打印全文
 ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, intentou no Tribunal Judicial de Base uma acção ordinária contra B aliás B1 aliás B2, pedindo que esta fosse condenada no pagamento da quantia de HKD$1.000.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal até ao efectivo e integral pagamento, custas e procuradoria condigna. E contestou a R., deduzindo ao mesmo tempo a reconvenção.
No despacho saneador, o Juiz julgou a A. absolvida da instância relativamente aos três primeiros pedidos reconvencionais, com fundamento na existência da excepção de litispendência.
Contra esta decisão recorreu a R..
Após o julgamento, o Exmo. Juiz Presidente do Tribunal Colectivo julgou improcedente a reconvenção deduzida pela R. e procedente o pedido de condenação da R. como litigante de má fé, condenando a R. a pagar a multa de 10 U.C. e uma indemnização a favor da A., cujo montante seria fixada após ouvidas as partes, nos termos do art.º 386.º n.º 4 do CPC.
Inconformada com a sentença, recorreu a R..
Por Acórdão proferido em 25 de Setembro de 2014 (doravante designado por Acórdão I), o Tribunal de Segunda Instância decidiu: i) negar provimento ao recurso interlocutório interposto pela R.; ii) negar provimento ao recurso da sentença interposto pela R. quanto à improcedência do pedido reconvencional, confirmando-se nessa parte a sentença recorrida; e iii) conceder provimento ao recurso interposto pela mesma R. no que respeita à condenação por litigância de má fé, revogando-se, nessa parte, a sentença recorrida.
Notificada do Acórdão, veio a R. interpor recurso e, ao mesmo tempo, arguir a nulidade do Acórdão, nos termos do n.º 3 do art.º 571.º do Código de Processo Civil.
O recurso interposto foi depois desistido.
E na conferência, o Tribunal de Segunda Instância decidiu indeferir a reclamação apresentada pela R., julgando não ter sido cometida nenhuma nulidade suscitada.
Ainda inconformada com tal Acórdão (doravante designado por Acórdão II), veio a R. interpor recurso para o Tribunal de Última Instância.
Por despacho de 3 de Junho de 2015, a Juíza relatora do processo decidiu não admitir o recurso, por irrecorribilidade da decisão posta em causa.
Vem agora a R. reclamar para a conferência.
E respondeu a A., entendendo que se deve julgar improcedente a reclamação.

2. Fundamentos
O despacho ora reclamado tem o seguinte teor, com o qual este Tribunal concorda e, por isso, subscreve:
“….
Ora, é indiscutível a irrecorribilidade do Acórdão I, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 638.º do CPC, já que, na parte que lhe é desfavorável, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedentes os recursos interpostos pela R., confirmando a decisão de 1.ª instância, sem voto de vencido.
O Acórdão ora impugnado é Acórdão II, que tomou decisão sobre a arguição de nulidade.
Nos termos do art.º 571.º n.º 3 do CPC, as nulidades (com excepção da referida na al. a) do n.º 1 do mesmo artigo) só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário. Foi assim que sucedeu no caso vertente, tendo a R. arguido a nulidade do Acórdão I perante o Tribunal de Segunda Instância, face à irrecorribilidade deste aresto.
Discute-se agora a questão de saber se o Acórdão II, que conheceu da arguição de nulidade, é ou não recorrível.
A lei não esclarece expressamente a questão.
Conforme a disposição no n.º 2 do art.º 573.º do CPC, que prevê o suprimento de omissão ou nulidades, do despacho que indeferir o requerimento de rectificação, esclarecimento ou reforma da sentença não cabe recurso, nada se dispondo sobre a admissibilidade ou não do recurso da decisão que indeferir a arguição de nulidade de sentença.
A interpretação da recorrente é a de que o legislador omitiu a referência à irrecorribilidade da decisão sobre nulidades, intencionalmente, no sentido de permitir o recurso dessa decisão.
No entanto, por razão de analogia com a citada norma, e interpretando-a em conjugação com o n.º 3 do art.º 571.º do CPC, afigura-se-me dever concluir pela irrecorribilidade da decisão em causa.
Este Tribunal de Última Instância teve já ocasião para se pronunciar sobre a questão, tendo considerado que não admite recurso a decisão tomada pelo Tribunal de Segunda Instância que indeferiu a arguição de nulidade de sentença, também por si proferida, com fundamento nas al.s b) a c) do n.º 1 do art.º 571.º do CPC (cfr. despacho proferido pelo Juizo-Relator do processo nos autos de recurso civil e laboral n.º15/2009, de 25-5-2009, também citado pela recorrente na sua resposta apresentada em 7-5-2015).
Não se vê razões para se alterar tal posição.
Na interpretação de normas há que ter em consideração a coerência e unidade do sistema jurídico.
Se aceitasse a tese da recorrente, admitindo o recurso da decisão que indeferiu a arguição de nulidades, não se perceberia muito bem a razão que levou o legislador a afastar a hipótese de permitir recurso da sentença interposto com fundamento em nulidade dela, para aqueles casos em que não seja admissível recurso ordinário nos termos gerais.
Na realidade, o n.º 3 do art.º 571.º do CPC prevê que as nulidades só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário.
Se permitisse o recurso dessa decisão sobre a arguição de nulidade de sentença, não seria mais eficiente estabelecer a recorribilidade da sentença, mesmo que esta não admitisse recurso nos termos gerais?
A previsão de dois meios processuais (a arguição de nulidade da sentença perante o tribunal que a proferiu e depois o recurso da decisão que indefere a arguição de nulidade) implicaria “um luxo de meios processuais”, porquanto nos casos em que se admite o recurso ordinário do acórdão do Tribunal de Segunda Instância, as nulidades (com excepção da referida na al. a) do n.º 1 do art.º 571.º) são arguidas no recurso, sendo fundamento deste, objecto de apreciação de um grau de jurisdição.
Como regra, a lei não admite os dois meios (recurso e reclamação) em simultâneo para impugnação de decisões. Ou admite o recurso ou a reclamação. Há casos excepcionais, dentro dos quais não se inclui o presente.1
E sem intenção de pôr em causa a importância do caso envolvente nos presentes autos, certo é que, nos termos do n.º 2 do art.º 638.º do CPC, não há recurso do Acórdão I proferido pelo Tribunal de Segunda Instância.
Se acolhesse a tese da recorrente, equivaleria a admitir que o Acórdão I se tornava implicitamente objecto de apreciação pelo Tribunal de Última Instância, que não podia ser face à disposição do n.º 2 do art.º 638.º.
Concluindo, não é recorrível o Acórdão II proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, que indeferiu a reclamação.
….”

Por despacho reclamado, não foi admitido o recurso interposto do Acórdão II proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, que indeferiu a reclamação deduzida pela ora reclamante para a conferência, em que foi arguida a nulidade do Acórdão I, nos termos do n.º 3 do art.º 571.º do Código de Processo Civil.
Continua a reclamante a defender a recorribilidade do Acórdão II.
Começa por dizer que a fundamentação jurídica da decisão não aparece cabalmente esclarecida, nomeadamente, se se alicerça numa actividade hermenêutica de interpretação da lei stricto sensu ou se provém de uma verdadeira actividade criadora, de integração de lacunas por analogia.
Alega ainda que, com a não admissão do recurso, é negar-se a tutela jurisdicional de um direito fundamental, “preconizando-se um tratamento diferenciado a duas situações análogas”.
Ora, constata-se no despacho reclamado que é por analogia com a norma do n.º 2 do art.º 573.º do CPC que se decide pela não admissão do recurso, já que a lei não dá solução expressa à questão posta em causa, sobre a admissibilidade da decisão que indeferiu a arguição de nulidade do Acórdão que não admite o recurso para o Tribunal de Última Instância nos termos legais.
A razão da aplicação analógica desta norma encontra-se intimamente ligada à disposição no n.º 3 do art.º 571.º do CPC, que estabelece a regra de que as nulidades (com excepção da prevista na al. a) do n.º 1 do art.º 571.º) devem arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença ou no recurso, consoante se a decisão admite ou não recurso ordinário.
E uma vez concluído pela inadmissibilidade do recurso ordinário do Acórdão I e, forçosamente, pela arguição das nulidades perante o tribunal que proferiu o mesmo Acórdão, afigura-se que não é admissível o recurso interposto do Acórdão II que decidiu indeferir a arguição das nulidades, por analogia com a norma contida no n.º 2 do art.º 573.º do CPC.
Na realidade, e mantendo o entendimento vertido no despacho reclamado, achamos que a tese da reclamante carece de coerência sistemática, pois é a própria lei que afasta a hipótese de admitir recurso da sentença interposto com fundamento em nulidade dela, para os casos em que não seja admissível recurso ordinário nos termos gerais (n.º 3 do art.º 571.º). Não seria mais simples prever a mesma solução, admitindo sempre o recurso ordinário da sentença, desde que se fundamenta na arguição das nulidades? Pergunta-se.
E não podemos deixar de manifestar a nossa discordância da alegação da reclamante, considerando que “mesmo quando um Acórdão do TSI é impugnado e admite recurso ordinário para o TUI, o próprio TSI pode conhecer da nulidade arguida antes da subida do processo ao tribunal superior”. Mas como?
É de salientar, mais uma vez, a disposição no n.º 3 do art.º 571.º do CPC, que prevê duas situações para a arguição da nulidade da sentença:
- Uma, caso não seja admissível recurso ordinário, a nulidade da sentença só pode ser arguida por meio de reclamação, perante o tribunal que proferiu a sentença;
- Outra, no caso contrário, admitindo a sentença recurso ordinário, a nulidade só pode ser arguida por via do recurso, perante o tribunal superior, que pode ter a nulidade como único fundamento ou ainda mais fundamentos.
Não se vê a hipótese de que, admitindo o recurso ordinário, podia o recorrente socorrer a ambos os meios processuais, arguindo a nulidade da sentença perante o tribunal que a proferiu e interpondo também recurso para o tribunal superior, devendo a questão de nulidade ser conhecida em duas instâncias, como alega a reclamante.
Repetindo, a lei não admite, em regra, os dois meios (recurso e reclamação) em simultâneo para impugnação de decisões. Ou admite o recurso ou a reclamação, não sendo o presente caso excepcional.
Daí que não se descortina como é negada a tutela jurisdicional de um direito fundamental.

Ainda na tese da reclamante, admitindo o recurso do Acórdão II e procedendo a nulidade por si invocada, o TUI mandará baixar o processo ao TSI, que deverá pronunciar-se sobre a questão omitida, pelo que não se pode dizer que perfilhar o entendimento de recorribilidade do Acórdão II equivale a admitir que o Acórdão I fosse implicitamente objecto de apreciação pelo TUI.
Ora, não se deve esquecer que o Acórdão II foi proferido precisamente porque tinha sido arguida a nulidade do Acórdão I, estando ambos intimamente ligados, tendo aquele tomado decisão sobre a questão de nulidade suscitada deste aresto.
Com a recorribilidade do Acórdão II, voltaria sem dúvida a colocar o Acórdão I à apreciação do TUI (embora não necessariamente sobre a decisão de mérito), já que para o conhecimento da nulidade, este tribunal teria de reexaminar o Acórdão I, o que não podia ser nos termos legais, face à disposição do n.º 2 do art.º 638.º do CPC.

Finalmente e quanto ao invocado Princípio do Acesso ao Direito e à Justiça, consagrado no art.º 36.º da Lei Básica da RAEM e no art.º 8.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cuja manifestação é o Direito de Recurso das decisões judiciais, é consabido que há sempre excepções.
Há casos em que não se admite o recurso para tribunal superior, tais como as decisões tomadas nos processos referentes a pequenas causas, as decisões proferidas pelo TUI que julga em primeira instância, excepções estas que resultam da própria lei.
Como indica, e muito bem, pela reclamante, o n.º 2 do art.º 17.º da Lei de Bases da Organização Judiciária estipula expressamente poder haver situações excepcionais, em que não se admite recurso ordinário.
Daí que não se pode invocar os referidos princípios e normas para pôr em causa a não admissibilidade de recurso de certas decisões, desde que a inadmissibilidade decorra das disposições legais, directamente ou conjugadas com outras normas.

Concluindo, é de indeferir a reclamação.

3. Decisão
Face ao exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UC.

Macau, 30 de Julho de 2015

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Cfr. Manual de Direito Processual Civil, do Dr. Viriato Lima, 2ª edição, p. 635 e 636.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




11
Processo n.º 27/2015