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Processo n.º 705/2015 Data do acórdão: 2015-9-10 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– tráfico ilícito de estupefacientes
– art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009
S U M Á R I O
Em relação às diversas substâncias estupefacientes encontradas na posse e na residência da arguida não recorrente, apesar de o tribunal a quo ter dado por provado que os dois arguidos do processo as obtiveram e guardaram “com o objectivo de consumirem uma parte deles e a restante para ser vendida a terceiros” (dizeres esses que não permitem, ao público leitor do acórdão recorrido, saber qual a quantidade concreta dessas substâncias é que se destina à venda a outrem), esta situação não impede a condenação dos dois arguidos como co-autores materiais de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes do art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, porquanto também ficou provado que a polícia apanhou num caixote de lixo um pacote previamente para aí deitado pelo arguido recorrente, que continha 41,010 gramas líquidos de Ketamina, anteriormente adquiridos por ele no Interior da China, para os trazer a Macau e os levar (em conjugação de esforços com a arguida) a alguém.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 705/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido em 29 de Maio de 2015 a fls. 386 a 404v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-15-0012-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como co-autor material de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes, materialmente p. e p. pelo art.º 8.º, n.o 1, da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto (doravante abreviada como Lei de droga), na pena de seis anos de prisão, e como autor material de um crime consumado de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 14.º da mesma Lei, na pena de dois meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de seis anos e um mês de prisão, veio o 1.º arguido desse processo, chamado A, já aí melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar somente a esse Tribunal sentenciador o excesso na medida concreta da sua pena (devido à alegada violação do disposto nos art.os 40.º e 65.º do Código Penal (CP), por desconsideração das circunstâncias relativas sobretudo aos encargos familiares dele, à inexistência de antecedentes criminais dele, à postura colaboradora dele na audiência de julgamento, e ao arrependimento mostrado numa carta dele dirigida em 3 de Junho de 2015 ao Tribunal), a fim de pedir que passasse a ser condenado em cinco anos de prisão (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 419 a 425 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Procuradora-Adjunta junto do Tribunal a quo no sentido de improcedência da argumentação do recorrente (cfr. a resposta de fls. 436 a 438v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Representante do Ministério Público parecer (a fls. 460 a 461), pugnando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 13 a 22 do texto do acórdão recorrido proferido em 29 de Maio de 2015 (ora a fls. 392 a 396v, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido) e sendo o objecto do recurso circunscrito tão-só à medida da pena, é de tomar tal factualidade provada como fundamentação fáctica da presente decisão de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal.
Dessa factualidade provada, sabe-se, em especial, o seguinte:
– o pessoal da Polícia Judiciária apanhou num caixote de lixo um pacote de substância cristalina branca que o arguido ora recorrente tinha para aí deitado depois de ter tirado do bolso das suas calças, substância cristalina essa que continha 41,010 gramas líquidos de Ketamina, anteriormente adquirida por ele a um indivíduo desconhecido no Interior da China, com o objectivo de a trazer a Macau e levar a alguém (cfr. os factos provados 13 a 16);
– na posse e na residência da 2.ª arguida do processo, chamada B, foram encontradas pelo pessoal da Polícia Judiciária as seguintes substâncias estupefacientes, inclusivamente: 4,173 gramas líquidos de Ketamina, outros 20,180 gramas líquidos de Ketamina, 0,428 grama líquido de Metanfetamina, outros 7,603 gramas líquidos de Metanfetamina, e outros 4,001 gramas líquidos de Metanfetamina, substâncias todas essas adquiridas no Interior da China pelo 1.º arguido e pela 2.ª arguida, e guardadas por ambos com o objectivo de consumirem uma parte delas e a restante para ser vendida a terceiros (cfr. mormente os factos provados 4 a 8);
– os dois arguidos agiram em conjugação de esforços (cfr. o facto provado 20);
– são delinquentes primários;
– o arguido recorrente tem os pais e dois filhos a seu cargo, e tem o ensino secundário elementar como habilitações literárias.
Por outro lado, do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– da acta (lavrada a fls. 383 a 385 dos autos) da audiência de julgamento então realizada perante o Tribunal Colectivo a quo, consta que o arguido prestou declarações;
– da fundamentação probatória tecida pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido, consta que: “A convicção do tribunal relativamente aos factos dados por assentes resultou da apreciação crítica das provas, nomeadamente, as declarações das testemunhas ouvidas, nos documentos de folhas 106 a 113 e 118 a 128, bem como nas regras da experiência dada a quantidade de droga encontrada na residência dos arguidos, as declarações contraditórias que estes têm vindo a fazer ao longo do processo, atribuindo as culpas a um ou a outro consoante o que acham ser mais vantajoso para se manterem em liberdade, como assumiram em audiência […]” (cfr. em concreto, o primeiro parágrafo da página 24 do texto do aresto recorrido, a fl. 397v);
– o documento de fls. 119 a 128 consiste num relatório de exame pericial dos objectos encontrados pela Polícia Judiciária, dele constando as quantidades líquidas, em grama, de diversas substâncias estupefacientes descritas na matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido;
– em 3 de Junho de 2015, o recorrente escreveu uma carta ao Tribunal (cujo teor, constante da fl. 415, se dá por aqui reproduzido), para falar do seu caso.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, quanto à unicamente levantada questão do excesso na medida da pena, realiza o presente Tribunal ad quem que vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida, e à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.os 1 e 2, do CP, as duas penas parcelares e a pena única de prisão como tal já achadas pelo Tribunal a quo dentro das respectivas molduras penais aplicáveis, já não podem admitir mais margem para redução, ainda que o recorrente seja delinquente primário e com encargos familiares, sendo de salientar que:
– da acta da audiência de julgamento e da fundamentação probatória do acórdão recorrido não fica secundada a postura colaboradora do recorrente (falada por este na sua motivação do recurso) na investigação do caso, o que preclude a necessidade da consideração do teor da carta escrita por ele ao Tribunal já depois de proferido o acórdão recorrido;
– em relação às diversas substâncias estupefacientes encontradas pelo pessoal da Polícia Judiciária na posse e na residência da arguida, apesar de o Tribunal recorrido ter acabado por dar provado apenas que ambos os arguidos as obtiveram e guardaram “com o objectivo de consumirem uma parte deles e a restante para ser vendida a terceiros” (dizeres esses que não permitem, ao público leitor do acórdão recorrido, saber qual a quantidade concreta dessas substâncias é que se destina à venda a outrem), esta situação não impede a legal condenação dos dois arguidos como co-autores materiais de um crime consumado de tráfico ilícito de estupefacientes do art.º 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, porquanto também ficou provado que o pessoal da Polícia Judiciária apanhou num caixote de lixo um pacote de substância cristalina branca previamente para aí deitado pelo recorrente, pacote esse que continha 41,010 gramas líquidos de Ketamina, anteriormente adquiridos por ele no Interior da China, para os trazer a Macau e os levar (em conjugação de esforços com a arguida) a alguém, sendo certo que essa quantidade líquida de Ketamina excedeu muito o quíntuplo da quantidade de referência do uso diário fixada (em 0,6 grama) no correspondente Mapa anexo à própria Lei n.º 17/2009 (cfr. o disposto no art.º 11.º, n.º 2, desta Lei), pelo que mesmo considerando a conduta traficante desses 41,010 gramas líquidos de Ketamina, com a agravante de que são muito elevadas as exigências da prevenção geral do delito de tráfico do citado art.º 8.º, n.º 1, da Lei em causa, a pena de seis anos de prisão fixada no acórdão recorrido não pode ser efectivamente diminuída.
Há, pois, que naufragar o recurso, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com três UC de taxa de justiça e três mil patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Macau, 10 de Setembro de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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