打印全文
Processo nº 968/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 15/Dezembro/2015

Assuntos: Suspensão de eficácia de acto administrativo
      Acto de conteúdo positivo
      Artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
      Desocupação de terreno

SUMÁRIO
     - O pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
     - São três os requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na verificação de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar ao requerente, e dois negativos no sentido de que a concessão da suspensão não represente grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto e que do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
     - O requisito sobre o prejuízo de difícil reparação previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente.
- Uma vez ordenada ao requerente a desocupação de um terreno onde o mesmo explora uma sucata de veículos automóveis, mesmo que haja alguma dificuldade em arranjar na RAEM outro espaço para colocar os seus objectos e automóveis, mas tal circunstância não significa que a execução do acto vai-lhe causar necessariamente prejuízos irreparáveis, por não haver obstáculo para se proceder ao ressarcimento dos danos causados, caso o requerente venha obter provimento ao recurso, na medida em que os eventuais prejuízos decorrentes da execução do acto são sempre quantificáveis.
- Por outro lado, o requerente terá que alegar em que termos a cessação da sua actividade possa afectar a sua clientela, se bem que a “suspensão” ou “cessação temporária” da sua actividade não conduz necessariamente à perda irreversível de clientela, pelo que na falta de demonstração, em termos concretos, dessa alegada perda de clientela, não podemos dizer que a execução do acto vai-lhe causar prejuízos de difícil reparação.
- No que respeita ao requisito da inexistência de grave lesão de interesse público na não execução do acto (alínea b) do nº 1 do artigo 121º do CPAC), trata-se de um requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público nele envolvido. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.
- Verificando-se que os veículos automóveis existentes no terreno encontram-se empilhados uns em cima de outros, situação essa que se torna cada vez mais grave e evidente nos últimos tempos, tendo até alguns dos veículos ultrapassado o nível do muro que separa o terreno da via pública, somos levados a crer que a segurança de pessoas e bens tanto dos transeuntes como dos condutores não estará salvaguardada, havendo, por isso, necessidade de a Administração intervir para evitar qualquer tipo de tragédia.
     - Não logrando a demonstração dos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 121º do CPAC, a providência terá que ser indeferida.
       
       
O Relator por vencimento,

________________
Tong Hio Fong











Processo nº 968/2015/A
(Autos de suspensão de eficácia)

Data: 15/Dezembro/2015

Requerente:
- A

Entidade requerida:
- Chefe do Executivo

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, residente da RAEM, melhor identificado nos autos, vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 8.10.2015, que lhe ordenou, no prazo de 30 dias, a contar da data de notificação, a desocupação do terreno assinalado com as letras “A”, “B1” e “B2” na planta cadastral nº 40612024 (processo nº 1062/1989), emitido em 18.12.2013 pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, a demolição e o despejo da construção ilegal, removendo os objectos materiais e equipamentos nele depositados, bem como procedendo a entrega do terreno à RAEM.
Para tanto, invocou que o acto em causa lhe causa prejuízo de difícil reparação, que inexiste grave lesão para o interesse público na não execução do acto suspendendo e que não há fortes indícios de ilegalidade do respectivo recurso contencioso.
Citada a entidade requerida para, querendo, contestar, defendeu a improcedência do pedido.
*
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Vem A requerer a suspensão de eficácia do despacho do Chefe do Executivo de 8/10/15 que lhe ordenou que procedesse, no prazo de 30 dias a contar da notificação, à desocupação do terreno assinalado com as letras “A”, “B1” e “B2” na planta cadastral n.º 40612024 emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, à demolição e despejo de construção ilegal, removendo os objectos, materiais e equipamentos nele depositados, bem como à devolução do terreno ao Governo da RAEM, sem direito a qualquer indemnização, uma vez que a dita ocupação é considerada ilegal.
Tanto quanto se alcança da redacção introduzida no art. 121.º do CPAC, os requisitos contemplados nas diversas alíneas do seu n.º 1 para a suspensão de eficácia dos actos administrativos são cumulativos, bastando a inexistência de um deles para que a providência possa ser denegada.
Tais requisitos são, um positivo (existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar) e dois negativos (inexistência de grave lesão do interesse público e não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do mesmo).
Aceitamos a verificação “in casu” do requisito negativo atinente à al. c), uma vez que não se mostra patente, ostensivo, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso contencioso não possa ter êxito.
Já quanto ao requisito da al. b), sempre se poderia adiantar que, compreendendo-se a necessidade de garantir efectivo e eficaz aproveitamento do terreno em questão numa terra com tanta carência deles como é Macau, não se vislumbraria, porém, que, tendo-se o mesmo conservado, nas circunstâncias e aproveitamento em causa ao longo de décadas, o interesse público se visse gravemente afectado pela manutenção da situação até decisão do recurso contencioso.
Convirá, contudo, não esquecer o que, a propósito, é relatado pela entidade requerida, relativamente ao perigo adveniente do facto de muitos dos carros arrumados no terreno em questão para sucata, se encontrarem empilhados, uns em cima dos outros (o que, notoriamente, se colhe de algumas das fotografias juntas pelo próprio requerente), ultrapassando, inclusive, o nível do muro, podendo causar perigo para o que transitar pela via pública, matéria para que, aliás, o visado terá sido devidamente alertado para a remoção respectiva, até à data, pelos vistos, sem concretização.
Da mesma forma que, ao que a entidade requerida adianta e nada faz, validamente, duvidar, o requerente depositou grande quantidade de veículos abandonados no terreno adjacente às subestações Porto Exterior, causando perigo à segurança dos residentes, em caso de incêndio.
Tudo razões que, como é óbvio, apontarão para a não verificação “in casu” do requisito negativo previsto na alínea em causa, dada a grave lesão do interesse público na não execução do acto suspendendo.
Compreendem-se, a este nível, as preocupações externadas pelo requerente, atinentes a ocorrências nefastas para o ambiente e ecologia, resultantes quer do abandono futuro de viaturas pelos particulares, sem a devida recolha, quer da necessidade da colocação de mais de 500 veículos abandonados, sem terreno próprio para a sua colocação e abate, mas a verdade é que tal situação, a existir, não decorre inelutavelmente da execução do acto, detendo, pois, foros de mera conjectura, tanto mais que, a não ser dado cumprimento voluntário à desocupação, ela será efectuada pela própria Administração que, concerteza, saberá evitar tais transtornos ecológicos.
Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tido como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto.
No caso, argumenta o requerente que, explorando há muito tempo negócio de sucata no terreno em questão, abrangendo a compra, abate e desmantelamento de veículos, venda de peças, importação e exportação de sucatas, instalou no local grandes instrumentos para desmantelamento de veículos, construindo instalações de repouso, a cessação de tal actividade e inevitável perda de clientes, causar-lhe-á prejuízos de grande monta.
Ao que acrescerá, no seu entender, o facto de, encontrando-se depositados no terreno cerca de 500 veículos e não tendo, até agora, encontrado local próprio para a continuação da actividade, não terá possibilidade de cumprir o ordenado no prazo estabelecido, tendo, possivelmente, que vender ou abandonar quer veículos, quer os instrumentos utilizados na sua actividade.
No que tange à cessação das actividades supostamente levadas a cabo no terreno, pelos vistos sem a devida autorização legal, poder-se-ia tratar de alegação a considerar, não fosse o caso de falta de demonstração detalhada relativa à “saúde” económica e financeira da empresa e ao peso que as actividades em causa deterão na mesma, pelo que o quadro de prejuízos apresentado, bem como a “tragédia ambiental” a que se reporta o alegado nos pontos 26º e 27º do petitório inicial se revela meramente hipotético, conjuntural, correspondendo a alegação respectiva a meras conclusões genéricas e conclusivas, sem substrato válido de apoio probatório, quer quanto à inevitabilidade da sua ocorrência, quer, a existirem, serem consequência directa e necessária da execução do acto, já que, além do mais se não mostra esclarecido e comprovado sobre se ao visado seria possível adquirir ou usufruir de outro espaço alternativo para a continuação da actividade empresarial supostamente existente, para além de que, tal como configurados, se não vê que os prejuízos directa e necessariamente decorrentes do acto, se não mostrem quantificáveis.
Donde, por não verificação dos requisitos contemplados nas als. a) e b) do n.º 1 do art.º 121º, CPAC, sermos a entender dever ser indeferido o peticionado.”
*
Por o relator do projecto inicial de acórdão ter ficado vencido, passa o presente acórdão a ser lavrado pelo primeiro adjunto vencedor.
Cumpre decidir.
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções e questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da presente providência.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da providência:
Foi prestada a seguinte Informação/Proposta nº 7494/DURDEP/2015, no âmbito de um relatório de Investigação sobre a ocupação de um terreno da RAEM, sito na Avenida Rodrigo Rodrigues (Processo nº 14/DC/2013/F):
“Relatório:
1. O pessoal da DSSOPT, no exercício dos poderes de fiscalização conferidos pelo art.º 8º, n.º 3, al. b) do Decreto-Lei n.º 29/97/M, de 7 de Julho, constatou que existiam no terreno em epígrafe os andaimes de bambu e as construções ilegais com coberturas metálicas, bem como foi depositada nele grande quantidade de veículos e contentores abandonados. No entanto, esta Direcção não emitiu a licença de obras nem os ocupantes possuíam a licença de ocupação a título precário, mencionada nos artigos 76º a 81º da Lei n.º 10/2013 - “Lei de terras”, pelo que o pessoal desta Direcção lavrou o auto de notícia (vide anexo 1), instaurando o processo nº 14/DC/2013/F, com vista a verificar a existência ou não da ocupação ilegal de terrenos.
2. Em 22 de Janeiro de 2014, esta Direcção procedeu à audiência escrita do interessado “Sucata de Veículos B (B劏車)” mediante o ofício n.º 861/DURDEP/2014 (vide anexo 2), onde A (A) declarou que era titular da licença da “Sucata de Veículos B (B劏車)” e, em 5 de Fevereiro de 2014, apresentou a esta Direcção as alegações escritas, registadas sob o n.º DMS15974/2014 (vide anexo 3). Todavia, nos termos do art.º 219º da Lei n.º 10/2013 - “Lei de terras”, neste caso é necessário efectuar o novo procedimento de audiência.
3. A par disso, em 29 de Abril de 2014, os fiscais desta Direcção realizaram a investigação in loco, conforme os dados (vide anexo 4), constatando que o “Campo de Areia C (C沙場)” era também interessado do local em causa.
4. Por despacho, de 9 de Junho de 2015, do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, exarado na Informação n.º 4619/DURDEP/2015, foi designado o presente Grupo de trabalho para efectuar a investigação deste caso. (Vide anexo 5)
5. Em seguida, nos termos dos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo, por meio dos ofícios n.ºs 9474/DURDEP/2015, 9472/DURDEP/2015 e 9455/DURDEP/2015, datados de 17 de Julho de 2015, esta Direcção notificou, respectivamente, os interessados A (A), “Sucata de Veículos B (B劏車)” e “Campo de Areia C (C沙場)” da realização de audiência (vide anexo 6), para que os mesmos pudessem pronunciar-se, por escrito, sobre as questões que constituem objecto do procedimento, no prazo de 10 dias contados a partir da data de notificação. Ademais, nos termos do art.º 72º, n.º 2 do mesmo Código, em 22 de Julho de 2015, esta Direcção publicou anúncios em jornais em língua chinesa e em língua portuguesa (vide anexo 7) para notificar editalmente os ocupantes desconhecidos da realização de audiência, a fim de que os mesmos pudessem pronunciar-se, por escrito, sobre as questões que constituem objecto do procedimento, no prazo de 10 dias contados a partir da data de publicação dos editais.
6. Dentro do supracitado prazo, no dia 27 de Julho de 2015, os interessados A (A) e “Sucata de Veículos B (B劏車)” apresentaram a esta Direcção as alegações escritas, registadas sob o n.º DMS97730/2015 (vide anexo 8), com o seguinte sumário:
6.1 Alegaram os interessados que esta Direcção tinha instaurado procedimento administrativo em 2014 contra os mesmos e, por seu turno, estes apresentaram alegações escritas em 5 de Fevereiro de 2014 (documento registado sob o n.º DMS15974/2014), mas ainda não houve resultado sobre isso. No entendimento dos interessados, ao abrigo dos artigos 3º, 5º e 8º do Código do Procedimento Administrativo, não se deve instaurar o novo procedimento quando não tenha concluído o antigo, caso contrário, verificar-se-á violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé.
6.2 Assim sendo, os interessados pediram a esta Direcção que anulasse o ora procedimento relativo à ocupação ilegal de terrenos e prosseguisse o procedimento do ano de 2014.
6.3 Alegou o interessado que, desde 1980, seu pai D explorava a “Sucata de Veículos B (B劏車)” no dito terreno; em 1996, o interessado sucedeu ao seu pai; e, a partir de 2003, iniciou a exploração da sucata. Ao longo dum período de mais de 30 anos, não houve ninguém, incluindo os trabalhadores do Governo, que o tinha notificado do impedimento da exploração da respectiva sucata ou da ocupação do terreno em apreço.
6.4 Nesta conformidade, entendeu o interessado que esta Direcção deveria anular o ora procedimento relativo à ocupação ilegal de terrenos, permitindo-lhe continuar a explorar a sucata no terreno em causa.
6.5 Além disso, referiu o interessado que era necessário um período não inferior a seis meses ou até um ano para desocupação do terreno por existir nele 500 veículos a abater, e que não conseguia arrendar terreno suficiente para explorar a actividade de reciclagem de veículos ou para guardar mais de 500 veículos a abater, por falta de apoio prestado pelas agências imobiliárias em Macau.
6.6 Por conseguinte, o interessado pediu a autorização da continuação da ocupação do terreno em apreço, ou a concessão provisória de um outro terreno, ou a extensão do prazo de desocupação do terreno por um período não inferior a seis meses ou um ano, a fim de lhe permitir arranjar um terreno adequado para remover os seus objectos.
7. Dentro do supracitado prazo, no dia 27 de Julho de 2015, o interessado E, que alegou que era titular da licença de “Comércio de Materiais de Construção Civil C (C建才貿易行)”, apresentou a esta Direcção as alegações escritas, registadas sob o n.º DMS97277/2015 (vide anexo 9), com o seguinte sumário:
7.1 Disse o interessado que, desde 1996, explorava “Comércio de Materiais de Construção Civil C (C建才貿易行)” no terreno em apreço. Ao longo dum período de cerca de 20 anos, não houve ninguém, incluindo os trabalhadores do Governo, que o tinha notificado do impedimento da exploração da respectiva actividade ou da ocupação do referido terreno.
7.2 Entendeu o interessado que, nos termos do n.º 3 do preâmbulo da Lei n.º 6/80/M - “Lei de terras”, de 5 de Julho, acautelam-se as situações criadas ou já iniciadas anteriormente à vigência desta lei, pelo que pediu a anulação do ora procedimento relativo à ocupação ilegal de terrenos.
7.3 Referiu o interessado que ele não era capaz de cumprir a respectiva decisão, já que não há em Macau espaço ou terreno que possa ser legalmente arrendado pelo interessado, com vista à continuação da exploração da respectiva actividade, pelo que pediu a esta Direcção que lhe fornecesse informações sobre o requerimento da licença de ocupação a título precário.
7.4 O interessado solicitou ainda a extensão do prazo de desocupação do terreno, ao menos, por um período superior a meio ano, a fim de lhe atribuir tempo suficiente para arranjar um terreno adequado para continuar a explorar a respectiva actividade e remover os seus objectos.
8. Tendo consultado todos os documentos constantes do processo, este Grupo de investigação procedeu à análise seguinte:
Matéria de facto
9. Segundo a Comunicação Interna n.º 277/DATSEA/2013, de 18 de Outubro de 2013, da Divisão de Apoio Técnico (DATSEA) desta Direcção, averigua-se que o local em epígrafe está envolvido no Processo n.º 29C/1998 da Comissão de Terras. Por esta comunicação interna se fornece a cópia do despacho n.º 59/SATOP/98 publicado no Boletim Oficial n.º 27, II Série, de 8 de Julho de 1998. (Vide anexo 10)
10. Pela Comunicação Interna n.º 556/2101.01/2013, de 23 de Outubro de 2013, o Departamento de Gestão de Solos forneceu a cópia do despacho n.º 59/SATOP/98 publicado no Boletim Oficial n.º 27, II Série, de 8 de Julho de 1998, cujo conteúdo é o seguinte: A entrega, com o consentimento da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L., pela Sociedade de Investimentos e Fomento Predial Guia, Limitada, a este Território, que aceita, livre de ónus ou encargos, dos direitos que detém sobre o terreno da antiga “Chacará Leitão”, com a área de 20248m2, sito junto da Zona dos Aterros do Porto Exterior, assinalado com as letras “A”, “A1” e “A2” na planta n.º 1062/89, emitida em 4 de Dezembro de 1995 pela DSCC (vide anexo 11). Parte do terreno supramencionado sobrepõe com o terreno tratado nesta causa.
11. De acordo com a certidão da Conservatória de Registo Predial, de 2 de Janeiro de 2014, as parcelas do terreno assinaladas com as letras “A”, “B1” e “B2” na planta cadastral n.º 40612024 (processo n.º 1062/1989), emitida em 18 de Dezembro de 2013 pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, têm a seguinte situação jurídica (vide anexo 12):
11.1 A parcela assinalada com a letra “A” na planta cadastral está inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 3666, fls. 152 verso do Livro B 18, e registada a favor da Região Administrativa Especial de Macau sob n.ºs 12191 e 10825G, fls. 356 do Livro F41K.
11.2 As parcelas assinaladas com as letras “B1” e “B2” não se encontram registadas a favor de particulares (pessoa singular ou pessoa colectiva), direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente de concessão por arrendamento ou aforamento, pelo que as parcelas são consideradas propriedade do Estado, nos termos do art.º 7º da Lei Básica da RAEM.
12. Conforme o ofício n.º 1311070378/DFHP do Instituto de Habitação, datado de 8 de Novembro de 2013, foi demolida a barraca de madeira registada no Instituto de Habitação que está envolvida no terreno em causa. (Vide anexo 13)
Matéria de Direito
13. Nos termos do art.º 7º da Lei Básica da R.A.E.M. da R.P.C.: “Os solos e os recursos naturais na R.A.E.M. são propriedade do Estado, salvo os terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da R.A.E.M. O Governo da R.A.E.M. é responsável pela sua gestão, uso e desenvolvimento, bem como pelo seu arrendamento ou concessão a pessoas singulares ou colectivas para uso ou desenvolvimento. Os rendimentos daí resultantes ficam exclusivamente à disposição do Governo da R.A.E.M.”.
14. De acordo com a certidão da Conservatória de Registo Predial, as parcelas do terreno em causa assinaladas com as letras “A”, “B1” e “B2” na planta cadastral n.º 40612024 (processo n.º 1062/1989), emitida em 18 de Dezembro de 2013 pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, têm a seguinte situação jurídica:
14.1 A parcela assinalada com a letra “A” na planta cadastral está inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 3666, fls. 152 verso do Livro B18, e registada a favor da Região Administrativa Especial de Macau sob n.ºs 12191 e 10825G, fls. 356 do Livro F41K.
14.2 As parcelas assinaladas com as letras “B1” e “B2” não se encontram registadas a favor de particulares (pessoa singular ou pessoa colectiva), direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente de concessão por arrendamento ou aforamento, pelo que as parcelas são consideradas propriedade do Estado, nos termos do art.º 7º da Lei Básica da RAEM.
15. O interessado não tem licença de ocupação a título precário estabelecida nos artigos 76º a 81º da Lei n.º 10/2013 - “Lei de terras”, nem possui o respectivo contrato de concessão, com vista a comprovar a autorização da ocupação do terreno do Governo pelo mesmo, por conseguinte, o interessado deve efectuar a desocupação e entrega do aludido terreno ao Governo da R.A.E.M. Nos termos do art.º 7º da Lei Básica, o Governo da R.A.E.M. é responsável pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos e recursos naturais; e, nos termos do art.º 208º, n.º 1 da Lei de terras, compete ao Chefe do Executivo determinar a ordem de desocupação de terrenos, fixando um prazo para o efeito.
Análise das sugestões escritas dos interessados A (A) e “Sucata de Veículos B (B劏車)”:
16. Indicaram os interessados que esta Direcção tinha instaurado procedimento de audiência contra eles e, presentemente, voltou a instaurar novo procedimento contra os mesmos, considerando que esta Direcção violou dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade e da boa-fé. Quanto a esta dúvida, entendemos que não se verifica ilegalidade ou inadequação nesta Direcção, uma vez que o Decreto-Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho, foi revogado pelo art.º 222º da Lei n.º 10/2013 - “Lei de terras”, não sendo aplicável aos procedimentos de desocupação do terreno iniciados, ao abrigo do art.º 219º da Lei n.º 10/2013, ou seja, é necessário proceder ao novo procedimento de audiência que foi anteriormente iniciado neste caso. Ademais, face ao presente caso, não seriam prejudicados os direitos dos interessados nem haveria qualquer injustiça mesmo que se procedesse ao novo procedimento de audiência.
Na verdade, os ocupantes não possuem contrato de concessão nem licença de ocupação a título precário, previstos na Lei de terras, que comprovem a autorização da ocupação do terreno do Estado pelos mesmos. Se bem que os ocupantes alegassem que tinham ocupado o terreno em causa há mais de 30 anos, não significava que os mesmos possuíssem direitos e interesses legais para continuarem a ocupar o terreno em apreço. Assim sendo, no nosso entendimento, nos factos e motivos alegados pelos ocupantes na sua contestação escrita não existem provas suficientes nem bastantes para apurarem que os mesmos possam adquirir qualquer direito do terreno em causa, designadamente o direito de propriedade perfeita e a propriedade relativa ao terreno. Deste modo, os factos invocados pelos ocupantes são improcedentes, devendo os mesmos efectuar a desocupação e entrega do aludido terreno ao Governo da R.A.E.M.
Análise das sugestões escritas dos interessados E e “Comércio de Materiais de Construção Civil C (C建才貿易行) (ou seja, Campo de Areia C (C沙場))”:
17. Apontou os interessados que, nos termos do n.º 3 do preâmbulo da Lei n.º 6/80/M - “Lei de terras”, de 5 de Julho, acautelam-se as situações criadas ou já iniciadas anteriormente à vigência desta lei, pelo que pediu a anulação do ora procedimento relativo à ocupação ilegal de terrenos. No nosso entendimento, os factos invocados pelos interessados são improcedentes, uma vez que os ocupantes não possuem contrato de concessão nem licença de ocupação a título precário, previstos na Lei de terras, que comprovem a autorização da ocupação do terreno do Estado pelos mesmos. Se bem que os ocupantes alegassem que tinham ocupado o terreno em causa há mais de 20 anos, não significava que os mesmos possuíssem direitos e interesses legais para continuarem a ocupar o terreno em apreço. Assim sendo, no nosso entendimento, nos factos e motivos alegados pelos ocupantes na sua contestação escrita não existem provas suficientes nem bastantes para apurarem que os mesmos possam adquirir qualquer direito do terreno em causa, designadamente o direito de propriedade perfeita e a propriedade relativa ao terreno. Deste modo, os ocupantes devem efectuar a desocupação e entrega do aludido terreno ao Governo da R.A.E.M.
18. Pelo exposto, conclui-se o seguinte:
18.1 De acordo com a certidão da Conservatória de Registo Predial, as parcelas do terreno em causa assinaladas com as letras “A”, “B1” e “B2” na planta cadastral n.º 40612024 (processo n.º 1062/1989), emitida em 18 de Dezembro de 2013 pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, têm a seguinte situação jurídica:
18.1.1 A parcela assinalada com a letra “A” na planta cadastral está inscrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 3666, fls. 152 verso do Livro B 18, e registada a favor da Região Administrativa Especial de Macau sob n.ºs 12191 e 10825G, fls. 356 do Livro F41K.
18.1.2 As parcelas assinaladas com as letras “B1” e “B2” não se encontram registadas a favor de particulares (pessoa singular ou pessoa colectiva), direito de propriedade ou qualquer outro direito real, nomeadamente de concessão por arrendamento ou aforamento, pelo que as parcelas são consideradas propriedade do Estado, nos termos do art.º 7º da Lei Básica da RAEM.
18.2 Os ocupantes não possuem contrato de concessão nem licença de ocupação a título precário, previstos na Lei de terras, que comprovem a autorização da ocupação do terreno do Governo pelos mesmos, por conseguinte, devem os mesmos efectuar a desocupação e entrega do aludido terreno ao Governo da R.A.E.M.;
18.3 Nos termos do art.º 7º da Lei Básica da R.A.E.M., o Governo da R.A.E.M. é responsável pela gestão, uso e desenvolvimento dos solos e recursos naturais; e, nos termos do art.º 208º, n.º 1 da Lei de terras, compete ao Chefe do Executivo determinar a ordem de desocupação de terrenos, fixando um prazo para o efeito.
19. Propõe-se que:
19.1 Não sejam admitidas as sugestões invocadas pelos ocupantes/interessados A (A), “Sucata de Veículos B (B劏車)”, E e “Comércio de Materiais de Construção Civil C (C建才貿易行) (ou seja, Campo de Areia C (C沙場))”, no procedimento de audiência;
19.2 Nos termos do art.º 208º, n.º 1 da Lei n.º 1012013 - “Lei de terras”, o Chefe do Executivo determine a ordem de desocupação de terrenos que foram ilegalmente ocupados;
19.3 Ordene-se que os ocupantes/interessados procedam, no prazo de 30 dias contados a partir da data da publicação dos editais, à desocupação do terreno supramencionado, à remoção dos objectos, materiais e equipamentos nele depositados, bem como à entrega do terreno ao Governo da R.A.E.M., sem direito a qualquer indemnização;
19.4 Para a produção de efeitos do supracitado acto administrativo, nos termos do art.º 72º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, em primeiro lugar, notifique-se pessoalmente os ocupantes A (A), “Sucata de Veículos B (B劏車)”, E e “Comércio de Materiais de Construção Civil C (C建才貿易行) (ou seja, Campo de Areia C (C沙場))”;
19.5 Tendo em conta que talvez hajam mais ocupantes ilegais desconhecidos e conforme os resultados da notificação pessoal acima referida, propõe-se que:
19.5.1 Se a notificação pessoal dos ocupantes identificados acima referidos se revelar impossível, nos termos do art.º 72º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, seja efectuada a notificação edital dos ocupantes identificados e dos ocupantes desconhecidos, se os tiverem havido, afixando-se editais no local em causa;
19.5.2 Se a notificação pessoal se revelar possível, nos termos do art.º 72º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, seja efectuada a notificação edital dos ocupantes desconhecidos, se os tiverem havido, afixando-se editais no local em causa;
19.6 Nos termos do art.º 208º, n.º 1 da Lei de terras e art.º 139º do Código do Procedimento Administrativo, sejam notificados, simultaneamente, os ocupantes/interessados de que a falta da desocupação do terreno no prazo fixado nos editais, implica a solicitação ao Chefe do Executivo para o deferimento dos seguintes procedimentos administrativos:
19.6.1 A DSSOPT execute o trabalho de desocupação de terrenos, juntamente com outros Serviços públicos e com a colaboração dos guardas do CPSP. Em caso de necessidade, concretize-se o trabalho de desocupação do terreno e de demolição de todos os materiais, máquinas e as eventuais edificações ilegais existentes no terreno, através dos recursos humanos e máquinas de remoções fornecidos pelos terceiros (recrutar empreiteiro);
19.6.2 O CPSP colabore na execução do esvaziamento do terreno, removendo as pessoas que não pretendam sair do local em causa e que prejudiquem a Administração na realização do respectivo trabalho, mormente protegendo os trabalhadores e destacando no terreno os guardas policiais até quando for integralmente esvaziado; as tarefas são divididas em conformidade com o projecto de remoção e demolição elaborado pela DSSOPT;
19.6.3 Nos termos do art.º 211º da Lei de terras, as despesas realizadas com a desocupação e com a guarda de documentos de identificação e bens móveis constituem encargos dos infractores que devem efectuar o respectivo pagamento no prazo e local indicado pela DSSOPT. Na falta de pagamento das despesas no prazo fixado, procede-se à cobrança coerciva, nos termos do processo de execução fiscal, servindo de título executivo a certidão comprovativa das despesas efectuadas, passada pela DSSOPT;
19.6.4 Além do pagamento das despesas realizadas com a desocupação, não se prejudica a aplicação aos ocupantes/interessados, consoante a área do terreno ocupado, da multa estipulada no art.º 196º da Lei de terras;
19.6.5 Nos termos do art.º 1930 da Lei de terras, quem ocupar ilegalmente terrenos do domínio público ou do domínio privado e não obedecer a ordem de desocupação, determinada pelo Chefe do Executivo nos termos da lei, é punido pelo crime de desobediência previsto no n.º 1 do artigo 312.º do Código Penal;
19.6.6 Os bens existentes no terreno objecto de desocupação serão tratados em conformidade com o art.º 210º da Lei de terras.
19. 7 Após a conclusão do procedimento de desocupação do terreno em causa e a fixação de vedações e placas no dito terreno, esta Direcção irá entregá-lo aos Serviços competentes para efeitos de gestão e acompanhamento.
À consideração superior.
Grupo de Trabalho:
Técnico Superior do Departamento Jurídico - XXX
Técnico Superior da Divisão de Fiscalização - XXX» (fls. 50-67 do apenso “traduções”).”
No dia 8.10.2015, Sua Ex.ª o Chefe do Executivo despachou: “Concordo” (fls. 49 do apenso “traduções”).
Alega o requerente que no referido terreno é explorada uma sucata de veículos automóveis desde 1980, primeiramente pelo pai do requerente, presentemente por este.
O terreno é constituído pelas parcelas A, B1, B2 da planta cadastral nº 40612024 (processo nº 1062/1989): a primeira está registada em nome da RAEM e as segunda e terceira não estão registadas em favor de nenhum particular.
Muitos dos veículos automóveis encontrados no terreno encontram-se empilhados, uns em cima de outros, alguns deles até ultrapassaram o nível do muro que separa o terreno da via pública.
Junto do terreno existe a subestação Porto Exterior.
*
A prova dos factos resulta dos documentos juntos ao presente processo, sobretudo despachos proferidos pelas autoridades administrativas, bem como das fotografias existentes nos autos.
*
O caso
Ao requerente foi ordenado que procedesse, no prazo de 30 dias a contar da notificação, à desocupação do terreno assinalado com as letras “A”, “B1” e “B2” na planta cadastral nº 40612024 (processo nº 1062/1989), emitido em 18.12.2013 pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, à demolição e ao despejo da construção ilegal, removendo os objectos materiais e equipamentos nele depositados, e procedendo à entrega do terreno à RAEM.
Pede agora o requerente que seja suspensa a eficácia do referido acto.
*
Acto de conteúdo positivo
Em regra, a interposição de recurso contencioso de acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso.
Mas há situações em que a imediata execução do acto administrativo pode causar efeitos desfavoráveis ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspensão de eficácia do acto.
Nos termos do artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso, dispõe-se que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Para Diogo Freitas do Amaral, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.1
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em causa consiste numa ordem de desocupação do terreno, demolição e despejo de construção ilegal, a qual consubstancia um acto de conteúdo positivo cuja eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
*
Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisemos, em seguida, se estão verificados os requisitos de que depende a concessão da providência requerida.
Prevê-se no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
De facto, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, atendendo aos elementos carreados aos autos.
Bastará a falta de algum deles para que a providência requerida seja indeferida.
*
Comecemos por este último requisito negativo – da não ilegalidade do recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 92/2002, “Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência”.
No caso vertente, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a interpor, aliás já interposto, em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, assim entendemos estar verificado o tal requisito negativo previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
*
No que respeita ao requisito de existência de prejuízo de difícil reparação decorrente da execução do acto (requisito positivo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC), é pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que incumbe ao requerente alegar e demonstrar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação.
Nas palavras de José Cândido de Pinho, “cumpre ao requerente caracterizar de modo credível, ou seja, conveniente e convincentemente os prejuízos, expondo as razões fácticas que se integrem no conceito, devendo para isso ser explícito, específico e concreto, não lhe sendo permitido recorrer a expressões vagas, genéricas e irredutíveis a factos que não permitam o julgador extrair aquele juízo. Não bastam, assim, alegações conclusivas. É necessário alegar factos que permitam estabelecer um nexo de causalidade ou de causa-efeito entre a execução do acto e o invocado prejuízo, ficando cometido ao tribunal o juízo de prognose acerca dos danos prováveis”.2
Também entende a jurisprudência da RAEM que o requisito do prejuízo de difícil reparação exigido pela lei terá que ser valorado caso a caso, consoante as circunstâncias de facto invocadas pelo requerente, citando-se, a título exemplificativo, o Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo nº 328/2010/A, em que diz: “Quanto ao requisito positivo, tem vindo a constituir jurisprudência constante, o facto de, no incidente de suspensão de eficácia do acto administrativo, incumbir ao requerente o ónus de alegar factos concretos susceptíveis de formarem a convicção de que a execução do acto causará provavelmente prejuízo de difícil reparação, insistindo permanentemente tal jurisprudência no ónus de concretização dos prejuízos tidos como prováveis, insistindo-se também que tais prejuízos deverão ser consequência adequada, directa e imediata da execução do acto”.
No presente caso, alega o requerente que explora desde 1980 (primeiramente pelo seu pai) uma sucata de veículos automóveis no terreno cuja desocupação é agora ordenada pela entidade requerida, e caso venha a ser executado o acto, uma vez que não consegue encontrar local para colocar os objectos demolidos e os automóveis, obriga o requerente a vender ou abandonar os ditos objectos e veículos.
Refere ainda que, em consequência, isso pode conduzir à cessação da sua actividade e à perda de clientela, pelo que, na sua perspectiva, a execução do acto vai-lhe causar graves prejuízos económicos de difícil reparação.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos verificado não estar o tal requisito positivo.
Em nossa opinião, embora seja verdade que é difícil encontrar na RAEM espaço amplo e desimpedido para colocar os objectos e automóveis pertencentes ao requerente, mas tal circunstância não significa que a execução do acto vai-lhe causar necessariamente prejuízos irreparáveis, por entender que, acompanhando a douta opinião do Digno Magistrado do Ministério Público, não haverá obstáculo para se proceder ao ressarcimento dos danos causados ao requerente, caso esta venha obter provimento ao recurso, na medida em que os eventuais prejuízos decorrentes da execução do acto são sempre quantificáveis.
Enquanto a alegada cessação da actividade supostamente levada a cabo no terreno e a consequente perda de clientela, entendemos que o requerente não logrou alegar, muito menos demonstrar, factos concretos que permitam chegar à conclusão de que irá sofrer prejuízos irreparáveis decorrentes da execução do acto.
Em nossa opinião, entendemos que, não obstante ser difícil, mas não é de todo impossível, para o requerente encontrar na RAEM espaço amplo e desimpedido para colocar os seus objectos e automóveis encontrados no terreno.
Ainda que não seja possível encontrar local apropriado para continuar a sua actividade, o requerente terá que alegar em que termos a tal cessação da actividade possa afectar a sua clientela, se bem que a “suspensão” ou “cessação temporária” da sua actividade não conduz necessariamente à perda irreversível de clientela, pelo que na falta de demonstração, em termos concretos, dessa alegada perda de clientela, não podemos dizer que a execução do acto vai-lhe causar prejuízos de difícil reparação.
Por outro lado, também não logrou o requerente expor a situação económica e financeira da sua empresa, além do mais não se vislumbra ter sido apresentada declaração de rendimentos junto de autoridades fiscais no tocante à exploração da sua actividade no terreno, pelo que, ainda que se verifique a alegada perda de clientela, o que não se concede, também não sabemos se essa situação poderá acarretar algum prejuízo significativo ao requerente, se porventura os seus negócios nunca foram rentáveis.
Tudo isto para apontar que não basta ao requerente uma alegação genérica e conjectural da perda de clientela como sendo consequência necessária decorrente da execução do acto, pelo que, a nosso ver, preenchido não está o requisito previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do CPAC.
*
Por último, no que respeita ao requisito da inexistência de grave lesão de interesse público na não execução do acto (alínea b) do nº 1 do artigo 121º do CPAC), trata-se de um requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público nele envolvido. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.3
Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público, por isso só pode ser deferida a suspensão de eficácia do acto se não se verificar lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto.
Refere o Acórdão deste TSI, no Processo 84/2014/A, que “a expressão «grave lesão do interesse público» constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”.
No vertente caso, é de verificar que os veículos automóveis existentes no terreno encontram-se empilhados uns em cima de outros, e se está atento ao que se passa nos últimos anos, é fácil concluir que a tal situação se torna cada vez mais grave e evidente, tendo os veículos ultrapassado o nível do muro que separa o terreno da via pública, o que nos leva a crer que a segurança de pessoas e bens tanto dos transeuntes como dos condutores não estará salvaguardada, havendo, por isso, necessidade de a Administração intervir para evitar qualquer tipo de tragédia.
Face ao relatado, cremos que a não execução do acto praticado por Sua Excelência o Chefe do Executivo pode vir a causar grave perigo à segurança dos residentes, razão pela qual entendemos verificado não estar o tal requisito negativo.
Nesta conformidade, por não se ter logrado a alegação nem a prova da irreparabilidade ou de difícil reparação dos prejuízos decorrentes da execução do acto, nem do requisito negativo relativo à inexistência de grave lesão de interesse público na não execução do acto, outra solução não resta senão indeferir o pedido de suspensão de eficácia do despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 8.10.2015.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto formulado pelo requerente A.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 15 de Dezembro de 2015
Tong Hio Fong (relator vencedor)
Lai Kin Hong
José Cândido de Pinho (vencido, conforme voto em anexo)

Fui presente
Mai Man Ieng













Proc. nº 968/2015/A
Voto de Vencido
1 – Não nos parece que a suspensão cause grave lesão ao interesse público! Concordamos que este seja um terreno precioso, dada a carência sobejamente conhecida na RAEM a este respeito. Trata-se, sem dúvida de um solo valioso, não só em termos de pelo preço de mercado, mas muito especialmente pela enorme valia que pode representar para múltiplas funções que podem ser-lhe destinadas (edificação residencial, construção de edifícios públicos, espaço verde, etc., etc.). Sem dúvida, portanto, que a função social deste terreno é preciosa e notória.
Contudo, isso não significa que a procedência do pedido lese o interesse público de forma grave.
Realmente, neste momento a manutenção ali da “sucata” não torna mais séria e grave a situação do que aquela que ali vem sendo desenvolvida há cerca de 35 anos. Pelo menos, não se vê em que medida esteja neste momento a ocorrer ali algum problema novo, que seja real e mais danoso do que o tem sido ao longo de todos esses anos. Isto, até mesmo sem se poder ter por ignorado que uma sucata, como vulgarmente se diz, quando cumpre as regras ambientais, é até uma actividade funcionalmente adequada à salvaguarda e prevenção do ambiente e da ecologia, através da eliminação dos perigos que podem decorrer do abandono dos veículos nas vias públicas e das escorrências para estas e para o leito do rio e para o subsolo dos fluidos, por vezes tóxicos, que de uma carcaça automóvel em decomposição lenta se vão libertando.
Portanto, não vemos, com o devido respeito por posição contrária, que grave prejuízo ao interesse público possa advir da procedência da providência, cuja eficácia temporal não durará mais do que o tempo (mais curto do que longo, espera-se) de um recurso contencioso devidamente transitado.
E se alguns veículos se encontram empilhados, estão-no agora, como sempre aconteceu e se viu (é facto notório). Logo, não se crê que seja maior o perigo no presente do que o fora no passado. Se por um lado não há prova desse instável e perigoso equilíbrio de alguns veículos empilhados, é preciso que se diga que essa situação se verifica no interior das instalações.
Por outro lado, estamos até convictos de que a arrumação será feita com todo o cuidado, pois é do próprio interesse do sucateiro ver-se livre de incómodos, aborrecimentos e indemnizações decorrentes de eventual lesão nalguma pessoa que ali passe perto em consequência da queda (mesmo que pouco provável) de algum deles do interior das instalações para a via pública.
E a preocupação de eventual incêndio (conjectural, remoto, no campo do possível, pouco do provável), também não é maior agora do que o foi no passado, a ponto de não poder esperar mais uns meses a resolução definitiva do caso.
*
2 – Também cremos, por outro lado, que a não suspensão pode causar prejuízos de difícil reparação ao requerente.
Compreendemos, por isso, que ao requerente seja difícil encontra algum outro terreno que, pelas suas dimensões, sirva os seus intentos, podendo até mesmo não vir a encontrá-lo, o que poderá conduzir à cessação definitiva da actividade (é o que uma prognose sustentada na realidade de Macau nos permite conjecturar). É preciso atentar que este não é um negócio qualquer, que possa desenvolver-se no interior de um edifício comercial ou num piso superior de um prédio de natureza industrial: a natureza do negócio e os objectos com que lida obriga a um espaço amplo, desimpedido e, geralmente, ao ar livre.
Além disso, e como tem sido frequente na doutrina e jurisprudência, o encerramento ou paralisação de negócio é aceite como factor causal de prejuízos de difícil reparação, tendo em conta a perda de clientes (que escolhem outro prestador do serviço, outro comerciante, outro empresário do ramo, etc.). A perda de clientela não é apenas um dano na tesouraria, na facturação e na contabilidade do negócio; é muitas vezes uma perda do valor do próprio negócio e no chamado “aviamento” do estabelecimento. É que, frequentemente, os clientes quando partem, já não regressam; orientam o seu interesse para outro estabelecimento do ramo, a cujo dono frequentemente se começam a afeiçoar. Isto é inquantificável economicamente! (Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, pág. 523; Santos Botelho, Contencioso Administrativo, 4ª ed., pág. 588; J. Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo, 1ª ed., pág. 295. Na jurisprudência local, v.g., Ac. TUI, de 14/05/2010, Proc. nº 15/2010; na jurisprudência comparada, Ac. do STA, de 31/07/1996, Proc. nº 040772; 20/06/1996, Proc. nº 040455).
Aliás, mesmo quando os danos possam ser quantificáveis com uma cessação de actividade, isso por si só não elimina a possibilidade de se estar perante uma situação de intolerabilidade e irreversibilidade, capaz de preencher o requisito normativo (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 3ª ed., pág.176).
Pensamos, pois, que este caso é bem paradigmático, não só pela actividade em si mesma, pelas exigências de local onde pode ser desenvolvida, como ainda à enorme carência de espaços disponíveis aptos a desenvolver o negócio noutro local.
A paralisação imediata da actividade é, em nossa opinião, causa de prejuízo de difícil reparação para o requerente.
*
3 - E sendo assim, em nossa opinião, estariam reunidos os requisitos necessários ao deferimento da pretensão, uma vez que em relação ao da alínea c), do nº2, do art. 120º não existe controvérsia.
*
TSI, 15 de Dezembro de 2015

___________________________
José Cândido de Pinho

1 Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, pág 155
2 José Cândido de Pinho, Manual de Formaçao de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2ª edição, pág 310
3 Obra citada, pág 315
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




Suspensão de Eficácia nº 968/2015/A Página 41