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Processo n.º 556/2015
(Recurso Contencioso)
    
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 14/Abril/2016


ASSUNTOS:
- Autorização de residência; antecedentes criminais


SUMÁRIO :

1. Se o despacho recorrido que indefere um pedido de autorização de residência alude a diversas condenações anteriormente sofridas pelo recorrente e ao perigo para a segurança e ordem públicas que por causa delas na sua pessoa se potencia, se expõe de uma forma clara, congruente e suficientemente as razões que levaram à decisão de não autorização, não enferma, por isso, de qualquer falta ou insuficiente fundamentação.
2. Por outro lado também não viola quaisquer disposições, pois é a própria lei que aponta para os antecedentes criminais como elemento a levar em linha de conta na apreciação desse pedido, compreendendo-se a preocupação pela defesa do interesse público securitário nos termos consentidos pelo ordenamento jurídico de Macau, análise que compete à Administração prosseguir, independentemente da concordância do recorrente ou mesmo do Tribunal em relação a um aparente excesso de rigor, mas que não cabe a este sindicar na medida em que contenda com a margem de livre apreciação e discricionariedade que não deixa de se conter na actuação dos órgãos próprios atinentes às autorizações de residência, em particular na densificação dos fundamentos índice para que a lei aponta.
3. Esse juízo securitário não deixa de ser possível de ser exercitado, mesmo que as condenações em Hong Kong se mostrem caducas e a condenação em Macau tenha ocorrido há muitos anos atrás.
4. O direito à protecção da família não passa necessariamente pela junção familiar em Macau, sob pena de termos de admitir que a autorização de residência individual passaria automaticamente a ser alargada para toda a família de qualquer interessado que viesse a Macau para aqui trabalhar ou pela mesma via se permitiria o acolhimento de qualquer membro de agregado familiar de pessoa aqui residente, o que não deixaria de alargar o âmbito dos requisitos da residência.
    5. Ao entender-se que foi feita correcta aplicação da lei, constituindo o princípio da proporcionalidade e adequação índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários conferidos à Administração em determinado caso concreto.


  O Relator,




Processo n.º 556/2015
(Recurso Contencioso)

Data : 14 de Abril de 2016

Recorrente: A

Entidade Recorrida: Secretário para a Segurança

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A, mais bem identificado nos autos,, notificado do despacho de 18/2/2015 que lhe indeferiu a autorização da fixação de residência, vem, do mesmo, interpor
RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO,
    o que faz, alegando, em síntese conclusiva:
    1. O acto recorrido que recusa o pedido de residência na RAEM carece de fundamentos legais que o justifique.
    2. Todos os ilícitos penais já ocorreram há muito anos e só estes factos não constituem presentemente ou no futuro qualquer ameaça para segurança de Macau.
    3. O Recorrente entende que se deve valorar positivamente que não praticou qualquer ilícito criminal sério há mais de 23 anos, podendo e devendo ser considerado como reabilitado o seu direito.
    3. É um homem simples, honesto e trabalhador e respeitador das leis da RAEM.
    4. O Recorrente não representa qualquer perigo abstracto ou concreto para a RAEM, o seu "direito à família" e à "unidade familiar" e, por isso, deveria ser autorizado a residir na R.A.E.M. para reunir à sua esposa e suas duas filhas.
    5. De facto, o Recorrente, por determinado crimes (há mais de 23 anos) não pode - nem seria justo - ficar perenemente "acorrentado" a tais condenações, pois que se assim fosse, jamais se poderia pensar na sua "readaptação à vida honesta", constituindo, então, todas as "medidas proressocialização", uma autêntica miragem.
    6. Para além do acima dito, também é necessário analisar e responder que não existe qualquer recai sobre o Recorrente fortes indícios de se preparar para praticar algum crime que motive a recusa de lhe dar autorização de residência temporária na RAEM para reunião com a família e aqui poder prestar todo o apoio directo à sua família.
    7. Sendo que o Recorrente nunca foi impedido de qualquer entrada na RAEM por ser considerado um perigo para a segurança de Macau.
    8. O acto recorrido também deveria atender que a Lei Básica, nomeadamente nos artigos 38.° e 43.°, protege a família, protecção esta concretizada nos princípios fundamentais da lei de Bases da Política Familiar (artigos 1.º a 3.º da lei n.º 6/94/M, de 1 de Agosto) da RAEM, podendo até considerar-se que o ordenamento jurídico da RAEM protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados.
    9. Houve uma manifesta desproporção e inadequação da decisão, quando se refere apenas o Recorrente pode vir a ser uma ameaça potencial para a segurança pública.
    10. O despacho que ora se recorre, salvo todo o devido respeito, não é totalmente claro, nem suficientemente fundamentado para se perceber com a razoabilidade necessária e o raciocínio condutor da resposta.
    11. O acto administrativo de indeferimento de autorização de residência, violou os termos da alínea 1) do n.º 2 do artigo 9° da lei n.º 4/2003, bem como os artigos 8°, n.ºs 1 e 2 do CPA, e os artigos 3° e 5° do CPA, o princípio legalidade, proporcionalidade e dever de fundamentação das decisões, ao entender que não são suficientes os factos alegados pelo Recorrente, sem fazer qualquer juízo de raciocínio.
    12. O acto recorrido não considerou plena, adequada e globalmente a situação do Recorrente.
    13. O despacho impugnado violou o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 5° do Código do Procedimento Administrativo e a entidade recorrido também demonstrou desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
    14. A decisão recorrida demonstra uma total violação do direito fundamental à família, à unidade e estabilidade familiar, pelo que, deverá ser declarado nulo, por violação do disposto nos artigos 38° e 43° da Lei Básica da R.A.E.M. e dos artigos 1°, 2° e 3° da Lei n° 6/94/M de 1 de Agosto.
    15. Caso assim se não entenda, deverá ser anulado por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, bem como, por vício da violação de lei e por total desrazoabilidade na consequente aplicação das normas legais constantes do n.º 2 do art. 9° da Lei n.º 4/2003.
    Termos em que, pede, deve o presente recurso ser julgado procedente, declarando-se o acto recorrido NULO por violação do direito fundamental à família, à unidade e estabilidade familiar e, ainda por violação do disposto nos artigos 38° e 43° da Lei Básica da R.A.E.M. e dos artigos 1°, 2° e 3° da Lei n.º 6/94/M de 1 de Agosto ou, caso assim se não entenda, ser o acto recorrido anulado por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça, ou ainda por vício de violação de lei, por desrazoabilidade na consequente aplicação das normas legais constantes do n.º 2 do art. 9° da Lei n.º 4/2003, tudo com todas as devidas consequências legais.

    2. Contestando nos autos de recurso contencioso em que é recorrente A, a entidade recorrida, o Exmo Senhor Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, diz:
     1.°
    O recorrente vem impugnar o acto que indeferiu o seu "pedido de autorização de residência", argumentando, nos termos das suas doutas "Conclusões":
     2.°
    Que o acto recorrido "deve valorar positivamente que [o recorrente] não praticou qualquer ilícito criminal sério há mais de 23 anos, podendo e devendo ser considerado como reabilitado o seu direito";
    - "que não representa qualquer perigo abstracto ou concreto para a RAEM";
    - "que o acto recorrido é nulo por violação do "direito fundamental à família e à unidade familiar"consagrado nos artigos 38.° e 43.° da Lei Básica e 1.º a 3.º da Lei n.º 6/94/M; de Agosto;
    - "que o mesmo acto padece do vício de falta de fundamentação, pois "não é totalmente claro nem suficientemente fundamentado para se perceber ... o raciocínio condutor da resposta";
    - Que o acto impugnado violou os art. 9.°, n.º 2, 1), da Lei n.º 4/2003 (antecedentes criminais"), 8.°, n.º 1 e 2 do CPA ("boa-fé e valores fundamentais do direito") e 3.° a 5.° do CPA ("princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos residentes, e da igualdade e da proporcionalidade")
    Imputações essas que não procedem,
    
     3.°
    A noção de residência em Macau é muito semelhante à de cidadania, nacionalidade, dos Estados soberanos, e por isso a sua concessão é revestida de apertados critérios e imbuída de uma muito larga margem de discricionariedade;
     4.º
    Segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores de Macau (vide o Ac. do TUI n.º 36/2006), ... os antecedentes criminais, seja qual for o período já decorrido depois da condenação, são sempre o factor a considerar na apreciação de pedido de autorização de residência e ... as condenações criminais anteriores constituem sempre motivo de alarme para a ordem e segurança públicas da Região.
     5.º
    O despacho recorrido ao aludir às diversas condenações anteriormente sofridas pelo recorrente e ao perigo para a segurança e ordem públicas que por causa delas na sua pessoa se potencia, expõe clara, congruente e suficientemente as razões (e respectivos fundamentos, de facto e de direito) que levaram à sua prática, não enfermando, por isso, de qualquer falta ou insuficiente fundamentação;
     6°.
    Igualmente o despacho recorrido não viola quaisquer das disposições citadas pelo recorrente, antes provendo pela defesa do interesse público securitário nos termos consentidos (e até exigidos) pelo ordenamento jurídico de Macau no seu conjunto;
     7°.
    É precisamente a prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes (alegados pelo recorrente) que quando em confronto com os interesses privados de quem é susceptível de fazer perigar aqueles, deve primordialmente cumprir-se, prevalecendo, portanto, sobre aqueles últimos;
     8.º
    O indeferimento da autorização de residência ao recorrente, cônjuge de uma residente de Macau, não fere minimamente a união e estabilidade familiar, nem quaisquer direitos das crianças;
     9.º
    Pois com o acto administrativo em causa, a RAEM não interfere de forma activa e censurável sobre qualquer direito, familiar ou outro, constituído e sedimentado no seu espaço político-administrativo, que deva proteger e abster-se de violar, nos termos da lei, sendo certo que em presença de um não residente que invoca um status quo cuja precaridade de forma alguma poderá imputar-se à Administração de Macau;
     10°.
    Não é posto em causa o dever de absoluto respeito pelo direito de reunir a família e com ela habitar por todo o tempo e num mesmo lugar, apenas não se permitindo (por razões da natureza securitária e de interesse público) que o sujeito de direitos imponha não o seu direito, mas as circunstâncias, nomeadamente de lugar, do seu exercício (com a obrigatoriedade de ser-lhe atribuído um estatuto que é de "quase cidadania");
     11.°
    Tão somente não é autorizado o ingresso da pessoa no seio desta comunidade, por razões de natureza preventiva-securitária, e no uso de um poder-dever que é legítimo e orientado pela prossecução do interesse público da preservação da paz e tranquilidade sociais;
     12.º
    O que não constitui qualquer violação de qualquer direito fundamental, pois além do mais, nesta matéria a lei Básica e a Lei de Bases da Política Familiar da RAEM consagram uma protecção que se restringe aos residentes de Macau e não a quaisquer não residentes, ou às relações estabelecidas entre residentes e não residentes antes de estes observarem todos os "requisitos e condições", se tomarem residentes de Macau (sobre este aspecto vide o recente Ac. do TSI no Proc. n.º 255/2014, p.p. 39 e ss.);
     13.º
    Sendo que a tal não oferecem a menor oposição quer as leis fundamental e ordinária de Macau, quer os instrumentos de direito internacional a que a RAEM se encontra vinculada
     14.º
    Importa, por último, referir que não se vislumbra qualquer ofensa dos princípios da proporcionalidade, em qualquer das suas vertentes, (aliás, só sindicável no caso de erro grosseiro ou manifesta desrazoabilidade), da igualdade e da boa fé;
     15.º
    Pois em face de todas as circunstâncias do caso e tudo o que vem dito sobra as razões que levaram à prática do acto, é manifesto não enfermar este de nenhum dos assacados vícios ou de quaisquer outros que devam ser sindicados por este Venerando Tribunal.
    Termos em que
    E nos mais de direito que V. Ex.as mui doutamente suprirão, por inexistir qualquer vício que deva conduzir à anulação do acto recorrido, deve manter-se integralmente a decisão impugnada, negando-se provimento ao presente recurso.
    
    3. A, recorrente nos autos acima cotados, vem, nos termos do art. 68.º do C.P.A.C., apresentar as suas
ALEGAÇÕES FACULTATIVAS,
dizendo, em síntese:
    1. O acto recorrido que recusa o pedido de residência na R.A.E.M. carece de fundamentos legais que o justifique.
    2. Todos os ilícitos penais já ocorreram há muito anos e só estes factos não constituem presentemente ou no futuro qualquer ameaça para segurança de Macau.
    3. O Recorrente entende que se deve valorar positivamente que não praticou qualquer ilícito criminal sério há mais de 23 anos, podendo e devendo ser considerado como reabilitado.
    3. É um homem simples, honesto e trabalhador e respeitador das leis da R.A.E.M.
    4. O Recorrente não representa qualquer perigo abstracto ou concreto para a R.A.E.M., apenas querendo fazer valer o seu "direito à família" e à "unidade familiar" e, por isso, deveria ser autorizado a residir na R.A.E.M. para se reunir à sua esposa e suas duas filhas.
    5. De facto, o Recorrente, por determinado crimes (há mais de 13 e de 23 anos) não pode - nem seria justo - ficar perenemente "acorrentado" a tais condenações, pois que se assim fosse, jamais se poderia pensar na sua "readaptação a uma vida honesta", constituindo, então, todas as "medidas pro-ressocialização" uma autêntica miragem e pia intenção do legislador.
    6. Para além do acima dito, também é necessário analisar e responder que não existe nem recai sobre o Recorrente fortes indícios de se preparar para praticar algum crime que motive a recusa de lhe dar autorização de residência temporária na R.A.E.M. para reunião com a sua família e aqui poder prestar todo o apoio directo à mesma.
    7. Sendo que o Recorrente nunca foi impedido de qualquer entrada na R.A.E.M. por ser considerado um perigo para a segurança de Macau.
    8. O acto recorrido também deveria ter atendido a que a Lei Básica, nomeadamente nos seus artigos 38.° e 43.°, protege a família, protecção esta concretizada nos princípios fundamentais da Lei de Bases da Política Familiar (artigos a 3.° da Lei 6/94/M de 1 AGO), podendo até considerar-se que o ordenamento jurídico de Macau protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados.
    9. Houve uma manifesta desproporção e inadequação da decisão, quando se refere apenas o Recorrente pode vir a ser uma ameaça potencial para a segurança pública.
    10. O despacho de que ora se recorre, salvo todo o devido respeito, não é totalmente claro, nem suficientemente fundamentado para se perceber com a razoabilidade necessária e o raciocínio conducente à solução adoptada.
    11. O acto administrativo de indeferimento de autorização de residência, violou os termos da alínea 1) do n.º 2 do art. 9.° da Lei 4/2003, bem como os artigos 8.°, n.º 1 e 2 do CPA, e os artigos 3.°, 5.° e 7.° do C.P.A. - os princípios da boa fé, da legalidade, da proporcionalidade, da imparcialidade, bem como ainda o dever de fundamentação.
    12. O acto recorrido não considerou plena, adequada e globalmente a situação do Recorrente, violando o princípio da imparcialidade na sua dimensão positiva, que impõe a consideração holística de todo o material fáctico carreado para o procedimento.
    13. O despacho impugnado violou o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 5.° do C.P.A., incorrendo em desrazoabilidade e excesso no exercício de poderes discricionários.
    14. A decisão recorrida demonstra uma total violação do direito fundamental à família, à unidade e estabilidade familiar, pelo que, deverá ser declarado nulo, por violação do disposto nos artigos 38.° e 43.° da Lei Básica da R.A.E.M. e dos artigos 1.°, 2.° e 3.° da Lei 6/94/M de 1 AGO.
    15. Caso assim se não entenda, deverá ser anulado por violação dos princípios da boa fé, da legalidade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade, bem como ainda do dever de fundamentação bem como por vício da violação de lei e total desrazoabilidade na consequente aplicação das normas legais constantes do n.º 2 do art. 9.° da Lei 4/2003.
    NESTES TERMOS,
    deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se o acto recorrido, atento os vícios acima invocados, geradores da anulabilidade e da nulidade do acto.
    
4. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    Almejando quer a anulação quer a declaração de nulidade, as saca o recorrente ao acto impugnado - despacho do Secretário para a Segurança de 18/2/15, que lhe indeferiu pedido de autorização de fixação de residência, fundado no disposto no art. 9°, n.º 2, als. 1), da Lei 4/2003, por ter antecedentes criminais em Hong Kong e Macau - uma vasta panóplia de vícios, desde a falta de fundamentação, passando pelo atropelo do direito à protecção da família, unidade e estabilidade familiares com violação de vários preceitos da LBRAEM e da Lei de Bases de Política Familiar, violação da al. 1) do n.º 2 do art. 9° da Lei 4/2003, ofensa dos artigos 3°, 5°, 7° e 8°, n.ºs 1 e 2 do CPA, até à violação dos princípios da boa-fé, legalidade, proporcionalidade e imparcialidade, com desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
    Sendo certo que na sua quase totalidade, não vemos como minimamente configurados, caracterizados e consubstanciados os vícios adiantados, tomando-se, assim, penosa uma análise circunstanciada dos mesmos, não nos esquivaremos, se bem que de forma telegráfica, a expressar que :
    - Resulta inequívoco, pela mera leitura do conteúdo do "Parecer" com tradução a fls. 41 a 43, a que a decisão controvertida anuiu, que o recorrente foi condenado criminalmente, por várias vezes e por vários tipos de infracções, entre 1982 e 1998, quer pelos tribunais de Hong Kong, quer pelo TJB da RAEM ;
    - Tal facto preenche, perfeitamente, a previsão da fundamentação jurídica do acto questionado;
    - Nos termos já consagrados na jurisprudência da Região (cfr. a título de exemplo, ac. do TUI in proc. 36/2006), os antecedentes criminais, seja qual for o período decorrido depois da condenação, são sempre factor a considerar na apreciação do pedido de autorização de residência, constituindo tais condenações sempre motivo de alarme para a ordem e segurança públicas da Região, independentemente da eventual reabilitação penal, dado que são diferentes os interesses a prosseguir a tal propósito e no que agora nos ocupa.
    Razão por que, a nível dos pressupostos, nada de anormal haverá a registar.
    - Depois, é fácil de descortinar ter-se o despacho sob escrutínio estribado em "Informação" submetida ao autor do acto, a qual (cfr. fls. 41 a 47) contém, de forma clara, expressa, suficiente e congruente, as razões de facto e de direito que presidiram à decisão, as quais, na própria síntese ex arada no corpo do despacho, se prendem com a circunstância de o interessado não ser merecedor do estatuto de residente da RAEM, por ter antecedentes criminais em Hong Kong e Macau, não ser cumpridor da lei, constituindo potencial ameaça para a segurança pública, motivando-se juridicamente o indeferimento no disposto no art. 9°, n.º 2, al. l) da Lei 4/2003.
    Mais claro, seria difícil...
    - Posto isto, é um facto que as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, só podem afectar essas posições em termos necessários, adequados e equilibrados, o mesmo é dizer proporcionais aos objectivos a alcançar, proibindo-se, assim, o excesso, devendo existir uma relação de adequação entre o fim pretendido e o meio utilizado para o efeito, impondo-se, pois, que este seja idóneo à prossecução do objectivo a prosseguir, que entre todos os meios alternativos deva ser escolhido o que implique lesão menos grave para os interesses sacrificados, devendo existir justa medida entre os interesses presentes na ponderação, não se podendo impor aos particulares um sacrifício de direitos infundado ou desnecessário, sob pena de a decisão administrativa se revelar injusta.
    Encontramo-nos, no caso, em domínio em que a Administração actua no exercício de poderes discricionários, pelo que a decisão controvertida só poderia ser alvo de controle jurisdicional se de um modo intolerável atropelasse tal princípio, constatando-se que, manifestamente, ostensivamente, as limitações dos direitos ou interesses dos particulares se não revelam idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelo acto.
    Sendo certo que a mera constatação da existência de condenações criminais não vincula a Administração à denegação do pedido de fixação de residência, a verdade é que também se não descortina, no caso vertente, que a entidade recorrida, ao decidir como decidiu, verificando-se os necessários pressupostos, se tenha desviado do objecto legislativo pertinente, ou que, no exercício dos poderes discricionários conferidos pelos normativos aí contidos, tenha cometido erro grosseiro ou manifesto, sabendo-se que só tal erro ou a total desrazoabilidade no exercício daqueles poderes podem constituir forma de violação de lei judicialmente sindicável.
    De resto, encontrando-nos, no caso, face a simples decisão de não autorização de residência na RAEM, não se vê que outra ou outras medidas pudessem ser tomadas : ou era a denegação do pretendido, ou o seu oposto, inexistindo a esse respeito qualquer espécie de gradação, pelo que visando o acto prosseguir a defesa do interesse público securitário da RAEM, não se descortina que os valores ou interesses adiantados pelo recorrente, de ordem pessoal, familiar ou profissional, ainda que estimáveis, se lhes pudessem sobrepor.
    - Da mesma forma que não se vislumbra que, com a medida, se possa ferir a união e estabilidade familiares, ou quaisquer direitos das crianças, já que o acto não interfere sobre tal área de direitos (estabelecida e sedimentada no espaço político/administrativo da RAEM), da mesma forma que a Administração não impede o exercício desses direitos, conquanto não no seu domínio, onde não lhe deixa de competir, como é óbvio, a prossecução da paz, segurança e tranqulidade sociais, não se descortinando que com tal postura se ofendam seja a lei fundamental de Macau, seja quaisquer pactos do direito internacional, seja quaisquer princípios a que o recorrente apela, repete-se, sem concretização e consubstanciação minimamente exigíveis
    Donde, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, entender-se não merecer provimento o presente recurso.
    
    5. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
     Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:

Constam do PA os seguintes despachos, parecres e informações:
“Despacho Assunto: Pedido de autorização de residência
Interessado: A
Ref.ª. : Informação Suplementar n.º 300064/CESMFR/2015P do CPSP
    Nos termos dos pontos 2 e 3 do parecer exarado na Informação em referência (que aqui se dá por integralmente reproduzida), o interessado, que tem antecedentes criminais em Hong Kong e Macau, mostra-se que não é cumpridor da lei, para além de não ser merecedor de estatuto de residente de Macau, também irá constituir ameaça potencial para a segurança pública, pelo que, considerando as disposições no artigo 9º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 4/2003, decido indeferir o pedido de autorização de residência em apreço.

Aos 18 de Fevereiro de 2015.
O Secretário para a Segurança
Assinatura (vide original)
Wong Sio Chak”
    
  
  “Governo da Região Administrativa Especial de Macau
  
  CORPO DE POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
  
  
Parecer:
Concordo.
À apreciação do Sr. Secretário para a Segurança.
Aos 09 de Fevereiro de 2015,
O comandante do CPSP (ass.: vd. o original)

1. O requerente, do sexo masculino, casado, 48 anos, nascido em Hong Kong, portador do BIR HK permanente, ora requer autorização para poder fixar residência em Macau, a fim de poder reunir-se com o cônjuge, portador do BIRM permanente.
2. Segundo o certificado de registo criminal em Hong Kong do requerente, fica provado que o requerente tem os seguintes registos criminais em Hong Kong: (notas não oficiais)


Data
Crime
Resultado
17/03/1982
ameaça criminal
Internado no Instituto de Menores por 2 anos
10/10/1984
A-B. Furto
pena de prisão de 6 meses, sendo a execução suspensa por 2 anos, execução simultânea das penas correspondentes aos crimes acusados Pagamento das custas no valor de $1.000

C. Intenção de furto
pena de prisão de 6 meses, sendo a execução suspensa por 2 anos, execução simultânea com as penas correspondentes aos crimes acusados nas alíneas A-B
26/05/1988
1. Impedimento aos agentes policiais
2. agressão simples
Multa no valor de $2.500



Multa no valor de $1.000
19/09/1991
Furto à loja
pena de prisão de 10 meses, sendo a execução suspensa por 3 anos Multa no valor de $2.500
3. Além disso, segundo as informações do Departamento de Informação / Secção de Contra-informação do CPSP, aos 15/05/1998, o requerente cometeu o crime de consumo de droga, e foi condenado à pena de prisão de 20 dias, pelo Tribunal de Competência Genérica de Macau, autorizando-se a substituição da pena por multa. Nos termos da Lei n.º 4/2003, art.º 9, n.º 2, alínea 1), disposições sobre "antecedentes criminais", é de indeferir o presente requerimento.
4. Após o processo de audiência escrita, o requerente apresentou as alegações escritas ao nosso Serviço através do mandatário judicial. (vd. documento 57)
5. Tendo em conta que os motivos alegados na respectiva audiência são insuficientes, e analisando globalmente as circunstâncias do presente caso (ponto 4 do Relatório), nos termos da Lei n.º 4/2003, art.º 9, n.º 2, alínea 1), disposições sobre "antecedentes criminais", propõe-se indeferir o presente pedido de fixação de residência.
6. À apreciação e consideração do Sr. Comandante.
Aos 06/02/2015
A chefe substituta do Serviço de Migração
B (ass.: vd. o origianl)
Subintendente
Despacho:
Assunto: pedido de autorização de fixação de residência
Relatório complementar n.º 300064/CESMFR/2015P
Data: 02/02/2015
1. Com referência ao pedido de fixação de residência em Macau apresentado pelo requerente Sr. A aos 4 de Junho de 2014, para poder reunir-se com o cônjuge C, portadora do BIRM permanente e também do BIR de Hong Kong, redigimos o relatório n.º 200058/CESMFR/2015P aos 08 de Janeiro de 2015.
…/…
2. Este Serviço tenciona "indeferir" o pedido; pelo que aos 15 de Janeiro de 2015, nos termos dos artigos 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo (audiência escrita), demos a conhecer ao requerente formalmente os motivos concretos conducentes à nossa proposta de indeferimento; podendo os requerente, no prazo de 10 dias após a recepção do aviso, pronunciar-se por escrito sobre o conteúdo da proposta. Veja o aviso de audiência n.º 200058/CESMFR/2015P. (documento 56)
3. Após o processo da audiência escrita, o requerente apresentou as alegações escritas ao nosso Serviço através do seu mandatário judicial:
- O conteúdo principal das alegações escritas do requerente é o seguinte: "… 2. Já passaram 23 anos sobre os crimes cometidos em Hong Kong pelo requerente; quanto ao único crime cometido pelo mesmo em Macau, já decorram 13 anos desde o cometimento (devia ser 16 anos).
3. Como já passaram muitos anos desde o cometimento do crime de consumo de droga em Macau, e a reabilitação já aconteceu, já não há qualquer registo de caso criminal no seu registo criminal.
4. Já passaram muitos anos sobre o cometimento dos crimes pelo requerente, portanto, ele já não constitui uma ameaça à segurança de Macau.
5. Nos termos das múltiplas disposições na Lei n.º 4/2003, art.º 9, n.º 2, já não existem factores pelos quais não se autoriza a fixação de residência. Só quando se constitui uma ameaça à segurança do Território é que não se autoriza.
6. Nos últimos 23 anos, o requerente não voltou a violar qualquer lei, portanto é de considerar que a reabilitação já aconteceu.
7. O requerente é honesto, trabalhador e respeitador das leis de Macau.
8. Entendo que as autoridades administrativas têm poder discricionário; no entanto, é de respeitar o princípio da proporcionalidade. Portanto, exige-se às autoridades administrativas serem razoáveis e proporcionais aquando da tomada das decisões. Não se pode julgar sobre a concessão de autorização ou não com base na ideia de que o requerente cometeu crimes, só pelos crimes leves cometidos por este quando era jovem.
9. O requerente já não constitui ameaça concreta para a integridade de Macau, portanto, deve-lhe assistir o direito de integridade familiar, é de lhe conceder autorização para ele poder reunir-se com a mulher e os dois filhos. (…)
12. Além disso, o requerente tem meios de subsistência e investe aqui em Macau… pelo que, agora ou no futuro, não vai prejudicar Macau, portanto, é de dar a autorização devido às razões correctas humanitárias.
13. Portanto, meramente com base no crime de consumo de droga condenado há 13 anos (devia ser 16 anos) e nos crimes cometidos em Hong Kong há 23 anos, não basta para tirar a conclusão de existirem indícios evidentes de o requerente constituir ameaças latentes para a ordem e a segurança pública de Macau. (…)
17. Resumindo, não há quaisquer fortes indícios mostrando que ele vá voltar a cometer crime…" (vd. em mais detalhes, o documento 57)
4. Após uma análise sintética do presente caso, tiraram-se as seguintes conclusões:
- É verdade que já passaram 23 anos sobre os crimes cometidos pelo requerente em Hong Kong, entre 1982 e 1991, nomeadamente os de ameaça criminal, furtos e agressão simples; e o crime de consumo de droga cometido pelo mesmo mais tarde em 1998 aqui em Macau também foi há 16 anos. Muito apesar disso, é facto fixado de que o requerente cometeu crimes entre os 16 e 32 anos, num período de 16 anos (de 1982 a 1998); e as transgressões foram todos factos criminosos, e ele foi condenado, por várias vezes, à pena de prisão (com suspensão da execução) e à multa.
- O requerente é portador do BIR Hong Kong permanente, podendo ele permanecer em Macau quase sem qualquer restrição, pelo que não se obsta à sua reunião com o cônjuge em Macau e à vida dos dois juntos.
- Nestes termos, propõe-se indeferir o presente pedido de autorização de fixação de residência.
5. À decisão superior.

O elaborador,
(ass.: vd. o original)
D
Guarda principal
O Chefe do Comissariado de Estrangeiro,
(ass.: vd. o original)
E
Comissário


  
  (nota marginal - vd. o original "Visto. 4-3-2015 Wan")”
    
    
    IV - FUNDAMENTOS
    1. O presente recurso tem por base o despacho de indeferimento do requerimento de autorização de residência na R.A.E.M. apresentado, em 04/06/2014, pelo ora recorrente, despacho esse que foi proferido em 18/02/2015, pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança.
    Diz o recorrente que o referido acto administrativo de que se recorre viola a lei, na modalidade de falta de fundamentação, passando pelo atropelo do direito à protecção da família, unidade e estabilidade familiares com violação de vários preceitos da LBRAEM e da Lei de Bases de Política Familiar, violação da al. 1) do n.º 2 do art. 9° da Lei 4/2003, ofensa dos artigos 3°, 5°, 7° e 8°, n.ºs 1 e 2 do CPA, até à violação dos princípios da boa-fé, legalidade, proporcionalidade e imparcialidade, com desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
    
    2. A primeira questão que se coloca e não deixa de vir colocada, ainda que devidamente enquadrada, prende-se com uma falta de fundamentação nas razões do indeferimento.
    O que desde logo se observa é que que não há aqui uma falta de fundamentação, antes o recorrente discorda das razões que foram invocadas, quais sejam as atinentes aos antecedentes criminais invocados, tanto mais que terá até sobrevindo uma reabilitação em Hong Kong.
    Ou, noutra perspectiva, terá havido - ainda que não autonomizado este vício - erro nos pressupostos de facto?
    
4. Importa ter presente que os antecedentes criminais respeitam a diversas condenações, ocorridas em Hong Kong (relacionados com furtos, agressão e impedimento de actuação policial), alegando ter decorrido mais de 23 anos sobre elas e em Macau, há 13 anos, por consumo de estupefacientes, encontrando-se essas condenações caducas, face à secção 2 (1) da Rehabilitation of Offenders Ordinance.
    É certo que o despacho valorizou os antecedentes criminais na apreciação do pedido, aliás, conforme o disposto 9º da Lei 3/2003 que dispõe:
    
    “1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
    2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
    1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
    2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
    3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
    4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
    5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
    6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
    3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.”
    E também não é menos certo que noutros casos tanto este Tribunal como o V.º TUI já se pronunciaram no sentido de que a existência de antecedentes criminais, não obstante uma sobrevinda reabilitação, constitui fundamento autónomo passível de ser relevado pela Administração para avaliação das condições de autorização e permanência, focando-se em razões preventivas e securitárias a partir de juízos próprios que pode formular a partir de tais elementos.

TUI:
   “Por um lado, por comando legal contido na al. 1) do n.º 2 do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003, a Administração deve atender aos antecedentes criminais do interessado, elemento este para o qual o legislador não estabelece quaisquer condições ou termos, pelo que, independentemente da data em que foi praticada a infracção, a respectiva condenação deve ser considerada para efeitos da concessão da autorização de residência.
   Não é imposta à Administração a obrigação de indagar se o interessado mantém, ou não, o bom comportamento no período, mais ou menos longo, contido entre a última condenação e a concessão da autorização de residência.
   Por outro lado, não é exigida a certeza de que o recorrente pertence a associação criminosa, bastando, a nosso ver, as informações oferecidas pelas Autoridades de Hong Kong com referência à ligação e pertença do recorrente a uma associação criminosa .
   E face à natureza deste tipo de crime, que é o crime permanente, não nos parece inadequada a ilação tirada pela Administração, no que concerne à referência do recorrente como pertencendo a uma associação criminosa, da informação oferecida pelas Autoridades de Hong Kong sobre a condenação do recorrente por ser membro da associação de malfeitores.
   É evidente que, na avaliação dos pressupostos que se prendem com o mecanismo em causa, o que interessa é ponderar o risco, que possa ser eventualmente provocado pela concessão da autorização de residência, para a segurança e a ordem públicas da comunidade de Macau, tal como sucedeu no douto despacho impugnado.
   Face aos elementos reportados nos autos e acima referidos, facilmente se compreende a preocupação da Administração que motivou a sua decisão de não conceder ao recorrente a autorização de residência. E parecem credíveis e idóneas, para além de serem concretas e determinadas, as informações vindas das Autoridades competentes de Hong Kong.“1

    TSI:
“A previsão normativa do artigo 9º, n.º 1, 1, da Lei 4/2003 prevê que na ponderação se atente nos antecedentes criminais e ao cumprimento das leis da RAEM, deixando uma margem de discricionariedade na ponderação desses elementos que não cabe ao Tribunal sindicar na medida em que extravase aquela margem de liberdade que a lei confere à Administração em ponderar ou deixar de ponderar um determinado requisito.
(…)
Esta sensibilidade à diversidade das diferentes situações e dos fins visados nas diferentes ponderações em função de um determinado passado acaba por legitimar o recurso a tal elemento do passado do indivíduo para efeitos de autorização de residência. Não em termos de conditio sine qua non, mas em termos aferidores de uma personalidade que se quer conformada com o ordenamento em que se vai integrar. “2
“O certificado de registo criminal (…)também pode ter por missão acudir a fins particulares ou administrativos. Nesse caso, o acesso ao seu conteúdo não se regula pelos princípios da culpa, que regula a aplicação e medida das penas, mas pelos princípios da «necessidade» e da «proporcionalidade» numa problemática em tudo análoga à das medidas de segurança. Se o CRC for negativo, a ausência de menção acerca da prática de ilícito criminal apenas pode valer como certificação negativa de que nada consta a esse respeito no cadastro do indivíduo ou de que a menção existente foi cancelada por qualquer motivo, mas não vale mais do que a realidade nele omitida, em especial se o que está em causa é um fim administrativo.
    Quando o legislador permite que os poderes discricionários sejam usados ao abrigo e para os fins do art. 9º da Lei nº 4/2003, de 17/03, está a dar total amplitude ao depositário desses poderes em prol do bem comum, sem constrangimentos relacionados com os fins da reabilitação.”3
    Tratava-se ali de situações algo diferentes, desde logo porquanto não se alcança que tivesse sobrevindo uma reabilitação operante na própria comunidade onde o interessado se situa, sendo que na ordem interna também os Tribunais de Macau já se pronunciaram no sentido de a desvalorizar.”4

5. O despacho recorrido ao aludir às diversas condenações anteriormente sofridas pelo recorrente e ao perigo para a segurança e ordem públicas que por causa delas na sua pessoa se potencia, expõe de uma forma clara, congruente e suficientemente as razões que levaram à decisão de não autorização, não enfermando, por isso, de qualquer falta ou insuficiente fundamentação.
Por outro lado o despacho recorrido não viola quaisquer disposições citadas pelo recorrente, compreendendo-se a preocupação pela defesa do interesse público securitário nos termos consentidos pelo ordenamento jurídico de Macau, análise que compete à Administração prosseguir, independentemente da concordância do recorrente ou mesmo do Tribunal em relação a um aparente excesso de rigor, mas que não cabe a este sindicar na medida em que contenda com a margem de livre apreciação e discricionariedade que não deixa de se conter na actuação dos órgãos próprios atinentes às autorizações de residência, em particular na densificação dos fundamentos índice para que a lei aponta.
Não se deixa ainda de vislumbrar uma preocupação pela prossecução do interesse público e a protecção dos direitos e interesses dos residentes em geral, quando em confronto com os interesses privados de quem é susceptível de fazer perigar aqueles, devendo prevalecer aqueles.

6. O indeferimento da autorização de residência ao recorrente, cônjuge de uma residente de Macau, não fere minimamente a união e estabilidade familiar, nem quaisquer direitos das crianças, não interferindo o acto impugnado de forma activa e censurável sobre qualquer direito, familiar ou outro, constituído e sedimentado no seu espaço político-administrativo, que deva proteger e abster-se de violar, nos termos da lei, sendo certo que em presença de um não residente que invoca um status quo cuja precaridade de forma alguma poderá imputar-se à Administração de Macau. Na verdade, não é posto em causa o dever de absoluto respeito pelo direito de reunir a família e com ela o de poder habitar por todo o tempo e num mesmo lugar, apenas não se permitindo que o faça em Macau. Tão somente não é autorizado o ingresso da pessoa no seio desta comunidade, por razões de natureza preventiva-securitária, e no uso de um poder-dever que é legítimo e orientado pela prossecução do interesse público da preservação da tranquilidade social.

7. Imputa também o recorrente, ao acto administrativo impugnado, a violação dos artigos 38.º e 43.º da lei Básica e dos princípios fundamentais da lei de Bases da Política Familiar (arts. 1.º a 3.º da lei n.º 6/94/M, de 1 de Agosto) da RAEM, requerendo a declaração de nulidade do mesmo.
    É verdade que o ordenamento jurídico da RAEM protege a família, a unidade e a estabilidade familiar como um direito fundamental, plasmado no artigo 38.º da lei Básica, bem como nos artigos 1°, 2° e 3° da lei n.º 6/94/M de 1 de Agosto, decorrendo esta protecção de uma necessidade programática que deve pautar a actuação da Administração e dos administrados, não deixando contudo de ter que se encontrar o equilíbrio entre os diversos princípios e valores que devem igualmente ser prosseguidos pela Administração.
    Não obstante aquela consagração importa atentar que o direito à protecção da família não passa necessariamente pela junção familiar em Macau, sob pena de termos de admitir que a autorização de residência individual passaria automaticamente a ser alargada para toda a família de qualquer interessado que viesse a Macau para aqui trabalhar ou pela mesma via se permitiria o acolhimento de qualquer membro de agregado familiar de pessoa aqui residente, o que não deixaria de alargar o âmbito dos requisitos da residência.
    Esta interpretação tem sido a acolhida neste Tribunal, já se tendo afirmado por várias vezes que a protecção da unidade familiar não passa necessariamente pela garantia de reunião de familiares que se encontrem no Exterior.5
    A separação familiar é uma contrariedade que não deixa de constituir uma desvantagem assumida em inúmeras situações – basta pensar nos trabalhadores migrantes - que se contrapõe às vantagens que decorrem do estatuto de residente e de não residente de alguns membros da família, cabendo aos próprios ponderar as vantagens e os inconvenientes, pelo que não se pode afirmar que a Administração viola os princípios de protecção à família quando decide em nome de outros interesses e no uso legítimo do seu direito de concepção e execução das suas políticas migratórias, ao que se não opõem o Direito Interno e Internacional.
Aliás, não se deixa de observar que, mesmo a não se autorizar a residência em Macau e não pretendendo deslocar a família para fora desta terra, se ponderado o impacto negativo e os sacrifícios que essa deslocação implicaria, não está o recorrente impedido de aqui se deslocar e permanecer nos termos generosos em que se permite aqui essa estada de residentes de Hong Kong.
    Não há, pois, qualquer violação da Lei Básica, v. g. do artigo 38º da LB, porquanto, como é óbvio, não é por causa do acto praticado que se impede a reunião, harmonia e manutenção da estabilidade familiar.
    Pelo que, improcede o vício de violação de lei alegado pelo recorrente, por inobservância dos artigos 38 e 43.º da lei Básica e dos princípios fundamentais da lei de Bases de Política Familiar.

8. O recorrente fala ainda de desrazoabilidade, proporcionalidade e justiça no acto impugnado.
    É verdade que os actos administrativos discricionários são atacáveis por desrazoabilidade, todavia não se trata de uma qualquer desrazoabilidade apreciada com qualquer grau de subjectividade.
    Por norma, esta afronta pressupõe a violação dos princípios de adequação e proporcionalidade na decisão proferida.
    E quanto a isto, dir-se-á tão somente que, ao entender-se que foi feita correcta aplicação da lei, constituindo tais princípios índices aferidores do controle da discricionariedade, em vista da conformação da decisão com a prossecução do interesse público, afastada estará a desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários conferidos à Administração no caso concreto.
   No caso em apreço, descortina-se a prossecução do interesse público, a adequação do comportamento à prossecução desse interesse público e compreende-se ainda o sacrifício dos interesses privados em função da importância do interesse público que se procura salvaguardar.6
    Na verdade, os interesses económicos, familiares e emocionais invocados pela recorrente serão estimáveis, mas haverão sempre que ceder face ao manifesto interesse público na salvaguarda da segurança e estabilidade social da Região.
    Como está bem de ver também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 5º do CPA, entendido este como uma ideia de variação correlativa de duas grandezas conexionadas, ou seja, os benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares, seja na sua vertente de exigibilidade e adequação na prossecução do interesse público, por um lado e na relação custos-benefícios, por outro.7
    Quanto à violação do princípio de Justiça, a prossecução do interesse público terá estado na mira da decisão proferida e não se deixa de compreender a sua prevalência sobre interesses particulares, donde por imbuída de imparcialidade, de racionalidade, de adequação, de proporção, se configurar ainda como materialmente justa.
    Em face do exposto o recurso não deixará de improceder.
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
    Custas pela recorrente, com 5 UC de taxa de justiça
               
               Macau, 14 de Abril de 2016
_________________________ _________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira Mai Man Ieng
_________________________ (Fui presente)
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho
               
1 - Ac. do TUI, de 13/12/07, Proc. n.º 36/2006
2 - Ac. deste TSI, de 26/7/12, Proc. n.º 766/2011
3 - Ac. do TSI, de 3/5/2012, Proc. n.º 394/2011 Acs deste TSI, n.º 766/2011, de 26/7/12, 310/2011, de 31/5/2012; 394/11, de 3/5/12; 305/05, de 25/5/06; 71/2000, de 24/2/03
4 - Citado ac. do TSI, de 25/5/06, Proc. n. 305/2005 e
5 Vide Ae. do TSI de 16/12/2010, Proc. n.º 167/2009

6 - João Caupers, in Int. ao Dto. Administ., 2001, 80
7 - Int. ao Dto Adm., João Caupers, 6ª ed., 80
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556/2015 33/33