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Processo n.º 771/2015
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 21/Janeiro/2016


ASSUNTOS:
- Registo de contrato-promessa anterior à lei n.º 7/2013

SUMÁRIO :
    Não é registável o contrato-promessa ao abrigo do qual se prometeu comprar uma dada fracção de prédio habitacional, se esse contrato foi celebrado antes da Lei n.º 7/2013 e o contrato celebrado não revestiu as exigências reclamadas por aquela lei, em particular, se não houve reconhecimento presencial das assinaturas.

O Relator,

João Gil de Oliveira







Processo n.º 771/2015
(Recurso Civil)
Data : 21/Janeiro/2016

Recorrentes : - A
- B

Recorrida : - Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A.


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO

1. A e B, mais bem identificados nos autos, vêm recorrer da sentença que julgou procedente o pedido de rectificação judicial formulado pela Autora, a Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A., também ela mais bem identificada nos autos, declarando a nulidade do registo provisório por natureza a que se refere a inscrição n.º ..., lavrado a favor dos ora Recorrentes, relativo à promessa de transmissão da fracção autónoma "E16" do 16.° andar do prédio sito em Macau, na..., descrito sob o n.º ..., a fls. … do Livro …, determinando, em consequência, o respectivo cancelamento.
Para tanto, alegam em síntese conclusiva:
    
    1. Nos presentes autos discute-se se um contrato-promessa de alienação de uma fracção de um edifício em construção celebrado antes da entrada em vigor da Lei n.º 7/2013, cuja assinatura dos outorgantes não esteja reconhecida presencialmente, é registável ao abrigo do novo regime;
    2. Considerou o Tribunal recorrido que não e, por isso, declarou a nulidade do registo provisório por natureza de aquisição do mesmo, com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado em face do disposto no artigo 41.° do CRP, determinando, em consequência, o respectivo cancelamento;
    3. Em resumo, o Tribunal a quo entende que o legislador, ao dispor no n.º 1 do artigo 26.° da Lei n.º 7/2013 que se mantêm válidos os negócios jurídicos do pretérito ali mencionados (promessa de transmissão ou oneração sobre parte do edifício em construção), quis apenas significar que os mesmos não deixam de ser válidos em face do novo regime, e não que todos eles, designadamente os que não foram objecto de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, por serem válidos, são agora registáveis; (cfr. fls. 169 e 169v dos autos n.º CV3-14-0048-CRJ).
    4. Não oferece dúvidas que, nos termos do n.º 3 do artigo 41.° do CRP, o reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes nos contratos-promessa de alienação ou de oneração era condição necessária para o registo provisório de aquisição ou de hipoteca;
    5. Porém, a entrada em vigor da Lei n.º 7/2013, subtraiu do âmbito de aplicação do artigo 41.° do CRP as promessas de transmissão e de oneração de edifícios em construção (cfr. artigos 2.° e 3.°, n.º 1, da Lei n.º 7/2013);
    6. Do âmbito de aplicação do novo diploma ficam excluídas as promessas de transmissão e de oneração celebradas antes da sua entrada em vigor, sem prejuízo do disposto no seu artigo 26.° (cfr. artigo 3.°, n.º 2, alínea 1));
    7. O artigo 26.° é uma norma transitória, de natureza excepcional, que visa ressalvar a validade das promessas de transmissão e de oneração anteriores à entrada em vigor do novo regime, ainda que estas não preencham os requisitos da nova lei;
    8. Da leitura do artigo 26.° não se pode concluir, como o faz o Tribunal a quo, que as promessas de transmissão e de oneração do pretérito que não obedecem ao critério do reconhecimento presencial estão excluídas da registabilidade;
    9. A dúvida consiste em saber se a referência à validade prevista no n.º 1 do artigo 26.° da Lei n.º 7/2013 é suficiente para que os negócios jurídicos do pretérito sejam registáveis;
    10. Para esclarecer a dúvida é fundamental tomar em consideração a finalidade do novo regime: racionalização do funcionamento do mercado, reforço da transparência das transacções e garantia dos legítimos direitos e interesses das partes nas transacções (cfr. artigo 1.º da lei n.° 7/2013);
    11. Para o efeito, a Lei n. ° 7/2013 estabeleceu um conjunto de mecanismos, tais como a autorização prévia de venda, forma dos contratos, cláusulas imperativas, confirmação por advogado, reconhecimento notarial e o registo dos negócios jurídicos (cfr. artigos 4.° a 10.°);
    12. Na versão primitiva da proposta de lei consagrava-se a exigência do registo obrigatório, contrariando deste modo o regime regra do registo facultativo, procurando-se com a medida assegurar a publicidade e a transparência das transacções das fracções autónomas em construção, no sentido de tomar pública a sua situação jurídica, colmatando as lacunas das "vendas repetidas da mesma moradia", a fim de garantir a segurança na transmissão de imóveis (cfr. Parecer da Assembleia Legislativa sobre a proposta de lei, pág. 8, a fls. 86v. dos autos);
    13. O legislador deixou cair a exigência do registo obrigatório, determinando, contudo, que o pedido de registo dos negócios jurídicos relativos a edifícios em construção deve ser efectuado no prazo de 30 dias a contar do reconhecimento notarial referido no artigo 6.°, sob pena de após este prazo o registo estar sujeito ao pagamento do triplo dos emolumentos, sendo a inscrição provisória por natureza (cfr. artigo 10.°, n.º 2 e 3);
    14. Ao fixar o prazo de 30 dias, sob pena do pagamento do triplo dos emolumentos, o legislador pretendeu claramente acolher à protecção registal todos os negócios jurídicos válidos;
    15. E no mesmo sentido vai o disposto no n.º 1 do artigo 9.° da Lei n.º 7/2013, nos termos do qual o pedido de reconhecimento notarial carece da apresentação da respectiva certidão do registo predial, determinando a alínea 1) do n.° 2 do mesmo preceito que o notário deve recusar o reconhecimento notarial quando exista registo provisório de aquisição a favor de pessoa diversa do promitente-vendedor, cedente da posição contratual ou promitente-onerante;
    16. E nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 26.°, com excepção da autorização prévia, confirmação por advogado e elementos necessários do contrato, a cessão da posição contratual ou promessa de oneração celebradas na vigência do novo regime mas relativas a contratos-promessa do pretérito estão sujeitas às disposições da Lei n.º 7/2013, estando por isso também sujeitas ao reconhecimento notarial previsto no n.º 3 do artigo 6.°, sob pena de nulidade por força do n.º 4 do mesmo preceito;
    17. Em face do disposto nos artigos 9.°, n.º 1 e 2, alínea 1), e 26.°, n.º 6, a ser procedente a intenção da Recorrida, sufragada pelo Tribunal a quo, a negação do registo do contrato-promessa dos autos implicaria necessariamente a impossibilidade da cessão da posição contratual ou da promessa de oneração posteriores;
    18. Não foi essa a intenção do legislador, sob pena de a esmagadora maioria dos contratos do pretérito não serem passíveis de ser objecto de contratos de cessão contratual ou de promessas de oneração, ficando sem efeito útil o disposto nos n.º 1 e 6 do artigo 26.°, contribuindo assim para uma situação de óbvia insegurança e incerteza jurídicas, em contradição com os objectivos de regularização do funcionamento do mercado imobiliário, o reforço da transparência das suas transacções e a garantia dos legítimos direitos e interesses dos contraentes traçados pelo legislador;
    19. A necessidade do registo do contrato-promessa para efeitos de cedência da posição contratual ou sua oneração não só decorre da lei, como também transparece nos trabalhos preparatórios que a antecederam, em especial na nota justificativa (cfr. pág. 5, a fls. 84 dos autos) e no parecer da Assembleia Legislativa (cfr. págs. 128 e 129, a fls. 146v. e 147 dos autos);
    20. Acresce que o teor do artigo 26.° vai no sentido de promover o registo dos negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção celebrados antes da entrada em vigor da nova lei, não havendo qualquer distinção entre os negócios com a assinatura dos outorgantes reconhecida presencialmente e aqueles cujas assinaturas o não estão;
    21. Ao estabelecer um regime excepcional no artigo 26.°, o legislador pretendeu estabelecer uma regra excepcional: que todos os contratos-promessa de transmissão e oneração sobre edifícios em construção ou as suas fracções autónomas sejam acolhidas à protecção registal;
    22. E é porque se trata de uma situação de excepção que o registo em causa é feito a título provisório por natureza, valendo aqui exactamente as mesmas razões invocadas pela Prof.ª MÓNICA JARDIM, in "Efeitos Substantivos do Registo Predial - Terceiros para efeitos do Registo Predial";
    23. Se não fosse para abranger todos os contratos do pretérito, não faria sentido este regime excepcional, uma vez que o artigo 3.°, n.º 2, alínea l), já dizia que não se aplica aos negócios jurídicos celebrados antes da entrada em vigor da nova lei;
    24. A ser assim, muito poucos negócios estariam aptos para efeitos de registo, uma vez que a prática corrente no período anterior à entrada em vigor da nova lei era, como é público e notório, a celebração dos contratos-promessa por escrito particular, sendo, quanto muito, testemunhado por advogado e nada mais;
    25. Nos termos do n.º 1 do artigo 369.° do Código Civil, "se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras";
    26. A exigência do n.° 3 do artigo 41.° do CRP deriva da necessidade de se ter por verdadeira a assinatura das partes no contrato-promessa de alienação ou de oneração para efeitos de registo;
    27. É a própria Recorrida quem, nos artigos 3.° e 4.° da petição inicial, vem confessar que, efectivamente, celebrou o contrato-promessa e que aí apôs a sua assinatura;
    28. Perante o teor meramente probatório do disposto no n.º 3 do artigo 41.°, e face ao disposto no n.º 2 do artigo 357.° do Código Civil, a confissão judicial da Recorrida é suficiente para suprir a falta de reconhecimento presencial, tudo se passando como se a assinatura da promitente-vendedora tivesse sido ratificada ou realizada perante o funcionário da conservatória como se de um registo provisório de aquisição de um direito, antes de titulado o negócio, feito com base em declaração do proprietário, se tratasse;
    29. Não permitir o registo no caso sub judice seria ignorar a intencionalidade do legislador que, num período de grande actividade especulativa, pretendeu regularizar o funcionamento do mercado imobiliário, reforçar a transparência das suas transacções e garantir os legítimos direitos e interesses dos contratantes;
    30. Uma decisão como a que ora se recorre pode, inadvertidamente, premiar e legitimar a actuação de quem participa no tráfico jurídico de forma fraudulenta, não cumprindo pontualmente os contratos, frustrando assim a confiança depositada pela parte honesta, que se comporta de acordo com as regras da boa fé.
    Termos em que deve o presente recurso ser declarado procedente, por provado, e em consequência ser a sentença ora recorrida revogada e substituída por outra que declare a validade do registo provisório de aquisição lavrado a favor do ora Recorrente sob a inscrição n.º ..., relativo à promessa de transmissão da fracção autónoma "E16" do 16.º andar do prédio sito em Macau, na …, s/n, descrito sob o n.º ..., a fls. … do Livro …, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

2. A A., Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A. ora recorrida, contra-alegou, concluindo:
     A. Os Recorrentes, além de suscitar questão nova, acusando indirectamente a Recorrida de desonestidade por, precisamente ter admitido que o contrato foi assinado pelas partes, não oferecem todos os factos relevantes para apreciação da mesma, induzindo assim o douto Tribunal ad quem em erro sobre a intenção da Recorrida e sobre a validade do contrato dos autos;
    B. Defendem os Recorrentes que a Recorrida supriu automaticamente a falta do reconhecimento notarial das assinaturas apostas no contrato, considerando, no fundo, que o registo só pode ser cancelado se inexistir declaração do promitente-vendedor e proprietário inscrito a confirmar a promessa de transmissão, trazendo ao processo, uma questão alheia à causa de pedir e pedido da Recorrida, que se limitou a arguir a nulidade do registo com base na falta de um requisito legal e em consequência pediu o seu cancelamento;
    C. Pelo que o Tribunal a quo não conheceu dos factos que para a questão da validade material substancial do contrato in casu relevavam porque estes não lhe foram, nem tinham que ser oferecidos, pois não se pediu ao douto Tribunal a quo que se pronunciasse sobre a validade do contrato, porquanto a Recorrida se limitou-se a pedir, tanto e só, que fosse cancelado um registo nulo com base na insuficiência do título que lhe serviu de base;
    D. Porém, os Recorrentes quiseram vislumbrar no pedido da Recorrida o que o legislador de 2013 visou penalizar e impedir, trazendo ao recurso questão nova que não é de conhecimento oficioso do Tribunal ad quem;
    E. Pelo contrário, tal alegação não tem cabimento no processo especial dos autos e não teria independentemente de ser nova em sede de recurso ou de oposição, pela razão simples de que nada releva para a causa de pedir ou do pedido da presente acção;
    F. Neste processo especial, não se discute a validade do contrato, nem tem de se discutir, cabendo apenas ao requerente ou autor alegar os factos constitutivos do direito que invoca, nos termos do n.º 1 do artigo 335.º do CC;
    G. Num processo especial de rectificação de registo, como o previsto nos artigos 121.º e seguintes do CRP, o requerente apenas tem de alegar, sob pena de ineptidão ou improcedência do pedido, factos que demonstrem a insuficiência do título que serviu de base ao registo que pretende ver rectificado ou cancelado;
    H. Ora, o contrato celebrado deve produzir os efeitos que, à altura da sua celebração, ambas as partes quiseram que produzisse. Nem mais, nem menos. E nenhuma delas quis, então, levá-lo a registo, nem sujeitá-lo a eficácia real;
    
    I. Ao ter confirmado na petição inicial que celebrou a promessa, em 2011, a Recorrida não dispensou, nem quis dispensar, o reconhecimento notarial das assinaturas, não ratificou, não supriu, a deficiência que esteve na base do registo indevidamente lavrado.
    J. Não se encontrando na lei nova a norma que dispensa, para fins de registo, o reconhecimento notarial das assinaturas, relativamente aos contratos de pretérito, o registo impugnado é nulo por ter sido indevidamente lavrado com base em título insuficiente para prova legal do facto registado e deve ser cancelado, como foi pelo Tribunal a quo, nos termos do disposto nos artigos 17.°, alínea b) e 117.° do CRP;
    K. A Lei n.º 7/2013, ao abrigo da qual foi feito o registo em questão nos autos, não contém norma que determine que o contrato-promessa, celebrado antes da respectiva entrada em vigor, sem reconhecimento notarial das assinaturas dos outorgantes, possa servir de base ao registo provisório de aquisição, sendo inaplicável ao caso em apreço;
    L. Os Recorrentes não souberam interpretar correctamente a lei, ficcionando a manutenção de uma validade que inexistia, pois o legislador não disse em parte alguma que os contratos anteriormente celebrados que não eram bons para registo se transformavam agora em bons para registo, mesmo sem o reconhecimento notarial das assinaturas;
    M. A Recorrente viola, pois, a presunção legal de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;
    N. Resulta claro da letra do n.º 3 do artigo 8.° do CC e do teor da própria sentença recorrida, que ao falar no n.º 1 do artigo 26.º da Lei n.º 7/2013 de validade contratual e não em suficiência de título para servir de base ao registo, o legislador não o fez por não saber exprimir o seu pensamento, mas porque o soube fazer em termos adequados;
    O. O legislador não confundiu, nem quis confundir, validade com registabilidade, pois quando no artigo 26.° disse que os contratos de pretérito se mantinham válidos, não quis dizer que estes passavam a ser bons para registo, nos termos do artigo 10.° da referida Lei n.º 7/2013;
    P. O legislador afirmou expressamente no n.º 1 artigo 3.° da Lei n.º 7/2013 que a mesma não se aplica aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor e não dispensou de reconhecimento notarial aqueles que nos termos do seu artigo 26.° viessem a ser inscritos no registo predial;
    Q. A interpretação dos Recorrentes afasta os elementos literal, sistemático, histórico e teleológico da Lei n.º 7/2013, por não atender, em particular, ao teor da alínea 1) do n.º 2 do artigo 3.° e retirando do n.º 1 do artigo 26.° da Lei n.º 7/2013 o que nele não se diz, nem se quis dizer;
    R. Não se pode considerar a intervenção do notário substantivamente irrelevante, admitindo o registo da transferência do direito com base na mera declaração de que este foi celebrado, in casu, em 2011, dois anos antes de ter sido apresentado a registo, a 21 de Junho de 2013;
    S. Com a sua interpretação, os Recorrentes entendem dispensável o arquivamento exigido pelo n.º 3 do artigo 9,° da nova lei, a que está obrigado o notário depois de efectuado o reconhecimento notarial e até impedir a emissão das respectivas certidões nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 6.° e do n.º 1 do artigo 171.° do Código do Notariado;
    T. A interpretação da Recorrente não atende ao enquadramento da nova lei, e não leva "sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico" como manda o n.º 1 do artigo 8.° do CC, nem tão-pouco do sistema registral;
    U. Tal desaplicação arreda os princípios basilares e orientadores do direito registral, em sede de registo predial, desde logo, (i) o princípio da tipicidade (ii) o princípio da legalidade, (iii) o princípio do trato sucessivo, (iv) o princípio da eficácia declarativa, (v) o princípio da instância e o (vi) da fé pública registral ou presunção de verdade e exactidão, e, ainda, o princípio da segurança e certeza jurídicas;
    V. É o princípio da segurança jurídica que, nos termos do artigo 1.º do CRP, constitui os alicerces do direito registral, estipulando que o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, que garante a eficácia dos actos e contratos celebrados sobre os imóveis, com base em duas vertentes fundamentais: que o registo é oponível a terceiros e que constitui presunção de que o direito pertence ao titular inscrito nos termos em que nele se encontra definido, conforme dispõem, respectivamente, o artigo 5.° e o artigo 7.° do CRP;
    W. Ao declarar o cancelamento do registo indevidamente lavrado, o douto Tribunal a quo, mandou eliminar uma situação que viola as regras definidas pela lei e confere fé pública a um acto que não preenche todos os requisitos legais para a ter repondo o respeito pelo princípio da legalidade, plasmado no artigo 59.° do CRP, também chamado de qualificação, em que assenta a própria credibilidade do sistema do registo predial e estruturante do direito registral de Macau;
    X. O princípio do trato sucessivo em que se baseia a aquisição tabular e a fé pública do registo sai protegido com a decisão recorrida;
    Y. Os resultados legais e práticos da decisão recorrida vêm, por isso, retirar da cadeia do trato sucessivo do registo da fracção uma peça que, tanto por razões formais como materiais, deveria inexistir: um registo nulo e indevidamente lavrado;
    Z. À data da celebração do contrato, nenhuma das partes pretendia atribuir-lhe eficácia real, sujeitá-lo a um registo que nada tem de provisório e que, mais até do que o tornar oponível a terceiros, quase o investe de um efeito atributivo, para além dos efeitos ad probationem do registo;
    AA. Isto é, os Recorrentes não adquiriram nenhum direito real através do contrato-promessa, o seu titular era e continua a ser a Recorrida;
    BB. Os Recorrentes viram na entrada em vigor da novel lei uma oportunidade para tentar proteger com o registo aquilo que sabia ser frágil do ponto de vista material;
    CC. Por conseguinte, ainda que, ao tempo da celebração do contrato, fosse admissível o seu registo, o que não se concede, nenhuma das partes contratantes poderia prever que o seu registo provisório produzisse, sem mais, tais efeitos;
    DD. Pois deste novo regime resulta não só um registo provisório que se renova automaticamente como a oponibilidade a terceiros nos termos gerais, entendida como eficácia real;
    EE. As partes não convencionaram nem quiseram convencionar a atribuição de tais efeitos;
    FF. Nos termos do artigo 34.º do CRP, salvo nos casos especialmente previstos na lei, o registo não pode ser efectuado oficiosamente mas apenas a requerimento dos interessados, sobre quem recai o ónus de carrear para o processo os elementos necessários para a decisão do conservador;
    GG. O processo não foi instruído com documento que atestasse a vontade das partes de registar o contrato-promessa, como exigido antes da Lei n.º 7/2013, nem com documento que cumprisse os requisitos que esta impõe;
    HH. Ao declarar a nulidade do registo, o douto Tribunal a quo, determinou que se retirasse do sistema registral uma presunção que nela não devia existir.
    Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao presente recurso, e, consequentemente, ser mantida a douta sentença recorrida, com as consequências legais, assim, mais uma vez, fazendo, Vossas Excelências, o que é de inteira
    JUSTIÇA!
3. Foram colhidos os vistos legais
    
    II - FACTOS

Vêm provados os seguintes factos:

1. Em 21 de Junho de 2013, os interessados A e B requereram o registo provisório da fracção autónoma denominada “E16” do 16.º andar do prédio sito em Macau, na ..., s/n, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., a fls. … do Livro …, com o título constitutivo da propriedade horizontal provisoriamente inscrito sob o n.º ….
2. O prédio supra identificado encontra-se construído em terreno concedido por arrendamento, pelo prazo de 25 anos, contados a partir de 30 de Julho de 1991.
3. O aludido pedido de registo foi instruído com base no contrato de promessa de compra e venda da fracção autónoma “E16”, celebrado em 19 de Abril de 2011, por documento particular, entre o representante da requerente Sociedade de Investimento Imobiliário C, S.A. (promitente-vendedora) e os interessados A e B (promitentes-compradores), e, ainda, juntou-se o respectivo guia de pagamento do imposto de selo (cfr. fls. 40 a 44 dos autos).
4. No contrato de promessa de compra e venda supra mencionado, as assinaturas do representante da requerente e dos interessados não foram reconhecidas notarialmente.
5. O registo sob inscrição n.º ... foi lavrado a favor dos interessados, sendo registo provisório por natureza (cfr. 38 dos autos).
6. Através da apresentação do requerimento de registo sob o n.º …, de XX de XX de 2014, o referido registo provisório da constituição da propriedade horizontal foi convertido em definitivo (cfr. fls. 34 a 36 dos autos).
7. Em 23 de Julho de 2014, a requerente pediu, junto da Conservatória do Registo Predial, a rectificação do aludido registo de aquisição, com fundamento na nulidade do registo, solicitando, ainda, o averbamento de pendência da rectificação ao registo sob inscrição n.º ....
8. Por ofício emitido pela Conservatória do Registo Predial n.º 106/CRP/2014, de 11 de Agosto de 2014, a requerente foi notificada de que o Conservador do Registo Predial Substituto indeferiu o seu requerimento de rectificação (cfr. fls. 20 a 22 dos autos).
    
    III - FUNDAMENTOS

1. A questão que se coloca no presente recurso prende-se, no essencial, em saber se um contrato-promessa, celebrado ao abrigo da legislação pré-vigente, sem que as assinaturas estejam reconhecidas presencialmente, faltando-lhe um requisito que a lei nova reputa de formalidade essencial para efeitos de registo, é passível de ser registado ao abrigo da Lei n.º 7/2013.
Trata-se de questão que tem sido abordada já por diversas vezes nesta instância em diversos casos da mesma natureza e em que as questões colocadas se reconduzem à dos presentes autos. Por isso, vamos seguir o que já ali escrevemos, nomeadamente no Ac. deste tribunal, de 10/9/2015, Proc. n.º 498/2015.

2. A solução equacionada em 1. supra foi dada já no Proc. nº 266/2015, deste TSI, em 16 de Julho de 2015 e por aderirmos totalmente às razões e fundamentação aí desenvolvidas, somos a transcrevê-la, com a devida vénia, na parte pertinente, devendo ser lida, mutatis mutandis, à luz da factualidade que se mostra pertinente nos presentes autos: [Tratava-se aí, tal como neste processo, de um caso em que foi proferida sentença que julgou procedente o pedido e, em consequência, daterminou o cancelamento do registo de aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento, incluindo a propriedade de construção da fracção identificada a favor do requerido, tal como nessa acção fora peticionado pela A., a mesma sociedade, também ela aqui A. e ora recorida]:
“(…)
3 – Apreciando
3.1 - Discute-se, então, no presente recurso se a Lei supra citada permitiria ou não o registo provisório a que se refere a inscrição nº … lavrado a favor do requerido, ora recorrente.
Vejamos o que dizem as disposições legais.
É efectivamente nulo, segundo o art. 17º, nº1, al. b), do CRP, o registo que “tiver sido lavrado com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado”.
Esta questão da prova assume particular importância, na medida em que “Só podem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem” (art. 37º, nº1, do CRP).
Ou seja, o que está em causa é um título “suficientemente” comprovativo do facto registando.
Claro está que a declaração negocial é importante, pois é nela que se descobre a densificação do acto jurídico e, portanto, do direito em apreço, mas as assinaturas mostram-se, neste plano do registo, elementos ainda mais reveladores da intenção subjacente, sendo como que o garante de uma paz para o comércio jurídico.
É nessa senda que se alcança o disposto no art. 41º do CRP, ao prescrever a necessidade de reconhecimento presencial das assinaturas dos declarantes/outorgantes. Atente-se no seu conteúdo:
«1. O registo provisório de aquisição de um direito ou de constituição de hipoteca voluntária, antes de titulado o negócio, é feito com base em declaração do proprietário ou titular do direito.
2. A assinatura do declarante deve ser reconhecida presencialmente, salvo se for feita perante o funcionário da conservatória.
3. O registo provisório de aquisição ou de hipoteca pode também ser feito com base em contrato-promessa de alienação ou de oneração, com reconhecimento presencial da assinatura dos outorgantes».
Ora, estamos seguros que as assinaturas apostas neste contrato-promessa não foram objecto de reconhecimento presencial. Parece ser, por isso, firme que à sombra do CRP estar-se-ia perante um título insuficiente, que não permitiria o registo provisório.
Todavia, o registo foi feito sob a expressa e declarada égide da Lei nº 7/2013!
Poderia sê-lo?
*
3.2 – A lei nº 7/2013, de 27/05 veio regular os negócios jurídicos que tenham por objecto a promessa de transmissão de edifícios em construção, bem como a sua promessa de oneração. E introduziu parâmetros e critérios mais apertados, tendo em vista, precisamente, a regularização do funcionamento do mercado imobiliário, o reforço da transparência das suas transacções e a garantia dos legítimos direitos e interesses dos contratantes (cfr. art. 1º).
De acordo com este diploma, os negócios jurídicos de promessa de transmissão e oneração de edifícios em construção obedecem a determinadas regras:
     a) Sob pena de nulidade, só podem realizar-se após autorização prévia da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, adiante designada por DSSOPT (art. 4º);
     b) Os contratos de promessa são titulados por documento particular com as assinaturas reconhecidas notarialmente (art. 6º, nºs 2 e 3; 9º);
     c) Os contratos devem conter determinados elementos, sob pena de anulabilidade (art. 7º, nº1);
     d) O conteúdo do contrato deve estar em conformidade com o disposto na lei, o que deve ser declarado por advogado (art. 8º)
É claro que esta lei não se aplica aos negócios jurídicos celebrados antes da sua entrada em vigor (art. 3º, nº2, al. 1)). No entanto, excepcionalmente haverá que ter em conta o disposto no art. 26º (art. 3º, nº2, al. 1), “fine”).
O que contém o art. 26º? A resposta está na sua epígrafe: disposições transitórias.
Vejamos o seu conteúdo integral:
«1. Mantêm-se válidos os negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração sobre parte do edifício em construção celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, devendo, todavia, os negócios jurídicos sobre a parte restante do edifício obedecer ao disposto na presente lei.
2. Caso hajam sido celebrados negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção, antes da entrada em vigor da presente lei, sem que o registo provisório de constituição de propriedade horizontal tivesse sido efectuado, deve o promotor do empreendimento requerer o registo em causa no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da presente lei.
3. Após o decurso do prazo referido no número anterior sem que tivesse sido requerido o registo provisório de constituição de propriedade horizontal, qualquer interessado nos negócios jurídicos de promessa de transmissão ou oneração de edifícios em construção celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, pode requerer o registo em causa, sendo os emolumentos suportados pelo promotor do empreendimento.
4. O promotor do empreendimento goza de redução de 10% dos emolumentos de registo provisório de constituição de propriedade horizontal, desde que, aquando do pedido, nos termos do n.º 2, apresente a pública-forma de todos os negócios jurídicos em que tenha intervindo, e que tenham sido celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, relativos aos contratos-promessa de compra e venda, contratos de cessão da posição contratual e contratos-promessa de oneração.
5. Está isento de emolumentos o registo dos contratos-promessa de compra e venda, contratos de cessão da posição contratual e contratos-promessa de oneração, celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, nas seguintes situações:
1) O promotor do empreendimento requeira o registo nos termos do n.º 4;
2) Caso o registo provisório da constituição de propriedade horizontal de edifício em construção tenha sido efectuado antes da entrada em vigor da presente lei, seja requerido o registo no prazo de 1 ano a contar da data de entrada em vigor da presente lei;
3) Caso o registo provisório da constituição de propriedade horizontal tenha sido requerido nos termos do n.º 2 ou n.º 3, seja requerido o registo no prazo de 1 ano a contar da data de realização do registo provisório.
6. Relativamente aos contratos-promessa de compra e venda celebrados antes da entrada em vigor da presente lei, a cessão da posição contratual ou promessa de oneração supervenientes estão sujeitas às disposições da presente lei, excepto o disposto sobre autorização prévia, confirmação por advogado e elementos necessários do contrato».
Deste artigo, destaquemos duas normas: a do nº1 e a do nº6.
O nº1 preceitua que os contratos celebrados antes da entrada em vigor da lei «sobre parte do edifício em construção» se mantêm válidos. E dele resultam, desde logo, duas ordens de considerações:
Em primeiro lugar, trata-se de uma disposição que só se aplica aos contratos de promessa de partes do edifício, nomeadamente, a fracções de residência ou de aparcamento.
Em segundo lugar, e como é evidente, só se manterão válidos os negócios que eram válidos ao tempo da sua celebração. Quer dizer, esta lei não tem virtudes sanatórias de modo a tornar válidos os negócios que sofriam de algum tipo de invalidade.
O nº6 estipula que, em relação aos contratos de promessa de compra e venda celebrados antes da entrada em vigor da lei, a cessão da posição contratual ou promessa de oneração supervenientes ficam sujeitas às disposições da presente lei, excepto quanto à “autorização prévia”, “confirmação por advogado” e “elementos necessários ao contrato”.
Não nos iludamos quanto ao alcance das palavras deste inciso: as disposições da presente lei só se aplicam à cessão da posição contratual e às promessas de oneração (supervenientes) que venham a ocorrer após os contratos de promessa celebrados antes da entrada em vigor da lei 7/2013.
Isto parece querer dizer que as disposições da lei em causa, “a contrario sensu”, não se aplicam directamente aos contratos de promessa, em si mesmos, celebrados anteriormente.
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3.3 – (Idem)
E assim sendo, se tais contratos eram válidos, assim continuarão a ser, face à nova lei (6º, nº1). Mas, o facto de colherem a sua validade na lei anterior (CRP) não significa que bebam da nova os requisitos da sua registabilidade. Isso não é dito em lado nenhum da lei.
Quer dizer, a conjugação dos nºs 1 e 6 do art. 26º está perfeitamente em consonância com a trajectória do âmbito de aplicação definido no art. 3º, nº2, al. 1).
Ou seja, o novo diploma não se aplica, em princípio (em regra) aos contratos de pretérito, porque assim o estatui imperativamente o art. 3º, nº2, al.1), a não ser nos casos (de excepção) previstos no art. 26º, entre os quais se não prevêem, declarada e expressamente, os contratos de promessa celebrados anteriormente, podendo até dizer-se que, com a literalidade restritiva do nº6, teria querido o legislador intencionalmente afastá-los.
Aliás, se na lei anterior o registo não podia ser feito por falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes, mal se perceberia que, à luz do novo diploma - que sabemos entretecido de malhas mais apertadas para controlo do mercado imobiliário especulativo e reforço da transparência, segurança e certeza jurídicas - ele pudesse ser feito, tendo em conta, inclusive, que o próprio artigo 6º até continua a exigir o reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes!
Repare-se que o nº6 do art. 26º referido, exclui expressamente o disposto na lei sobre “autorização prévia” do art. 4º, sobre “confirmação por advogado” do art. 8º e sobre os “elementos necessários do contrato” do art. 7º, mas não exclui o reconhecimento notarial previsto no art. 6º, nº3. Quer dizer, além de o nº6 do art. 26º apenas ter na sua mira as cessões de posição contratual e as promessas de oneração posteriores aos contratos-promessa de compra e venda, em relação a estes (contratos-promessa) não excluiu a necessidade de reconhecimento notarial.
Por conseguinte, estamos seguros que tanto o CRP, como a lei 7/2013 exigem o reconhecimento das assinaturas dos outorgantes (presencial, além; notarial, aqui) e nenhuma interpretação sensata pode legitimar a ideia de que um negócio validamente celebrado ao tempo do CRP bastará para o registo, se tanto o diploma vigente ao tempo da sua celebração, como o actualmente imperante obrigam ao reconhecimento das assinaturas dos contraentes.
Não faria, aliás, o menor sentido – nem isso tem o menor apoio na lei – dizer que só por ser válido, nada já mais obsta ao registo provisório, até porque são coisas diferentes: uma coisa é a validade do negócio, que tem que ser analisada sob o comando das disposições substantivas do Código Civil – outra é a sua registabilidade, que deve obedecer aos comandos das regras registrais prediais.
Aceitar uma diferente interpretação seria o mesmo que reconhecer um anacronismo. Isto é, seria o mesmo que admitir a aplicação da nova lei, porém expurgada do requisito do reconhecimento notarial que ela impõe aos novos contratos celebrados sob o seu império. Ora, nada disso está no articulado da lei em forma de preceito, nem isso emerge, sequer longinquamente, do espírito normativo.
O lapso do recorrente reside, cremos nós, na circunstância de olhar para a “validade” mantida pelo art. 26º, nº1 da Lei 7/2013, como sendo uma fonte excludente dos requisitos da registabilidade.
Mas, como pode ousar ler no texto dessa lei uma tal permissividade, se todo o diploma vai no sentido contrário?!
Olhar para o nº1 do art. 26º dessa forma equivale a aceitar que o legislador, apesar de obrigar ao reconhecimento notarial das assinaturas dos contratantes, quis dar um “bónus” registral aos contraentes dos negócios celebrados ao tempo do CRP, passando uma esponja sobre a exigência contida no art. 41º, que impunha o reconhecimento presencial.
Assim, é de entender que quanto aos contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da Lei 7/2013, o seguinte:
- Se eles eram válidos, assim continuarão a ser face à nova lei, o que bem demonstra que não houve um propósito de interferir na sua substância e no seu conteúdo;
- As disposições que a nova lei acolhe não se lhes aplicam (art. 3º, nº2, al. 1));
- Aplicam-se as disposições da lei nova apenas no que se refere aos contratos de cessão de posição contratual e promessa de oneração fundados no contrato-promessa (e mesmo assim, com a exclusão alusiva à autorização prévia, confirmação por advogado e quanto aos elementos necessários do contrato (nº6, do art. 26º);
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3.4 – (Continuação)
E não se diga que a interpretação que sufragamos impede a celebração de contratos de cessão da posição contratual ou de promessa de oneração supervenientes, ao contrário do que o afirma o recorrente.
Expliquemo-nos.
Realmente, de acordo com a nova lei, o reconhecimento notarial das assinaturas (art. 6º, nº3) implica um pedido que deve ser acompanhado da respectiva certidão de registo predial (art. 9º, nº1). A tese do recorrente é a de que sem registo prévio, isto é, sem a possibilidade de o promitente comprador efectuar o registo provisório, não há lugar a reconhecimento notarial dos contratos de cessão da posição contratual ou de promessa de oneração supervenientes. E a maioria dos contratos de pretérito celebrados ao abrigo do CRP seriam insusceptíveis de aquisição derivada por uma daquelas vias.
Mas, sobre isso, apenas nos cumpre dizer o seguinte:
Em primeiro lugar, no que se refere aos contratos-promessa em si mesmos, não se lhes aplicando o regime da nova lei, como dissemos, impor-se-á o reconhecimento presencial, nos moldes do CRP já vistos. Uma vez obtido esse reconhecimento, nada imporá o registo provisório e, dessa maneira, os contratos de cessão contratual ou de promessa de oneração supervenientes, celebrados ao abrigo já da nova lei (art. 26º, nº6) já poderão ser celebrados sem dificuldade com observância do reconhecimento notarial a que alude o art. 9º obtido, uma vez que o reconhecimento notarial que se lhes aplique já pode ser acompanhado do respectivo registo predial.
Em segundo lugar, não nos pode torpedear, pela interpretação, aquilo que é estatuição normativa. Realmente, o intérprete não deve ir à procura de uma solução que a lei rejeita. Se o legislador quis que os contratos de cessão contratual e de promessa de oneração subsequentes a um contrato de promessa celebrados ao abrigo da nova lei fiquem sujeitos às disposições desta, escapa ao poder do julgador saber se a solução é a melhor para os interesses das partes. Nesta matéria o que é preciso é ver se há alguma lógica no aperto da malha, se a restrição a este tipo de negócios tem fundamento. E, quanto a esse aspecto, já vimos que o objectivo é, precisamente, controlar a especulação e fomentar a transparência, a certeza e a segurança jurídicas. Ora, o benefício de um tão grande interesse público não se obtém sem algum sacrifício de alguns interesses privados.
De maneira que, respondendo ao recorrente, a lei não impede a formalização de tais contratos de cessão de posição contratual ou de promessa de oneração. Simplesmente, obriga as partes a um registo, a partir do qual se obterá a respectiva certidão e o consequente reconhecimento notarial. E aquele registo, reportado que seja a um contrato-promessa celebrado antes da Lei nº 7/2013 implicará, como já se viu, um reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes (art. 41º, nº3, do CRP). Portanto, os promitentes que se encontrem numa dessas situações terão se reconhecer as assinaturas e partir daí já não haverá obstáculos ao accionamento das regras da nova lei para os contratos supervenientes de cessão de posição contratual e de promessa de oneração celebrados já ao abrigo da nova lei.
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3.5 – (Continuação)
No que respeita à invocação da nota justificativa que acompanhou a proposta de lei, bem como ao parecer da AL que precedeu a lei, importa dizer que não passam de meros elementos de interpretação, mas que, por acaso, não têm correspondência directa no articulado da lei. Isto é, aquilo que podia ser um conteúdo normativo a partir desses textos, não foi vazado para o diploma em termos, pelo menos, claros.
Por exemplo, quando na nota justificativa se diz que “relativamente aos edifícios em construção antes da entrada em vigor da presente lei, a respectiva transmissão ou oneração só é permitida depois de ter sido efectuado o registo predial, sob pena de nulidade do contrato” (pág. 5, a fls. 87 dos autos), tal é apresentado com uma tal força dispositiva que mais parece a expressão de um comando normativo. Realmente, não pode prescrever-se a nulidade através de uma simples nota justificativa; a nulidade, sendo uma sanção severa para uma invalidade, tem que estar expressamente prevista. Todavia não vemos a emanação de uma tal sanção no articulado da lei. Apenas encontramos afirmado no art. 10º, nº1, que “Estão sujeitos a registo os negócios jurídicos relativos a promessa de transmissão ou de oneração de edifícios em construção” ou no art. 23º que “Às transmissões ou onerações de edifícios em construção que se pretendem efectuar, seja a que título for, aplica-se com as devidas adaptações o disposto na presente lei”, sem que, no entanto, se estabeleça aí qualquer sanção de nulidade. E, de qualquer maneira, sempre é bom lembrar que são disposições aplicáveis aos negócios posteriores à entrada em vigor da lei.
No que se refere aos negócios de promessa de transmissão ou oneração celebrados antes da entrada em vigor da lei, apenas o nº2 do art. 26º prescreve que se o registo provisório de constituição de propriedade horizontal não tiver sido efectuado, deve o promotor do empreendimento requerê-lo no prazo de 90 dias a contar da entrada em vigor da lei, sendo que, se não o fizer, qualquer interessado nos negócios o pode fazer (nº3, art. 26º).
Ora, esse registo da constituição da propriedade horizontal não estava em causa no caso em apreço, uma vez que ele já se encontrava efectuado pelo empreendedor/requerente.
Portanto, não se pode apelar a regras concernentes a um tipo de registo para daí se extrair efeitos relativamente a outro.
Relativamente ao registo de aquisição a favor do promitente-comprador a que se refere o art. 10º, nº 3 da Lei 7/2013 (esse é o que está em causa) a sua disciplina apenas se aplica aos negócios celebrados após a entrada em vigor da Lei, afigurando-se-nos importante dizer que o art. 9º, nº2 da proposta alternativa citado pelo recorrente nas suas alegações como modo de convencer o tribunal a optar por uma determinada interpretação iluminado pelo espírito e intenção do legislador ou pela mens legistoris – preceito que, relativamente a contratos-promessa celebrados antes da entrada em vigor da lei, pretendia fazer depender a cessão da posição contratual ou a promessa de oneração do registo de aquisição – não passou para o texto do diploma.
Estamos, enfim, de acordo que as normas do art. 26º, nomeadamente a do nº6, têm um carácter excepcional. Mas é, precisamente, por isso mesmo e por causa do art. 10º do Código Civil, que, se nem a analogia é permitida, também a interpretação extensiva se não justifica aqui no sentido que nos é proposto pelo recorrente, uma vez que as razões que invoca concernentes às exigências de segurança e certeza jurídicas neste comércio imobiliário já também implicam, pela nova lei, o reconhecimento notarial das assinaturas, como já vimos.
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3.6 – (Continuação)
Invoca o recorrente por último, o disposto nos artigos 357º, nº2 e 369º do Código Civil para sustentar a tese de que, mesmo no caso de se entender ser exigível o reconhecimento, ele se deve dar por substituído por confissão judicial da declaração efectuada nos arts. 3º e 4º da petição inicial dos autos.
A esta matéria, porém, já demos resposta supra (III-1.2). [1.2 - Invoca o recorrente também o disposto nos artigos 357º, nº2 e 369º do Código Civil para sustentar a tese de que, mesmo no caso de se entender ser exigível o reconhecimento, ele se deve ter por substituído por confissão judicial da declaração efectuada nos arts. 3º e 4º da petição inicial dos autos.
A este argumento contrapôs a recorrida que este é um fundamento que não havia sido colocado pela recorrente na sua oposição ao pedido inicial.
Realmente, é sabido que os recursos são meios específicos de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova e que, por tal motivo, e em princípio, não se pode tratar neles questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, exceptuando as questões novas que sejam de conhecimento oficioso e não decididas com transito em julgado1. Ou seja, o recurso tem, por via de regra, um carácter de revisão ou reponderação e não uma natureza necessariamente de reexame.
Esse é o modelo seguido no direito processual de Macau2.
Isto significa, portanto, que esta questão não poderá ser abordada no recurso, até mesmo sob pena de se subverter o princípio do duplo grau de jurisdição.]”
3. No que se refere ao reconhecimento do contrato, somos a entender, não obstante o reconhecimento da existência do contrato celebrado pelas partes, que não se pode confundir um requisito de prova de um contrato, com os requisitos da sua validade intrínseca e os requisitos de registabilidade do mesmo. Não está em causa que esse contrato foi celebrado, que o mesmo é válido nos exactos termos em que foi celebrado, daí decorrendo as obrigações inerente a que as partes se comprometeram, mas não se pode substituir um requisito legal de registabilidade por mera vontade das partes. Ou seja, se a lei diz que é necessário o reconhecimento presencial para registar, não podem as partes vir dizer que essa condicionante é dispensável. Nem a lei nova dispensou esse requisito; o que previu foi a possibilidade de se registarem contratos de pretérito desde que reunissem essa condição, o que significa que as partes os podem registar a qualquer momento, desde que verificado esse requisito. Se reconhecido anteriormente, podem registar; se não reconhecido, nada impedirá que o possam reconhecer e registar em conformidade com a lei; se não lograrem esse reconhecimento, então, o contrato não é registável.
A não se entender desta forma não se percebe por que razão os contratos de pretérito beneficiariam de uma protecção registral acrescentada em relação aos celebrados no âmbito da lei nova, continuando a conceber-se a possibilidade de se celebrarem contratos com força meramente obrigacional.

4. Acresce que o registo em causa, efectuado ao abrigo do n.º 3 do artigo 10º da Lei n.º 7/2013, acaba por ter um efeito ao equivalente ao do registo de uma cláusula de eficácia real, por força do regime previsto no n.º 7 daquele preceito, o que justifica um acréscimo de exigência de forma inexistente no contrato de pretérito em presença, efeito esse que não foi previsto pelas partes, sendo que, já ao tempo da celebração do contrato, era possível as partes atribuírem esse efeito ao contrato celebrado, não se compreendendo que por mera força de uma interpretação em nome de alegadas razões de certeza quanto à eficácia de um dado negócio o legislador possa fazer tábua rasa da vontade das partes e requisitos reputados essenciais para conferir determinada eficácia aos contratos celebrados, no caso, relativamente à fracção cujo registo se discute nos presentes autos.
    
    5. Somos, pois, a concluir que não é registável o contrato-promessa ao abrigo do qual se prometeu comprar uma dada fracção de prédio habitacional, se esse contrato foi celebrado antes da Lei n.º 7/2013 e o contrato celebrado não revestiu as exigências reclamadas por aquela lei, em particular, se não houve reconhecimento presencial das assinaturas.

    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida que determinou o cancelamento da inscrição por nulidade do registo de aquisição do direito resultante da concessão por arrendamento.
    Custas pelos recorrentes
Macau, 21 de Janeiro de 2016,
     João Gil de Oliveira
     Ho Wai Neng
     José Cândido de Pinho
1 Ac. TUI, de 27/02/2008, Proc. nº 58/2007; Ac. STA, de 5/11/2014, Proc. nº 01508/12, entre outros.
2 Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, 2ª ed., pág.640.
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771/2015 30/30