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Processo nº 8/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 07 de Abril de 2016

ASSUNTO:
- Direito de utilização exclusiva
- Posse
- Caso julgado
- Causar de pedir
- Insuficiência do julgamento da matéria de facto

SUMÁRIO :
- A posse pressupõe a verificação cumulativa do elemento objectivo (o corpus) e o elemento subjectivo (o animus possidendi).
- Não tendo negado a posse da 2ª Autora com fundamento na não verificação do corpus, não se pode dizer que o alegado direito de “utilização exclusiva” está abrangido no caso julgado da inexistência da posse do acórdão do TUI.
- A simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo ressarcível, em si já constitui um direito à indemnização, não sendo exigível, portanto, que o lesado prove a concreta existência de prejuízos decorrentes do não recebimento de rendas que os imóveis lhe teriam proporcionado, caso os mesmos não estivessem ocupado pelos Réus.
- Porém, se a causa de pedir se funde na perda dos lucros cessantes a título de rendas não recebidas, já é exigível a verificação concreta de tais prejuízos para a procedência do pedido de indemnização.
- Não tendo seleccionado para a Base Instrutória a factualidade alegada pelas AA. que constitui a causa de pedir da indemnização, verifica-se assim uma insuficiência do julgamento da matéria de facto, o que implica a sua ampliação nos termos do nº 4 do artº 629º do CPCM.
O Relator,
Ho Wai Neng





Processo nº 8/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 07 de Abril de 2016
Recorrentes: A, Limitada e Fomento Predial B, Limitada (Autoras)
C, D, Limitada e E, Limitada (1º, 3ª e 4ª Réus)
Recorridos: Os Mesmos

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho saneador de 19/05/2011, foi decidido julgou-se parcialmente procedente a excepção de caso julgado levantada pelos Réus C, D, Limitada e E, Limitada.
Dessa decisão vêm recorrer os Réus, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. No presente recurso discute-se se o direito de “utilização exclusiva” configura uma causa de pedir distinta da posse já julgada noutro processo e declarada excepção de caso julgado no despacho saneador de que se recorre.
2. A “utilização exclusiva” das fracções “A”, “B” e “C” só pode decorrer de factos que permitam identificar um direito real, um direito de arrendamento ou a posse.
3. Em momento algum dos seus articulados as AA. reivindicam relativamente à 2.ª A. um direito real susceptível de conferir o uso exclusivo das ditas fracções.
4. E também não invocam um arrendamento, direito que lhe poderia conferir uma utilização exclusiva, embora de natureza obrigacional.
5. Pelo que de forma sub-reptícia, o que pretendem as AA. é contornar a excepção de caso julgado já verificada relativamente à posse, fazendo um pedido alternativo, pouco perceptíve a partir da p.i., tal como o reconhece o Tribunal a quo no seu despacho saneador.
6. Só o clarificando posteriormente no artigo 3.° da réplica, procurando assim manter a 2.ª A. no pleito.
7. Facto que deve ser recusado, visto haver, nos termos do n.º 4 do artigo 417.° do CPC, uma clara identidade na causa de pedir entre a posse e o alegado direito de “utilização exclusiva” das fracções.
8. Uma vez que compulsados os factos articulados pelas AA., esse direito de “utilização exclusiva” só poderia ser exercido através da posse.
*
As Autoras A, Limitada e Fomento Predial B, Limitada responderam à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 561 a 566 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por sentença de 02/07/2015, foi decidido julgou-se parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção e, em consequência, decidiu-se:
1) Absolver os 1º a 5ª Réus, C, F, D, Lda., E Lda. e G Engenharia (Macau) Lda., da instância relativa ao pedido de restituição dos imóveis à 2ª Autora, Fomento Predial B Lda., com a remoção dos portões;
2) Absolver a 5ª Ré, G Engenharia (Macau) Lda., dos pedidos formulados pelas Autoras;
3) Condenar os 1º a 4ª Réus, C, F, D, Lda. e E Lda., a reconhecer à 1ª Autora, A, Limitada, o direito de propriedade sobre as fracções autónomas “A20”, “B20” e “C20” do 20º andar do Edifício XXX sito em Macau XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXX, a fls. 34, do livro XXX;
4) Condenar os 1º a 4ª Réus a restituir as fracções autónomas “A20”, “B20” e “C20” à 1ª Autora;
5) Condenar os 1º a 2ª Réus a remover os portões instalados no hall do 20º andar do identificado prédio;
6) Condenar os 1º a 2ª Réus a repor as paredes divisórias existentes entre as fracções autónomas “B20” e “C20” e as entre as fracções autónomas “C20” e “D20”, por forma a que voltem a ser espaços físicos autónomas, nos termos em que eram aquando da construção e a abrir a parede exterior de mármore construída ao longo das fracções autónomas “B20” e “C20” e colocar em cada uma delas a porta com a confirmação inicial, no prazo de 30 dias;
7) Absolver as 3ª e 4ª Rés dos demais pedidos formulados pelas Autoras;
8) Absolver os 1º a 2ª Réus dos pedidos de pronúncia sobre questões levantadas no artigo 30º da petição inicial e dos pedidos de indemnização;
9) Absolver as Autoras dos pedidos reconvencionais formulados pelos 1º, 3ª e 4ª Réus.
Dessa decisão vêm recorrer as Autoras, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
- Da impugnação da matéria de facto - A resposta ao quesito 16 da Base instrutória deveria ter sido "no ano 1996, depois da ocupação, os 1.º e 2.ª Réus demoliram as paredes divisórias interiores das fracções “B20”, “C20”, “D20”, “E20” e “F20”.
- Isto, por nesse sentido ter deposto a testemunha H (aos minutos de 07:48 a 07:56 da Gravação - Translator 2, Recorded on 23-Oct-2014 at 12.16.17 (13MWDP#G05111270) e aos minutos 00:02 a 00:44 da Gravação - Translator 2, Recorded on 23-Oct-2014 at 12.24.34 (13MWOQAW05111270) e a testemunha I (aos minutos 21:01 ao 21:05 da Gravação - Translator 2, Recorded on 14-Nov-2014 at 16.59.02 (14B#S$NW05911270), que explicaram que nas fracções B a F foram feitas obras de junção em 1996 pelos 1.º e 2.ª RR., sem que o quanto disseram tenha sido infirmado em juízo.
- A resposta ao quesito 18 da Base instrutória deveria ter sido “desde Julho ou Agosto de 1996, passaram a ocupar as fracções “B20” a “D20”, sem autorização e contra a vontade expressa da 2.ª Autora”.
- Isto, por nesse sentido ter deposto a testemunha H (aos minutos 00:30 ao 01:04, da Gravação - Translator 2, Recorded on 23-Oct-2014 at 12.16.17 (13MWDP#G05111270), que disse claramente que os 1.º a 4.ª RR ocuparam as fracções B, C e D desde Julho ou Agosto de 1996, sem que o seu depoimento haja sido infirmado em juízo.
- A resposta ao quesito 29 da Base instrutória deveria ter sido “A partir de 2000, contra a vontade expressa da 1.ª A”.
- Isto, por nesse sentido ter deposto a testemunha H (aos minutos 05:07 ao 05:25 da Gravação - Translator 2, Recorded on 23-Oct-2014 at 12.24.34 (13MWOQAW05111270) e aos minutos 00:00 ao 00:41 da Gravação - Translator 2, Recorded on 23-0ct-2014 at 12.30.53 (13MWX)LW05111270), que disse o que seu patrão J não permitiu a ocupação das fracções, sem que o seu depoimento haja sido infirmado em juízo.
- Pelo contrário, mostra-se corroborado por documentos. É que se a testemunha diz que o seu patrão J se opôs à ocupação ilícita das fracções pelos RR., tal necessariamente significa que o fez no exercício dos poderes de que dispunha para o efeito enquanto gerente, tanto da sociedade “Fomento Predial B, Limitada”, como da “Sociedade Fomento Predial K, Limitada”, procuradora da 1.ª Autora.
- E conforme o que a Ré confessou no ponto 50.º da Contestação, e resulta do substabelecimento de fls. 100 e ss. e da escritura de fls. 278-289, o J representa a “A Limitada”, ora 1.ª Autora e a sociedade “Fomento Predial B, Limitada”, ora 2.ª Autora.
- Devia, pois, ter também ficado provado que o que se perguntava no quesito 29.º da Base Instrutória.
- Por outro lado, a resposta ao quesito 30 da Base instrutória deveria ter sido “As AA não autorizaram a 5ª R. a ocupação das fracções “A20”, “B20” e “C20””, enquanto a resposta ao quesito 72 da Base instrutória deveria ter sido “A 5ª R ocupa e exerce a sua actividade nas fracções “B20” a “F20” do Edifício “XXX” mencionado na alínea C) dos factos assentes”
- Primeiro, porque conforme visto, o J também representa a 1.ª Autora.
- Segundo, porque as fotografias de fls. 96 e 97 mostram que havia dois placares, um nas fracções em causa, outro no corredor do edifício em causa, com o nome de 5.ª Ré para demonstrar que ela ocupava e exercia a sua actividade nas fracções “B20” a “F20” do Edifício “XXX”.
- Terceiro, por a 5.ª R., “G Engenharia (Macau) Limitada” ter, face ao disposto no artigo 405/1 do CPC, reconhecido os factos pessoais que lhe foram imputados pelas AA. nos artigos 80.° a 84.° e artigos 86 e 36 da petição inicial, (matéria dos quesitos 30 e 72 da base instrutória), ao ter optado não contestar, depois de para isso ter sido citada em 31/10/2008, com a advertência da correspondente cominação caso o não fizesse.
- Deviam, pois, ter ficado provados estes dois quesitos face à prova produzida e ao disposto no artigo 410/2 do CPC.
- Do pedido (f) - O pedido (f) não podia ter sido julgado improcedente, (nem procedente) nem tampouco ser indeferido por se destinar a determinar qual o titular do direito à indemnização, se a 1.ª ou se a 2.° Autora.
- O Tribunal a quo devia, pois, ter-se limitado a não conhecer das questões objecto do pedido (f) por força do artigo 563/2 do CPC se as considerasse prejudicadas pela solução dada à questão da “indemnização pela ocupação dos imóveis” objecto dos pedidos (g) e (h), como efectivamente considerou a fls. 814 da sentença recorrida.
- Dos pedidos (g) e (h) contra a 5.ª Ré - O Tribunal recorrido absolveu a 5.ª Ré dos pedidos de indemnização formulados nas alíneas (g) e (h).
- Mas, face ao que acima ficou dito quanto à impugnação das respostas aos quesitos 30.° e 72.° da base instrutória e ao efeito cominatório da falta de contestação pela 5.ª Ré (ou pelos 1.º a 4.° RR.) dos factos pessoais que lhe foram imputados pelas AA. nos artigos 86 e 36 da petição inicial, não devia o Tribunal a quo ter concluído pela falta de prova de que a 5.ª Ré alguma vez tivesse ocupado os imóveis e, por conseguinte, absolvido a 5.ª Ré dos pedidos de indemnização.
- Dos pedidos (g) e (h) contra os 1.º a 4.° RR - O Tribunal recorrido absolveu os 1.º a 4.° RR. dos pedidos de indemnização formulados nas alíneas (g) e (h).
- Isto, por na sentença recorrida ter prevalecido o entendimento de que os lesados deveriam ter alegado e provado que teriam recebido as rendas respectivas se a ocupação não tivesse ocorrido.
- Na perspectiva das recorrentes deveria, no entanto, ter prevalecido a posição sumariada no acórdão do TUI, de 27 de Janeiro de 2010, Processo n.º 30/2009 de que: A simples privação do uso de um bem confere ao seu proprietário direito a indemnização por perda temporária da fruição, que consiste na atribuição ou restituição do valor correspondente, equivalente, na prática, ao valor de uso atinente ao período de privação. [carregados nossos]
- O dano da privação do uso não é, portanto, um dano abstracto como entendeu o Tribunal a quo, mas um dano concreto de per si, logo o critério determinativo da sua medida consiste no valor de uso ou valor locativo de que ficou privado o titular da coisa, e não se ele teria ou não recebido o respectivo valor de uso (rendas) se a ocupação ilícita não tivesse ocorrido.
- Pelo que como se escreveu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/23/2004, Processo: 1386/04, relatado por Sousa Pinto: Mesmo que não se prove que o proprietário no decurso do período em que esteve privado do seu imóvel o teria arrendado, não está afastado o seu direito a ser indemnizado, com base em juízos de equidade que tenham em conta, designadamente, o valor da fracção autónoma no mercado de arrendamento.
- Decerto tais danos podem ser invocados. E, uma vez provados, podem servir para, com mais rigor, quantificar a indemnização ou permitir a atribuição de um quantitativo superior.
- Mas a simples falta de prova (ou de alegação) desses danos concretos não conduz necessariamente à denegação da pretensão indemnizatória.
- Isto porque a ressarcibilidade do dano, sendo reflexo da mera perda, ainda que temporária, dos poderes de fruição se situa a montante da operação de quantificação, a qual se destina, já não a determinar se o dano existe, mas apenas a avaliar, em termos pecuniários, o desequilíbrio patrimonial causado pela privação do uso.
- Na doutrina, é a posição expressamente assumida por MENEZES LEITÃO e mais recentemente, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Temas da Responsabilidade Civil, Vol I - “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, 2005 - 2.ª Edição.
- É também esta a posição do Prof. Doutor JÚLIO GOMES segundo nos dá conta ABRANTES GERALDES na obra acima referida - “atribuindo relevo à capacidade de decisão exclusiva quanto à utilidade do bem, como uma das componentes do direito de propriedade, considera que este não se esgota na capacidade de dispor ou de alienar, defendendo, assim, que a privação deve ser ressarcida” (pág. 56), defendendo claramente o ressarcimento da privação do uso, como contrapartida da perda da “capacidade de decisão exclusiva quanto à utilização do bem” durante o período de privação in “O Conceito de Enriquecimento”, pág. 278.
- Dos juízos de equidade - Também AMÉRICO MARCELINO in “Acidentes de Viação e responsabilidade Civil”, 6.ª edição, pág. 402, assevera que a privação do uso e fruição da coisa «como componente do direito de propriedade não pode deixar de ter um preço. Saber da sua medida, maior ou menor, já será outra questão a resolver, eventualmente ao abrigo da equidade.
- O recurso à equidade está, pois, legitimado por este preceito - há disposição legal que o permite (artigo n.º 6 do artigo 560.° ex vi do 3.°, alínea a) do C. Civil): neste caso, o recurso à equidade surge como critério de regulação ou decisão do caso, “pois permite que este seja resolvido por via jurisdicional ou mediante juízo de equidade ou arbitral (ex aequo et bano), sem recurso a uma norma legal preestabelecida” (vide BIGOTTE CHORÃO, in “Temas Fundamentais de Direito”, pág. 87 e ss.).
- Em alternativa, podia o Tribunal a quo ter optado pelo mecanismo da condenação genérica previsto no artigo 564/2 do CPC.
- Assim, considerando que as AA. estiveram privadas do uso das fracções desde Agosto de 1996 em diante, o prejuízo das AA. correspondente ao respectivo valor locativo ou de uso (rendas) cifrou-se em MOP20,920.00x141 (141 meses), i.e., em MOP2,948,592.00 (dois milhões, novecentas e quarenta e oito mil, quinhentas e noventa e duas Patacas) até à data da proposição da presente acção em Maio de 2008 e em MOP4,838,l68.40 (MOP20,920.00 x 231.27 meses) até à data em que cessou a ocupação.
- Logo, a não proceder o valor indicado no pedido (g), devia o valor da compensação pela privação ilícita do uso das fracções ter sido arbitrado pelo Tribunal a quo com base em juízos de equidade ou sido relegada a sua determinação para liquidação de sentença.
- Do pedido (h) - O pedido de condenação dos RR. no pagamento da mensal de MOP$20,920.00 (vinte mil, novecentas e vinte patacas) até efectiva desocupação e entrega das fracções foi julgado improcedente.
- Sucede que ficou provado, por mero cálculo aritmético dos valores constantes das respostas aos quesitos 32 a 35 da base instrutória, que o valor locativo das fracções era de cerca de MOP$20,920.00.
- Logo, se o dano da privação do uso é um dano real, e se tal privação resultou da ocupação ilícita das fracções em causa pelos recorridos, tal é o bastante para determinar o ressarcimento através da única via possível, isto é, mediante a atribuição de uma compensação em dinheiro, com o que se consegue o duplo objectivo de colocar no património das AA. uma prestação pecuniária correspondente ao valor de uso das fracções ocupadas, ao mesmo tempo, evitar a manutenção na esfera jurídica dos RR. dos ganhos que alcançaram, sem qualquer legitimidade, à custa das AA.
- Da coerência lógica e da unidade do sistema jurídico - Assim impõe a lógica e coerência do sistema jurídico que, no artigo 1027 do CCivil não faz depender a indemnização da privação do uso aí prevista da prova da existência de uma utilização lucrativa que o proprietário daria ao locado, bastando a falta de cumprimento oportuno da obrigação de restituição do bem.
- Discorda-se, assim, da sentença recorrida, na parte em que negou o direito de indemnização com fundamento na falta de prova dos danos que, em concreto, teriam resultado da privação do uso das fracções provocado pela ocupação ilícita desenvolvida pelos RR. desde Agosto de 1996 em diante, ou seja, na faltas de prova de que as Autoras teriam recebido as rendas respectivas se a ocupação não tivesse ocorrido.
- Deveriam pois ter procedido os pedidos (g) e (h), tendo a sentença violado o disposto nos artigos 1229, 556/1 e 558/1 e 560/1-5-6 do CCivil e 564/2 do CPC, na parte que absolveu os RR.
- Das alíneas (a) e (b) do artigo 30.º da petição inicial - Não ficou, pois, destituído de interesse apreciar a questão de saber qual das Autoras gozava do direito de ser indemnizada, por, conforme visto, a ressarcibilidade do dano não depender da alegação e prova dos elementos que permitissem a sua quantificação imediata.
- Assim, ao optar por julgar improcedente o pedido (f) sem resolver as questões relativas à determinação do titular do direito indicadas nas alíneas ( a) e (b) do artigo 30.º da petição inicial conforme requerido no pedido (f), o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento por nada prejudicar ao seu conhecimento, o qual, aliás, se impunha por força dos artigos 563/2-3, 564/2 e 567, primeiro período, do CPC.
- Do enriquecimento sem causa - Por outro lado, sempre a situação encontraria eco nas regras do enriquecimento sem causa.
- É que, não obstante as AA. não terem equacionado a questão nestes precisos termos, o certo é que a factualidade integrante de tal causa de pedir se encontra provada.
- Com efeito, um dos casos típicos de crédito por restituição do enriquecimento é o da intromissão em direitos ou bens jurídicos alheios sob a forma de uso ou fruição (cfr. ANTUNES VARELA, “Direito das Obrigações”, vol I, 103 ed., p. 473 e 479).
- No caso “sub judice”, é indiscutível o aproveitamento pelos RR. de vantagens das fracções em causa durante o período em que perdurou a ocupação ilícita.
- Poderá o Direito ficar indiferente a uma tal situação de alguém que beneficia de bens alheios à custa e contra a vontade do respectivo titular?
- Seguramente que não, pois tal solução repugnaria ao mais elementar senso jurídico.
- E o certo é que o Direito tem solução: o instituto do enriquecimento sem causa, cujos requisitos se verificam in casu.
- A ausência de causa justificativa reconduz-se, grosso modo, à ausência de título ou fundamento jurídico enquanto o enriquecimento foi obtido à custa de quem requer a restituição (doutrina da destinação ou da afectação dos direitos absolutos).
- Na feliz síntese do Prof. A. VARELA: “A pessoa que intrometendo-se nos bens jurídicos alheios consegue uma vantagem patrimonial, obtêm-na à custa do titular do respectivo direito, mesmo que este não estivesse disposto a realizar os actos donde a vantagem procede. A aquisição feita pelo intrometido carece de causa porque, segundo a tal correcta ordenação jurídica dos bens, a vantagem patrimonial alcançada pelo enriquecido pertence a outra pessoa - ao titular do direito. Trata-se de uma vantagem que estava reservada ao titular do direito segundo o conteúdo da destinação desse direito” (cfr. “Direito das Obrigações”, Vol. I, p. 492-493).
- Sendo inquestionável que a ocupação e o uso do prédio implicou um enriquecimento injustificado dos RR à custa da 1.ª ou da 2.ª Autora, a consequência jurídica é a imposição aqueles da obrigação de restituir o enriquecimento (artigo 467/1 do CC).
- Nada obstando a que se conheça desta questão em sede de recurso, conquanto se mostrem alegados e provados os factos integrantes dos requisitos do enriquecimento sem causa, visto o Tribunal não se encontrar sujeito às alegações das partes em matéria de direito (jus novit curia; la Cour sait le droit).
- Nessa medida, ao Tribunal é lícito, ao abrigo do disposto na primeira parte do artigo 567.° do CPC, convocar as disposições legais aplicáveis de forma a dar provimento ao pedido até onde for nelas sustentável.
- Qual então o valor correspondente ao que foi obtido à custa do empobrecido?
- Segundo a sentença recorrida: ... está provado que as três fracções autónomas têm, no total, uma área de construção de 2538 pés quadrados (885 x 2 + 768) e a renda por pé quadrado de área de construção era de MOP$8,00 até 2011 tendo o valor em questão sofrido aumento progressivo desde então.
- Com efeito, os AA alegaram determinados valores para o valor locativo, tendo os pontos da base instrutória que os contemplaram obtido resposta afirmativa (cfr. respostas aos quesitos 32 a 35 da base instrutória).
- Ficou assim provado, por mero cálculo aritmético, que o valor locativo das fracções era de cerca de MOP$20,920.00/mês, sendo tal valor locativo (multiplicado pelo numero de meses da ocupação) a medida da obrigação de restituição.
- Alternativamente, a condenação na restituição do enriquecimento em valor ilíquido é legalmente possível, face à redacção do artigo 564/2 do CPC.
- Com efeito, não se tendo provado o valor do enriquecimento a restituir, tal não impedia a condenação das rés a restituir aquele que viesse a provar-se em incidente de liquidação nos termos do disposto no artigo 564/2 do CPC.
- Por conseguinte, no que concerne ao crédito de restituição fundado em enriquecimento sem causa, impõe-se condenar os recorridos - a pagarem restituindo, a quantia correspondente ao valor locativo das três fracções em causa no período da ocupação ilícita compreendido entre Agosto de 1996 e Julho de 2015 no valor já líquido de MOP4,838,168.40, ou no que se vier a liquidar ulteriormente em execução de sentença.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- O 1º Réu é sócio e gerente-geral das 3ª e 4ª Rés (alínea A) dos factos assentes).
- A 2ª Ré, mulher do 1º Réu, é sócio gerente da 4ª Ré (alínea B) dos factos assentes).
- A 1ª Autora é titular de direito de concessão por arrendamento, incluindo a propriedade sobre as fracções autónomas designadas pelas letras “A20”, “B20” e “C20”, “D20”, “E20” e “F20” do prédio “XXX” sito em Macau, na freguesia de Sé, na Alameda D. Carlos D’ Assumpção, com os números de polícia XXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº XXX a folhas 34 do Livro XXX (alínea C) dos factos assentes).
- Até 20 de Maio de 1998, o J era sócio e administrador da 2ª Autora (alínea D) dos factos assentes).
- Até 30 de Novembro de 1998, o J era sócio e administrador da Sociedade de Administração de Propriedades XX (alínea E) dos factos assentes).
- As fracções autónomas referidas em C) são contíguas e originariamente foram construídas com paredes divisórias entre si, consubstanciando espaços físicos autónomos, cada uma com uma porta de entrada a partir do hall do 20º andar (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- As 3ª e 4ª Rés chegaram a exercer a sua actividade comercial na Alameda Dr. Carlos D’ Assumpção, nºs XXX, Edifício XXX, nas XXX andar (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- Os 1º e 2ª Réus celebraram, no dia 20 de Maio de 1996, um contrato-promessa de compra e venda com a 1ª Autora, nos termos do qual os 1º e 2ª Réus prometeram comprará 1ª Autora, e esta prometeu vender-lhes as fracções “E20” e “F20” identificada em C) dos factos assentes (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Nesse acto, a 1ª Autora era representada pela “Sociedade de Fomento Predial K, Limitada”, com poderes para o acto conferidos por procuração anteriormente passada pela mesma (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Na sequência de tal contrato, os 1º e 2ª Réus instalaram-se nas referidas fracções “E20” e “F20” (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- Por três documentos particulares outorgados no dia 7 de Junho de 1996, a 1ª Autora prometeu vender à 2ª Autora, e esta prometeu comprar à primeira, as fracções “A20”, “B20” e “C20” identificadas em alínea C) dos factos assentes (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Em Julho de 1996, os 1º e 2ª Réus dirigiram-se à 2ª Autora, entrando em negociações com vista à aquisição das fracções “B20” e “C20” do 20º andar do Edifício XXX (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- Na altura, os 1º e 2ª Réus queriam unificar as fracções “B20” a “F20” (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- A 2ª Autora autorizou que os 1º e 2ª Réus ocupassem as fracções “B20” a “F20” atenta a probabilidade de se chegar a acordo (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- Porém, não foi celebrado entre a 2ª Autora e os 1º e 2ª Réus qualquer contrato-promessa de compra e venda ou de cessão de posição contratual, ou qualquer outro contrato referente às referidas fracções (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- Os 1º a 4ª Réus ocuparam as fracções prediais “B20”, “C20” e “D20”, desde princípios de Agosto de 1996 (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- E continuam a ocupá-las até hoje (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- Não obstante as várias oposições levadas a cabo pela 2ª Autora, entre elas a Acção de Restituição de Posse CV2-99-0001-CPE, intentada em 02 de Julho de 1999 (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- Em data não apurada mas depois da ocupação, os 1º e 2ª Réus demoliram as paredes divisórias interiores das fracções “B20”, “C20”, “D20”, “E20” e “F20” (resposta aos quesitos das 16º e 17º da base instrutória).
- Desde então, passaram a ocupar as fracções “B20” e “C20”, sem autorização e contra a vontade expressa da 2ª Autora (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- Os Réus eliminaram as portas de entrada nas fracções “B20” e “C20” que davam para o hall do 20º andar (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- Construindo em seu lugar uma parede exterior de mármore ao longo das fracções “B20”, “C20” e “D20”, com uma única porta de entrada a partir do hall do 20º andar (resposta ao quesito da 20º da base instrutória).
- Os 1º e 2ª Réus colocaram dois portões de ferro no corredor do 20º andar do Edifício XXX, que constitui parte comum do prédio (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
- Portões esses que impedem a passagem e circulação para as fracções “A20”, “B20”, “C20, “D20”, “E20” e “F20” daquele andar (resposta ao quesito da 22º da base instrutória).
- Os 1º a 4ª Réus acabaram por ocupar, desde princípios de Agosto de 1996, a fracção “A20” do 20º andar do Edifício XXX (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
- Passando a utilizá-la, como armazém e depósito de materiais diversos (resposta ao quesito da 24º da base instrutória).
- Sem qualquer autorização por parte das Autoras (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
- Não obstabte as inúmeras insistências e avisos da 2ª Autora no sentido de os 1º a 4ª Réus devolverem as fracções “A20”, “B20” e “C20” (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
- Os 1º a 4ª Réus têm-se recusado a proceder à sua devolução, continuando a ocupá-las contra a vontade expressa da 2ª Autora (resposta ao quesito da 28º da base instrutória).
- Desde Agosto de 1996, as Autoras viram-se privadas, até ao momento, da utilização das mesmas, bem como do gozo dos possíveis frutos (resposta ao quesito da 31º da base instrutória).
- O valor de mercado, para arrendamento, das fracções referidas em C) dos factos assentes, era de MOP$8,00 patacas por pé quadrado até 2011 tendo o valor em questão sofrido aumento progressivo desde então (resposta ao quesito da 32º da base instrutória).
- As fracções “A20” e “B20” têm, cada uma, 637 pés quadrados de área de útil e 885 pés quadrados de área de construção (resposta ao quesito da 33º da base instrutória).
- A fracção “C20” tem 736 pés quadrados de área de construção (resposta ao quesito da 34º da base instrutória).
- Para efeito de determinação do valor de mercado, é tida em conta a área de construção (resposta ao quesito da 35º da base instrutória).
- Por procuração outorgada em 26 de Maio de 1992,a 1ª Autora constitui à Sociedade de Fomento Predial K, Limitada, a sua procuradora para praticar todos os actos relativo ao terreno designado por Lote “N17” na Zona dos Novos Aterros do Porto Exterior (NAPE), descrito sob o nº 21936, a fls. 34 do Livro B-104-A, com os poderes constantes no documento a fls. 273 a 277 que aqui sé dá por integralmente reproduzido (resposta ao quesito da 36º da base instrutória).
- Com a outorga da procuração referida na resposta ao quesito 36º, a 1ª Autora pretendia dar execução a um acordo prévio de transmissão do seu direito ao contrato de concessão em relação ao terreno designado por lote “N17” para a Sociedade de Fomento Predial K, Limitada (resposta ao quesito da 37º da base instrutória).
- A Sociedade de Fomento Predial K, Limitada em representação da 1ª Autora constituiu hipoteca sobre o terreno em causa a favor do Banco Luso Internacional SARL, para obter para si facilidade bancários gerais até ao limite do HKD$35.000.000,00 (resposta ao quesito da 39º da base instrutória).
- Em 1996, J celebrou com o 1º Réu um contrato pelo qual, este se comprometia a fazer obras de decoração nas fracções autónomas “H”, “I” e “J” do 20º andar do edifício “XXX” (resposta ao quesito da 45º da base instrutória).
- O 1º Réu solicitou ao J a apresentar um projecto de modificação para juntar as fracções “B”, “C”, “D”, “E” e “F”, do 20º andar, do edifício “XXX” (resposta ao quesito da 50º da base instrutória).
- Assim, em 08 de Novembro de 1996, o J, em representação da Sociedade de Fomento Predial K, apresentou um projecto de modificação subscrito pelo arquitecto L, para juntar as fracções “B”, “C”, “D”, “E” e “F” do 20º andar, do edifício “XXX” (resposta ao quesito da 51º da base instrutória).
- Na mesma data, foi apresentado projecto de modificação, consistente na junção das fracções “N” e “O” do rés-do-chão, do mesmo edifício pelo J, em representação da Sociedade de Fomento Predial K (resposta ao quesito da 52º da base instrutória).
- O que consta das respostas aos quesitos 19º a 22º (resposta ao quesito da 58º da base instrutória).
- Desde a data da entrega das fracções autónomas “E” e “F” ao 1º Réu, este passou a comportar-se como seu dono, com a convicção de o ser, à vista de toda a gente, sem qualquer contestação ou oposição (resposta aos quesitos das 61º a 68º da base instrutória).
- A empresa de administração do condómino “Sociedade Administração de Propriedades XX Limitada” sempre apresentou ao 1º Réu para que o mesmo proceda ao seu pagamento (resposta ao quesito da 69º da base instrutória).
- Nos contratos aludidos na resposta ao quesito 6º, J e M outorgaram na qualidade de representante da Sociedade de Fomento Predial K, Limitada, a qual actuou como procuradora da 1ª Autora, e J, por outro lado, outorgou na qualidade de representante da 2ª Autora (resposta ao quesito da 71º da base instrutória).
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III – Fundamentação:
A) Do recurso interlocutório:
O objecto deste recurso consiste em saber se o direito de “utilização exclusiva” das fracções autónomas invocado pela 2ª Autora como causa de pedir é ou não uma causa de pedir distinta da posse já julgada noutro processo e declarada como excepção de caso julgado no despacho saneador de que se recorre.
Na sua óptica dos Réus, a resposta é negativa, já que esse direito de “utilização exclusiva” só poderia ser exercido através da posse.
Quid iuris?
Adiantamos desde já que não lhes assiste razão.
Vejamos a razão de ser.
Como é sabido, a posse pressupõe a verificação cumulativa do elemento objectivo (o corpus) e o elemento subjectivo (o animus possidendi).
Nesta conformidade, para saber se o alegado direito de “utilização exclusiva” das fracções autónomas invocado pela 2ª Autora como causa de pedir estar ou não abrangido na excepção do caso julgado do acórdão do TUI de 01/12/2001, proferido no Proc. nº 42/2004, é necessário analisar com que fundamento é que foi negada a posse da 2ª Autora sobre as fracções autónomas em causa naquele processo.
Pois, apesar a posse incluir também o direito de utilização, a inexistência da posse nem sempre implicaria a inexistência do direito de utilização, já que como já referimos anteriormente, a posse pressupõe a verificação simultânea de corpus e animus possidendi, pelo que poderia verificar-se a existência do primeiro elemento sem se verificar do segundo, ou vice-versa.
Segundo o acórdão do TUI em referência, a posse da 2ª Autora foi negada por não estar provado o pressuposto de animus possidendi, não obstante estar provado o corpus da posse.
Ora, não tendo negado a posse da 2ª Autora com fundamento na não verificação do corpus, não se pode dizer que o alegado direito de “utilização exclusiva” está abrangido no caso julgado da inexistência da posse do acórdão do TUI.
Face ao expendido, é de negar provimento ao recurso interlocutório.
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B) Do recurso principal:
1. Da impugnação da matéria de facto:
Vêm as Autoras impugnar a decisão da matéria de facto relativamente aos quesitos 16º, 18º, 29º, 30º e 72º da Base Instrutória.
Vamos analisar um por um.
Quesito 16º: “Em princípio de Agosto de 1996, os 1º e 2ª RR. demoliram as paredes divisórias interiores das fracções “F20” e “E20”, “E20” e “D20”, “D20” e “C20” ?”
Resposta: “Em data não apurada mas depois da ocupação, os 1º e 2ª RR. demoliram as paredes divisórias interiores das fracções “B20”, “C20”, “D20”, “E20” e “F20”.”
Para as Autoras, este quesito devia ter ficado provado que “no ano de 1996, depois da ocupação, os 1º e 2ª RR. demoliram as paredes divisórias interiores das fracções “B20”, “C20”, “D20”, “E20” e “F20”.”
Ou seja, pretendem acrescentar na matéria fáctica considerada como provada o ano concreto da demolição.
Não obstante ficar provado que a solicitação do 1º Réu, foi apresentado em 08/11/1996 o projecto de modificação consistente na junção das fracções autónomas em referência (cfr. resposta ao quesito 51º da Base Instrutória), tal facto não implica necessariamente que a demolição foi feita no ano de 1996.
Uma coisa é a apresentação do projecto de modificação, outra é a realização das obras.
Nada resulta da confissão dos 1º e 2ª Réus que as obras de demolição iniciaram no ano de 1996.
Em relação à prova testemunhal indicada, cumpre-nos dizer que a testemunha I não tem conhecimento directo dos factos, mas sim indirecto, pois apenas ouviu dizer que a demolição tinha sido no ano de 1996.
No que respeita à outra testemunha H, esta declarou que a demolição tinha sido ocorrida em Julho ou Agosto do ano de 1996.
Ora, esta versão não está em conformidade com os factos provados e vertidos no quesito 51º da Base Instrutória.
Se só em Novembro de 1996 é que se apresentou o projecto de modificação consistente na junção das fracções autónomas, as obras de demolição não poderiam ser começadas em Julho ou Agosto do mesmo ano.
Face às divergências verificadas e não tendo outros elementos probatórios, andou bem o Tribunal a quo em não considerar provada a data concreta da demolição.
Improcede, portanto, a impugnação da matéria de facto relativa ao quesito 16º da Base Instrutória.
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Quesito 18º: “Desde então, passaram a ocupar as fracções “B20” a “D20”, sem autorização e contra a vontade expressa da 2ª Autora?”
Resposta: “Desde então, passaram a ocupar as fracções “B20” a “C20”, sem autorização e contra a vontade expressa da 2ª Autora.”
No entendimento das Autoras, este quesito devia ter ficado provado que “Desde Julho ou Agosto de 1996, passaram a ocupar as fracções “B20” a “D20”, sem autorização e contra a vontade expressa da 2ª Autora”.
Como fundamento da impugnação, indicaram a seguinte passagem da gravação do depoimento da testemunha H:
   Gravação: Translator 2 – Recorded on 23-Oct-2014 at 12.16.17 (13MWDP#G05111270)
   00:30 律師:知唔知由幾時開始呢,兩名被告C同F同埋XX啦,即係兩間XX公司啦,幾時開始,係使用B、C、D呢D單位啊?
   00:51 證人:呃,佢地係96年到就已經用緊嫁啦!
   01:00 律師:咁邊個月份呢,96年。
   01:04 證人:96年,呃,大約都係7、8月就上下到用緊嫁啦!
Quid iuris?
Como é sabido, o Tribunal que procedeu ao julgamento da matéria de facto aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (cfr. artº 558º, nº 1 do CPCM).
Por outro lado, o Tribunal que procedeu ao julgamento da matéria de facto beneficia ainda o princípio da imediação, por ter um contacto directo com as testemunhas inquiridas.
“Com efeito, não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/08/2009, Proc. nº 2978/07.4TJLSB.L1-2, in www.dgsi.pt.).
Deste modo, a reapreciação da matéria de facto por parte deste TSI tem um campo relativamente limitado, pois, só aos casos em que ocorre uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação, isto é, só se modifica a decisão da matéria de facto quando se se detectarem no processo de formação da convicção do julgador erros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
No mesmo sentido, veja-se o Ac. do TSI, de 18/02/2016, proferido no Proc. nº 702/2013, e ao nível do direito comparado, veja-se o Ac. do STJ, de 21/01/2003, Proc. nº 02A4324, in www.dgsi.pt.
No caso em apreço, tendo em conta o teor do depoimento acima transcrito, não achamos que existe algum erro julgamento por parte do Tribunal a quo, pois o depoimento da testemunha em causa não aponta necessariamente uma decisão diversa da recorrida.
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Quesito 29º: “A partir de 1 de Abril de 2008, contra a vontade expressa da 1ª A.?”
Resposta: Não provado.
Quanto a esta matéria, entendem os recorrentes que devia ter ficado provado.
Como fundamento da impugnação, indicaram a seguinte passagem da gravação do depoimento da testemunha H:
   Gravação: Translator 2 – Recorded on 23-Oct-2014 at 12.24.34 (13MWOQAW05111270)
   05:07 法官:後來尼你地就吾俾啦?
   05:09 證人:吾俾...我地吾俾佢地用...係因為我地想砌番d牆,甘入吾到去啊嘛,得一個門口啊嘛。
   05:18 法官:但係你地點解吾俾佢地用後來?佢當時話諗住買...諗住幫佢地裝修俾佢地用啊嘛,甘後來點解吾俾尼?
   05:25 證人:後來後來因為佢無,從來都無同我地裝修過...果個HIJ同埋er..er佢佢果個費用又無俾,啫佢吾...話同我地買但實質佢都無俾過錢,甘點...甘咪吾俾佢用囉。
   Gravação: Translator 2 – Recorded on 23-Oct-2014 at 12.30.53 (13MWX)LW05111270)
   00:01 法官:因為尼我地要搞清邊個下,當你講我地旣時候尼係講緊你老闆J,係咪啊?
   00:06 證人:係。
   00:07 法官:實際佢係代表緊邊個你就吾知啦係咪?只係知道就係話J最初個陣時俾佢地係到既,後來尼因為佢地又話買但又吾俾錢,跟住話裝修又無裝修甘所以尼你地你老闆尼就J想攞番,係咪?
   00:24 證人:係啦
   00:37 律師:咁知唔知幾時開始,係唔批准佢地係哥到呀?
   00:41 證人:呃,因為,大約,我就唔好清楚啦,2000...千禧...2000到我地已經追緊佢地嫁啦。
Pelas mesmas razões acima já expostas, é de julgar improcedente a impugnação da matéria de facto nesta parte.
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Quesito 30º: “As AA. não autorizaram a 5ª R. a ocupação das fracções “A20”, “B20” e “C20”?”
Quesito 72º: “A 5ª R. ocupa e exerce a sua actividade nas fracções “B20” a “F20” do Edifício “XXX” mencionado na alínea C) dos factos assentes?”
Para as Autoras, estes dois quesitos deviam ser considerados como provados.
Como fundamento da impugnação, indicaram os seguintes elementos probatórios:
- A 5ª Ré foi devidamente citada e não apresentou qualquer contestação, pelo que por força do nº 1 do artº 405º do CPCM, as matérias em causa deviam ser consideradas como reconhecidas por confissão; e
- As fotos de fls. 96 e 97 mostram que havia dois placares, um nas fracções, outro no corredor, com nome da 5ª Ré, o que evidenciam que ela ocupava e exercia a sua actividade nas fracções “B20” a “F20”.
Cremos que lhe assiste razão, pois, face à não contestação da 5ª Ré, tais factos devem ser considerados reconhecidos por confissão, uma vez que são factos que lhe dizem respeito e não se verifica qualquer excepção prevista no artº 406º do CPCM.
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2. Do mérito da causa:
O Tribunal a quo absolveu os Réus dos pedidos de indemnização formulados pelas Autoras sob as al. G) e H) por entender que “nada foi alegado e, como tal, nada ficou provado que as Autoras teriam recebido as rendas respectivas se o ocupação não tivesse ocorrido”.
Em consequência, considerou prejudiciado o conhecimento do pedido F).
Para as Autoras, a simples privação ilegal do uso já integra um prejuízo ressarcível, em si já constitui um direito à indemnização, não sendo exigível, portanto, que o lesado prove a concreta existência de prejuízos decorrentes do não recebimento de rendas que os imóveis lhe teriam proporcionado, caso os mesmos não estivessem ocupado pelos Réus.
Quid iuris?
Concordamos com a posição das Autoras.
Porém, as Autoras não formularam os pedidos de indemnização com base na simples privação ilegal do uso, mas sim na perda dos lucros cessantes, a saber (artºs 89º a 99º da petição inicial):
“89º
   Face à situação de ocupação abusiva e gratuita das fracções “A20”, “B20”, “C20” e “D20” por parte dos RR., as AA. viram-se privadas, desde Agosto de 2006 e até ao momento, da utilização das mesmas, bem como do gozo dos possíveis frutos, uma vez que se encontram esbulhadas da sua posse.
90º
   O que tem vindo a causar prejuízos avultados, designadamentc a título de lucros cessantes, uma vez que as AA. estiveram e estao ate hoje impedidas de arrendar as refendas fracçoes.
91º
   Se as referidas fracções prediais fossem arrendadas facilmente se obteria um rendimento mensal total de MOP$14,433.12, calculado nos seguintes termos e tendo em conta que o valor de mercado, para arrendamento, das ditas fracções, é de MOP$8.00 patacas por pé quadrado.
92º
   Refira-se que, não obstante as fracções “A20” e “B20” terem, cada uma, 59,18 metros quadrados de área de útil, o que equivale a 637.01 pés quadrados, cada uma, a respectiva área de construção é de 923 pés quadrados cada uma.
93º
   E que a fracção “C20” tem 49,25 metros quadrados de área útil, o que equivale a 530.12 pés quadrados, e 768 pés quadrados de área de construção.
94º
   Para efeitos de determinação de valor de mercado, é tida em conta a área de construção.
95º
   O que resultaria num valor de 923 x 2 x 8 + 768 x 8 = 14,768.00 + 6.144.00 = MOP$20,920.00 (vinte mil, novecentas e vinte Patacas) de prejuízo mensal.
96º
   Desde Agosto de 1996 até ao momento (Maio de 2008) decorreram já 141 meses, pelo que o prejuízo sofrido pelas AA. se cifra actualmente em 20,920.00 x 141 = 2,948,592.00 (dois milhões, novecentas e quarenta e oito mil, quinhentas e noventa e duas Patacas).
97º
   Não se considera a fracção “D20” em virtude da acção judicial em curso relativamente à mesma, que se encontra em fase de recurso.
98º
   Se não fosse a ocupação abusiva e gratuita das fracções prediais em apreço, por parte dos RR., as AA. com certeza teriam arrendado as mesmas pelos valores mensais acima expostos,
99º
   E consequentemente teriam auferido o correspondente rendimento.”
Segundo o princípio dispositivo previsto no artº 5º do CPCM, cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
E o juíz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artºs 434º e 568º do CPCM e da consideração oficiosa dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa – nº 2 do artº 5º do CPCM.
Nesta conformidade, tendo as Autoras configurado a causa de pedir dos pedidos de indemnização na perda de lucros cessantes a títulos de rendas não recebidas, andou bem o Tribunal a quo em exigir a verificação concreta de tais prejuízos para a procedência dos pedidos.
Disse a sentença recorrida que “nada foi alegado e, como tal, nada ficou provado que as Autoras teriam recebido as rendas respectivas se o ocupação não tivesse ocorrido”.
Salvo o devido respeito, trata-se duma afirmação incorrecta na medida em que as Autoras alegaram nos artºs 98º e 99º da petição inicial que “Se não fosse a ocupação abusiva e gratuita das fracções prediais em apreço, por parte dos RR., as AA. com certeza teriam arrendado as mesmas pelos valores mensais acima expostos” e “consequentemente teriam auferido o correspondente rendimento.”.
É certo que estes factos não foram considerados como provados, porque não foram seleccionados para a Base Instrutória.
Verifica-se, assim, uma insuficiência do julgamento da matéria de facto, o que urge a sua reparação nos termos do nº 4 do artº 629º do CPCM.
Pelo exposto, é de determinar oficiosamente a ampliação do julgamento da matéria de facto de modo a abranger os factos vertidos nos artºs 98º e 99º da petição inicial.
Em consequência, a sentença recorrida na parte que diz respeito aos pedidos F), G) e H) das Autoras não pode subsistir, já que o Tribunal a quo tem de decidir de novo sobre os mesmos, tendo em conta o resultado do novo julgamento.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento ao recurso interlocutório, confirmando a decisão recorrida;
- alterar a decisão da matéria de facto relativamente aos quesitos 30º e 72º nos termos acima consignados;
- anular a sentença recorrida na parte que diz respeito aos pedidos F), G) e H) das Autoras; e
- determinar oficiosamente a ampliação do julgamento da matéria de facto nos termos acima consignados.
*
Custas do recurso interlocutório pelos 1º, 3ª e 4ª Réus.
Custas do recurso principal a contar no final.
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Notifique e registe.
*
RAEM, aos 07 de Abril de 2016.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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8/2016