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Proc. nº 976/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Abril de 2016
Descritores:
-Sepulturas perpétuas
-Aquisição
-Documento ad probationem

SUMÁRIO:

I. De acordo com o §2º do art.28º do Regulamento dos Cemitérios Municipais, aprovado pela Portaria nº 4047, in Boletim Oficial de 19/10/1946, a certidão do parágrafo da acta em que constava o deferimento do pedido, bem como o recibo da tesouraria da Câmara, constituíam o título de propriedade da sepultura, jazigo ou gaveta-ossário. Eram documentos ad probationem.

II. Se a Administração não possuir livros de registos das aquisições dessa época, não se poderá dar por adquirida a sepultura perpétua se o interessado não possuir aqueles documentos de aquisição por parte dos seus parentes já falecidos.

III. O facto de o requerente ter numa determinada sepultura de um cemitério inumado o corpo de um familiar seu não impõe que seja deferido o pedido deste em inumar um outro familiar recentemente falecido ao abrigo do art. 26º do Regulamento Administrativo nº 37/2003, uma vez que esta disposição apenas ressalva os direitos dos particulares relativos às sepulturas perpétuas “adquiridas”, para o que se mostra necessária a posse dos documentos probatórios referidos em I.













Proc. nº 976/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Introdução
A e B, irmãos, com os demais sinais dos autos, interpuseram no T.A. (Proc. nº 1083/14-ADM) recurso contencioso do despacho proferido pelo Senhor Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (I.A.C.M.), datado de 20/02/2014, pelo qual foi indeferido o seu pedido de junção dos ossários da mãe dos recorrentes na sepultura n.º C do Cemitério do Carmo da Taipa, invocando para tal os vícios de forma por falta de fundamentação e de violação da lei por desrespeito aos direitos adquiridos e pedindo subsidiariamente.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou o recurso improcedente.
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É contra essa sentença que ora se insurgem os recorrentes, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
«(a) Ficou provado na sentença recorrida que os requerimentos submetidos, pelo 1.º Recorrente, ao IACM em 27 de Fevereiro de 2006 e em 13 de Junho de 2006 foram integralmente objecto de deferimento;
(b) Em consequência, o 1.º Recorrente foi autorizado, em 2006 e na Campa C do Cemitério do Carmo na Taipa, a:
i. exumar os restos mortais de D, sua tia falecida em 19XX;
ii. inumar o corpo do seu pai falecido em Fevereiro de 20XX;
iii. juntar o ossário da sua tia com o caixão do seu pai; e
iv. realizar obras naquela Campa C.
(c) Tais deferimentos, ao contrário do que é defendido pelo IACM, não podem ser considerados meros “lapsos administrativos” porquanto foram alvo de despacho de autorização que consubstanciam inequivocamente actos administrativos;
(d) Quando muito, esses actos administrativos seriam anuláveis, ao tempo em que foram praticados, por infringirem normas então vigentes sobre a prova da titularidade do direito de uso de sepulturas como sepulturas perpétuas;
(e) Seja como for, não foram revogados pelo seu autor, pelo que o vício de que poderiam enfermar se sanou;
(f) O reconhecimento pelo IACM do direito do 1.º Recorrente ao uso, para si e sua família, da sepultura C como sepultura perpétua estava implícito nos aludidos deferimentos;
(g) Em consequência, o IACM praticou, em 2006, um acto administrativo implícito de reconhecimento dos direitos do 1.º Recorrente sobre a mencionada campa;
(h) Sem embargo, o IACM não esclareceu onde estaria o lapso administrativo alegado, uma vez que à data dos pedidos não existia norma legal que impedisse que a prova da titularidade do direito de uso da sepultura como sepultura perpétua se fizesse testemunhalmente que foi o que o 1.º Recorrente fez;
(i) O 1.º Recorrente apresentou em 2006 os seus pedidos ao IACM sustentados na existência de um direito a “sepultura perpétua”, tendo seguido o procedimento na altura imposto pelo IACM;
U) Ou seja, o 1.º Recorrente reivindicou um direito ao abrigo de “sepultura perpétua”, e o IACM por sua vez reconheceu tal “direito relativo a sepultura” ao deferir os seus pedidos;
(k) O mesmo é dizer que o direito dos Recorrentes se cristalizou na esfera jurídica dos mesmos e na relação destes com o IACM;
(l) O Regulamento Administrativo n.º 37/2003 (que revogou o anterior Regulamento dos Cemitérios Municipais), no seu artigo 26.º e sob a epígrafe “Direitos adquiridos”, estabelece que os direitos relativos às sepulturas perpétuas “mantêm-se com o conteúdo e nas condições em que foram adquiridos.”;
(m) O IACM está impedido de negar direitos e interesses legalmente protegidos (por força da sua consolidação na ordem jurídica e em profundo respeito para com o princípios da segurança e confiança jurídica), desculpando-se com a adopção de diferentes práticas administrativas;
(n) O indeferimento do pedido do 1.º Recorrente de 15 de Novembro de 2013 violou, assim, direitos adquiridos, ao negar a transladação dos restos mortais da sua mãe do Cemitério de São Miguel Arcanjo para a sepultura da sua família, sita na Campa C do Cemitério do Carmo, na Taipa;
(o) Em suma, o IACM em 2013 deixou de reconhecer aos Recorrentes o direito que lhes havia reconhecido em 2006 quanto ao uso e fruição da referida sepultura;
(p) O acto de indeferimento pelo IACM padece, face ao exposto, de vício de violação de lei;
(q) A violação ocorre por ofensa directa do artigo 26.º do Regulamento Administrativo n.º 37/2003 e por violação do artigo 130.º do CPA, porquanto, relativamente a este último, o acto recorrido revoga o acto implícito de reconhecimento do direito do 1.º Recorrente ao uso, para si e sua família, da sepultura C como sepultura perpétua, que foi praticado em 2006 e que há muito se tornou irrevogável;
(r) a sentença recorrida, ao decidir pela conformidade com a lei do acto administrativo, fez errada aplicação do direito, pelo que incorre também na mesma violação de lei.
Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, dando provimento ao presente recurso, anule o acto recorrido, instando o IACM à prática de novo acto que, expurgado do vicio que inquina o acto recorrido, defira o pedido que o 1.º Recorrente lhe dirigiu em 15 de Novembro de 2013».
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Não houve resposta ao recurso por parte da entidade recorrida.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«Imputam os recorrentes à douta sentença sob escrutínio “errada aplicação do direito” por, em suma, no que se revela essencial, não ter dado concordância à ocorrência dos vícios de violação de lei imputados ao acto alvo do recurso contencioso.
Mas, não vemos como lhe possa assistir qualquer razão, encontrando-nos, neste passo, em sintonia, na generalidade, com a posição assumida pelo julgador “a quo”, de resto em consonância com a Exma Colega junto daquele tribunal, no sentido de que a simples prova de parentesco entre os inumados e os interessados nos actos funerários não constitui elemento essencial para a determinação da titularidade da sepultura “perpétua”, sendo que, em consonância, a pessoa que consiga fazer prova de relação de parentesco com inumado naquele tipo de sepultura, não prova, simultaneamente, que seja titular do direito, por via sucessória, ou outra, à utilização da sepultura para enterramento de outro falecido, inexistindo a tal propósito, como é óbvio, qualquer ''presunção'' do direito de propriedade.
Por outra banda, não se podem os recorrentes arrogar a titularidade de “direitos adquiridos” a que alude o artº 26º do R.A. 37/2003, pelo mero facto de terem sido anteriormente dadas ao 10 recorrente autorizações para actos funerários na mesma sepultura, relevando-se, a tal propósito, irrelevante a prova dos esforços prestados pelos seus familiares para a manutenção e conservação da campa, para prova do uso respectivo.
Donde, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, afigurando-se-nos correcta a apreciação empreendida pela douta sentença em crise, sermos a entender haver que mantê-la, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso.».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1.º - Em 27/02/2006, o 1.º recorrente apresentou junto do I.A.C.M. um requerimento da junção de inumação do falecido pai na sepultura n.º C do Cemitério do Carmo da Taipa, nele declarou o pai era cunhado da falecida enterrada D (cfr. fls. 5 a 7 e fls. 9 do P.A., cujo teor aqui se dá por inteiramente transcrito).
2.º - Pelo despacho datado de 01/03/2006, a entidade recorrida deferiu o respectivo requerimento do recorrente (cfr. fls. 9 do P.A., cujo teor aqui se dá por inteiramente transcrito).
3.º - Em 22/06/2012, foi elaborada pelo I.A.C.M. a informação n.º 097/GJN/2012, donde consta uma análise da ilegalidade do comprovativo da legitimidade do uso da sepultura perpétua nos cemitérios públicos, mediante a declaração da relação de parentesco entre os inumados e os requerentes interessados pelas testemunhas apresentadas (cfr. fls. 71 a 73 do P.A., cujo teor aqui se dá por inteiramente transcrito).
4.º - Em 15/11/2013, o 1.º recorrente apresentou junto do I.A.C.M. um requerimento de exumação dos restos mortais da falecida mãe da campa sita no Cemitério de S. Miguel para serem inumados na sepultura n.º C do Cemitério do Carmo da Taipa, indicando que os enterrados nesta sepultura incluem o pai dele e a sua tia D (cfr. fls. 33 do P.A., cujo teor aqui se dá por inteiramente transcrito).
5.º - Por despacho de deferimento incorporado na informação n.º 255/SAL/2013 datado de 11/12/2013, a entidade recorrida determinou notificar o 1.º recorrente para apresentar a audiência escrita sobre a decisão que vier a ser tomada, no sentido de indeferir o requerimento da junção dos ossários da falecida mãe do 1.º recorrente pela sua falta de legitimidade do direito de uso da aludida sepultura perpétua, por falta de apresentação do documento comprovativo da aquisição daquela sepultura perpétua e a ausência no arquivo do I.A.C.M. qualquer referência documental respeitante à aquisição (cfr. fls. 81 e 82 do P.A., cujo teor aqui se dá por inteiramente transcrito).
6.º - Em 03/01/2014, o 1.º recorrente apresentou junto da I.A.C.M. a audiência escrita em resposta à notificação acima referida (cfr. fls. 85 a 87 do P.A., cujo teor aqui se dá por inteiramente transcrito).
7.º - Em 07/02/2014, foi elaborada pelo I.A.C.M. a informação n.º 006/SAL/2014, nela consta uma reportagem sobre a sepultura em causa, com o único registo de inumação de “E” datado de 06/04/1965, faltando suporte documental respeitante à data de inumação e ao boletim de óbito da “D” ao lado de um registo feito em 2000 e baseado nos dados de identificação recolhidos das campas instaladas no Cemitério do Carmo da Taipa (cfr. fls. 41 a 43 do P.A., cujo teor aqui se dá por inteiramente transcrito).
8.º - Em 20/02/2014, através do despacho exarado no parecer n.º 029/SAL/2014, a entidade recorrida indeferiu o requerimento da junção deduzido pelo 1º recorrente (cfr. fls. 88 a 90 do P.A., cujo teor aqui se dá por inteiramente transcrito).
9.º - Pelo ofício com n.º de referência 04123/020/SAL/2014 datado de 28/02/2014, foi o 1.0 recorrente notificado do despacho de indeferimento da entidade recorrida de 20/02/2014 (cfr. fls. 91 e verso do P.A.).
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III – O Direito
1 – Questão prévia
Como se pode ver, houve uma ligeira alteração entre o teor da petição inicial (sem conclusões, diga-se) e o da alegação facultativa dos recorrentes.
No articulado inicial, apenas eram invocados dois vícios: o de forma, por falta de fundamentação e o de violação de lei, por ofensa do art. 26º do Regulamento nº 37/2003.
Na alegação, além desses vícios, também se invoca agora o de violação do art. 130º do CPA.
Ora, porque este vício não chegou ao conhecimento dos recorrentes supervenientemente, nomeadamente através da consulta do processo administrativo apensado (cfr. art. 68º, nº3, do CPAC), e porque dele era possível ter sido feita a invocação “ab initio”, não o poderemos apreciar, em obediência aos princípios do dispositivo, da estabilidade objectiva da instância, até mesmo por essa matéria não ser de conhecimento oficioso.
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2 – Do vício de forma
Segundo a causa de pedir manifestada na petição inicial, o acto não se encontraria bem fundamentado.
A sentença discordou. Os recorrentes, porém, no presente recurso, não dirigem à sentença, nessa parte, qualquer censura.
Significa isto que o nosso trabalho consiste unicamente em saber se a decisão recorrida tratou bem o outro vício (violação de lei).
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3 – Do vício de violação de lei
Recordemos, sucintamente, os factos:
a) Na sepultura C do cemitério do Carmo (Taipa) encontram-se as ossadas da tia dos recorrentes, de nome D, falecida em 31 de Dezembro, bem como o caixão contendo os restos mortais do seu pai, de nome A, falecido em 26 de Fevereiro de 2006.
b) Em Dezembro de 2006 faleceu a mãe dos recorrentes, de nome F, que foi sepultada na campa G do cemitério de São Miguel Arcanjo (Macau).
c) Em 27/02/2006 o 1º recorrente requereu ao IACM autorização para (fls. 4-9 do p.a.):
- Exumar os restos mortais de sua tia D;
- Inumar nessa sepultura o seu pai, falecido no dia anterior;
- Juntar na mesma sepultura as ossadas da tia e o caixão do pai.
d) Este pedido foi deferido.
e) Em 13 de Junto, o recorrente formulou um outro pedido com vista a realizar obras nessa sepultura (fls. 2 e 3, p.a.).
f) O pedido referido em e) foi deferido e as obras foram executadas.
g) No dia 15/11/2013 o recorrente requereu a exumação dos restos mortais da mãe da campa do cemitério São Miguel Arcanjo e a sua inumação na sepultura C no cemitério do Carmo da Taipa (fls. 33 do p.a.).
h) Este pedido foi indeferido, após audiência prévia, por decisão de 20/02/2014, (fls. 88-90 do p.a.), com o argumento de que não fora provada a aquisição (por falta de título) da sepultura perpétua C referida do cemitério do Carmo (tradução a fls. 2-5 do apenso “traduções”).
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3.1 – Continuação
Arguiram, então, os recorrentes a violação do art. 26º conjugado com os arts. 13ºe 14º, todos do Regulamento Administrativo nº 37/2003.
Fizeram-no por considerarem que a sepultura nº C lhes pertence desde a inumação ali da sua tia, de nome D, em 31/12/1954, por o seu pai a haver adquirido nessa ocasião.
Vejamos.
Reza assim o art. 25º Regulamento dos Cemitérios Municipais, aprovado pela Portaria nº 4047, in Boletim Oficial de 19/10/1946:
«Art. 25º.
Decorridos 5 anos sobre a data do enterramento, os parentes do defunto ou outros indivíduos interessados pelos mesmos poderão requerer à Câmara a compra da sepultura ou gaveta-ossário para onde desejem transladar os respectivos restos mortais e quando aqueles o não façam a Câmara, por meio de anúncio em um dos jornais da Colónia, convidá-los-á a tomar tal iniciativa no prazo de sessenta dias, a contar da data da publicação do anúncio.
§ único. Decorrido o prazo a que se refere o corpo do artigo, e não tendo aparecido ninguém a solicitar a transladação, a Câmara ordenará a exumação dos restos mortais, que serão lançados na «Vala Comum», a este fim destinada».
E mais adiante:
«Art. 28º.
As pessoas que pretendam adquirir sepulturas perpétuas ou jazigos de família, e bem assim gavetas–ossários, ou fazer junção de um cadáver aos restos mortais de outrem, deverão fazer o pedido à Câmara, por meio de requerimento.
§ 1º. Deferido o requerimento, o chefe de Secretaria da Câmara passará uma guia ao interessado a fim de pagar a respectiva importância na tesouraria da Câmara.
§ 2º. A certidão do parágrafo da acta em que se defere o pedido e o recibo da tesouraria da Câmara constituirão título de propriedade da sepultura, jazigo ou gaveta-ossário».
Vê-se, portanto, que a «compra da sepultura» era possível, tendo as tabelas respectivas, tanto para a «compra», como para o «aluguer de sepultura» sido alteradas pela Portaria nº 6780, in B.O. nº 31, de 5/08/1961.
Pois bem. Quando “adquirida” a sepultura perpétua a favor do interessado, era emitido um recibo de tesouraria comprovativo do pagamento e do respectivo recebimento. Esse recibo, juntamente com a certidão do parágrafo da acta da Câmara, em que consta o deferimento do pedido de aquisição da sepultura, constituíam, segundo a terminologia do art. 28º, o «título de propriedade da sepultura, jazigo ou gaveta-ossário» (destaque nosso).
Este iter procedimental parece-nos fundamental.
É que o recibo podia, isoladamente, não passar de um mero elemento de prova do pagamento. E se esse fosse o caso, não seria absolutamente exigível que um elemento com esse intuito tão singelo – tanto, que não passava da mera revelação do cumprimento de uma obrigação – fosse guardado de geração em geração. E valeria, então, para casos desses, aquilo que pareceria ser mais do que natural e compreensível: à Administração cumpriria provar que o interessado, por si e seus antepassados, nunca tinham adquirido a sepultura, porque lhe cumpria registar (arquivar) os elementos atinentes ao enterramento. Teoricamente, admite-se que se pudesse estar aí, eventualmente, perante a possibilidade de uma inversão do ónus de prova que o art. 337º, nº2 do CC não enjeita e que o art. 55º, nº7 do CPAC igualmente toleraria dentro das circunstâncias ali previstas.
Todavia, no caso em apreço, o recorrente em momento nenhum dos seus articulados disse que não dispunha dos documentos por se terem extraviado ou perdido no interior da entidade administrativa ou, sequer, por nunca terem sido emitidos e entregues ao seu pai falecido. Tal-qualmente não chegou a suscitar nenhuma inversão do ónus de prova nos moldes atrás referidos.
E mais relevante do que isso tudo, está o facto de o próprio “Regulamento dos Cemitérios”, então em vigor, fixar os requisitos demonstrativos do “negócio”.
E, como se viu, o aludido normativo encarava o meio de aquisição como formalidade ad probationem. Ou seja, a posse de tais elementos por parte dos interessados e seus sucessores e a sua exibição posterior, quando necessária, teria um propósito probatório. Sem eles, cairia por terra a possibilidade de provar a aquisição.
Ao concluirmos desta maneira, o que podemos dizer, com toda a segurança, é que o referido Regulamento comete ao adquirente o ónus de demonstração da aquisição.
Tanto quanto nos parece, seria impossível imputar à recorrida, através de um processo de inversão probatória, a necessidade de demonstração de que o recorrente, por si ou pelos seus antepassados, não adquiriu a campa somente pelo simples facto de não ter nos livros próprios o registo dessa aquisição. Face à aludida natureza de formalidade ad probationem, a ausência de tais elementos nos livros de registo de aquisição obriga-nos a admitir (não estamos a afirmá-lo, mas apenas a aceitar essa possibilidade) que o negócio não se chegou realmente a realizar.
Assim, face ao teor da referida norma (art. 28º, §2) e à ausência por parte dos recorrentes de uma argumentação capaz de remeter para a Administração a prova do contrário, não parece restar ao tribunal outra conclusão que não seja a de que os recorrentes não conseguiram provar que o seu pai adquiriu naquela época a referida campa.
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3.2 – Vejamos, ainda assim, se haverá motivo para a afirmação de que o acto em apreço violou direitos adquiridos.
Direitos adquiridos alegadamente assentes no disposto no art. 26º do Regulamento Administrativo nº 37/2003, que dispõe assim:
«Os direitos dos particulares relativos às tradicionalmente designadas “sepulturas perpétuas”, em cemitérios públicos, mantêm-se com o conteúdo e nas condições em que foram adquiridas».
Para os recorrentes, essa afirmação radicaria no facto de:
- Terem sido deferidos os pedidos formulados em 27 de Fevereiro de 2006, no sentido de exumar da campa C do cemitério do Carmo os restos mortais de D, sua tia, de inumar ali os restos mortais de seu pai, falecido no dia anterior (26/02/2006) e juntar o recipiente contendo as suas ossadas ao caixão do seu pai.
- Ter sido deferido o pedido da sua mãe, quando ainda viva – algures entre 1985 e 1987 - para realização de obras na referida campa.
Na tese dos recorrentes o deferimento destes pedidos contém implícito o reconhecimento de que tal campa lhes pertencia em propriedade.
Verdade que o acto implícito não se presume, mas está subjacente a um determinado comportamento da Administração. Exemplo: se a Administração manda abater todas as galinhas dos aviários no quadro de um surto do vírus da “gripe das aves”, está implícita uma decisão que visa evitar a epidemia. Não é disso, porém, que se trata na situação em apreço.
Contudo, esta tese da violação dos direitos adquiridos, já suscitada na petição inicial (ainda que em moldes um tanto mais aperreados do ponto de vista fundamentativo), não procede.
Na verdade, a circunstância de terem sido deferidas aquelas pretensões não altera a realidade material, nem a realidade jurídica do caso. Quer dizer, não é possível afirmar que aquele deferimento tem o sentido de um reconhecimento de que a campa pertencia aos requerentes.
Não se pode, efectivamente, dizer que ali está contido algum acto implícito nesse sentido, até porque essa situação nunca esteve expressamente em causa nos requerimentos então apresentados.
Da mesma maneira, também não podemos inferir, através daquilo que sempre teria que ser um método presuntivo, que a decisão sobre uma coisa acolhe uma outra no seu regaço.
Francamente, em nossa opinião, da decisão administrativa que permitiu a exumação da tia e a inumação do pai dos recorrentes na campa em apreço, bem como a realização de obras nela, apenas se pode concluir que a Administração expressamente deferiu aquilo que lhe foi pedido.
Ora, se quando foram feitos aqueles pedidos já estava em vigor o Regulamento Administrativo nº 37/2003, e se este diploma não permitia a aquisição, nem sequer a concessão a título perpétuo, da sepultura – a única excepção é o direito de uso ao interessado concedido pelo IACM (art. 13º, RA) e o direito de uso prolongado de sepultura, que o Chefe do Executivo concede a determinadas individualidades e em virtude de factos considerados relevantes (art. 14º, RA) – parece mais do que óbvio que do deferimento daquelas pretensões nunca se poderia reconhecer (implicitamente) o que juridicamente não era possível.
A tese dos recorrentes só poderia vingar se o deferimento de tais pretensões fizesse remontar os seus efeitos (implícitos, repetimos) ao momento em que a tia fora inumada na campa C. Só que isso não era possível uma vez que, como se disse, a falta de título ad probationem a que aludimos acima jamais o permitira. Ou seja, não era possível vingar a posição dos recorrentes por, tal como é pressuposto no próprio art. 26º citado, não terem provado o conteúdo e as condições de aquisição. E só nessa medida é que a salvaguarda dessa norma do Regulamento Administrativo 37/2003 lhes podia acudir.
Significa isto, com o devido respeito por diferente entendimento, que este colectivo julgador não pode dar também por violado o conteúdo dos arts. 26º do Regulamento Administrativo 37/2003, em conjugação com o disposto nos invocados arts. 13º e 14º desse mesmo diploma.
Enfim, à falta da necessária demonstração de aquisição da sepultura, não se pode acolher a tese dos recorrentes no presente recurso. O que nos leva a concluir, em suma, que a sentença recorrida não merece censura.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça em 4 UC.
TSI, 07 de Abril de 2016
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José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
_________________________ (Fui presente)
Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong




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