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Processo n.º 75/2015. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Artigo 242.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau. Curso no exterior. Passagem aérea. Língua do curso.
Data do Acórdão: 29 de Abril de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
De acordo com o disposto no artigo 242.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, o descendente de funcionário ou agente da Administração que pretenda frequentar no exterior curso médio ou superior, só tem direito a receber o custo da viagem para o exterior, desde que não exista curso semelhante em Macau, leccionado na sua língua materna ou em qualquer língua que o aluno domine suficientemente para frequentar com êxito o curso.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima



ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 17 de Junho de 2014, do Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu recurso hierárquico, mantendo despacho da Directora dos Serviços de Finanças, que indeferira pedido de reembolso do preço de passagem aérea de ida para Portugal para transporte de seu filho B, para frequentar curso superior ministrado na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 18 de Junho de 2015, negou provimento ao recurso.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), tendo alegado que:
O acórdão recorrido padece de errada interpretação e aplicação do artigo 242.º, n.º 1, alínea a) do ETAPM, porque este preceito prevê o abono de passagem aérea para o local onde seja frequentado curso superior oficialmente reconhecido, não leccionado em Macau no sistema oficial de ensino, aos descendentes dos funcionários e agentes da administração que confiram direito a subsídio de família e inexiste na Região curso superior na área do Turismo ministrado em língua portuguesa.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1 - Em 11/10/2013, a recorrente requereu, ao abrigo do artigo 242.º, n.º 1, alínea a) do ETAPM, o reembolso da despesa relativa à passagem aérea para Portugal do seu descendente B, o qual para aí se deslocou a fim de prosseguir os seus estudos superiores na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, sita em Portugal (doc. fls. 8 do p.a.).
2 - A recorrente recebe subsídio de família pelo filho B (doc. fls. 32, dos autos).
3 - O reembolso requerido cifrava-se no montante de MOP 12,374.71 (doc. fls. 7, do p.a.), tendo a deslocação para aquele país ocorrido em 29/08/2013.
4 - Em resposta ao pedido formulado, foi notificada pelo ofício n.º XXXXX/DAF/SRH/2013, de 13/12 que, por despacho da Directora dos Serviços de Finanças, lhe tinha sido indeferido o reembolso requerido, sustentado no ofício n.º XXX/GAE/GAES/2013, de 29/10, o qual informou a DSF que, na RAEM, existe curso similar àquele que o descendente se encontra a frequentar em Portugal, leccionado no Instituto de Formação Turística e na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau.
5 - Não se podendo conformar com o indeferimento da sua pretensão interpôs, em 26/12/2013, recurso hierárquico necessário dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças onde, em síntese, se alegou que os cursos existentes em Macau, na área do turismo, são leccionados exclusivamente em língua chinesa e em língua inglesa, que não são língua materna do seu descendente, a par da diferente composição e estrutura curricular adoptada pelas referidas instituições de ensino da Região (fls. 31 e sgs. do p.a.).
6 - Foi elaborada uma Proposta nº XXX/NAJ/DB/2014, com o seguinte teor:
«I. Do Recurso Hierárquico Necessário – Pressupostos processuais
Nos termos que constam do requerimento dirigido ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que deu entrada nesta Direcção de Serviços no dia 26 de Dezembro de 2013, vem A, funcionária do quadro de pessoal da Direcção dos Serviços de Finanças (DSF), com a categoria de assistente técnico administrativo especialista principal, recorrer hierarquicamente, nos termos dos artigos 153.º, 155.º e 156.º do Código do Procedimento Administrativo, do despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças de 25 de Novembro de 2013, exarado na Informação n.º XXXXX/DAF/SRH/2013, de 01 de Novembro, que indeferiu o pedido de reembolso da passagem aérea para Portugal do seu descendente B.
O recurso hierárquico é tempestivo, porque interposto dentro do prazo de trinta dias previsto no artigo 155º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro.
II. Fundamentos
A recorrente apresentou no dia 26.12.2013 o presente recurso hierárquico com os seguintes fundamentos:
a) A recorrente requereu ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 242.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), o reembolso da passagem do seu descendente, B, de Macau para Portugal, onde foi frequentar o Curso de Gestão Turística da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril.
b) Segundo a mesma, a situação do seu filho preenche todos os requisitos exigidos no referido artigo para ter direito ao abono da passagem, ou seja, o seu descendente confere direito a subsídio de família e foi frequentar curso no exterior de nível superior, oficialmente reconhecido, não leccionado em Macau no sistema de ensino.
c) Isto porque entende a ora recorrente, diferentemente da posição transmitida pelo Gabinete de Apoio ao Ensino Superior, que os Cursos ministrados no Instituto de Formação Turística e no “Macau University of Science and Technology” não são idênticos ao de Gestão Turística escolhido pelo descendente.
d) E entende ainda, o que considera decisivo para a questão, o facto de o descendente dominar apenas a língua portuguesa, língua em que decorreu toda a sua vida escolar e que é também a sua língua materna, pelo que os cursos ministrados em Macau, um em língua inglesa e um em língua inglesa/chinesa, não são de modo a satisfazer as necessidades de acesso ao ensino superior na área da hotelaria e turismo escolhida pelo descendente.
Pelo que conclui que só em Portugal e na Escola Superior que escolheu existe o curso superior que satisfaz as necessidades do descendente não sendo verdade que existam cursos superiores similares leccionados em Macau, pelo que incorre o acto recorrido em violação de lei e erro sobre os pressupostos de facto, vícios invalidantes da decisão de indeferimento, requerendo a sua revogação, ao abrigo dos artigos 124.º e 127.º a 133.º do CPA.
III. Apreciação
Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 242.º do ETAPM que “os descendentes dos funcionários e agentes da Administração do Território que confiram direito a subsídio de família e que frequentem no exterior cursos de nível médio ou superior, oficialmente reconhecido, não leccionados em Macau no sistema oficial de ensino, têm direito a passagem. de Macau para o local onde seja ministrado o curso.”
É pois necessário, para que a RAEM suporte o encargo aí previsto, que se verifiquem cumulativamente dois requisitos:
a) Que o descendente confira direito a subsídio de família; e
b) Que frequente no exterior curso de nível médio ou superior, oficialmente reconhecido, não leccionado em Macau no sistema oficial de ensino.
Relativamente ao segundo requisito, a DSF questionou o Gabinete de Apoio ao Ensino Superior, entidade oficial com competência na matéria, se o curso frequentado pelo descendente da funcionária em questão é oficialmente reconhecido e não leccionado em Macau no sistema oficial de ensino, tendo sido informada, mediante o ofício n.º XXX/GAE/GAES/2013, de 29.10, que a RAEM possui curso similar ao de Gestão Turística, nomeadamente no Instituto de Formação Turística (IFT) e no “Macau University of Science and Technology” (MUST).
Alega a recorrente que “no que se reporta às Áreas Científicas temos que é oferecido pelo IFT um curso integrado na Gestão Hoteleira e, pela MUST, dois cursos que se integram nas áreas de Gestão e de Turismo Internacional” e que “por contraponto, em Portugal, a área científica é de Gestão, Planeamento Turístico e Ciências Sociais e Humanas, sendo nessa medida substancialmente distintos dos cursos leccionados em Macau.”
Alega também, o que considera decisivo para a questão, que os cursos ministrados em Macau nesta área são em língua inglesa (no IFT) e em língua inglesa/chinesa (no MUST), línguas que o descendente não domina por não serem línguas maternas, uma vez que “concluiu o ensino secundário na Escola Portuguesa de Macau, tendo toda a sua vida escolar decorrido em língua portuguesa.”
Uma vez que no citado artigo 242.º não há qualquer menção sobre tal requisito, nem à relevância da língua em que é ministrado o curso para a presente questão, questionou a DSF a Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (DSAFP) “a fim de se obter uma posição uniforme e justa”, sobre a relevância de tal requisito, tendo sido informada, mediante o ofício n.º XXXXXXXXXX/DTJ de 21.01.2014 que “quando o legislador se refere a não leccionados no sistema oficial de ensino está a conceber uma situação de inexistência absoluta do curso no sistema oficial em Macau. Não importa se a forma e o conteúdo específico é exactamente igual (a duração do curso, o número de cadeiras, a sua designação, se são semestrais ou anuais, língua veicular, etc.), o que interessa saber é se o curso (naquilo que o caracteriza essencialmente) existe ou não na Região Administrativa Especial de Macau. “
E continua, concluindo no sentido de que “tendo em conta que o GAES já afirmou que a RAEM possui curso similar ao da Gestão Turística da Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril em Portugal, nomeadamente no IFT e MUST, entendemos que, ao abrigo do artigo 242. o do ETAPM, a frequência do Curso de Gestão Turística em Portugal não dá direito às passagens pagas pela Administração Pública.”
CONCLUSÕES
1. Os 2 requisitos previstos no n.º 1 do artigo 242.º do ETAPM para que seja encargo a suportar pela RAEM a passagem de descendente de funcionário da Administração para o local onde seja ministrado um curso de nível médio ou superior são:
a) Que o descendente confira direito a subsídio de família, e
b) Que o curso seja oficialmente reconhecido e não leccionado em Macau no sistema oficial de ensino.
2. Mediante ofício do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior, foi a DSF informada que a RAEM possui curso similar ao de Gestão Turística, nomeadamente no Instituto de Formação Turística (IFT) e no “Macau University of Science and Technology” (MUST).
3. Havendo dúvidas sobre se a língua em que é ministrado o curso em Macau pode ter relevância para a presente questão, foi sobre o assunto questionada a DSAFP, que respondeu que “quando o legislador se refere a não leccionados no sistema oficial de ensino está a conceber uma situação de inexistência absoluta do curso no sistema oficial em Macau. Não importa se a forma e o conteúdo específico é exactamente igual (a duração do curso, o número de cadeiras, a sua designação, se são semestrais ou anuais, língua veicular, etc.), o que interessa saber é se o curso (naquilo que o caracteriza essencialmente) existe ou não na Região Administrativa Especial de Macau”, pelo que conclui, atendendo à posição manifestada pelo GAES, que a RAEM possui curso similar ao da Gestão Turística da Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril em Portugal, nomeadamente no IFT e MUST, “que a frequência do Curso de Gestão Turística em Portugal não dá direito às passagens pagas pela Administração Pública.”
4. Pelo exposto, e atendendo à posição manifestada pelas duas entidades oficiais da RAEM com competência na presente questão, julgamos ser de indeferir o presente recurso hierárquico, por manifesta falta de base legal.».
7 - O recurso viria a ser indeferido, por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 10/03/2014 (fls. 43 do p.a.).
8 - Em Macau existem os seguintes cursos superiores na área de formação escolhida pelo filho da recorrente:
a) O Curso denominado Tourism Business Management existente no Instituto de Formação Turística (doravante “IFT”), criado pelo Despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura (SASC) n.º 62/2002, publicado no Boletim Oficial n.º 30, I Série, de 29 de Julho, páginas 850 a 857.
Resulta do Anexo I ao citado Despacho que o curso em causa se enquadra na Área Científica de Gestão Hoteleira e é leccionado exclusivamente em língua inglesa (de acordo, também, com a informação disponível para consulta em http://www.ift.edu.mo/EN/Introduction/Home/Index/291);
b) O curso designado Gestão Hoteleira, existente na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (doravante “MUST”), criado pelo Despacho do SASC n.º 84/2012, publicado no Boletim Oficial n.º 23, I Série, de 4 de Junho, páginas 531 a 535.
Resulta do Anexo I ao citado Despacho que o curso em causa se enquadra na Área Científica de Gestão e é leccionado exclusivamente em língua chinesa/inglesa (de acordo, também, com a informação disponível para consulta no site http://www.must.edu.mo/en/fhtm en/programme/bachelors-degree-programme/course-description);
c) O curso designado Gestão de Turismo Internacional, existente também na MUST, criado pelo Despacho do SASC n.º 28/2003 (e alterado pelos Despachos do SASC e Cultura nºs 19/2005, 83/2006 e 74/2008, actualmente em vigor e publicado no Boletim Oficial n.º 26, I Série, de 30 de Junho, páginas 706 a 713) é um curso que, de acordo com o Anexo I ao citado Despacho, se enquadra na Área Científica de Turismo Internacional e é leccionado exclusivamente em língua chinesa/inglesa.
9 - O curso superior escolhido pelo descendente e leccionado na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, foi criado pelo Despacho n.º 18161-D/2007, publicado no Diário da República n.º 156, 2.ª Série, de 14 de Agosto, páginas 23344-(12) a 23344-(15) – (doc. fls. 21 do p.a.).
10 - C requereu o pedido de reembolso do preço da passagem aérea de Macau para Portugal do seu filho D para frequência do Curso de Licenciatura em Psicologia da na Universidade de Coimbra.
11 - Foi indeferido o pedido com fundamento de que a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Macau também ministrava o mesmo curso de Licenciatura em Psicologia em língua inglesa.
12 - O interessado reclamou em 14/12/2004 para a Directora dos Serviços de Finanças (fls. 140 dos autos e fls. 20-22 do apenso “Traduções”) e por ter sido considerado que o aluno D sempre ter estudado o português desde a infância, foi autorizado, por despacho do Director de 6/01/2005, a título excepcional o pagamento do transporte (fls. 139 dos autos).
13 - E, residente da RAEM, em 8/10/2012, formulou idêntico pedido de processamento do pagamento do reembolso da passagem aérea para Portugal do seu filho F, residente da RAEM, a frequentar o Curso de Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa (fls. 124 dos autos).
14 - Tal aluno estudou o português desde a infância até terminar o ensino secundário e na RAEM é leccionado um curso de Engenharia Civil em língua inglesa.
15 - Indeferido o pedido, pela requerente E foi deduzida reclamação (fls. 142), que colheu opinião favorável do jurista, G (fls. 136 dos autos) e mereceu parecer positivo, a título excepcional, e com fundamento expresso de ter sido já deferida uma reclamação similar (a acima aludida em 12) do Técnico superior em 31/01/2013 (fls. 135 e fls. 17 do apenso “Traduções”).
16 – Foi deferida esta reclamação e autorizado reembolso por despacho do Director de 6/02/2013 (fls. 135 dos autos e 17 do apenso “Traduções”).

III – O Direito
1. As questões a resolver
Trata-se de saber se o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 242.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM), ao entender que os descendentes de funcionários e agentes da Administração Pública não têm direito a receber o custo de transporte para o exterior, para frequentar curso médio ou superior, desde que exista em Macau um curso similar.
Neste momento só está em causa a interpretação da norma, quanto à questão da língua do curso e em que o descendente se expressa. Anteriormente, discutiu-se no processo se o curso que o interessado ia frequentar no exterior seria o mesmo leccionado em Macau, mas tal questão não foi suscitada no recurso jurisdicional.

2. Direito ao custo de passagem aérea para frequentar curso no exterior
Dispõe o artigo 242.º do ETAPM:
“Artigo 242.º
(Cursos no exterior)
 1. Os descendentes dos funcionários e agentes da Administração do Território que confiram direito a subsídio de família e que frequentem no exterior cursos de nível médio ou superior, oficialmente reconhecido, não leccionados em Macau no sistema oficial de ensino, têm direito a passagens:
 a) De Macau para o local onde seja ministrado o curso;
 b) Para uma vinda a Macau e regresso ao local de estudo, após 2 anos de permanência no exterior;
 c) Regresso a Macau.
 2. O encargo a suportar pelo Território tem como limite o custo da viagem de ida e regresso a Portugal, por via aérea em classe económica”.
 
A lei concede aos descendentes dos funcionários e agentes da Administração Pública, que tenham direito a subsídio de família, direito ao custo de passagem aérea para frequentar curso médio ou superior no exterior, desde que este não seja leccionado em Macau no sistema oficial de ensino.
O curso que o filho da requerente frequenta em Portugal é leccionado em Macau, tanto em língua chinesa, como em inglesa, mas não em portuguesa.
O acórdão recorrido entendeu que os descendentes de funcionários e agentes da Administração Pública não têm direito a receber o custo de transporte para o exterior, para frequentar curso médio ou superior, desde que exista em Macau um curso similar.
E decidiu que o jovem dos autos domina suficientemente a língua inglesa para frequentar os cursos que em Macau se leccionam nesta língua, conclusão que o TUI não pode censurar, atento o deposto no artigo 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Já a requerente considera que os alunos têm direito ao custo da passagem aérea para o exterior desde que não exista curso que pretendem frequentar, na sua língua materna, em Macau.
Quid juris?
Relativamente a esta matéria, parece-nos que, em abstracto, é possível equacionar três interpretações da norma legal.
Uma, que considera a questão da língua, em que o aluno se expressa ou que domina, irrelevante, interpretando à letra, a lei. Isto é, desde que exista em Macau um curso semelhante ao que o interessado quer frequentar no exterior, ele não tem direito ao custo da viagem, independentemente de falar ou não a língua na qual o curso é leccionado.
O acórdão recorrido parece apontar para esta interpretação, mas, desde que, referindo-se ao jovem dos autos, diz que ele não terá dificuldades em frequentar um curso em língua inglesa em Macau, ficamos sem saber muito bem. É que, para tal interpretação devia ser irrelevante que a língua em que o aluno se expressasse.
A segunda interpretação é a da recorrente. O interessado tem direito a receber o custo da viagem para o exterior desde que não exista curso em Macau na sua língua materna, ainda que o aluno domine suficientemente outra língua, na qual é leccionado curso em Macau, semelhante ao que pretende frequentar.
A terceira interpretação é esta: o interessado só tem direito a receber o custo da viagem para o exterior desde que não exista curso semelhante em Macau, leccionado na sua língua materna ou em qualquer língua que o aluno domine suficientemente para frequentar com êxito o curso.
A primeira interpretação não satisfaz o objectivo pretendido com a norma, que é a de que os descendentes de funcionário ou agente da Administração sejam ajudados nos custos com frequência de curso médio ou superior no exterior, desde que em Macau não exista curso semelhante. Ora, este objectivo só é atingido se o interessado tiver direito ao reembolso da despesa com transporte, se o curso que pretende seguir não existir em Macau em língua que ele fale. É que não há qualquer obrigação legal de os descendentes de funcionários ou agentes da Administração, terem de se expressar em língua oficial, que são aquelas em que a maior parte dos cursos são leccionados.
Repare-se que não nos estamos a referir aos funcionários da Administração, caso em que seria inteiramente legítimo que a lei impusesse o domínio das línguas oficiais, mas aos descendentes dos funcionários da Administração.
Merece tanta protecção legal, de acordo com a ratio da norma, o descendente que quer estudar Medicina e não o pode fazer na Região porque não existe tal curso em Macau, como aquele que quer estudar Engenharia Informática, curso que existe em Macau, mas não em língua que este descendente entenda.
A interpretação da recorrente não merece acolhimento, pois não se vislumbra a que título é que a Administração tem que subsidiar aluno para estudar no exterior, apenas porque este só pretende aprender na sua língua materna, recusando-se a frequentar curso em Macau, em língua que domine, ainda que não seja a materna.
Atente-se que não estamos a discutir o direito de o filho da recorrente frequentar o curso que quiser, no local que escolher, na língua de que gostar mais. Esse é um direito indiscutível. Só que não pode é pretender que fundos públicos sejam mobilizados para satisfazer meros gostos ou conveniências pessoais.
Da mesma forma, que é legítimo que jovens de Macau queiram estudar no exterior, em cursos com muito mais qualidade que os semelhantes leccionados em Macau, independentemente da língua de leccionação. Mas neste caso, suportam integralmente os custos da opção que fizeram.
Desde que um descendente domine suficientemente uma língua na qual é leccionado curso em Macau, idêntico ou semelhante ao que elegeu, é razoável que a Administração não custeie viagem para curso no exterior, visto que o acesso ao ensino é garantido neste caso, independentemente de a língua em causa ser ou não a materna do aluno.
E quando falamos no domínio suficiente de língua, é evidente que nos referimos a nível adequado para frequentar o curso médio ou superior em causa.
Não merece, pois, censura, a decisão recorrida, que se confirma, embora por diferentes fundamentos.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, com taxas de justiça fixada em 6 UC.

Macau, 29 de Abril de 2016.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa




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