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Processo n.º 4/2016. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Apensação de recurso contencioso. Suspensão da eficácia do acto. Prejuízo de difícil reparação. Dificuldade em contabilizar prejuízos.
Data da Sessão: 4 de Fevereiro de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I – A apensação de um recurso contencioso a outro não pode ser ordenada nos autos de suspensão de eficácia apensos a este último.
II - A maior ou menor dificuldade em contabilizar prejuízos em acção judicial não constitui, em princípio, fundamento para considerar preenchido o requisito da alínea a) do n.º 1 do artigo 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A requereu a suspensão da eficácia do despacho do Chefe do Executivo, de 14 de Abril de 2015, que declarou a caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno com a área de 7324 m2, sito na Ilha da Taipa, na Estrada de Lou Lim Ieok, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º XXXXX e do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29 de Maio de 2015, que determinou à requerente a desocupação de tal terreno no prazo de 60 dias.
Por acórdão de 26 de Novembro de 2015, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) rejeitou o pedido de suspensão da eficácia do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, indeferiu o pedido de suspensão da eficácia do despacho do Chefe do Executivo, por entender que não se verificava o requisito de que a execução do acto causasse previsivelmente prejuízo de difícil reparação para a requerente e indeferiu a apensação dos autos de recurso contencioso n.º 827/2015 e respectivo apenso de suspensão de eficácia ao recurso contencioso n.º 499/2015.
Inconformada, interpõe a requerente recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), limitando a impugnação à não suspensão da eficácia do despacho do Chefe do Executivo.
Termina a respectiva alegação com a formulação das seguintes questões:
- Deveria ter sido ordenada a apensação dos recursos contenciosos;
- Se for julgado definitivamente procedente o recurso contencioso de que o presente procedimento depende, se a Administração der uma utilização ao terreno dos autos será praticamente impossível reconstituir a situação hipotética em que a Requerente se encontraria, se não tivesse sido executada a declaração de caducidade do contrato de concessão e a ordem de despejo;
- Os prejuízos infligidos à recorrente serão de dimensão impossível de fixar ou muito difícil de fixar, dado o seu carácter extremamente aleatório.
O Ex.mo Procurador Adjunto emitiu parecer em que se pronuncia pela improcedência do recurso.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos:
a) Por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 14.4.2015, foi declarada a caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno com a área de 7324 m2, situado na Ilha da Taipa, na Estrada de Lou Lim Ieok, junto ao Jardim de Lisboa, descrito na CRP sob o nº XXXXX.
b) Desse despacho recorreu contenciosamente a requerente para o TSI, por telecópia em 22.5.2015 e em mão em 26.5.2015, tendo o Processo sido autuado com o nº 499/2015.
c) Por despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29.5.2015, foi ordenada a desocupação do tal terreno pela requerente, no prazo de 60 dias a contar da recepção da notificação, ficando revertidas as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a RAEM, sem direito a qualquer indemnização, tendo o mesmo sido integrado no domínio privado do Estado, sob pena de, em caso de incumprimento, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em conjunto com outros serviços públicos e com a colaboração das Forças de Segurança de Macau, proceder, a partir do termo do prazo de 60 dias, à execução coerciva dos trabalhos de despejo, devendo as despesas ser pagas pela ora requerente.
d) Inconformada, dele interpôs a requerente recurso contencioso para o TSI, tendo o Processo sido autuado com o nº 827/2015.
e) Foi instaurado em 13.10.2015 o presente procedimento de suspensão de eficácia que corre por apenso ao Processo n.º 499/2015 do TSI, tendo por objecto o acto de declaração de caducidade do contrato de concessão, bem como a ordem de despejo que dele depende.
f) Foi instaurado, ainda, em 22.10.2015 o procedimento de suspensão de eficácia que corre por apenso ao Processo nº 827/2015 do TSI, tendo por objecto a ordem de despejo enquanto acto autónomo do acto de declaração de caducidade do contrato de concessão.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
O Acórdão recorrido entendeu que, para que a providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos pudesse ser decretada seria necessária a verificação cumulativa dos três requisitos previstos no artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC). E que não se verificava o requisito segundo o qual a execução do acto causaria à requerente previsivelmente prejuízo de difícil reparação, pelo que indeferiu o requerido. Esta discorda da não verificação deste requisito.
Há que apreciar esta questão.
Por outro lado, há que examinar se o acórdão recorrido decidiu bem ao indeferir a apensação do recurso contencioso n.º 827/2015 (onde interpôs recurso contencioso do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29 de Maio de 2015, que determinou à requerente a desocupação do terreno dos autos no prazo de 60 dias) ao recurso contencioso n.º 499/2015 (onde impugna o despacho do Chefe do Executivo identificado no início do relatório do presente acórdão).

2. Apensação de recursos contenciosos
Nos autos de suspensão da eficácia e na pendência do mesmo, veio a ora requerente requerer a apensação do recurso contencioso n.º 827/2015 (onde interpôs recurso contencioso do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29 de Maio de 2015, que determinou à requerente a desocupação do terreno dos autos no prazo de 60 dias) ao recurso contencioso n.º 499/2015 (onde impugna o despacho do Chefe do Executivo identificado no início do relatório do presente acórdão).
O pedido foi indeferido, por não reunir os requisitos de apensação previstos no artigo 82.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC).
Mas havia uma razão prévia para indeferir de imediato tal pretensão e é esta: só se pode requerer a apensação no processo onde se pretenda ser feita a apensação (artigo 219.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente). Pretendendo-se a apensação de um recurso contencioso a outro, é manifesto que o pedido tinha de ser feito neste recurso contencioso e não num apenso dependente, como foi o caso1. Os Juízes desta providência cautelar não têm, nem podem, pronunciar-se sobre apensação de recurso contencioso a outro recurso contencioso.
Impondo-se o indeferimento da pretensão com este fundamento, nega-se provimento nesta parte ao recurso jurisdicional, devendo o requerimento ser remetido ao recurso contencioso onde deverá ser apreciado.

3. Prejuízos de difícil reparação
No caso dos autos é requisito da concessão da suspensão de eficácia dos actos administrativos que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso [artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do CPAC].
O acórdão recorrido considerou que não se verificava tal requisito, de que a ora recorrente discorda.
Como dissemos no acórdão de 14 de Novembro de 2009, no Processo n.º 33/2009, “Mesmo que o interessado sofra danos com a execução de um acto administrativo, se lograr obter a anulação do acto no respectivo processo, pode, em execução de sentença, ser indemnizado dos prejuízos sofridos. E se esta via não for suficiente pode, ainda, intentar acção de indemnização para ressarcimento dos prejuízos. Por isso, só se os prejuízos forem de difícil reparação, isto é, que não possam ser satisfeitos com a utilização dos falados meios processuais, é que a lei admite a suspensão da eficácia do acto”.
  Pois bem, alegou a requerente se for procedente o recurso contencioso e não for deferida a suspensão da eficácia do acto será praticamente impossível reconstituir a situação hipotética em que a requerente se encontraria se não tivesse sido executada a declaração de caducidade e a ordem de despejo até porque nos autos a Administração admitiu que tem intenção de conceder o terreno a outro interessado.
Posta a questão nestes termos, afigura-se-nos que a argumentação da requerente tem fundamento neste ponto.
Só que, como dissemos, se o recurso contencioso vier a ser procedente, seja em execução de sentença, seja em acção judicial autónoma, pode a requerente vir a pedir indemnização pelos prejuízos sofridos, mesmo que a situação não possa ser revertida, isto é, mesmo que não possa continuar como titular da concessão por arrendamento do terreno dos autos.
Nem se diga que será impossível calcular o montante exacto dos lucros cessantes, danos emergentes e quaisquer outros prejuízos que venha a sofrer. De duas, nesse caso, ou acorda com a Administração num montante indemnizatório ou, não sendo o caso, instaura acção judicial em que terá oportunidade de contabilizar os prejuízos e serão decididos pelo Tribunal, que não pode escusar-se a fazê-lo, ainda que tenha alguma complexidade tal cômputo. Mas isso não significa que os prejuízos sejam de difícil reparação, para efeitos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a), do CPAC. É possível estabelecer critérios para determinar a rentabilidade da construção e os lucros que o empreendedor teria se tivesse podido concluir a exploração.
Mal estaríamos se a maior ou menor dificuldade nesse cálculo constituísse fundamento para paralisar a acção da Administração.
Repare-se que a lei exige como requisito para que se conceda a suspensão da eficácia de acto administrativo que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente. E não que seja difícil a contabilização dos prejuízos, designadamente pelo tribunal competente.
Impõe-se, assim, negar provimento ao recurso.

IV – Decisão
Face ao expendido:
A) Negam provimento ao recurso;
B) Determinam se remeta o requerimento de apensação de recursos contenciosos ao processo principal para apreciação.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.
Macau, 4 de Fevereiro de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
     1 Cfr. VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Macau, 2015, p. 266.
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