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Processo nº 238/2016 Data: 14.04.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Incapacidade permanente parcial.
“Dano biológico”.
Danos não patrimoniais.
Indemnização.
Equidade.



SUMÁRIO

1. O “dano corporal”, lesivo da saúde, (“dano biológico”), está na origem de outros danos, (“danos – consequência”), designadamente, aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho.

2. Este dano por “perda de capacidade” ou “incapacidade”, e que tem assim a natureza de “dano patrimonial”, é distinto e autónomo do “dano não patrimonial” que se reconduz à dor, desgosto e sofrimento de uma pessoa que se sente fisicamente diminuída para toda a vida.

3. Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto”.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 238/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os sinais dos autos e demandante do pedido de indemnização civil oportunamente deduzido contra o arguido B e a COMPANHIA DE SEGUROS C, S.A.R.L. (C保險有限公司), vem recorrer do segmento decisório que julgou parcialmente procedente o referido pedido civil, motivando para, a final, e em sede de conclusões, afirmar o que segue:

“1. Quanto à indemnização pela I.P.P. de 9%, requerida mediante Articulado Superveniente, entendeu o Tribunal negar tal pretensão com base em fundamentos eivados de erro na interpretação e aplicação das competentes normas legais.
2. É que I.P.P. é um dano emergente, presente e indemnizável, correspondendo a uma perda de capacidade funcional, com reflexos não só ao nível da produtividade da recorrente, por exemplo do seu trabalho, mas igualmente e com idêntica dignidade e merecimento ressarcitório, ao nível da sua qualidade de vida.
3. O próprio T.U.I. já se pronunciou sobre esta temática adiantando que a incapacidade permanente, seja parcial ou total, é indemnizável (vide Ac. do T.U.I. de 25/04/2007, Proc. n.° 20/2007), sendo que, no cômputo dessa indemnização por incapacidade permanente parcial, o Tribunal deve atender ao disposto no n.° 5 do art. 560.° do C.Civil, bem como recorrer à equidade nos termos do n.° 6 daquele mesmo artigo.
4. Mais aí defendeu o T.U.I. que a perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial ou total é indemnizável, ainda que o respectivo lesado não auferisse salário por não trabalhar – o que se verificou in casu –, ou mantenha o mesmo salário que auferia antes da lesão ou que não se prove o salário que auferia.
5. Ora, pelo exposto, resulta que o Tribunal recorrido não fixou autonomamente, como deveria, qualquer indemnização pela I.P.P. por considerar desde logo que tal dano não detém autonomia ressarcitória, devendo ser englobado nos danos não patrimoniais, bem como porque a recorrente tinha 15 anos aquando do acidente, não tinha nenhum trabalho e porque se não provou que, não obstante algumas restrições, não pôde trabalhar devido à I.P.P.
6. Considera, assim, a recorrente como equitativo e adequado o valor de MOP$1.639.440,00 tal como havia peticionado, quantia essa que se mostraria equilibrada, adequada e razoável de forma a ressarcir, na medida do possível, a perda de capacidade permanente de 9% de que a recorrente passou a padecer para sempre por força do acidente de que foi vítima quando apenas tinha 15 anos e que acompanhará para sempre.
7. Isto porque quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, sendo a indemnização fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível – cfr. artigos 477.°, 556.° e 560.°, n.° 1, todos do Código Civil.
8. Ora, ao não ter assim entendido, violou o Tribunal a quo o disposto nos mencionados artigos 477.°, 556.° e 560.°, n.° 1, do Código Civil, o que se invoca para os efeitos do art. 400.°, n.° 1, do C.P.P. e 598.° do C.P.C.
9. Quanto ao valor dos danos não patrimoniais, entendeu o Tribunal a quo fixá-los em MOP$250.000,00, neles incluindo a incapacidade permanente parcial, não considerando este último dano com autonomia ressarcitória.
10. Ou seja, na decisão recorrida foi erradamente contabilizado nos danos não patrimoniais a incapacidade permanente parcial de que a recorrente padece e assim torna-se necessário reapreciar novamente qual o valor a que tem direito a recorrente a nível de danos não patrimoniais, sem ter em conta a incapacidade permanente parcial que deverá – conforme já referido – ser atribuída e contabilizada autonomamente.
11. Ora, considera a recorrente que o valor dos danos não patrimoniais arbitrados pelo Tribunal a quo – se considerarmos que no valor de MOP$250.000,00 está já contabilizada a incapacidade permanente parcial – então aquele valor (danos não patrimoniais), devendo ser “expurgado” da indemnização pela I.P.P. não é, afinal, adequado, mostrando-se ainda escasso e desajustado em face das lesões e tempo de recuperação que sofreu.
12. Para tanto, importa considerar que: i) As lesões sofridas pela recorrente estão especificadas, descritas e examinadas nos autos, tendo as mesmas causado directa e necessariamente ofensas à integridade física da recorrente; ii) Sofreu fracturas expostas na tíbia direita; iii) Fez 3 cirurgias; iv) Ficou hospitalizada de 4 OUT 2010 até 3 NOV 2010; v) Precisou de 270 a 365 dias para convalescer; vi) Submeteu-se a fisioterapia por vários meses; vii) Precisou de usar muletas por 6 meses; viii) Ficou com uma perna mais curta; ix) Tinha apenas 15 anos aquando do acidente; e x) Teve durante o tratamento e a reabilitação dores físicas e sofrimento mental intenso.
13. Face ao que violou a decisão recorrida os artigos 487.° e 489.°, n.° 3, do Código Civil, ao não atribuir, de forma autonomizada e “desembaraçada” da indemnização por I.P.P. – de acordo com a concepção errónea adoptada pelo Tribunal a quo –, para os danos não patrimoniais a quantia de MOP$600.000,00, tal como foi peticionado pela recorrente, quantia essa sim que se mostraria equilibrada, adequada e razoável”.

A final, pede a condenação dos:

“a) (…) demandados no pagamento à recorrente de MOP$1.639.440,00 a título da I.P.P. de 9% arbitrada; e,
b) no pagamento à recorrente de MOP$600.000,00 a título de danos não patrimoniais;
(…)”; (cfr., fls. 482 a 500 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Respondeu a identificada seguradora apresentando as seguintes conclusões:

“1. Ao contrário do que diz a recorrente, o acórdão recorrido autonomiza claramente o dano de IPP, segundo a jurisprudência do o acórdão do TUI de 25.04.2007 Proc. n° 20/2007.
2. O que não atribui é o valor da indemnização que a recorrente pretendia.
3. A indemnização fixada pelo Tribunal a quo foi calculada segundo juízos de equidade, aos quais concorreram factores como a idade da vítima, o seu estado físico antes da lesão, o seu salário actual e o seu emprego, as suas habilitações académicas, as suas perspectivas profissionais antes e depois da lesão que o Tribunal a quo foi buscar à prova resultante dos autos.
4. A indemnização fixada pelo douto Tribunal a quo de 350.000.00 MOP é perfeitamente justa tendo em conta que se estivéssemos a falar de uma indemnização por acidente de trabalho o eventual valor a pagar, porque à data do acidente a recorrente não trabalhava, seria de 95.040.00 MOP conforme a fórmula do DL 40/95M de 14.08, artigo 47°,
5. A indemnização fixada pelo douto Tribunal a quo de 350.000.00 MOP é ainda perfeitamente justa, uma vez que, pelo que ficou provado em audiência de julgamento a incapacidade 9% não afectou seriamente, nem a capacidade de trabalho da recorrente nem a sua vida pessoal.
6. Não afectou gravemente a sua vida profissional porque para além de a recorrente encontrar emprego e estar empregada, essa incapacidade, ainda que dano presente, não veio diminuir o seu salário.
 7. Note-se que a recorrente é vendedora numa loja de pronto a vestir ligada a uma cadeia internacional de distribuição de vestuário, sendo comum estes vendedores estarem nas lojas a prestar assistência aos clientes, designadamente em pé.
8. Por maioria de razão, também não afectou a continuação dos seus estudos e a sua possibilidade de fazer desporto, como se deu como provado no douto acórdão recorrido.
9. Portanto o que está em causa, não é a autonomização do IPP, mas o valor fixado pelo Tribunal a quo de 350.000,00 MOP.
10. Ou seja, o valor da indemnização pedida pela recorrente para este item, comparada com a indemnização fixada pela TUI no acórdão invocado pela ofendida é bem elucidativa da exorbitância, da irrazoabilidade e do abuso de direito que o Tribunal a quo travou.
11. Para um salário de 12.750,00 MOP e uma desvalorização de 70% (IPP) o TUI fixou um valor de 850.000,00 MOP.
12. Para um salário efectivo da ofendida de 8.000,00 MOP e uma desvalorização de 9% (IPP) a ofendida veio requerer uma indemnização de 1.639.440,00 MOP.
13. Isto é, a ofendida com um salário 1/3 menor e uma desvalorização 6 vezes inferior ao lesado referido no acórdão do TUI vem pedir uma indemnização de quase o dobro do arbitrado pelo TUI.
14. É isto que está em causa!
 15. Relativamente aos danos morais a recorrente também não tem razão porquanto, o acórdão do douto Tribunal a quo não incluiu o IPP nos danos morais pedidos pela recorrente.
16. O que o douto acórdão explica é que o dano patrimonial e o dano não patrimonial têm naturezas normativas diferentes e por isso aplicam-se a diferentes tipos de situações.
17. O IPP, ou se se quiser a incapacidade em sim, enquanto dano patrimonial tem uma natureza normativa diferente dos danos morais eventualmente sofridos por essa incapacidade.
18. O que significa que, se houver danos não patrimoniais por causa daquela incapacidade eles serão ressarcidos normalmente como danos não patrimoniais.
19. Mesmo que se entendesse que normativamente assim não era, que por mera hipótese de patrocínio se coloca, o certo é que, materialmente, o Tribunal a quo acabou por fixar sempre a indemnização por IPP, só que atribui os valores à recorrente apenas em categorias normativas diferentes.
20. A quantificação dos danos morais é perfeitamente justa tendo em conta a realidade em análise nos presentes autos, que cai dentro da praxis dos Tribunais de Macau”; (cfr., fls. 511 a 520).

*

Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequado, foram os autos remetidos a este T.S.I..

*

Devidamente processados, e nada obstando, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 444 a 446-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (e a que, oportunamente, de acordo com a sua relevância, se fará referência).

Do direito

3. Como se deixou relatado, o presente recurso tem como objecto o segmento decisório que apreciou o pedido civil pela demandante, ora recorrente, enxertado nos autos, sendo, tanto quanto nos parece, apenas dois os motivos do seu inconformismo, pois que com o recurso pugna por uma “indemnização pela incapacidade parcial permanente” que (provado está que) passou a sofrer em consequência das lesões que teve com o acidente dos autos, pedindo também um aumento do quantum fixado a título de “indemnização pelos seus danos não patrimoniais”.

Identificadas que assim parecem ficar as questões a tratar e em relação às quais a este T.S.I. cumpre emitir pronúncia, (por outras, de conhecimento oficioso, não existirem), vejamos.

–– Comecemos pela reclamada “indemnização pela incapacidade parcial permanente”.

Afirma a recorrente que “(…) o Tribunal recorrido não fixou autonomamente, como deveria, qualquer indemnização pela I.P.P. por considerar desde logo que tal dano não detém autonomia ressarcitória, devendo ser englobado nos danos não patrimoniais, bem como porque a recorrente tinha 15 anos aquando do acidente, não tinha nenhum trabalho e porque se não provou que, não obstante algumas restrições, não pôde trabalhar devido à I.P.P.”, referindo, a seguradora ora recorrida, que “Ao contrário do que diz a recorrente, o acórdão recorrido autonomiza claramente o dano de IPP, segundo a jurisprudência do acórdão do TUI de 25.04.2007 Proc. n° 20/2007”, e que “O que não atribui é o valor da indemnização que a recorrente pretendia”.

E, lendo-se o Acórdão recorrido, constata-se que no mesmo julgou-se, (como se disse), parcialmente procedente o pedido civil deduzido, condenando-se a seguradora ora recorrida no pagamento de uma quantia total de MOP$620.561,00, resultado da soma de três parcelas indemnizatórias: MOP$20.561,00, (a título de “indemnização pelas despesas médicas”), MOP$250.000,00, (a título de “danos não patrimoniais”) e MOP$350.000,00, a título da ora reclamada “indemnização por incapacidade parcial permanente da demandante”; (cfr., fls. 449 a 450).

É verdade que em sede do “dispositivo” nada se diz em relação à dita incapacidade parcial permanente, (fazendo-se apenas referência ao quantum total como indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais da demandante), porém, do texto do Acórdão, claras e evidentes são as razões que levaram o T.J.B. a fixar o quantum total de MOP$620.561,00, que corresponde ao somatório das três parcelas atrás referidas e no qual se inclui a aludida “indemnização por incapacidade parcial permanente”.

Assim, e na parte em questão, impõe-se (reconhecer razão à recorrida, sendo de se) apreciar (apenas) se o montante fixado – de MOP$350.000,00 – é o adequado a indemnizar a incapacidade parcial permanente da ora recorrente.

Vejamos então.

Na fixação deste quantum ponderou o T.J.B. na percentagem (grau) de incapacidade permanente da recorrida, que se situa nos 9%, na idade da recorrente aquando do acidente, (15 anos), (e por aí, no “período de tempo” que (se crê) vai ter que suportar tal incapacidade), considerando também que a mesma não impedia a recorrente de desenvolver uma actividade profissional remunerada, assentando a sua decisão em juízos de equidade.

Ora, (antes de mais), cremos que o assim ponderado não merece censura.

De facto, tais “referências (factuais)” resultaram “provadas”, e, em nossa opinião, foram bem (“realçadas” e) tidas em conta pelo Colectivo a quo.

Como se decidiu no douto Acórdão do Vdo T.U.I. de 25.04.2007, Proc. n.° 20/2007, “A perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial ou total é indemnizável, ainda que o lesado mantenha o mesmo salário que auferia antes da lesão”, consignando-se aí igualmente que “No cômputo da indemnização por perda da capacidade de ganho por incapacidade permanente parcial, o tribunal deve atender ao disposto no n.º 5 do art. 560.º do Código Civil, bem como recorrer à equidade, nos termos do n.º 6 do art. 560.º do mesmo Código”.

Mostrando-se de acompanhar o assim entendido, “quid iuris”?

Afigura-se-nos porém adequado umas breves considerações sobre a questão.

O dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.

Pode revestir “a destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea” (dano real) ou ser “reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado” (dano patrimonial); (vd., A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pág. 598).

Dentro do “dano patrimonial”, cabem e são indemnizáveis, o dano “emergente” – o prejuízo causado nos bens ou nos direitos existentes na titularidade do lesado – e os “lucros cessantes” – os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito e a que ainda não tinha direito na data da lesão.

Nos termos do n.° 2 do art. 558° do C.C.M., na fixação da indemnização, pode o tribunal atender ainda aos “danos futuros”, desde que previsíveis.

Dispõe também o art. 556° do mesmo C.C.M. – onde se consagra o “princípio da restauração natural” – que a indemnização deve reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Não sendo possível essa “reconstituição natural” – como não o é em casos como o dos autos, em que não pode devolver-se ao lesado a capacidade e integridade física que tinha antes do acidente – a indemnização deve ser fixada em dinheiro, (art. 560°, n.° 1), e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos, (art. 560°, n.° 5).

Aqui chegados, voltemos à reclamada indemnização por “incapacidade permanente parcial da ora recorrente”.

Ora, o “dano corporal”, lesivo da saúde, (“dano biológico”), está na origem de outros danos, (“danos – consequência”), designadamente, aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho.

Como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 19.02.2015, Proc. n.° 99/12, “O dano biológico consubstancia uma violação da integridade físico-psíquica de uma pessoa, com tradução médico-legal, sendo que, estando em causa a incapacidade para o trabalho, o mesmo existe haja ou não perda efectiva de proventos laborais”, afirmando aí mesmo que: “(…) havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afetação da dimensão anatomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo.
E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização”; (in “www.dgsi.pt”).

Porém, desde já se adianta que este dano por “perda de capacidade” ou “incapacidade”, e que tem assim a natureza de “dano patrimonial”, é distinto e autónomo do “dano não patrimonial” que se reconduz à dor, desgosto e sofrimento de uma pessoa que se sente fisicamente diminuída para toda a vida; (sobre esta “distinção” e “autonomia”, vd., v.g., o recente Ac. do S.T.J. de 03.03.2016, Proc. n.° 4931/11).

Dito isto, (e sendo assim de se confirmar a decisão em questão), importa agora ter presente que se tem entendido que quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto”; (cfr., v.g., os Acs. do S.T.J. de 05.11.2009, Proc. n.° 381, de 10.10.2013, Proc. n.° 643 e de 20.11.2014, Proc. n.° 5572, in “www.dgsi.pt”).

Porém, in casu, ponderando na factualidade provada, e nomeadamente, na percentagem da incapacidade, e certo sendo que é a recorrente uma jovem, presentemente com 21 anos de idade, tendo assim que suportar ainda esta “incapacidade” por um longo período de tempo – cerca de 50 anos – afigura-se-nos mais equilibrado o quantum de MOP$500.000,00, nesta conformidade se fixando a correspondente indemnização.

Posto isto, (e visto que pretendia a recorrente o quantum de 1.639.440,00), na parte em questão, o recurso apenas parcialmente procede.

–– Quanto à indemnização por danos não patrimoniais temos repetidamente entendido que esta “tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., o Ac. de 15.05.2015, Proc. n° 26/2014 e de 21.05.2015, Proc. n.° 405/2015), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., o Ac. de 09.10.2014, Proc. n.° 607/2014 e de 21.05.2015, Proc. n.° 405/2015), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.

Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).

Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.

Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 21.05.2015, Proc. n.° 405/2015).

Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°; (em recente Ac. da Rel. de Guimarães de 19.02.2015, Proc. n.° 41/13, in “www.dgsi.pt”, consignou-se que “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras…”).

Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.

Por sua vez, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

In casu, fixou o Tribunal a quo o quantum de MOP$250.000,00, e pede a recorrente o de MOP$600.000,00.

Ora, (mostrando-se de reafirmar a autonomia do dano em questão com a atrás referida incapacidade, e mantendo-se o que se afirmou em sede dos juízos de equidade), cremos que, também aqui, o recurso merece parcial provimento.

De facto, não se pode olvidar que a recorrente foi submetida a 3 intervenções cirúrgicas, (em 04.10.2010, 03.11.2010 e em Dezembro de 2012), ficou hospitalizada durante um mês, precisou de usar muletas por cerca de 6 meses, teve que se submeter a sessões de fisioterapia, tendo que suportar dores e inconvenientes (desde o dia do acidente) por toda esta situação, inegáveis sendo também as naturais angústias e medos em relação às consequências do acidente e dos tratamentos a que se sujeitou, em especial, quanto a (eventuais e maiores) incapacidades de que podia vir a padecer.

Para além disso, não se pode olvidar, (como se referiu), a “vertente não patrimonial da incapacidade que sofre”, e que ficou a ora recorrente com cicatrizes visíveis nas pernas, o que, no caso, tratando-se de uma jovem, não deixará de causar certamente (algum e prolongado) desgosto, a reflectir-se, necessáriamente, no seu padrão e qualidade de vida.
Nesta conformidade, atento o que se consignou, considera-se adequado o quantum de MOP$500.000,00.

Decisão

4. Nos termos e fundamentes expostos, acordam julgar parcialmente procedente o recurso.

Custas a cargo da recorrente e recorrida em conformidade com os respectivos decaimentos.

Registe e notifique.

Macau, aos 14 de Abril de 2016
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 238/2016 Pág. 26

Proc. 238/2016 Pág. 25