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Processo nº 644/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A, (1°) arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 11 anos de prisão; (cfr., fls. 519 a 525-v, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com o decidido, o arguido recorreu.
Na sua motivação e conclusões de recurso, imputa à decisão recorrida o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, considerando padecer também de violação do princípio da “proibição de reformatio in pejus”; (cfr., fls. 536 a 541).

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Em resposta, opina o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 546 a 548-v).

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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.537 a 541 dos autos, o ora recorrente A pediu a parcial revogação do Acórdão em crise, alegando a insuficiência para decisão da matéria de facto provada e o princípio da proibição de reformatio in pejus.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as concisas e criteriosas explanações do ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.546 a 548v.), no sentido do não provimento do presente recurso.
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Vê-se solidamente consolidada a jurisprudência que proclama (a título exemplificativo, vide. Acórdão do TUI nos processos n.°12/2014 e n.°): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.» e «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.° e 340.° do Código de Processo Penal.».
Para a acertada compreensão deste conceito, importa recordar o sábio ensinamento do Venerando TUI no Processo n.°13/2001: O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
De outro lado, interessa não olvidar (Acórdão do Venerando TSI no Processo n.°470/2010): Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
Posto isto, e voltando ao caso sub iudice, cumpre realçar que a decisão preconizada pelo Tribunal a quo consiste em condenar o recorrente na pena de onze anos de prisão, por ter praticado, na autoria material e na forma consumada, um crime p.p. pelo n.°1 do art.8° da Lei n.°17/2009.
Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, os factos dados por provados pelo douto Tribunal a quo imbuem-nos a firme convicção de que a matéria de facto provada é adequada, suficiente e segura para a aludida decisão condenatória.
 Assim, e em conformidade com as sensatas jurisprudências acima citadas, afigura-se-nos inquestionável que não se verifica in casu a invocada insuficiência para decisão da matéria de facto provada, sendo vedado pelo art.114° do CPP os argumentos do recorrente supra mencionados.
É verdade que não existe prova virtuosa de comprovar a conclusão de que «除此之外,根據已證事實兩名嫌犯應為一國際販毒集團工作». Mas tal conclusão surge apenas na parte de Juízo de Factos (事實之判斷), não no elenco dos factos provados, nem o recorrente foi condenado na qualidade de membro ou empregado de grupo internacional de tráfico de droga.
Daí decorre que é acertada a observação do ilustre colega da sua Resposta, no sentido de «8. 況且,是否為國際販毒集團工作並不是第17/2009號法律第8條第1款所指犯罪的犯罪構成要件,亦即是說,即使未證實上訴人“為國際販毒集團工作”,其他已證事實已足以構成不法販賣麻醉藥品及精神藥物罪,故上訴人提出的理據根本不影響對其之定罪。»
De qualquer modo, não há margem para dúvida de ser totalmente impertinente e inócua a invocação do princípio da proibição de reformatio in pejus, bastando-nos sufragar e transcrever aqui a penetrante consideração do ilustre colega: «10. 而上訴人亦提出了載於 «刑事訴訟法典»第399條第1款中的不利益變更之禁止 (Proibição de reformatio in pejus),一般的理解均認為該條所針對的是辯方上訴時不得加刑的問題,本院實看不到此與被上訴判決的瑕疵有任何關係。» Pois, O princípio que orienta a valorização da prova é o de in dúbio pro reo.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 574 a 575-v).

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Passa-se a decidir.


Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 521-v a 523-v e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Insurge-se o (1°) arguido contra o Acórdão do Colectivo do T.J.B. que o condenou nos termos atrás descritos.

Considera que o mesmo padece de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e violação do “princípio da proibição de reformatio in pejus”.

–– Sem demoras, comecemos pela primeira das colocadas questões.

Pois bem, repetidamente temos considerado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 23.01.2014, Proc. 756/2013, e mais recentemente, de 12.02.2015, Proc. n.° 103/2015).

Dito isto, evidente é que nenhuma razão tem o recorrente quanto à questão que se aprecia, sendo de se subscrever, na íntegra, o que sobre a mesma se consignou no douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto e que aqui se dá como reproduzido.

Com efeito, manifesto é que inexiste qualquer “insuficiência”, pois que o Colectivo a quo pronunciou-se sobre toda a “matéria objecto do processo”, elencando a que resultou provada e identificando a que resultou não provada, certo sendo que aquela, (a provada), integra todos os elementos típicos (objectivos e subjectivos) do crime de “tráfico” pelo qual foi o ora recorrente condenado.

Na verdade, provado estando que o arguido efectuou – com a 2° arguida não recorrente – uma “transacção de uma (grande) quantidade de produto estupefaciente para ser entregue a um terceiro” e que “agiu de forma livre e voluntária, sabendo ser a sua conduta proibida e punida”, inviável é reconhecer-se-lhe qualquer razão no ponto em apreciação.

Diz também o arguido que apresentou contestação e que sobre a mesma nada se disse no Acórdão recorrido.

É, em parte, verdade.

Com efeito, no acórdão recorrido diz-se até que “não houve contestação”.

Porém, há que ver que o que o arguido apresentou (efectivamente) foi um expediente – cfr., fls. 487 a 488 – onde pedia ao Tribunal para ter em consideração o teor de outros expedientes constantes nos autos e que lhe fossem favoráveis, no mesmo apresentando também o seu rol de testemunhas.

E, nesta conformidade, há que dizer que não constitui tal expediente nenhuma “contestação”, já que nele nada se alega, não se tomando nenhuma posição concreta e específica em relação aos factos da acusação pública, nenhuma censura merecendo (também desta forma) a decisão recorrida.

Continuemos.

–– Entende ainda o recorrente que se incorreu em violação do “princípio da reformatio in pejus”, justificando tal com uma consideração pelo Tribunal tecida no Acórdão recorrido no sentido de “os arguidos integrarem (ou trabalharem para) um grupo ou organização para o tráfico de estupefacientes”.

Ora, tal como em relação à questão anterior, também aqui o recurso não procede.

Com efeito, ainda que na matéria de facto provada não conste expressamente tal “facto”, evidente é que o mesmo constitui (o resultado da) uma ilação totalmente legitima e adequada, certo sendo pois que pode o Tribunal tirar ilações da matéria de facto.

Por sua vez, há que ter em conta que a “observação” em questão é feita não em sede da “matéria de facto”, onde se poderia então colocar (eventualmente) a questão da sua “alteração”, mas tão só aquando da “fundamentação da decisão”, desta forma (e pelos motivos expostos) se nos apresentando isenta de reparo.

Daí, e improcedentes sendo as questões colocadas, improcedente se terá de julgar o presente recurso.

Decisão

4. Em face do exposto, e em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 6UCs.

Honorários ao Exmo. Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Macau, aos 17 de Setembro de 2015.
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa



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