendo ainda excessiva a medida da pena determinada pelo tribunal a quo, e que devia redeterminar a medida da pena e fixar uma pena adequada entre 8 a 12 anos de prisão.
2. Nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 17/2009, “no caso de prática dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena.”
3. Daí que, o legislador concedeu a atenuação especial de pena aos agentes que, abandonem a actividade de tráfico de drogas ou auxiliem a autoridade no combate de tais actividades e das respectivas organizações ou associações, nomeadamente os que auxiliem na destruição e dissolução das organizações, forneçam os dados de identificação dos outros participantes nas actividades de tráfico de drogas ou promovam a captura destes, e através do seu auxílio concreta se revela a diminuição acentuada do seu grau de culpa.
4. In casu, é certo que o recorrente é delinquente primário, tinha uma atitude de colaboração depois de ser detido, e forneceu o número de telefone do indivíduo que tinha-lhe dado instruções para levantar as drogas em Macau, mas não forneceu qualquer dado de identificação desse indivíduo (nem mesmo o nome), daí se pode ver que as informações fornecidas pelo recorrente não ajudaram muito os agentes da PJ na interpretação e no inquérito da situação inicial da actividade de tráfico de drogas, nem produziram efeito efectivo para a identificação ou captura de outros responsáveis pelo tráfico de drogas ou para a destruição e dissolução da respectiva organização, pelo que a colaboração e as informações prestadas pelo recorrente a Polícia não auxiliaram na recolha de provas relevantes ou decisivas, não sendo consideradas como colaboração de principal valor, portanto, não se verifica o preenchimento dos requisitos da atenuação especial de pena consagrados no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009.
5. Na medida concreta, os art.ºs 40.º e 65.º do CPM estabelecem os factores a considerar e os critérios de medida concreta e confere ao tribunal, na moldura legal de pena, o poder discricionário. De acordo com essas normas, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, e o tribunal atende a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele.
6. No caso vertente, apesar de ser o recorrente delinquente primário, mas não se verifica nos autos qualquer outra circunstância que depuser especialmente a favor dele. E ao contrário, conforme os factos dados como provados pelo tribunal a quo, o recorrente não é residente de Macau, mas para obter benefícios ilícitos, agiu de forma livre, consciente e voluntária ao praticar as actividades de tráfico de drogas lhe imputadas em Macau, o que revela a elevada intensidade do dolo. E a quantidade das drogas envolvidas é elevada, se fossem transportadas com sucesso, seria muito graves as consequências causadas.
7. Como é sabido, o crime de tráfico de drogas é crime consideravelmente grave, causa outros crimes e questões sociais muito graves, e regista-se uma tendência de aumento desse crime em Macau nos últimos anos, pelo que são relativamente elevadas as exigências de prevenção especial e geral.
8. Considerando os factos criminosos e as circunstâncias concretas no presente caso, nomeadamente o modo de execução de crime e a quantidade das drogas envolvidas, conjugando com as exigências de prevenção especial e geral, entendemos que não é excessiva a pena aplicada pelo tribunal a quo, correspondendo-se aos dispostos nos art.ºs 40.º e 65.º do CPM.
- Em relação ao recurso do arguido B
1. Na motivação do recurso, o recorrente indicou que o acórdão do Tribunal a quo, na sua fundamentação, se olvidou de valorar as provas e de expor os motivos que fundamentam a decisão, donde resulta a sua nulidade por afronta ao disposto no art.º 355.º, n.º 2 e no art.º 360.º do CPPM. Acrescentou que se verificam também os vícios previstos nas al.s b) e c) do art.º 400.º do CPPM, isto é, “a contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”, entendendo que se deve revogar o acórdão do tribunal a quo e determinar o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art.º 418.º do CPPM.
2. Acerca da fundamentação da sentença, dispõe o art.º 355.º, n.º 2 do CPPM que deve a mesma constar da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3. Da leitura do acórdão recorrido resulta claro que o tribunal a quo, além de ter enumerado explicitamente os factos provados e não provados, indicou também as provas que serviram para formar a sua convicção e procedeu à apreciação e análise dessas provas conforme as exigências impostas pelo CPPM, estando em plena conformidade com a disposição do art.º 355.º, n.º 2 do CPPM e, assim, não padecendo de falta ou insuficiência de fundamentação.
4. Como sabemos, o vício da contradição insanável da fundamentação consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
5. Após a leitura do acórdão do tribunal a quo, afigura-se-nos que não existe qualquer contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, e a contradição alegada pelo recorrente é apenas o seu próprio entendimento.
6. Existe “erro notório na apreciação da prova” quando se violam obviamente as regras de experiência e o senso comum, ou as regras de prova legal, e o erro tem de ser tão evidente que não passa despercebido ao comum os observadores.
7. Apesar de o recorrente e o 1.º arguido A terem declarado na audiência de julgamento que o recorrente não tinha conhecimento das drogas em causa, isso não obsta a que o tribunal a quo, através da análise de todas as provas obtidas na audiência de julgamento, retirasse uma versão dos factos diferente das alegadas pelos dois arguidos.
8. Tendo lido os elementos constantes dos autos, podemos ver que o tribunal a quo apreciou e analisou, de forma suficiente e sintética, as declarações prestadas pelos dois arguidos na audiência de julgamento, os depoimentos das testemunhas, as provas documentais incluindo os registos de migração dos dois arguidos, o relatório de análise das chamadas telefónicas, o auto de apreensão das drogas e o auto pericial das drogas, decidindo, assim, não aceitar as declarações dos 2 arguidos (incluindo o recorrente) e provar os factos apurados, não violando as regras de experiência comum ou o senso comum.
9. O recorrente limita-se meramente a questionar a convicção do tribunal a quo com a convicção dele sobre os factos que entende provados, de forma a exprimir uma opinião diferente sobre os factos provados pelo tribunal, não passando de tentar duvidar a convicção livre do tribunal por meio de deduzir vícios, o que viola o art.º 114.º do CPPM.
10. Por o acórdão a quo não padecer de qualquer vício previsto pelo n.º 2 do art.º 400.º do CPPM, não é necessário ordenar o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art.º 418.º do mesmo Código.

Nesta instância, o Ministério Público mantém a posição já assumida nas respostas à motivação do recurso.
Foram corridos vistos.

2. Os Factos
Nos autos foram considerados provados os seguintes factos constantes da acusação:
1. Ao longo dos anos, existe uma associação secreta, denominada de “XXX”, que se dedica a obter benefícios ilícitos.
2. Esta organização é composta por um número indefinido de membros que participam nas actividades ilícitas desenvolvidas em nome da organização.
3. As relações entre os membros dessa organização são muito complexas e existem diferentes níveis de relações de superior e subordinado, seguindo e obedecendo os membros menos categorizados os mais categorizados.
4. Em 23 de Fevereiro de 2014, a PJ recebeu informações de que seriam transportadas do Brasil para Macau através da [Expresso Limitada] umas drogas de “Cocaína”, embrulhadas em álbuns de fotografia para efeitos de dissimulação, e seriam as drogas transportadas posteriormente para as regiões vizinhas a vender.
5. Para o efeito, os agentes da PJ dirigiram-se a [Expresso Limitada] para investigação no dia seguinte, isto é, dia 24 de Fevereiro de 2014.
6. Após a investigação, os agentes da PJ descobriram que uma encomenda declarada ser álbum de fotografia seria transportada do Brasil para Macau de manhã do dia 25 de Fevereiro de 2014.
7. Pela manhã de 25 de Fevereiro e 2014, os agentes da PJ foram ao Terminal Marítimo do Porto Exterior para vigiar o transporte da referida encomenda até a chegada dessa em [Expresso Limitada], e depois, tal encomenda foi especialmente guardada pelos funcionários dessa companhia junto com os agentes da PJ.
8. Em 26 de Fevereiro de 2014, pelas 8 horas, a PJ recebeu informações de que dois homens iriam entrar em Macau de Hong Kong para levantar a referida encomenda, pelo que os agentes da PJ dirigiram-se de imediato ao Terminal Marítimo do Porto Exterior e à delegação de [Expresso Limitada] para a disposição e vigilância.
9. No mesmo dia, ou seja no dia 26 de Fevereiro de 2014, pelas 10h25, os dois arguidos A e B entrou em Macau por via do Terminal Marítimo do Porto Exterior.
10. A seguir, os dois arguidos A e B compraram juntos dois cartões de telefone (de n.º XXXXXXXX e n.º XXXXXXXX) na máquina de venda automática na área de chegadas, colocaram respectivamente os cartões nos seus telemóveis e telefonaram respectivamente para o n.º XXXXXXXX a contactar com o suspeito “C” (vide o relatório de análise das chamadas telefónicas nas fls. 67 a 73 dos autos).
11. Depois, os dois arguidos A e B apanharam um táxi para deslocar-se ao [Edifício].
12. Os dois arguidos A e B desceram do táxi perto do [Edifício], deambularam na paragem do autocarro em frente do [Edifício] por uns minutos, e separaram-se.
13. Depois, o 1.º arguido A entrou na delegação de [Expresso Limitada] dizendo aos funcionários que iria levantar a encomenda acima referida, tendo concluído as formalidades de assinatura e recepção, saiu da delegação levando a referida encomenda na sua mão.
14. Depois de deambular na paragem do autocarro em frente do [Edifício] por uns tempos, o 1.º arguido A removeu os papéis de embalagem da encomenda e deixou-os no contentor de lixo ao lado da paragem do autocarro, colocou os objectos encontrados na encomenda num saco reciclado de cor cinza e saiu trazendo o saco reciclado na mão, durante o período, este arguido continuou a telefonar para o n.º XXXXXXXX a contactar com “C”.
15. Na altura, o 1.º arguido A passou pelas zonas do Conselheiro Ferreira Almeida, de Horta e Costa e da Retunda de Carlos da Maia, e foi interceptado pelos agentes da PJ na Rua da Madre Terezina.
16. Os agentes da PJ encontraram no saco reciclado de cor cinza levado pelo 1.º arguido A 6 álbuns de fotografia embrulhados em dois papéis de cor amarela, contendo cada um dos álbuns 13 fotos, isto é, 78 fotos em total. E na camada interna de cada foto foram escondidos papéis de cor branca, todos padecendo de pó de cor amarela clara. (vide o auto de apreensão nas fls. 44 dos autos)
17. Por outro lado, depois da entrada do 1.º arguido A na delegação de [Expresso Limitada], o 2.º arguido B continuou a deambular perto da paragem do autocarro em frente do [Edifício] para efeitos de vigilância.
18. Depois de ter visto que o 1.º arguido A levantou a encomenda e saiu da delegação de [Expresso Limitada], o 2.º arguido B andou ao longo da Avenida do Conselheiro Ferreira de Almeida no sentido da Avenida de Horta e Costa.
19. O 2.º arguido B passou pelas zonas do Conselheiro Ferreira Almeida, de Horta e Costa e da Retunda de Carlos da Maia, chegou à paragem do autocarro na Rua de Manuel de Arriaga e subiu para um autocarro, descendo do autocarro na paragem do Edf. Administração Pública na Rua do Campo.
20. Depois de descer do autocarro, o 2.º arguido B deambulou na paragem continuando a falar com “C” por telefone, andou posteriormente para o Jardim S. Francisco, e antes de chegar ao Jardim, passou de repente as barreiras e apanhou um táxi, sendo logo interceptado pelos agentes da PJ.
21. Após o exame laboratorial feito pelo Departamento de Ciências Forenses da PJ (vide o relatório laboratorial nas fls. 155 a 164 dos autos):
1) Revelou-se que o pó de cor amarela encontrado nos papéis de cor branca escondidos nas camadas internas de 2 fotos, com o peso líquido de 71,10g, continha “Cocaína”, substância abrangida pela tabela I-B anexa à Lei n.º 17/2009, e após a análise quantitativa, a percentagem de “Cocaína” foi verificada em 65,89%, com o peso de 46,85g;
2) O pó de cor amarela encontrado nos papéis de cor branca escondidos nas restantes 76 fotos, com o peso líquido de 2438,09g, também continha “Cocaína”, e após a análise quantitativa, a percentagem de “Cocaína” foi verificada em 68,68%, com o peso de 1674,48g.
22. “C” induziu os dois arguidos A e B a levantar as drogas acima referidas em Macau.
23. O 2.º arguido B era responsável por levar o 1.º arguido A para a delegação de [Expresso Limitada], e o 1.º arguido A era responsável por levantar e deter as drogas.
24. Os dois arguidos A e B levantaram, receberam e detiveram as supracitadas drogas com o objectivo de as entregar a outrem sob instruções de “C”.
25. No mesmo dia, ou seja no dia 26 de Fevereiro de 2014, e no Corpo da PJ, os agentes da PJ encontraram na posse do 1.º arguido A 2 telemóveis junto com os cartões SIM e HKD$1.100,00 em numerário; e na posse do 2.º arguido B 3 telemóveis junto com os cartões SIM e HKD$2.500,00 em numerário (vide os autos de apreensão nas fls. 48 e 63 dos autos).
26. Os telemóveis acima referidos foram utilizados como instrumentos de comunicação e o dinheiro foi o fundo para a prática das supracitadas condutas pelos dois arguidos A e B.
27. Os dois arguidos A e B agiram de forma livre, consciente e voluntária ao praticar dolosamente as condutas acima referidas.
28. Os dois arguidos A e B, por acordo comum e em divisão de tarefas, levantaram, receberam e detiveram, sob instruções alheias, as drogas em Macau com o objectivo de as entregar a outrem.
29. Os dois arguidos A e B conheciam perfeitamente a natureza e as características das drogas acima referidas.
30. As suas condutas dos dois arguidos A e B não eram legalmente autorizadas.
31. Os dois arguidos A e B sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou na audiência de julgamento:
- De acordo com o CRC, os dois arguidos A e B são delinquentes primários.
- O 1.º arguido A alegou que antes da prisão preventiva era empregado de mesa, auferia mensalmente cerca de HKD$11.000,00 a HKD$12.000,00, tem como habilitações literárias o 3º ano secundário, não tendo ninguém a seu cargo.
- O 2.º arguido B alegou que antes da prisão preventiva era guarda de segurança e condutor de automóvel misto, auferia mensalmente cerca de HKD$23.000,00 a HKD$24.000,00, tem como habilitações literárias o 3º ano secundário, tendo a seu cargo o pai e um filho.

Foram dados como não provados os seguintes factos, também constantes da acusação:
1. A associação secreta “XXX” dedica-se às actividade criminosas tais como extorsão, cobrança de despesas de protecção, tráfico de drogas e negócio usurário, sendo tal associação ainda activa em Hong Kong e Macau.
2. Esta organização é composta por um número indefinido de membros, no seio dos quais existe um sentimento de pertença à organização e todos os membros aceitam e participam nas actividades ilícitas desenvolvidas em nome da organização.
3. As relações entre os membros dessa organização são muito complexas e existem diferentes níveis de relações de superior e subordinado, seguindo e obedecendo os membros menos categorizados os mais categorizados.
4. São membros de “XXX” A, B e o suspeito “C”.
5. Nessa organização, A e B seguem “C”, mantendo com estabilidade contactos entre si. A e B obedecem “C” e praticam actividades ilícitas ordenadas por este em nome de “XXX”.
6. “C”, na qualidade de superior em “XXX”, induziu A e B a levantar as drogas acima referidas em Macau.
7. A e B reconheciam reciprocamente a sua participação na organização “XXX”, identificando-se perante terceiros como membros desta.
8. A e B, na qualidade de membros da aludida organização e sob instruções do superior na organização, vieram a Macau para levantar, receber e deter as drogas acima referidas.

3. O direito
O 1.º arguido A suscitou as questões respeitantes à atenuação especial da pena e à medida concreta da pena, enquanto o 2.º arguido B entende que o Acórdão de 1.ª instância não se encontra devidamente fundamentado, imputando ainda os vícios de contradição insanável de factos assentes e de erro notório na apreciação da prova.
Por lógica das coisas, começamos pelos vícios imputados pelo 2.º arguido B.

3.1. Fundamentação da decisão
Alega o recorrente B que as provas produzidas em audiência de julgamento não foram “examinadas criticamente”, tal como se impõe nos termos do n.º 2 do art.º 355.º do CPP, delas não se podendo extrair como é que o tribunal fundamentou a sua decisão que permitiu a condenação do arguido recorrente por um crime que ele negou.
Ora, a fundamentação da sentença é prevista nos termos do art.º 355.º n.º 2 do CPP, segundo o qual (na redacção actual) a fundamentação deve constar “da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
Com esta nova redacção dada pela Lei n.º 9/2013 ao n.º 2 do art.º 355.º do CPP, a lei passa a ser mais exigente em ralação à fundamentação da sentença, impondo ao tribunal que faça “exame crítico das provas”, para além da enumeração dos factos e da exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com indicação das provas, como foi exigido antes.
A alteração da norma justifica-se com a intenção de “melhor assegurar o direito ao recurso do arguido e de outros sujeitos processuais e a transparência da Justiça”.1
Não se deve ignorar, no entanto, que o exame crítico, bem como a indicação da provas, faz parte da exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, que pode ser concisa, mas completa, conforme a disposição legal, daí que o legislador não exige que a fundamentação da sentença seja exaustiva, exaustão esta que é sempre difícil de ser alcançada, como bem se compreende.
Por outro lado, tanto a indicação como o exame crítico das provas servem para revelar as razões essenciais da convicção a que chegou o tribunal sobre a decisão de facto. E a extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo, havendo de ter sempre em conta os ingredientes do caso concreto.
No caso ora em apreciação, o tribunal de 1.ª instância não se limitou a indicar as provas produzidas em audiência de julgamento, relatando sinteticamente o sentido das declarações dos próprios arguidos e das testemunhas, mas também expôs, ainda que abreviadamente, as razões que o levaram a considerar como provados os factos que permitem condenar os arguidos pela prática do crime em causa (cfr. fls. 359 a 361 dos autos), dando assim a conhecer as razões essenciais da sua convicção quanto à matéria de facto.
Na realidade, a transcrição, embora sintética, do sentido das provas, nomeadamente do depoimento das testemunhas que fizeram investigação do caso relevam muito para que o tribunal forme a sua convicção, conjugando-se com as provas documentais, incluindo os registos de entrada e saída de Macau dos dois arguidos, o relatório de análise das comunicações telefónicas, todas apreciadas conforme as regras de experiência comum.
Concluindo, e admitindo-se sempre a hipótese de convir ser mais desenvolvida a fundamentação da sentença, afigura-se-nos que o Acórdão em causa se encontra devidamente fundamentada, satisfazendo a exigência legal do n.º 2 do art.º 355.º do CPP.

3.2. Contradição insanável da fundamentação
Na tese do recorrente B, resulta da matéria assente uma flagrante contradição entre os factos, pois se decorre dos factos que na sua posse não foi encontrado qualquer produto estupefaciente nem ele chegou a levantar, recebeu ou possuiu a droga apreendida nos autos, como é que o tribunal pode dar como provado que “os dois arguidos A e B levantaram, receberam e possuíram a dita droga, tendo como objectivo entregá-la a terceiro, segundo instruções do C”?
Ora, é verdade que não se constata na matéria de facto provada que o recorrente B chegou a levantar, receber e possuir, pelas suas próprias mãos, a droga apreendida nos autos. Tal não implica, no entanto, a contradição com o outro facto indicado pelo recorrente, que se refere aos elementos constitutivos do crime em causa, face ao facto de agirem os dois arguidos em co-autoria, sendo bastante a conduta praticada por um para condenar ambos pela prática do crime.
Lida toda a factualidade assente, é de crer não verificada nenhuma contradição, muito menos insanável, da fundamentação.

3.3. Erro notório na apreciação da prova
Ora, é de entendimento uniforme deste Tribunal de Última Instância que existe erro notório na apreciação da prova “quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores”.2
No caso em apreciação, não se nos afigura que está verificada alguma das situações acima referidas que consubstanciam o vício. O que se mostra é a discordância do recorrente relativamente à valoração que o tribunal de 1.ª instância fez das provas produzidas em audiência de julgamento, pondo em causa a convicção formada pelo tribunal.
De facto, resulta dos autos que o Tribunal Colectivo de 1.ª instância formou a sua convicção com base na análise conjunta e objectiva de todas as provas, incluindo as declarações dos próprios arguidos e o depoimento das testemunhas, todos sujeitos à livre apreciação do julgador, e as provas documentais constantes nos autos.
Com a fundamentação fáctica exposta no Acórdão, conjugada com as regras de experiência comum, não vislumbramos qualquer erro na apreciação da prova, muito menos erro ostensivo, evidente para qualquer pessoa que examine os factos dados como provados e os meios de prova utilizados.
Acresce que, vigorando no processo penal o princípio da livre apreciação da prova e estando as declarações prestadas pelos arguidos e pelas testemunhas sujeitas à livre valoração do Tribunal, não se encontra obstáculo que impeça o Tribunal a acreditar no depoimento das testemunhas, e não nas declarações dos arguidos.

3.4. Medida da pena
O recorrente A suscita a questão que se prende com a medida da pena, pretendendo que o Tribunal atenue especialmente a pena nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 17/2009 e pondere as circunstâncias apuradas nos autos, fixando uma pena nos limites de 8 a 12 anos de prisão.
Quanto à atenuação especial da pena, dispõe o art.º 18.º da Lei n.º 17/2009 o seguinte: “No caso de prática dos factos descritos nos artigos 7.º a 9.º, se o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir consideravelmente o perigo por ela causado ou se esforçar seriamente por consegui-lo, auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, de organizações ou de associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou haver lugar à dispensa de pena”.
Ora, com a redacção quase idêntica à do n.º 2 do art.º 18.º do DL n.º 5/91/M, diploma anterior que estabelece o regime de combate ao tráfico e ao consumo de droga, a norma em causa consagra um mecanismo excepcional de atenuação especial ou dispensa da pena para os casos de produção ou tráfico ilícito de drogas, segundo o qual é possível a livre atenuação da pena até a isenção da pena se o agente praticar actos expressamente previstos no artigo, incluindo o de auxiliar concretamente na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis de grupos, organizações ou associações.
A jurisprudência dos tribunais de Macau tem entendido que o benefício de atenuação especial previsto no n.º 2 do art.º 18.º do DL n.º 5/91/M se aplica “sobretudo àquele que delata às autoridades, auxiliando na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura dos outros responsáveis, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações que se dediquem ao tráfico de estupefacientes”.
E “não é o auxílio às autoridades na identificação ou captura de um qualquer traficante de drogas que pode justificar a redução ou isenção da pena, sem prejuízo de considerar a colaboração com as autoridades como uma circunstância atenuante simples na graduação da pena.”3
No que concerne concretamente à colaboração do agente com a Polícia e já na vigência da Lei n.º 17/2009, este Tribunal de Última Instância entende que, para efeito de atenuação especial da pena, só tem relevância “o auxílio concreto na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de drogas, especialmente no caso de grupos, organizações ou associações, ou seja, tais provas devem ser tão relevantes capazes de identificar ou permitir a captura de responsáveis de tráfico de drogas com certa estrutura de organização, com possibilidade do seu desmantelamento”.4
Por outras palavras, entende-se que os elementos fornecidos pelo agente devem ser decisivos e relevantes, susceptíveis de levar à identificação ou à captura de responsáveis do grupo, não sendo bastante, evidentemente, a mera indicação de um número de telefone ou de um nome, por exemplo.

Voltando ao nosso caso concreto, alega o recorrente que a sua colaboração com a Polícia e a sua confissão se revelam decisivas para a descoberta da verdade material, incluindo a identificação dele próprio como agente, face ao circunstancialismo do caso concreto, tais como a complexidade das circunstâncias em que foi transportada a droga, o modo de execução dos factos, etc..
Quanto à alegada colaboração com a Polícia, certamente tal colaboração não contribuiu para a identificação ou captura de outros responsáveis do tráfico de droga, pois os elementos oferecidos por ele não eram susceptíveis de identificar ou permitir a captura de responsáveis do grupo que se dedicava às actividades criminosas, pelo que não estão verificados os pressupostos necessários para a aplicação da disposição no art.º 18.º da Lei n.º 17/2009.
E a identificação dele próprio com agente não é suficiente para fazer aplicar o mesmo instituto.
Na realidade, decorre dos autos que foi com as informações recebidas que a Polícia Judiciária começou a fazer investigação, descobrindo a encomenda contendo droga e embrulhada em álbuns de fotografias, transportada do Brasil para Macau, através da [Expresso Limitada], e depois para as regiões vizinhas. E antes da chegada dos dois recorrentes, a Polícia Judiciais também recebeu informações sobre a deslocação de dois indivíduos de Hong Kong para Macau a fim de levantar a referida encomenda e com a investigação, diligência e vigilância desencadeadas conseguiu interceptar os dois recorrentes.
Por outro lado, não existe dos autos nenhum elemento que demonstre a captura de algum indivíduo membro do grupo, devida ao fornecimento dos dados pelo recorrente.
Concluindo, não se afiguram relevantes, muito menos decisivos, os elementos oferecidos pelo recorrente, daí que improcede a sua pretensão de ver especialmente atenuada a pena.

No que concerne à pena concretamente aplicada de 14 anos de prisão, afigura-se desequilibrada e desadequada, tendo em conta o limite máximo da moldura penal, que é 15 anos de prisão, pelo que deve julgar procedente o recurso, nesta parte, procedência esta aproveita ao co-autor recorrente B (art.º 392.º n.º 2, al. a) do CPP).
Ora, nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do mesmo artigo.
No caso em apreciação, o crime pelo qual foram condenados os recorrentes é punível com a pena de 3 a 15 anos de prisão.
A culpa, enquanto pressuposto da pena, tem de determinar-se, naturalmente, através de circunstâncias apuradas no caso concreto.
Sendo residente de Hong Kong, os recorrentes deslocaram-se ao território para levantar e receber a droga enviada do Brasil, a fim de entregar a terceiros, conhecendo bem a natureza e as características da droga e agindo de forma livre, voluntária e consciente, o que revela sem dúvida o grau elevado da sua culpa.
E não resultam dos autos quaisquer circunstâncias que militem a favor dos recorrentes, com excepção de serem delinquentes primários em Macau e a confissão parcial do recorrente A.
A factualidade assente revela que é intenso o dolo dos recorrentes e são muito graves os factos ilícitos, gravidade esta que se demonstra não só pela quantidade da cocaína apreendida nos autos e apurada através da análise quantitativa, que se totaliza em 1721,33 gramas, mas também pelo modo de transporte e recepção da mesma droga.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, face à realidade social de Macau, em que se tem detectado problemas graves relacionados com o tráfico e consumo de estupefacientes, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que põe em risco a saúde pública e a paz social.
Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente as circunstâncias referidas no art.º 65.º do Código Penal de Macau, afigura-se-nos adequada e equilibrada a pena de 12 anos de prisão, para ambos os recorrentes, tomando em consideração o limite máximo da pena abstracta aplicável ao crime em causa, a quantidade da droga apreendida nos autos e as outras circunstâncias apuradas, tudo apontando para o sentido de não ser o presente caso de extreme gravidade que se justifica a aplicação de uma pena que atinge quase aquele limite máximo.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente B e julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo recorrente A, passando a condenar os dois na pena de 12 anos de prisão.
Custas pelo recorrente B, com a taxa de justiça fixada em 6 UC.
Fixam os honorários no montante de 2500 patacas para o Ilustre Defensor Oficioso do recorrente A.
  
   Macau, 30 de Julho de 2015
  
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
1 Cfr. Ponto 1.9. da Nota Justificativa do Projecto da Lei n.° 9/2013, publicada no website da Assembleia Legislativa.
2 Ac. do TUI, de 30-1-2003, 15-10-2003 e 11-2-2004, Proc. n.ºs 18/2002, 16/2003 e 3/2004, entre muitos outros.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 15-10-2003, Proc. nº 16/2003; de 8-10-2003, Proc. nºs 21/2003 e 22/2003.
4 Cfr. Ac. do TUI, de 21-7-2010, Proc. nº 34/2010.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Processo n.º 39/2015