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Processo n.º 15/2016. Recurso relativo ao direito de reunião e manifestação.
Recorrente: A, na qualidade de representante da Associação da B.
Recorrido: Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Assunto: Direito de reunião. Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública. Área para reunião ou manifestação.
Data da Sessão: 11 de Março de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
A Polícia tem poderes para fixar uma área para reunião ou manifestação, dentro do local mais vasto pretendido pelos respectivos promotores, com fundamento em considerações de segurança pública e de manutenção da ordem e tranquilidade públicas.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório e factos provados
1. A, na qualidade de representante da Associação da B, promotora de reunião/concentração, a realizar de 13 a 20 de Março de 2016, entre as 7:30 horas e as 22 horas, no Largo do Senado, interpôs recurso do despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 4 de Março de 2016, que determinou restrições à área a ocupar pela reunião, para este Tribunal de Última Instância (TUI).

2. O mencionado despacho recorrido do Comandante do CPSP, de 4 de Março de 2016, é do seguinte teor:
“II - Análise
1. Cada uma das tendas abertas normalmente usadas pela promotora ocupa uma área de cerca de 6,25 metros quadrados (com comprimento e largura de 2,5 metros), e o uso simultâneo de várias tendas ocuparão uma grande área, afectando gravemente o trânsito público até causando o encerramento da via. Além disso, uma vez instaladas as tendas, será difícil a sua demolição e remoção num curto tempo, e em caso de urgência, será impedido o socorro, trazendo-se influência grave à segurança pública;
2. O local onde se pretende realizar as actividades é o Largo do Senado, na Avenida de Almeida Ribeiro, que se situa na zona central de Macau, confrontando a Norte com o Largo de São Domingos (entre o Largo do Senado e as Ruínas do São Paulo), a Sul com a Avenida da Almeida Ribeiro (uma das vias principais de Macau), sendo rodeado de várias lojas comerciais (tais como bancos, farmácias, ourivesarias, relojoarias, lojas de vestuários, lojas de petiscos locais e restaurantes) e de construções históricas e patrimónios culturais mundiais (tais como o Edifício de Misericórdia, o Edifício do Leal Senado, o Edifício dos Correios, e a Igreja São Domingos), cuja zona reservada exclusivamente para peões é espaço de frequência necessária para a maioria dos turistas, especialmente nos feriados. A ocupação de uma grande área do referido espaço afectará, de forma grave, a normal circulação dos peões, exercendo assim uma influência grave à ordem pública;
3. O espaço desde o Edifício da Misericórdia até ao restaurante Mcdonald’s é uma parte estreita do Largo do Senado, e se for ocupada grande área deste espaço, será causado o efeito de afunilamento mais grave, e assim, ameaça grave à segurança pública;
4. As actividades que o promotor pretende realizar vão durar até 21 de Março, data em que o IACM vai realizar actividades programadas no Largo do Senado e ocupar parte do espaço em causa;
5. Por outro lado, devido à grande quantidade de turistas no Largo do Senado, sobretudo nos feriados, para garantir a segurança pública, é obrigatório reservar um acesso para veículos de emergência, com largura de 4 metros e não obstruído por qualquer obstáculo fixo (Cfr. a via assinalada a cor verde nos anexos), de modo a garantir a entrada dos veículos de urgência no Largo do Senado, pela Travessa do Soriano ou pela Travessa do Roquete, em caso de acidentes;
6. A Avenida da Almeida Ribeiro é um dos principais nós rodoviários na zona central, onde se verifica um tráfego muito denso. Se as faixas com dizeres a ser usadas na reunião são colocadas nas vedações ao lado da avenida, é possível que forem desatados os nós das faixas e em consequência, constituir ameaça grave à segurança dos condutores. Ademais, se as faixas são colocadas nas instalações públicas, também será afectado o funcionamento das instalações e causado problemas imprevisíveis.
III. Decisão:
1. Deve-se cumprir o disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º da Lei n.º 2/93/M, na realização de reuniões, é proibida a prática de actos contrários à lei que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas. Quanto às reuniões realizadas no Largo do Senado, as tendas ou outros objectos têm de ser colocados dentro da área assinalada a cor azul nos anexos, e o número das tendas deve corresponder ao número das pessoas presentes na reunião, sendo a área total ocupada não superior a 3,8 metros quadrados, e proibida a colocação de qualquer objecto na área assinalada a cor vermelha e no acesso para veículos de emergência, assinalado a cor verde nos anexos;
2. Não se pode ocupar as faixas de rodagem, e deve-se assegurar desobstruídas as vias do local da reunião, mantendo-se uma distância adequada com as instalações para atravessar a rua, tais como a passagem para peões, a fim de evitar influência à ordem pública ou perigo à segurança pública;
3. Para assegurar a segurança dos condutores e o uso das instalações públicas, as faixas com dizeres usadas em reuniões não podem ser colocadas nas vedações ao lado das ruas ou nas outras instalações públicas;
4. Se no local da reunião encontram-se actividades realizadas por outros grupos ou outras obras em curso, devem os promotores evitar a interferência de um a outro, bem como influências causadas à ordem e segurança pública;
5. A promotora deve observar as instruções dadas pela polícia no local, e realizar reuniões em locais seguros que não obstruem o trânsito público, especialmente quando a polícia, após a avaliação do fluxo de pessoas e do número das pessoas presentes no local, prevê perigo manifesto à segurança das pessoas ou dos bens públicos, deve reduzir ou remover de imediato os objectos usados na reunião, bem como mudar para outro local segundo as instruções policiais.
IV. Obrigações que a associação promotora/promotora deve cumprir:
1. A promotora deve realizar a reunião conforme a resposta dada por ofício pelo IACM;
2. Nos termos do art.º 4.º da Lei n.º 2/93/M, não é permitida a realização de reuniões ou manifestações entre as 0,30 e as 7,30 horas;
3. Deve manter a ordem da actividade e assegurar que a actividade é realizada numa atmosfera pacífica e racional;
4. Deve observar o Regulamento Geral dos Espaços Públicos, não praticar actos que afectem a higiene ambiental, sobretudo não deixar lixo no chão ou acender qualquer material, e remover, no tempo fora do fixado para a realização de reuniões e manifestações, os objectos colocados no local, para evitar a ocupação ilegal do espaço público;
5. Deve observar a Lei de Prevenção e Controlo do Ruído Ambiental, e assegurar que não pode produzir ruídos perturbadores;
6. Quem realizar reuniões ou manifestações contrariando o presente despacho será punido pela prática do crime de desobediência qualificada, nos termos do art.º 14.º da Lei n.º 2/93/M.

3. O recorrente suscita as seguintes questões:
- A área que a Associação pretende ocupar não exerce uma influência grave à ordem pública, já que pretende ocupar área de 54 m2;
- A área de 38 m 2 que a PSP pretende que a reunião ocupe não é suficiente;
- No ponto 5 da decisão diz-se que a promotora deve observar as instruções dadas pela polícia no local, e realizar reuniões em locais seguros que não obstruem o trânsito público, especialmente quando a polícia, após a avaliação do fluxo de pessoas e do número das pessoas presentes no local, prevê perigo manifesto à segurança das pessoas ou dos bens públicos, deve reduzir ou remover de imediato os objectos usados na reunião, bem como mudar para outro local segundo as instruções policiais. O artigo 11.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 2/93/M não permite a interrupção quando se prevejam riscos para o público.

II – O Direito
1. As questões a apreciar
Está em causa saber se o despacho recorrido violou a lei ao limitar a área que o grupo de pessoas pretendia ocupar com tendas no Largo do Leal Senado, durante vários dias das 7:30 às 22 horas.
Não se apreciará uma questão suscitada a propósito de uma conversa entre a representante da promotora da reunião e alguém do CPSP na reunião/concentração de 3 de Março de 2016, por não respeitar ao acto administrativo recorrido.

2. Direitos de reunião e manifestação. Poderes do presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais e do comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública
No acórdão de 4 de Junho de 2014, no Processo n.º 34/2014, também a propósito de reunião que se pretendia realizar no Largo do Leal Senado, tivemos oportunidade de referir:
“Dissemos no nosso Acórdão de 12 de Julho de 2013, no Processo n.º 44/2013, o seguinte:
«O artigo 27.º da Lei Básica dispõe que os residentes de Macau gozam, além de outros, do direito de reunião, de desfile e de manifestação.
O artigo 1.º da Lei n.º 2/93/M, de 17.5, estatui que todos os residentes de Macau têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, em lugares públicos, abertos ao público ou particulares, sem necessidade de qualquer autorização.
Os artigos 2.º, 3.º, 4.º e 8.º (da mesma Lei n.º 2/93/M, como serão todos os artigos doravante referidos sem indicação da proveniência) estabelecem algumas proibições e permitem a imposição de restrições espaciais e temporais às reuniões e manifestações.
Assim, sem prejuízo do direito à crítica, não são permitidas as reuniões ou manifestações para fins contrários à lei (artigo 2.º).
Como também não é permitida a realização de reuniões ou manifestações com ocupação ilegal de lugares públicos, abertos ao público ou particulares (artigo 3.º).
Por outro lado, não é permitida a realização de reuniões ou manifestações entre as 0,30 e as 7,30 horas, salvo se realizadas em recinto fechado, em salas de espectáculos, em edifícios sem moradores ou, no caso de terem moradores, se forem estes os promotores ou tiverem dado o seu consentimento por escrito (artigo 4.º).
A proibição de reunião ou de manifestação, ao abrigo do artigo 2.º e a imposição de restrições espaciais e temporais às reuniões e manifestações, nos termos dos artigos 3.º e 4.º, competem ao presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, que as comunica ao promotor da reunião ou da manifestação em determinado prazo, previsto nos artigos 6.º e 7.º.
O comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) pode, até 24 horas antes do seu início, alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos se façam só por uma das faixas de rodagem, se tal se revelar indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas de veículos nas vias públicas (artigo 8.º, n.º 2).
O comandante do CPSP pode, até 24 horas antes do seu início, fundada em razões de segurança pública devidamente justificadas, exigir que as reuniões ou manifestações respeitem uma distância não superior a 30 metros das sedes do Governo e da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, dos edifícios afectos directamente ao funcionamento destes, da sede do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, das instalações dos tribunais e das autoridades policiais, dos estabelecimentos prisionais e das sedes de missões com estatuto diplomático ou de representações consulares (artigo 8.º, n.os 3 e 4).
Este TUI lembrou no seu acórdão de 29 de Abril de 2010, no Processo n.º 16/2010, que, de acordo com o artigo 40.º da Lei Básica, os direitos e liberdades de que gozam os residentes de Macau não podem ser restringidos excepto nos casos previstos na lei e as restrições aos direitos e liberdades não podem contrariar as convenções internacionais aplicáveis em Macau, bem como que também o n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 2/93/M, determina que o exercício dos direitos de reunião ou manifestação apenas pode ser restringido, limitado ou condicionado nos casos previstos na lei.
Relativamente aos direitos de reunião e manifestação, no sentido de proibir ou impor restrições antes da sua realização, o comandante do CPSP apenas tem competência para exercer os poderes previstos no artigo 8.º, n. os 2 e 3.
Já no decurso de tais actividades, as autoridades policiais têm outros poderes, previstos no artigo 11.º, no sentido da sua interrupção, quando tenha sido regularmente comunicada aos promotores a sua não permissão, quando as mesmas, afastando-se da sua finalidade ou não tendo sido objecto de aviso prévio, infrinjam o disposto no artigo 2.º ou quando as mesmas se afastem da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas”».
No mesmo Acórdão de 12 de Julho de 2013 lembrámos que o estatuído no n.º 2 do mencionado artigo 8.º, só se aplica a alteração de trajectos de desfiles ou cortejos e não a uma reunião num local fixo. Mantemos o que então dissemos.
Só que no caso dos autos não está em causa a aplicação do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 2/93/M.
O Comandante do CPSP não determinou nenhuma alteração do local da reunião/manifestação, já que o promotor desta limitou-se a comunicar a realização no Largo do Senado (e noutro local, que agora não está em questão). Ora, o Largo do Senado vai deste o limite da Avenida Almeida Ribeiro até ao Largo de S. Domingos e o Comandante do CPSP limitou-se a fixar uma faixa dentro do Largo do Senado, onde o grupo deve efectuar a reunião/manifestação.
Podia fazê-lo ou terá violado a lei?
A Lei n.º 2/93/M nada diz expressamente a este respeito. Há ponderar que a Lei já tem 21 anos, salvo pequena alteração posterior. A realidade social e política de Macau mudou muito neste lapso de tempo. A população aumentou. O número de turistas que visitam Macau cresceu exponencialmente, como é facto do conhecimento geral. A realidade política é, também, completamente diversa da de 1993. E a Lei continua a mesma…
É certo, por outro lado, que a lei não pode prever tudo.
Ora, é sabido que ao CPSP incumbem atribuições de manutenção da ordem e tranquilidade públicas, bem como da segurança pública.
Com base no artigo 11.º da Lei n.º 2/93/M, a Polícia pode interromper manifestações quando as mesmas se afastem da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas.
Cabe também ao CPSP, em sede de manifestações, zelar pelo bom ordenamento do trânsito de pessoas nas vias públicas (artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 2/93/M).
Assim sendo, com base neste conjunto de normas, afigura-se-nos poder extrair um princípio segundo o qual a Polícia tem poderes para fixar uma área para reunião ou manifestação, dentro do local mais vasto pretendido pelos respectivos promotores, com fundamento em considerações de segurança pública e de manutenção da ordem e tranquilidade públicas.
Referimos no Acórdão de 29 de Abril de 2010, no Processo n.º 16/2010, que os órgãos policiais têm poderes para organizar espacialmente várias actividades de reunião ou manifestação previstas para o mesmo local, quando várias destas realizações estão programadas para o mesmo lugar”.
A redução da área pretendida ocupar, de 54 para 38 m2, não tem expressão significativa. Não se nos afigura desproporcionada a limitação, sendo irrelevante a área fixada numa outra reunião/concentração.
Concluímos, assim, que o despacho recorrido não violou a lei ao fixar a área de 38 m2 numa parte do Largo do Senado para a reunião/concentração, a realizar entre as 7:30 e as 22 horas nos dias 13 a 20 de Março de 2016.

3. Quanto à circunstância de no ponto 5 da decisão se dizer que a promotora deve observar as instruções dadas pela polícia no local, e realizar reuniões em locais seguros que não obstruem o trânsito público, especialmente quando a polícia, após a avaliação do fluxo de pessoas e do número das pessoas presentes no local, prevê perigo manifesto à segurança das pessoas ou dos bens públicos, deve reduzir ou remover de imediato os objectos usados na reunião, bem como mudar para outro local segundo as instruções policiais.
O artigo 11.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 2/93/M permite a interrupção de reuniões e concentrações devidamente autorizadas quando as mesmas se afastem da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei que perturbem grave e efectivamente a segurança pública ou o livre exercício dos direitos das pessoas.
Só em concreto e no local é possível tomar a decisão de interrupção, com base nos pressupostos previstos na lei.
À partida não se pode dizer que a interrupção não pode ter lugar quando se prevejam riscos para as pessoas, dado poder estar em causa a segurança pública.
Improcede a questão suscitada.

III – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC.
Macau, 11 de Março de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai




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