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Processo n.º 64/2015. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorrida: B.
Assunto: Capacidade distintiva da marca. Sigla. Espécie e qualidade dos produtos e serviços. Plena jurisdição. Novos fundamentos de recusa de registo de marca. Ónus da parte contrária no recurso judicial. Fundamentos de recusa de registo não constantes da decisão administrativa.
Data do Acórdão: 23 de Outubro de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
I - A marca FAB, embora consistente na sigla de Fast Action Baccarat, nome de jogo de casino apenas oferecido pelo titular da marca, não sendo conotada pelo cidadão comum como uma expressão respeitante à designação indicativa da espécie e qualidade dos produtos e serviços a que se destina, não viola o disposto no artigo 199.º, n.º 1, alínea b) do RJPI.
II – O recurso judicial da decisão administrativa, previsto no artigo 275.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) é de plena jurisdição (e não de mera legalidade, como é regra nos recursos contenciosos), isto é, em que o Tribunal não se limita a anular (ou a revogar, como diz a lei) a decisão administrativa ou a mantê-la, podendo também “…alterar, total ou parcialmente, a decisão recorrida...” sendo que a sentença “…, substitui essa decisão nos precisos termos em que for proferida” (n.º 3 do artigo 279.º do RJPI).
III – A parte contrária a que se refere o artigo 279.º do RJPI, no recurso judicial para o tribunal cível (artigo 275.º do RPJI), tem o ónus, na sua contestação ou resposta (n.º 1 do artigo 279.º do RJPI), de suscitar, subsidiariamente, outros fundamentos de recusa de registo não constantes da decisão administrativa, para o caso de o recurso judicial ser procedente, aplicando-se o lugar paralelo do artigo 590.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil. Isto para que o juiz possa conhecer de tal matéria nova, para o caso de o recurso judicial interposto ser procedente.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
B interpôs recurso judicial do despacho de 27 de Janeiro de 2014, da Chefe do Departamento de Propriedade Industrial, da Direcção dos Serviços de Economia, que recusou o registo da marca N/70516, FAB, para assinalar serviços incluídos na classe 41.ª.
Por sentença, de 6 de Outubro de 2014, foi julgado improcedente o recurso.
B interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por Acórdão de 30 de Abril de 2015, concedeu provimento ao recurso.
Inconformada, recorre A (doravante designada ora recorrente) para este Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões úteis:
- A marca registanda, que consiste no sinal nominativo "FAB", não possui suficiente capacidade distintiva que permita o seu registo, na medida em que, a expressão registanda se reporta directa e exclusivamente a uma nova modalidade de jogo em casino, o Fast Action Baccarat.
- Sendo o Baccarat um popular jogo em casino, as expressões que aludam ao mesmo, assim como aquelas que se destinam a identificar as suas diversas modalidades, não são susceptíveis de apropriação ou uso exclusivo por parte de uma qualquer concessionária de jogo.
- Pese embora, até ao momento, seja a B a única concessionária que proporciona aos seus clientes esta nova versão do jogo do Baccarat, nada obsta a que, no futuro, as restantes concessionárias possam também oferecer a mesma versão do jogo, à imagem do que já acontece com a forma tradicional ou face-up desse mesmo jogo.
- A proceder o registo da marca registanda, conduziria a uma situação em que a marca confundir-se-ia com o próprio jogo, com o próprio serviço que visava proteger, sendo que estar-se-ia a conceder o monopólio do uso da marca identificativa de um jogo que é de uso generalizado por todas as operadoras e que por nenhuma delas pode ser apropriado em termos de exclusividade.
- Tal possibilidade traduzir-se-ia, necessariamente, na colocação da Requerente numa situação de notória, intransponível e ilegítima vantagem concorrencial face às outras concessionárias de jogo que actuam dentro do mesmo mercado e que, no futuro, poderão vir a oferecer esta modalidade de jogo aos seus clientes.
- Motivos pelos quais, não pode negar-se que há, da parte da B, patente intenção de exercer concorrência desleal, cuja conduta é violadora dos bons costumes comerciais, o que consubstancia uma situação de abuso de direito tal como definido no artigo 326.º do Código Civil, pelo que deve o referido pedido de registo de marca ser indeferido também com fundamento nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI.
- Pelo que, nos termos expostos, deverá também ser recusado o registo da marca registanda com fundamento no disposto nas alíneas b) e c) do art.º 199.º conjugadas com a alínea a) do n.º 1 do art.º 9.º aplicável ex vi da alínea a) do art.º 214.º, todos do RJPI.

II – Os factos
Os factos considerados provados pelos Tribunais de Primeira e Segunda Instâncias, são os seguintes:
- B requereu, em 31 de Outubro de 2012, junto da Direcção dos Serviços de Economia, o registo da marca N/70516, consistindo tal marca no seguinte: FAB.
- FAB, de forma abreviada, quer significar Fast Action Baccarat, que é um jogo de casino, oferecido nos casinos de Macau da referida B (esta segunda parte não consta da súmula dos factos provados, mas foi efectivamente considerada provada).
- O referido pedido foi feito para os serviços de casino e jogos a dinheiro, incluídos na classe 41ª .
- A DSE recusou o referido pedido de registo de marca, o que fez com fundamento nas alíneas b) e c) do artigo 199.º, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º, ex vi alínea a) do artigo 214.º, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI).

III – O Direito
1. A questão a resolver
Trata-se de saber se a marca FAB tem capacidade distintiva.

2. Capacidade distintiva da marca
O registo da marca FAB foi recusado com fundamento nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 199.º do RJPI, onde se dispõe:
“Artigo 199.º
(Excepções e limitações à protecção)
1. Não são susceptíveis de protecção:
a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
2. Os elementos genéricos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior que entrem na composição de uma marca não são considerados de utilização exclusiva do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
3. A pedido do requerente ou de reclamante, a DSE indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de utilização exclusiva do requerente”.
A decisão administrativa e seus fundamentos foram aceites pelo Ex.mo Juiz de 1.ª Instância, que negou provimento ao recurso daquela interposta.
Já o acórdão recorrido não concordou com tal posição, tendo dito a tal propósito:
  “Ao contrário do que entende o Exm.º Juiz a quo, a expressão FAB em si, por ausência de significado próprio, não tem a virtualidade de sugerir seja o que for sobre a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação de serviço, ou outras características dos mesmos.
Só com as explicações pela própria requerente, ora recorrente, nós ficamos a saber que afinal, a expressão FAB é uma sigla proveniente das iniciais do nome, expresso na inglesa, que é Fast Action Baccarat que a requerente criou para designar o tipo de jogo a que se destina a marca registanda.
Na verdade, se não tivesse sido dito pela própria requerente como é que foi concebida a tal expressão FAB, nós, tal como as pessoas em geral, não poderíamos associar, de imediata, a Fast Action Baccarat.
Pois uma coisa é a expressão Fast Action Baccarat, outra coisa é o sinal FAB.
Se a expressão Fast Action Baccarat não é susceptível de registo por conter indicações que possam servir para designar aquele tipo de jogo, esse sinal FAB, embora consistente na sigla de Fast Action Baccarat, não é conotada pelo cidadão comum como uma expressão respeitante à designação indicativa da espécie e qualidade dos produtos e serviços a que se destina.
Portanto, para além de não conter em si indicações que possam servir no comércio para designar a espécie e a qualidade de produtos/serviços a que se destina, a marca registanda FAB, constituída por letras latinas, satisfaz os requisitos linguísticos prescritos no art° 198º do RJPI”.
Concordamos, fundamentalmente, com o que se acaba de transcrever.
Se o requerente da marca pretendesse registar como tal Fast Action Baccarat, esta marca não poderia ser aceite porque integraria sinais constituídos exclusivamente por indicações que servem no comércio para designar a espécie ou qualidade da prestação do serviço em causa. Mas não é o caso. A marca é FAB e diz o acórdão recorrido que “esse sinal FAB, embora consistente na sigla de Fast Action Baccarat, não é conotada pelo cidadão comum como uma expressão respeitante à designação indicativa da espécie e qualidade dos produtos e serviços a que se destina”.
Alega a ora recorrente na sua alegação que “pese embora, até ao momento, seja a B a única concessionária que proporciona aos seus clientes esta nova versão do jogo do Baccarat, nada obsta a que, no futuro, as restantes concessionárias possam também oferecer a mesma versão do jogo, à imagem do que já acontece com a forma tradicional ou face-up desse mesmo jogo”.
Isto é exacto. O que já não é certo é a sua conclusão, baseada na sentença de 1.ª Instância, que o registo da marca registanda, conduziria a uma situação em que a marca confundir-se-ia com o próprio jogo, com o próprio serviço que visava proteger, sendo que estar-se-ia a conceder o monopólio do uso da marca identificativa de um jogo que é de uso generalizado por todas as operadoras e que por nenhuma delas pode ser apropriado em termos de exclusividade.
Mas não é assim, nada obsta a que a ora recorrente ofereça este jogo e o designe como quiser, incluindo com um sinal nominal monossilábico, como é o caso da marca registanda.
Claro que a ora recorrida pode ter uma vantagem em o mercado já associar o jogo ao nome FAB. Mas a razão para tal não reside na circunstância de FAB constituir as iniciais do nome do jogo em língua inglesa, que a generalidade das pessoas desconhece, como se deu como provado, mas por ser a primeira concessionária a introduzir o jogo, fazendo com que o mercado o conheça pelo nome que ela escolheu. Mas estas são circunstâncias de concorrência, que não são tuteladas pelas normas que regem o registo de marcas.
Em suma, não procede o recurso.

3. Fundamentos novos de recusa do registo de marca
A final, veio a ora recorrente alegar:
“23.º
Ademais, não pode negar-se que há, da parte da B, patente intenção de exercer concorrência desleal, pelo que deve o referido pedido de registo de marca ser indeferido também com fundamento na alínea c) do n.o 1 do artigo 9.º do RJPI.
24.º
Resultando, igualmente, evidente que o pedido da B é violador dos bons costumes comerciais, o que consubstancia uma situação de abuso de direito, tal como definido no artigo 326.° do Código Civil, e é fundamento geral de recusa da concessão dos direitos da propriedade industrial, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.° do RJPI.
25.º
Pelo que, nos termos expostos, também se encontram preenchidos o disposto nas alíneas b) e c) do art.º 199.° conjugadas com a alínea a) do n.º 1 do art.º 9.º aplicável ex vi da alínea a) do art.º 214.°, todos do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, e que determina a impossibilidade de protecção da marca registanda”.
Trata-se de matéria nova, não considerada no despacho de recusa de registo, nem objecto de decisão pela sentença de 1.ª instância, nem pelo acórdão recorrido.
Ora, os tribunais de recurso não conhecem de questões novas nos recursos jurisdicionais, pelo que não podem as questões, só agora suscitadas, ser objecto de pronúncia.
Como estamos perante recurso, de decisão administrativa, com características de plena jurisdição (e não de mera legalidade, como é regra nos recursos contenciosos), isto é, em que o tribunal não se limita a anular a decisão administrativa ou a mantê-la, podendo também “…alterar, total ou parcialmente, a decisão recorrida...” sendo que a sentença “…, substitui essa decisão nos precisos termos em que for proferida” (n.º 3 do artigo 279.º do RJPI), a parte contrária a que se refere o artigo 279.º do RJPI, no recurso judicial para o tribunal cível (artigo 275.º do RPJI), tem o ónus, na sua contestação ou resposta (n.º 1 do artigo 279.º do RJPI), de suscitar, subsidiariamente, outros fundamentos de recusa de registo não constantes da decisão administrativa, para o caso de o recurso judicial ser procedente, aplicando-se o lugar paralelo do artigo 590.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil. Isto para que o juiz possa conhecer de tal matéria nova, para o caso de o recurso judicial interposto ser procedente.
Ora, a ora recorrida nem no recurso judicial, nem mesmo no recurso jurisdicional para o TSI, suscitou as questões que agora pretende ver conhecidas.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela ora recorrente em todas as instâncias.
Macau, 23 de Outubro de 2015.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai




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