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Processo n.º 245/2015
(Recurso Civil)
    
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 10/Setembro/2015


ASSUNTOS:
- Regime de bens; diferentes nacionalidades
- Regime da residência habitual comum em casos de diferentenacionalidade dos cônjuges
    
    SUMÁRIO :
   Nos termos do art.º 53.º n.º 2 do Código Civil de 1966, alterado pelo D.L. n.º 496/77 de 25 de Novembro, caso os nubentes não tenham nacionalidade comum, é aplicada a lei de residência habitual comum no momento da celebração do casamento, ou na falta da residência habitual comum, a lei da primeira residência habitual após o casamento.

              O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira




Processo n.º 245/2015
(Recurso Civil)
Data : 10/Setembro/2015

Recorrentes : - A
- B

Recorrido : - C


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A e B, ora a 1ª e o 2º requeridos dos autos supracitados, com os demais sinais constantes dos autos, vêm recorrer da sentença proferida em 13 de Novembro de 2014, alegando, em síntese conclusiva:
   Na sentença proferida em 13 de Novembro de 2014 pelo 3º Juízo Cível do TJB (adiante designada por “sentença recorrida”), decidiu-se procedentes os fundamentos do autor constantes dos autos.
   (1) Os factos e a fundamentação já constam da sentença recorrida.
   (2) Salvo devido respeito à sentença do tribunal, os recorrentes não se conformaram com a sentença recorrida e apresentaram a seguinte fundamentação.
   (3) Em primeiro lugar, na sentença recorrida, o tribunal a quo decidiu rejeitar a excepção dilatória dos recorrentes de que antes de intentar a acção ao tribunal, devem requerer o processo de rectificação à Conservatória do Registo Predial.
   (4) Nos termos dos art.ºs 119.º a 122.º do Código do Registo Predial e dos art.ºs 114.º a 126.º do mesmo Código, a forma de registo predial compreende o acordo de todos os interessados e a decisão judicial nos termos do art.º 119.º deste Código. E nos termos do art.º 122.º, o requerimento do registo predial deve ser primeiramente deduzido ao conservador. Só que depois da decisão de não rectificação tomada pelo conservador é que pode recorrer ao TJB de Macau, trata-se de requisito constitutivo necessário do “processo de rectificação judicial”.
   (5) Nos autos, não há nenhum meio de prova para revelar que a Conservatória do Registo Predial de Macau tinha admitido o respectivo requerimento ou tomado qualquer decisão de indeferimento.
   (6) Relativamente à parte da rectificação do registo predial, antes que o autor apresenta requerimento à Conservatória do Registo Predial e esta toma decisão de indeferimento, o Tribunal não é competente para conhecer desta parte.
   (7) Logo, a petição inicial do autor violou o disposto no art.º 121.º n.º 1 do Código do Registo Predial. Nos termos do art.º 121.º n.º 1 do Código do Registo Predial, dos art.ºs 394.º n.º 1 al. b) e 230.º n.º 1 al. a) do Código de Processo Civil, há excepção dilatória da incompetência do tribunal previsto no art.º 413.º al. a) do Código de Processo Civil, pelo que, o tribunal deve indeferir liminarmente a petição inicial do autor.
   (8) Na sentença recorrida, o tribunal possuía entendimento jurídico diferente, caso concordemos com a opinião da sentença recorrida, será necessário provar primeiramente “sabia bem que não era necessário obter o acordo de todos os interessados”? O que não respeita o processo fixado nos art.ºs 119.º a 122.º do Código do Registo Predial.
   (9) O legislador, ao prever os dispostos nos art.ºs 119.º a 122.º do Código do Registo Predial, está a fixar materialmente a matéria de rectificação, logo, devem primeiramente pedir o processo de rectificação ao conservador. Se não for assim, o tribunal não pode conhecer deste assunto.
   (10) Porém, na sentença recorrida o tribunal a quo não entende assim, indeferindo o pedido de excepção dos recorrentes. Assim, esta parte da sentença recorrida violou o espírito legislativo dos art.ºs 119.º a 122.º do Código do Registo Predial, devendo ser declarada anulada por existência do erro na aplicação do direito.
   (11) Os recorrentes entendem que para melhor aplicação dos dispostos nos art.ºs 119.º a 122.º do Código do Registo Predial e do espírito legislativo, deve-se declarar improcedentes os pedidos do autor.
   (12) Em segundo lugar, na sentença recorrida, foi formulada a dedução da aplicação do direito; e conforme do documento constante da fls. 142 dos autos, foi reconhecido o “regime de comunhão de adquiridos” adoptado por D e 1ª recorrente.
   (13) Salvo devido respeito, os recorrentes não concordaram com isso.
   (14) Conforme os fundamentos supracitados, o tribunal entende que uma vez que D e a 1ª recorrente não escolheram o regime de bens no momento de celebração do casamento, assim, nos termos do art.º 53.º do Código Civil de 1966, alterado pelo D.L. n.º 496/77 de 25 de Novembro, é competente a lei de Macau naquela altura.
   (15) Aliás, o problema consiste em que o registo de casamento apenas foi lavrado depois de um determinado período da celebração do casamento conforme o documento constante da fls. 142 dos autos.
   (16) Assim, nos autos não podemos encontrar qualquer prova directa e material para provar definitivamente que a “primeira residência habitual comum” após o casamento se encontrava em Macau.
   (17) Nos autos, não há prova plena e sem dúvida para provar onde se encontrava a residência habitual após o casamento entre D e a 1ª recorrente.
   (18) O documento constante da fls. 142 dos autos foi feito após um determinado período da celebração do casamento. O documento supracitado apenas releva a residência habitual no momento da efectuação de registo em falta após a celebração do casamento. O tribunal deduz esta residência como a primeira residência habitual no momento da celebração do casamento das partes, logo, os recorrentes entendem que se trata de resultado de dupla dedução. E para este resultado da dupla dedução, para além do documento supracitado, não há mais outra prova material e directa para sustentá-lo.
   (19) Por outro lado, de acordo com o ponto 1 dos factos provados, o autor C nasceu em Hong Kong em 21 de Setembro de 1974.
   (20) Nas fls. 122 a 131, trata-se de uma acção de divórcio n.º 1314 de 1977 no Tribunal do Distrito Victoria de Hong Kong entre a autora E e o réu D. A decisão relativa à guarda e custódia do filho menor na altura (ora autor do presente caso C) consta das fls. 129 a 131 dos autos.
   (21) No decreto constante da fls. 129, referiu-se que “…o filho C ficará à guarda e custódia do réu até à nova decisão do tribunal e a autora terá direito à visita conforme o acordo das partes. E é proibido levar o filho menor de 18 anos a sair de Hong Kong, a não ser que o pai ou mãe obtenha o consentimento,…”.
   (22) Conforme o documento supracitado, D residia em Hong Kong em 17 de Abril de 1978. E o autor do presente caso, C, nasceu em 21 de Setembro de 1974, completando 18 anos em 21 de Setembro de 1992.
   (23) De acordo com o ponto 4 dos factos provados, a morte D e a 1ª recorrente contraíram casamento em Macau em 6 de Novembro de 1981.
   (24) A morte D, para cumprir o dever imposto no processo de divórcio n.º 1314 de 1977 conhecido pelo Tribunal do Distrito Victoria de Hong Kong, não podia conviver em Macau com o filho menor, C (ora autor do presente caso).
   (25) Assim, a dedução mais razoável é: a morte D contraiu casamento com a 1ª recorrente em Macau no ano 1981, com residência habitual em Hong Kong e nacionalidade britânica. E não se pode considerar Macau como residência habitual conforme o registo feito após o casamento.
   (26) Assim, o tribunal deve colocar em dúvida este problema. É de lamentar que na audiência de julgamento, como o facto já aconteceu há muitos anos, ambas as partes não conseguiram apresentar testemunha ao tribunal.
   (27) Combinando com a situação dos autos, como o assunto supracitado é do interesse do autor, pelo que, cabe ao autor o ónus de prova. Além disso, na sentença recorrida, também não há provas para sustentá-lo.
   (28) E por falta de facto para provar a situação prevista no art.º 53.º n.º 2 do Código Civil de 1966, o tribunal deve indeferir os pedidos do autor.
   (29) Porém, na sentença recorrida, o tribunal a quo não entende assim. A subsunção do facto ao direito encontra-se na matéria de direito, pelo que, os recorrente entendem que na sentença recorrida, por falta de factos provados, o tribunal aplicou erradamente os dispostos nos art.ºs 53.º n.º 2 e art.º 1717.º do Código Civil de 1966. Logo, há vício do erro na aplicação do direito, devendo o tribunal declarar anulada a sentença recorrida.
   (30) Os recorrentes entendem que conforme os factos provados e na aplicação do disposto no art.º 53.º n.º 2 do Código Civil de 1966, não foi provado que a primeira residência habitual no momento da celebração do casamento entre D e a 1ª recorrente se encontrava em Macau e o ónus de prova incide sobre o autor, pelo que, o tribunal deve indeferir todos os pedidos do autor.
   (31) Por fim, os recorrentes solicitam ao tribunal que possa conhecer oficiosamente de todos os vícios legais e faça justiça de costume.
   
   Pedidos:
   De acordo com a análise supracitada, o tribunal deve
   (1) Admitir a presente alegação do recurso e juntá-la aos autos; e
   (2) Declarar que a parte relativa ao indeferimento de excepções dos recorrentes na sentença recorrida violou o espírito legislativo dos art.ºs 119.º a 122.º do Código do Registo Predial e consequentemente, anulá-la por existência do vício do erro na aplicação do direito; e
   (3) Declarar indeferimento de todos os pedidos do autor.
   
   Se assim não for entendido pelo tribunal,
   (4) Por falta dos respectivos factos, há aplicação errada dos dispostos nos art.ºs 53.º n.º 2 e art.º 1717.º do Código Civil de 1966 e consequentemente, deve anulá-lo por vício do erro na aplicação do direito; e
   (5) Declarar indeferimento de todos os pedidos do autor.
   e
   (6) Admitir o pedido dos recorrentes sobre o conhecimento oficioso pelo tribunal de todos os vícios legais no processo e fazer justiça de costume.
   
    2. C contra-alega, em síntese:
    a) Os recorrentes entendem que a sentença recorrida violou os dispostos nos art.ºs 119.º a 122.º do Código do Registo Predial, mas o recorrido não concordou com isso.
    b) Nos termos do art.º 199.º do Código do Registo Predial, a rectificação do registo pode ser feita mediante o acordo de todos os interessados ou por decisão judicial, as duas formas são alternativas, sem ordem de preferência. E os dispostos nos art.ºs 119.º a 122.º do Código não impedem qualquer interessado (até incluindo os interessados não inscritos) a recorrer ao tribunal para rectificação.
    c) Tal como se pronunciou o tribunal recorrido sobre os art.ºs 119.º a 122.º do Código, “Segundo as disposições jurídicas supracitadas, face ao assunto de rectificação do registo predial, o legislador determina expressamente dois meios, isto é, mediante o acordo de todos os interessados ou por decisão judicial, mas o legislador não exige a qualquer relação de dependência entre os dois meios, o que é mais fácil compreender, porque não é razoável obrigar o requerente a apresentar o pedido de rectificação à Conservatória do Registo Predial quando sabia bem que não era possível obter o acordo de todos os interessados, pelo que, os dois meios de rectificação do registo ficam à escolha da parte……” (vide o 4º parágrafo da fls. 4 da sentença recorrida)
    d) O pedido do processo de rectificação do registo dirigido directamente ao tribunal pelo recorrido não violou nenhuma disposição, o tribunal a quo é competente.
    e) Além disso, o acordo de todos os interessados não é a condição prévia de interposição do processo de rectificação do registo.
    f) É de salientar que antes de intentar a acção, o recorrido já tinha tentado negociar por várias vezes com os recorrentes, mas os recorrentes disseram que não vão rectificar o erro do respectivo registo. Os actos dos recorrentes na presente acção, nomeadamente as excepções invocadas na contestação, também provaram a sua atitude negativa sobre a rectificação do registo.
    g) Sendo assim, a sentença recorrida não violou os dispostos nos art.ºs 119.º a 122.º do Código do Registo Predial, não sendo procedente o fundamento de recurso dos recorrentes.
    h) Os recorrentes indicaram na sua alegação do recurso, que “na sentença recorrida, por falta de factos provados, o tribunal aplicou erradamente os dispostos nos art.ºs 53.º n.º 2 e art.º 1717.º do Código Civil de 1966”, por consequência, a sentença recorrida padeceu do vício de erro na aplicação do direito.
    i) O recorrido não conseguiu entender a opinião supracitada dos recorrentes.
    j) De facto, na parte de factos na sentença recorrida, já se especificou expressamente os factos provados e relevantes para a decisão (vide fls. 6 a 8 da sentença recorrida). Na qual indicou claramente que “tendo ambos residência habitual em Macau na Travessa da XXXX, n.º XX, XXº andar XX” (vide o penúltimo parágrafo, fls. 7 da sentença recorrida).
    k) Ademais, a sentença recorrida também alegou claramente a fundamentação e a análise sobre os respectivos factos.
    l) Nos termos do art.º 558.º do Código do Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
    m) Na sentença recorrido, conforme o teor da cópia do registo de casamento entre D e a 1ª recorrente, fls. 142 dos autos, e segundo a prudente convicção, o tribunal reconheceu Macau como a residência habitual comum no momento da celebração das partes (vide o 4º parágrafo, fls. 8 da sentença recorrida), este reconhecimento de facto não é questionável.
    n) Portanto, na sentença recorrida, conforme os factos provados o tribunal aplicou o art.º 53.º n.º 2 do Código Civil de 1966 e determinou o regime de comunhão de adquiridos como o regime de bens matrimonial nos termos do art.º 1717.º do mesmo Código, pelo que, não há erro na aplicação do direito.
    o) O entendimento dos recorrentes sobre a aplicação errada da aplicação do direito pelo tribunal por falta de factos provados é infundado.
    p) E o conteúdo constante dos pontos 53 a 56 da alegação do recurso é o juízo pessoal dos recorrentes sem fundamentos e não tem relação com o presente caso.
    q) Além disso, os recorrentes citaram o conteúdo do documento constante das fls. 127 a 131 dos autos nos pontos 66 a 77 da sua alegação do recurso, daí deduziram que Hong Kong era a residência habitual no momento da celebração do casamento entre D e a 1ª recorrente.
    r) Para isso, é de notar que os recorrentes não alegaram esta excepção na sua contestação, nem prestaram provas para verificar a sua dedução.
    s) Ademais, na sentença do Tribunal de Hong Kong, constante das fls. 127 a 131 dos autos, não é proibido o Sr. D sair de Hong Kong, nem tomar lugar exterior de Hong Kong como residência habitual, nada se obsta ao cumprimento do dever de custódia do recorrido por parte do Sr. D mediante de outrem.
    t) Sem dúvida, a 1ª recorrente era residente de Macau, e D e a 1ª recorrente declararam expressamente no momento de efectuação do registo de casamento que a residência habitual deles era de Macau, este facto já foi confirmado por duas testemunhas.
    u) Na sentença recorrida, o juiz, conforme as provas documentais constantes dos autos e segundo a sua prudente convicção, reconheceu que a residência habitual comum no momento da celebração do casamento entre D e a 1ª recorrente era de Macau, e determinou o regime de comunhão de adquiridos como o regime de bens matrimonial nos termos dos art.ºs 53.º n.º 2 e 1717.º do Código Civil de 1966.
    v) Sendo assim, a sentença recorrida não padeceu do vício previsto nos art.ºs 53.º n.º 2 e 1717.º do Código Civil de 1966, sendo improcedente o fundamento dos recorrentes.
    
   Face ao exposto, solicitou aos MM.ºs Juízes do TSI que neguem provimento ao recurso dos recorrentes e consequentemente, rejeitem o recurso e mantenham a sentença recorrida.
  
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
    O autor C, nascido em 21/09/1974 em Hong Kong, é filho comum do Sr. D e Sra. E.
1. Os seus pais biológicos, ou seja, D e E casaram-se em 27/03/1974 em Hong Kong.
2. Casamento este que foi dissolvido em 24/05/1978, por decisão judicial preferida pelo competente Tribunal Distrital de Hong Kong.
3. Em 06/11/1981, D, na qualidade de divorciado, casou-se com A em Macau.
4. Os nubentes não celebraram qualquer convenção antenupcial.
5. Em 07/04/1998, A adquiriu, na constância do matrimónio, a metade da seguinte fracção autónoma:
Fracção autónoma, designada por “A17” da fracção “A” do 17º andar para habitação, Bloco N, do prédio urbano sito em Macau na Avenida do XXXX, com entrada pelo n.º 29, descrito na Conservatória do Registo Predial da RAEM, sob o n.º XXXXX (a fls. 43 do Livro B74), inscrita a favor de A e B, em parte igual de metade, na mesma Conservatória, sob o n.º XXXXX e inscrita na matriz sob o n.ºXXXXXX com o valor matricial de MOP$153.340,00.”
6. O regime de bens entre A e D foi inscrito na certidão predial como o “REGIME DA SEPARAÇÃO”.
7. O mesmo regime de bens consta também na respectiva escritura de compra e venda que serviu de base ao registo predial acima referido.
8. Em 10/08/2006, D faleceu em Macau no estado de casado com a 1ª R..
9. À data do casamento referido no item n.º 4, o nubente D tinha a nacionalidade Britânica e a nubente A tinha a Chinesa.
10. Tendo ambos residência habitual em Macau na Travessa da XXXX, n.º XX, XXº-andar-XX.
  
    
    
    III – FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
    - A competência do tribunal;
    - A determinação do regime de bens
2. Em relação à primeira questão não lhe assiste qualquer razão.
Mais do que uma questão de competência, o que se põe em causa é a forma de processo e para se se ser mais rigoroso, no fundo, o que se questiona é o formalismo processual gerador de uma irregularidade não suscitada oportunamente.
O que está em causa, assim, é o facto de a acção não ter sido apresentada na Conservatória onde devia ter sido instruída com parecer do Senhor Conservador e remetida ao Tribunal, como aponta o artigo 122º, n.º 3 do CRP, sendo indubitável que o juízo cível do Tribunal Judicial de Base é o competente para proferir decisão neste caso.
Por isso, em boa hora andou o Mmo Juiz ao acertar o passo procedimental quando, a fls 84, fez remeter os autos à Conservatória para obter o parecer estipulado na supracitada norma.
Despacho de que as partes foram notificadas e não suscitaram qualquer irregularidade processual.
Entende-se, pois, que, tal como a forma de processo, é deve ser sanada com aproveitamento dos actos processuais praticados, como dispõe o art. 145º, n.º 1 do CPC.
Mostra-se, pois, sanada essa irregularidade, sem atropelo de qualquer direito das partes e salvaguardando-se o conteúdo essencial que tal formalidade visava, qual fosse o referido parecer que veio a ser oportunamente emitido.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.

3. Vejamos agora a segunda questão que se traduz na questão substantiva relativa ao apuramento do regime de bens que estava em causa.
Os recorrentes põem em causa a factualidade respeitante à resideência habitual do casal e vem dizer que o Tribunal se limitou a provar o facto de que residiam em Macau sem provas.
Ainda aqui lhe falece a razão.
Vejamos o que disse o Mmo Juiz:
    “In casu, cumpre resolver se o regime de bens no momento da aquisição do direito de propriedade de A sobre a metade da fracção autónoma “A17” (isto é, 7 de Abril de 1998) era ou não o regime de separação tal como inscrito no registo predial.
    É de sabido que o regime de bens adoptado por titular no registo predial não tem eficácia de presunção, na medida que estas informações não eram objecto de prova do registo predial.
    Além disso, o regime de bens constante do título de registo (isto é, escritura pública da respectiva compra e venda) também não tem força probatória plena, uma vez que aquelas informações eram declaração unilateral dos outorgantes.
    Portanto, o regime de bens adoptado na constância de casamento, de facto, depende do facto de que se as partes escolhem ou não o regime de bens específico no momento da celebração do casamento, obviamente, in casu, os nubentes D e A não escolheram o regime de bens específico na convenção antenupcial. Assim, na falta de regime de bens escolhido, o regime de bens matrimonial é determinado conforme o regime de bens supletivo previsto na lei vigente no momento da celebração.
    Evidentemente, conforme os factos provados, como D tinha nacionalidade britânica no momento da celebração do casamento, portanto, na determinação do regime de bens deve-se considerar a lei competente aplicável.
    Nos termos do art.º 53.º n.º 12 do Código Civil de 1966, alterado pelo D.L. n.º 496/77 de 25 de Novembro, caso os nubentes não tenham nacionalidade comum, é regulada a lei de residência habitual comum no momento da celebração do casamento, ou na falta da residência habitual comum, é competente a lei da primeira residência habitual após o casamento.
    Em combinação com os factos provados e considerando que D e A tinham nacionalidade diferente no momento da celebração de casamento e tinham residência habitual comum em Macau no momento da celebração de casamento, portanto, conforme a disposição supracitada, deve-se aplicar a lei de Macau vigente na altura como a lei competente para reger o regime de bens dos dois.
    Nos termos do art.º 1717.º do Código Civil de 1966, na falta de convenção antenupcial, o regime de bens matrimonial supletivo era de comunhão de adquiridos.
    In casu, A adquiriu o direito de propriedade sobre a metade da fracção autónoma “A17” em 7 de Abril de 1998, ou seja, o respectivo bem era adquirido na constância do casamento, tal como se referiu antes, na altura o regime de bens supletivo adoptado por D e A era de comunhão de adquiridos, daí podemos verificar que o regime de bens de A constante do registo predial da fracção, descrita sob o n.º XXXXX e inscrita na matriz predial sob o n.º XXXXXX (isto é, o regime de separação) não corresponde à verdade, assim, era necessário rectificá-lo para o regime de comunhão de adquiridos.”

4. A residência habitual comum no momento da celebração do casamento, em Macau, facto determinante da escolha do regime de bens, o da comunhão de adquiridos, no caso de disparidade de nacionalidades, como era o caso, foi um facto dado como provado e que não se mostra impugnado, face às provas produzidas e não impugnadas.


De facto, na sentença recorrida, já se concretizaram expressamente os factos provados e relevantes para a decisão, aí se dizendo que “tendo ambos residência habitual em Macau na Travessa da XXXX, n.º XX, XXº andar XX” (vide o penúltimo parágrafo, fls. 7 da sentença recorrida, mais se referindo qual a motivação sobre essa convicção.
Na verdade, o facto de nacionalidade e residência habitual no momento de celebração do casamento entre D e a 1ª recorrente também foi provado por cópia do registo de casamento constante da fls 142 dos autos.
Indicou-se que “……conforme os dados do registo de casamento, foi mostrado que o nubente tinha nacionalidade britânica e a nubente tinha (a) chinesa naquela altura. Além disso, conforme a declaração dos nubentes na altura, a residência habitual comum encontrava-se em Macau, esta declaração e o facto de casamento foram confirmados pelas duas testemunhas F e G, portanto, o Juízo não verificou nenhum fundamento para deixar de adoptar a declaração feita pelos nubentes no momento de lavrar o registo de casamento.”
Sobre a motivação, consignou-se:
    “A matéria de facto supracitada resulta das provas documentais constantes dos autos, nomeadamente das escrituras públicas emitidas por Macau ou por exterior, uma vez que nos termos do art.º 358.º n.º 1 do Código Civil, os documentos autênticos ou particulares passados fora do território de Macau, na conformidade da lei do local onde foram passados, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Macau. Sem falsidade, o tribunal deve adoptar a força probatória do documento, pelo que, foram provados a relação de parentesco entre C e D e os dois casamentos de D.
    Além disso, a aquisição do imóvel em causa e o regime de bens matrimonial adoptado por D também foram provados por respectivos dados do registo predial do caso.
    E o facto de falecimento de D foi igualmente provado pela certidão de óbito constante dos autos.
    Por fim, o facto relativo à nacionalidade e à residência habitual no momento da celebração de casamento entre D e A foi reconhecido pelo tribunal através do documento constante da fls. 142 dos autos, documento esse é a certidão da cópia do registo de casamento entre D e A. Apesar que o casamento foi registado após a celebração, mas conforme os dados do registo de casamento, foi mostrado que o nubente tinha nacionalidade britânica e a nubente tinha chinesa naquela altura. Além disso, conforme a declaração dos nubentes na altura, a residência habitual comum encontrava-se em Macau, esta declaração e o facto de casamento foram confirmados pelas duas testemunhas F e G, portanto, o Juízo não verificou nenhum fundamento para deixar de adoptar a declaração feita pelos nubentes no momento de lavrar o registo de casamento.”

5. Acresce que, nos termos do art.º 558.º do Código do Processo Civil, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto e, no caso, o Tribunal reconheceu razoavelmente que a residência habitual comum se encontrava em Macau e consequentemente, determinou o regime de comunhão de adquiridos como o regime de bens matrimonial por aplicação dos art.ºs 53.º n.º 1 e 1717.º do Código Civil de 1966, pelo que não se observa que tenha havido erro na aplicação do direito nem tal facto se mostra abalado, não bastando proclamar que tal não se verifica, antes importando fundar uma dúvida razoável sobre a sua veracidade a partir de elementos probatórios concretos, o que não foi feito no presente caso.
Nem se diga que a citação do conteúdo do documento constante das fls. 127 a 131 dos autos nos pontos 66 a 77 da sua alegação do recurso é suficiente para daí se deduzir que Hong Kong era a residência habitual no momento da celebração do casamento entre D e a 1ª recorrente, para além de que os recorrentes não invocaram este facto na sua contestação, só agora o fazendo.
Ademais, como bem se observa, na sentença do Tribunal de Hong Kong, constante das fls. 127 a 131 dos autos, não era pelo facto de o Sr. D sair de Hong Kong que tal obsta à conclusão a que o Tribunal chegou.
A 1ª recorrente era residente de Macau, e D e a 1ª recorrente declararam expressamente no momento de efectuação do registo de casamento que a residência habitual deles era de Macau, facto confirmado por prova testemunhal.
Na sentença recorrida, o juiz, conforme as provas documentais constantes dos autos e segundo a sua prudente convicção, reconheceu que a residência habitual comum no momento da celebração do casamento entre D e a 1ª recorrente era de Macau e determinou o regime de comunhão de adquiridos como o regime de bens matrimonial nos termos dos art.ºs 53.º n.º 2 e 1717.º do Código Civil de 1966 e não se vislumbram elementos que o infirmem, sendo de salientar que quando a 1ª recorrente confirmou, na qualidade de cabeça-de-casal, a escritura pública da qualificação de sucessível, também declarou expressamente que o regime de bens matrimonial era de comunhão de adquiridos (vide fls. 153 dos autos).
Nesta conformidade, somos a confirmar a sentença proferida.

    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 10 de Setembro de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
245/2015 1/20