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Processo nº 828/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Abril de 2016
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio
- Regulação do poder paternal

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III. É de confirmar a decisão do Tribunal competente segundo a lei da Região Administrativa Especial de Hong Kong que decreta o divórcio entre os cônjuges, por não existir qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.














Processo nº 828/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
A casada, de nacionalidade portuguesa, portadora do passaporte nº XXX emitido em 14/11/2013 pela Embaixada de Portugal no Reino Unido, residente em XXX, ------
Requereu contra -------
B, divorciado, de nacionalidade portuguesa, residente em Macau, na XXX, ----
Acção especial de revisão e confirmação de decisão do exterior de Macau.
*
O requerido não apresentou contestação.
*
O Ministério Público mostrou-se favorável ao deferimento da pretensão.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O Tribunal dispõe de competência internacional, material e também em razão da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
***
III – Os Factos
1 - Requerente, A, e requerido, B, em 22 de Fevereiro de 1974, em Macau, contraíram o seu casamento segundo os usos e costumes chineses (doe. nº 1).
2 - Do casamento celebrado entre ambos adveio o nascimento das duas filhas de nome C e D, bem como um filho de nome E, todos já de maior idade.
3 - O casamento mencionado no artigo 1º, foi dissolvido por divórcio cuja sentença foi decretada no dia 28/11/1997, pelo Tribunal Distrital de Hong Kong.
4 - A sentença referida apresenta o seguinte teor em língua inglesa:
IN THE DISTRICT COURT OF HONG KONG DIVORCE JURIDSICTION
No.8437 of 1997
B (Petitioner)
and
A (Respondent)
BEFORE HIS HONOUR JUDGE CARLSON,
JUDGE OF DISTRICT COURT, IN COURT DECREE NISI
ON the 28th day of November, 1997
the Judge held that the petitioner and respondent have lived apart for a continuous period of at least two years immediately preceding the presentation of the petition,
that the marriage solemnised
on the 28th day of February 1974
at Hotel Lisboa, Macau and the marriage was registered by the Registrar of Marriage at the Marriage Registry in Macau on the 3rd day of April 1974.
between B the Petitioner
and A the Respondent
has broken down irretrievably and decreed that the said marriage be dissolved unless sufficient cause be shown to the Court within six weeks from the making of this decree why such decree should not be made absolute.
Dated the 28th day of November.
5 – Em língua portuguesa, a referida sentença é do seguinte teor:
NO TRIBUNAL DISTRITAL DE HONG KONG JURISDIÇÃO DE DIVÓRCIO
N.º 8437 de 1997
ENTRE B (Requerente)
e
A (Demandada)
PERANTE O MERITÍSSIMO JUIZ CARLSON,
JUÍZ DO TRIBUNAL DISTRICTAL, EM SESSÃO TRANSIÇÃO EM JULGADO DA SENTENÇA PROVISÓRIA (DECREE NISI)
Aos 28 de Novembro de 1997
o Juiz considerou que o requerente e a demandada viveram separados durante um período contínuo de pelo menos dois anos imediatamente anterior à apresentação da petição,
que o casamento solenizado em 28 de Fevereiro de 1974
no Hotel Lisboa, em Macau, e o casamento que foi registado pelo Conservador do Registo de Casamentos na Conservatória do Registo de Casamentos de Macau em 3 de Abril de 1974.
entre B o Requerente
e A a Demandada
fracassou irreversivelmente e decretou que o referido casamento seja dissolvido se não for apresentado ao Tribunal dentro de seis semanas motivo por que a referida decisão não deva ser transitada em julgado.
Datado de 28 de Novembro de 1997.
6 – A sentença transitou em julgado no dia 23 de Janeiro de 1998.
***
IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos - de revisão formal - não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela autora. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do Tribunal Distrital da RAEK (Jurisdição de divórcio), que decretou a dissolução do casamento dos cônjuges.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento. Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, também resulta da documentação dos autos que a sentença de divórcio já transitou.
Acrescenta-se ainda que a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na Região Administrativa e Especial de Hong Kong e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cod. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital da Região Administrativa Especial de Hong Kong datada de 28/11/1997, transitada em 23/01/1998, que decretou o divórcio entre B e A, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 07 de Abril de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong




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