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Processo nº 671/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 12/Novembro/2015

Assuntos: Suspensão de eficácia de acto administrativo
      Acto de conteúdo negativo com vertente positiva
      Artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
      Declaração de caducidade do contrato de concessão de terreno por arrendamento


SUMÁRIO
     - O pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
     - São três os requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na verificação de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar ao requerente, e dois negativos no sentido de que a concessão da suspensão não represente grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto e que do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
     - O requisito sobre o prejuízo de difícil reparação previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
     - Uma vez declarada a caducidade de um contrato de concessão de um terreno da RAEM, se o requerente vier a sofrer algum dano com a execução do acto, não se vê qualquer impossibilidade de ser indemnizado, no futuro, dos eventuais prejuízos sofridos, caso ele venha obter provimento ao recurso contencioso.
     - Não logrando demonstrar que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso, a providência tem que ser indeferida.
       
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 671/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 12/Novembro/2015

Requerente:
- A, Limitada

Entidade requerida:
- Chefe do Executivo

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, Limitada, sociedade com sede em Macau, melhor identificada nos autos, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 15.5.2015, que declarou a caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno com a área de 3177 m2, situado na Ilha da Taipa, na Avenida Kwong Tung.
Para tanto, invocou que o acto em causa lhe causa prejuízo de difícil reparação, que inexiste grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão e que não há fortes indícios de ilegalidade do respectivo recurso contencioso.
Citada a entidade requerida para, querendo, contestar, defendeu a improcedência do pedido.
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O Digno Magistrado do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Da interpretação no art. 120º do CPAC pode-se retirar a conclusão de ser insusceptível de suspensão de eficácia qualquer acto de conteúdo meramente negativo, acto cuja essência e característica mais salientes consiste em não operar nenhuma alteração da status quo.
Quanto à ratio subjacente desta inibição, subscrevemos a douta tese de que uma decisão judicial de suspender a eficácia dum acto deste tipo não traz a requerente efeito útil, e implica necessariamente a imposição na Administração uma conduta positiva e, deste modo, representa a ofensa do princípio de separação de poderes e a usurpação do poder administrativo pelo tribunal.
No que respeite a acto administrativo de declaração de caducidade ou nulidade (de acto anterior), proclama a brilhante doutrina (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, p. 741): As declarações de caducidade e de nulidade não se confundem com a revogação. Ao contrário deste, que é um acto inovador, e que, por isso, produz alterações no mundo jurídico, …, aquelas declarações não são inovativas, limitam-se a enunciar o conhecimento duma situação já verificada: do decurso do tempo (ou verificação duma condição resolutiva) ou da não produção inicial de quaisquer efeitos.
Em esteira do ensinamento doutrinal supra citada, podemos extrair a regra geral de que para efeitos de suspensão de eficácia, na medida de não operar alteração no mundo jurídico, um acto declarativo de nulidade ou caducidade se equivale a acto com conteúdo meramente negativo, não podendo, à luz do art. 120º do CPAC, ser objecto de suspensão de eficácia.
No que concerne ao despacho suspendendo, o que importa referir é que nos termos do art. 167º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), a caducidade da concessão, provisória e definitiva, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial.
Do seu lado, o n.º 1 do art. 168º desta Lei prescreve: Declarada a caducidade da concessão, revertem para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo o concessionário direito a ser indemnizado ou compensado.
Estas duas disposições legais permitem-nos a inferir que a perda por ex-concessionário dos direitos decorrentes de respectivo contrato de concessão nasce, de forma directa e imediata, da própria caducidade da concessão, não do correspondente despacho declarativo, pelo que não pode ser suspensa a eficácia a perda dos direitos decorrentes de contrato de concessão.
Do preceito no n.º 1 do art. 168º da mesma Lei decorre que o efeito legalmente dotado e inerente a cada despacho declarativo da caducidade consiste na reversão para a RAEM dos prémios pagos e das benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, sem se conferir a concessionário direito à indemnização ou compensação.
Ressalvado respeito pela opinião diferente, parece-nos que também não é susceptível de suspensão de eficácia o efeito próprio e inerente de despacho declarativo de caducidade, efeito que se traduz na reversão legalmente consagrada, visto que se trata de efeito ex lege.
Sem prejuízo do que ficou exposto supra, e por cautela, vejamos se se preencherem in casu os três requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º da Lei n.º 10/2013 constitui o único efeito próprio e inerente de despacho declarativo de caducidade.
Ora bem, no actual ordenamento jurídico de Macau, forma-se jurisprudência pacífica e constante que são, em regra, cumulativos os requisitos previstos no n.º 1 do art. 121º do CPAC, a não verificação de qualquer um deles torna desnecessária a apreciação dos restantes por o deferimento exigir a verificação cumulativa de todos os requisitos e estes são independentes entre si. (Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009)
E, em princípio, cabe a requerente o ónus de demonstrar, mediante prova verosímil e susceptível de objectiva apreciação, o preenchimento do requisito consagrado na alínea a) do referido n.º 1, por aí não se estabelecer a presunção do prejuízo de difícil reparação. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º 2/2009. Acórdãos do TSI nos Processos n.º 799/2011 e n.º 266/2012/A)
Não fica tal ónus cumprido com a mera utilização de expressões vagas e genéricas irredutíveis a factos a apreciar objectivamente. Terá de tornar credível a sua posição, através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivos. (Acórdãos do ex-TSJM de 23/06/1999 no Processo n.º 1106, do TUI nos Processos n.º 33/2009 e n.º 16/2014, do TSI no Processo n.º 266/2012/A)
E, apenas relevam os prejuízos que resultam directa, imediata e necessariamente, segundo o princípio da causalidade adequada, do acto cuja inexecução se pretende obter, ficando afastados e excluídos os prejuízos conjecturais, eventuais e hipotéticos. (Acórdãos do ex-TSJM de 15/07/1999 no Processo n.º 1123, do TSI no Processo n.º 17/2011/A)
E importar salientar que o Venerando TUI asseverou no seu douto acórdão decretado no Processo n.º 82/2013: O facto de o indeferimento da suspensão da eficácia colocar em causa o efeito útil da decisão que vier a ser proferida no recurso contencioso não é, por si, suficiente para o deferimento da providência.
No caso sub iudice, cremos que não é sustentável a irreparabilidade do prejuízo directamente causado pela apontada reversão, pois tanto os prémios pagos como as benfeitorias são, por natureza das coisas, sempre quantificável, mesmo que não seja fácil a correspondente cálculo.
De outra banda, em consonância com a sensata jurisprudência do Venerando TUI acima citada, não é suficiente para abonar o pedido de suspensão de eficácia a eventual impossibilidade de reconstruir a situação actual hipotética, invocada no Requerimento.
Tudo isto imbui-nos a impressão de ser patente que a Requerente não consegue comprovar o prejuízo de difícil reparação. Quer isto dizer que, a nosso ver, não se preenche in casu o requisito consignado na ali. A) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do pedido de suspensão de eficácia em apreço.”
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Cumpre decidir.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da presente providência.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da providência:
Por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 15.5.2015, foi declarara a caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno com a área de 3177 m2, situado na Ilha da Taipa, na Avenida de Kwong Tung, designado por lote…, descrito na CRP sob o nº… do livro….
Desse despacho recorreu contenciosamente a requerente para este TSI, tendo o Processo sido autuado com o nº 671/2015.
Foi instaurado em 22.10.2015 o presente procedimento de suspensão de eficácia que corre por apenso ao Processo nº 671/2015, tendo por objecto o acto de declaração de caducidade do contrato de concessão.
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A prova dos factos resulta dos documentos juntos ao presente processo, sobretudo despachos proferidos pelas autoridades administrativas, bem como dos dados registados neste Tribunal.
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O caso
À requerente foi concedido por arrendamento um terreno com a área de 3177 m2, situado na ilha da Taipa.
Entretanto, por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 15.5.2015, foi declarara a caducidade do contrato de concessão por arrendamento desse mesmo terreno.
Pede agora a requerente que seja suspensa a eficácia do referido acto.
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Acto de conteúdo negativo com vertente positiva
Em regra, a interposição de recurso contencioso de acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso.
Mas há situações em que a imediata execução do acto administrativo pode causar efeitos desfavoráveis ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspensão de eficácia do acto.
Nos termos do artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso, dispõe-se que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, não obstante que o acto administrativo em causa limitou-se a declarar a caducidade do contrato de concessão dum terreno, o qual consubstancia um acto de conteúdo negativo, por que o acto em si não vai alterar o status quo da requerente, entretanto não podemos deixar de vislumbrar que tenha uma certa vertente positiva, na medida em que com a prolação do referido despacho, teria como consequência necessária, por exemplo, a perda das benfeitorias que a requerente haja feito no terreno, bem como seria obrigada a desocupar do mesmo.
Daí que, a nosso ver, entendemos que se trata de um acto cuja eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisemos, em seguida, se estão verificados os requisitos de que depende a concessão da providência requerida.
Prevê-se no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
De facto, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, atendendo aos elementos carreados aos autos.
Bastará a falta de algum deles para que a providência requerida seja indeferida.
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Comecemos por este último requisito negativo – da não ilegalidade do recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 92/2002, “Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência”.
No caso vertente, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a interpor, aliás já interposto, em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, assim entendemos estar verificado o tal requisito negativo previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Em segundo lugar, passemos a analisar o requisito da inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão de eficácia do acto (requisito negativo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Trata-se de um requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público envolvido nele. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.2
Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público, por isso só pode ser deferida a suspensão de eficácia do acto se não se verificar lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto.
Refere o Acórdão deste TSI, no Processo 84/2014/A, que “a expressão «grave lesão do interesse público» constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”.
No vertente caso, face à alegação genérica e sem qualquer substância fáctica por parte da entidade recorrida, não cremos que a suspensão de execução do acto praticado por Sua Excelência o Chefe do Executivo possa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, razão pela qual entendemos estar verificado este segundo requisito.
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Por último, compete à requerente alegar e demonstrar o último requisito que é o de existência de prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto (requisito positivo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.3
Também entende a jurisprudência da RAEM que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
A título exemplificativo, cita-se o Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo nº 328/2010/A, em que se refere:
“Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No presente caso, alega a requerente que a actividade da empresa da requerente é composta exclusivamente por actos relacionados com o aproveitamento e promoção imobiliária do terreno em causa, nos termos do contrato de concessão, sendo aquele mesmo terreno concedido por arrendamento o único bem valioso existente no património da requerente, daí que, na sua perspectiva, se a requerente for desapropriada do terreno, passa a existir um desequilíbrio irreversível na situação líquida da sociedade, e ficar sem condições de executar o plano de operações imobiliárias que lhe permitiria recuperar os montantes despendidos.
Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a ideia da requerente, pois se a actividade da sua empresa fosse composta exclusivamente por actos relacionados com o aproveitamento e promoção imobiliária do terreno em causa, nos termos do contrato de concessão, deveria ter já aproveitado o mesmo há muito tempo, considerando, conforme se alega a requerente, ser essa a única actividade e o único bem valioso existente no património da requerente. Mas a verdade é que o terreno nunca foi aproveitado, e mesmo assim a sociedade ainda se mantém até hoje, daí que é difícil conceber como é que uma empresa poderia subsistir se esta só dedicasse exclusivamente a actos relacionados com o aproveitamento e promoção imobiliária dum terreno concedido por arrendamento e, por sua vez, esse terreno nunca ter sido aproveitado pela concessionária.
Sendo assim, entendemos que a requerente não logrou demonstrar que ela só dedicava exclusivamente a actividades relacionadas com o aproveitamento e promoção imobiliária do terreno em causa.
Também não logrou a requerente demonstrar, pois não basta uma alegação genérica e conjectural, o alegado desequilíbrio irreversível na situação líquida da sociedade, e em que termos a execução imediata do acto administrativo possa conduzir os administradores e os sócios da requerente a promoverem a dissolução e liquidação da sua sociedade, se bem que, tal como refere a requerente, sendo o tal terreno o único bem valioso existente no património social, caso a requerente venha obter provimento ao recurso contencioso, poderá o terreno ser-lhe concedido de novo para aproveitamento, pelo que não se compreende por que razão não podem os administradores e os sócios da requerente aguardar mais um, dois ou três anos, devido ao tempo necessário para obter decisão no respectivo recurso contencioso, os quais, entretanto, já tiveram a ousadia de esperar cerca de 15 anos a contar da data de concessão por arrendamento.
Por outro lado, alega a requerente que a execução imediata do acto administrativo implica que ela seja desapossada do terreno até ao trânsito em julgado do Acórdão que decida definitivamente o recurso contencioso interposto do acto suspendendo, o que poderá levar algum tempo, e quando o recurso contencioso estiver definitivamente julgado, é extremamente provável que a requerente se veja definitivamente impedida de aproveitar o terreno caso a Administração venha erigir um qualquer edifício nesse terreno, por si ou por intermédio de terceiro a quem conceda o terreno por arrendamento, depois de o afectar a uma qualquer finalidade que entenda adequada.
Ora bem, embora seja verdade que a RAEM está enfrentando o problema da escassez de terrenos, mas não há qualquer suporte factual que nos permite afirmar que a Administração da RAEM pretende conceder de novo o terreno em causa por arrendamento a quem quer que seja, para o mesmo ser aproveitado, em curto ou em médio prazo.
E se tal vier a acontecer, também não se pode dizer que essa situação irá causar necessariamente prejuízos irreparáveis à requerente.
Em primeiro lugar, caso a requerente venha obter provimento ao recurso contencioso, entretanto o terreno em causa já venha a ser definitivamente aproveitado pela Administração ou por pessoa terceira, não estará a Administração inibida de conceder por arrendamento um outro terreno com melhores condições de acessibilidade, ou de maior dimensão, em substituição do terreno em causa.
Em segundo lugar, ainda que essa solução, por razões diversas, não seja viável, também não se vê razão para não se proceder ao ressarcimento dos danos causados à própria requerente, caso esta venha obter provimento ao recurso.
Como referiu o Acórdão do Venerando TUI, de 14.11.2009, no Processo nº 33/2009, “mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto”.
De facto, a regra geral é que o lesado tem direito a ser indemnizado pelos danos causados, devendo a indemnização ser fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível.
Em nossa opinião, não se vislumbra com que dificuldade se encontra no cálculo dos danos se o recurso contencioso de que o presente procedimento depende for provido. Por ser uma questão de cálculo, haverá sempre maneira de proceder à quantificação do respectivo valor indemnizatório, desde que fique demonstrada a responsabilidade do seu agente.
Aliás, ainda que se considere impossível determinar o valor exacto dos danos, o que não se concede, a lei permite ao tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, fixando o valor indemnização que achar conveniente (artigo 560º do CCivil).
Nesta conformidade, por não se ter logrado a alegação nem a prova da irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos decorrentes da execução do acto, outra solução não resta senão indeferir o pedido de suspensão de eficácia do despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 15.5.2015.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto formulado pela requerente A, Limitada.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 12 de Novembro de 2015
Tong Hio Fong
João Gil de Oliveira
Lai Kin Hong
Subscrevo com reserva a qualificação feita no Acórdão do acto suspendendo, que se limitou a declarar a caducidade da concessão, como de conteúdo negativo com vertente positiva, sem prejuízo da reponderação ulterior sobre a mesma questão.

Fui presente
Mai Man Ieng
1 Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, pág 155
2 José Cândido de Pinho, in Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2013, pág 299
3 Obra citada, pág 294
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