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Processo nº 118/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 21/Abril/2016

Assuntos: Cancelamento da autorização temporária de residência
      Extinção/Alteração da situação juridicamente relevante
      Falta de cumprimento do dever de comunicação
      Erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários

SUMÁRIO
- Uma vez concedida a autorização de residência temporária aos interessados que reúnam os requisitos legais de que depende aquela concessão, estes indivíduos devem manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
- Caso se verifique extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização, deve o interessado comunicar ao IPIM a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração, cabendo neste caso à Administração apreciar essa “nova questão”, podendo aceitar ou não aceitar essa alteração, ou podendo ainda fixar um prazo para que o interessado se constitua em nova situação jurídica atendível (artigo 18º, nº 2 e 3 do RA nº 3/2005).

- Por outro lado, não logrando o interessado comunicar ao IPIM no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração da situação juridicamente relevante, pode surgir uma das duas consequências: se a falta de cumprimento da comunicação for devida a justa causa, não terá o interessado consequências desfavoráveis, ou seja, não poderá a Administração revogar a autorização de residência por causa desse incumprimento; pelo contrário, se não houver justa causa fundada no incumprimento da obrigação de comunicação, a Administração decide discricionariamente se irá manter ou declinar a autorização de residência (artigo 18º, nº 4 do RA nº 3/2005).
- No caso sub judice, provado está que o recorrente vendeu os imóveis com base nos quais lhe havia sido conferida aquela autorização de residência temporária na RAEM, e não obstante o recorrente ter adquirido novo imóvel uns meses depois da venda dos primitivos imóveis, mas essa “nova” aquisição de bem imóvel já não releva para o efeito, e a razão é simples: durante o período de tempo que medeia entre a venda dos imóveis cuja aquisição tinha fundado a concessão do direito temporário de residência e a data de aquisição de nova fracção, decorreram alguns meses, e durante esse período de tempo, o recorrente deixou de ser titular de fracção autónoma em Macau com o valor de, pelo menos, um milhão de patacas.
- No que tange à questão de desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários resultante da falta de cumprimento da obrigação de comunicação, deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça e proporcionalidade.
- No caso concreto, afigura-se-nos não ter havido erro manifesto ou grosseiro no uso de poderes discricionários ou violação dos princípios da justiça e proporcionalidade, na medida em que não era inaceitável ou intolerável a forma como a Administração usou os seus poderes discricionários, pois, tendo em consideração o interesse público que se prende com a consciência e o sentido jurídico da comunidade, justifica-se que não seja o recorrente autorizado a ser residente da RAEM.
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 118/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 21/Abril/2016

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, casado, titular do Passaporte da República Popular da China e do BIR não Permanente da RAEM, melhor identificado nos autos (doravante designado por recorrente), notificado do despacho do Exmº Secretário para a Economia e Finanças de 12 de Novembro de 2014, que ordenou o cancelamento da autorização de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, formulando as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre a decisão decorrente do Despacho proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finança, que ordena o cancelamento da autorização de residência temporária do ora Recorrente, e do seu agregado familiar, com base no Parecer do Instituto de Promoção e do Investimento de Macau (doravante, IPIM).
2. Porém, o referido Despacho está ferido de diversos vícios, que devem conduzir à sua anulação e revogação.
Em concreto,
3. Nos termos do acto recorrido, o cancelamento da(s) autorização de residência temporária na RAEM do Recorrente e da sua família (mulher e filho menor) assenta no facto de o Recorrente “ter procedido à venda dos imóveis que justificaram a atribuição da autorização de residência temporária sem que tivesse dado cumprimento do dever de comunicação ao IPIM, conforme disposto no artigo 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e após a audiência a situação do ora Recorrente ainda não se mostra conforme com o referido Regulamento.”
4. É verdade - e o Recorrente humildemente desde o primeiro momento assim o reconheceu - que não cumpriu tempestivamente o dever legal de comunicação que lhe era exigido pelo artigo 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
5. Sendo manifesto que apenas por ignorância e desconhecimento o Recorrente não o fez, razão pela qual o acto recorrido não poderia deixar de concluir que o não cumprimento do dever de comunicação apenas representa uma irregularidade de pouca gravidade e, no caso, apenas serviria uma função meramente formalística.
6. Em caso algum se justificando que pudesse ter sido valorada de especial gravidade e, em termos objectivos, como suficiente para justificar o cancelamento (imediato) da autorização de residência temporária do Recorrente e do seu agregado familiar.
7. Neste sentido, o acto recorrido mostra-se desrazoável e injusto, o que, por si só, deverá conduzir à sua anulação, por vício de violação de lei, nos termos do artigo 21º, n.º 1, al. d) do CPAC,
Acresce que,
8. É verdade que, em 1 de Junho de 2012, o Recorrente alienou os imóveis com base nos quais lhe havia sido conferida autorização de residência temporária na RAEM, com vista a adquirir uma outra fracção habitacional de maiores áreas, que permitisse um maior conforto para o Recorrente e sua família.
9. O que efectivamente se verificou, em 8 de Outubro de 2012, data em que o Recorrente, a sua mulher (B) e a sua irmã (C), outorgaram um contrato-promessa de compra e venda, acompanhada da promessa de venda de um imóvel, com áreas e valor de aquisição muito superior aos imóveis adquiridos anteriormente, o que demonstra um reforço e um aumento considerável do investimento levado a cabo pelo Recorrente na RAEM, e que em caso algum poderia deixar de ter sido devidamente valorada no acto recorrido.
10. A partir do momento em que o Recorrente outorgou o contrato-promessa de compra e venda, acompanhada da promessa de venda, para todos os efeitos ficou reposta voluntariamente a situação juridicamente relevante que fundamenta a sua autorização de residência temporária, o que aconteceu num curto prazo de 4 meses.
11. E, nunca, num período de 7 (sete) meses conforme é sublinhado no Parecer que suporta o acto recorrido que, neste particular, se encontra inquinado de um vício de violação de lei, traduzido num erro manifesto na apreciação da situação concreta jurídica do Recorrente, que se mostra contenciosamente sindicável nos termos do artigo 21º, n.º 1, alínea d) do CPAC, e que deverá conduzir à sua anulação.
Sem prescindir,
12. Contrariamente ao que resulta do Parecer que fundamenta o acto recorrido em caso algum se poderá concluir que após audiência a situação do ora Recorrente ainda não se mostra conforme com o Regulamento.
13. Desde logo, porque, logo em 1 de Julho de 2012 o Recorrente (re)constituiu a “situação juridicamente relevante” que justifica a manutenção da sua autorização de residência mediante outorga do contrato promessa de compra e venda, acompanhada da promessa de venda – e, como tal, muito antes da referida audiência.
14. Sendo que, aquando da decisão do acto recorrido a “situação juridicamente relevante” que justifica a manutenção da autorização do Recorrente já se apresentava em total conformidade com Regulamento Administrativo n.º 3/2005, visto o Recorrente se manter proprietário de um imóvel avaliado em mais de um milhão de patacas.
15. De onde, ao não considerar - e ao não atender devidamente - à concreta “situação juridicamente atendível” do Recorrente ainda antes da audiência, o acto recorrido enferma de um claro vício de violação de lei, traduzido num erro manifesto, contenciosamente sindicável nos termos do artigo 21º, n.º 1, alínea c) do CPAC, que deverá conduzir à sua anulação.
Acresce que,
16. O Recorrente, bem como a sua mulher e o seu filho menor, vivem em Macau desde 2007, tendo na RAEM todo o seu centro de vida pessoal, familiar e profissional, são bons cidadãos, estando bem integrados na comunidade local, onde vivem e trabalham, tendo sempre cumprido com as suas obrigações legais.
17. Como se deixou dito, o Recorrente nunca teve intenção de violar a Lei - e, em concreto, o espírito que preside ao Regulamento Administrativo n.º 3/2005 - e, em caso algum deixou de investir na RAEM, tendo apenas optado por substituir um imóvel por outro que apresenta melhores condições de habitabilidade, tendo até reforçado o montante total que mantém investido em Macau.
18. Depois, de boa-fé, o Recorrente apresentou atempadamente junto da Entidade competente todos os documentos e demais informação que sucessivamente lhe foram sendo solicitados, tendo desde o primeiro momento informado o IPIM que a venda dos imóveis adquiridos em 2007 apenas se destinou a “financiar” a compra de uma habitação maior, que pudesse oferecer mais conforto e segurança ao seu agregado familiar, tendo sempre acreditando na boa-fé dos respectivos Serviços.
19. De onde, foi com manifesta surpresa que o Recorrente foi notificado do acto recorrido e, em concreto, da decisão de cancelamento da sua autorização de residência na RAEM no mesmo contido, porquanto, em momento nenhum o órgão competente valorou tão negativamente o comportamento do Recorrente, ao ponto de entender que a omissão de uma simples formalidade pudesse conduzir a um tão drástico resultado, fazendo com que o Recorrente e os seus familiares corram o risco de ser “obrigados” a abandonar a RAEM, com todos os reflexos e consequências negativas que tal vai implicar para as suas vidas.
Sem prescindir,
20. Resulta do n.º 4 do artigo 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que a decisão de cancelamento da autorização de residência - por não cumprimento sem justa causa do dever comunicação - corresponde a um poder discricionário da Entidade Recorrida, que em função das circunstâncias concretas de cada caso, deverá ponderar se o não cumprimento do dever de comunicação deve ou não determinar o cancelamento da autorização de residência, mas sendo que apenas o deverá fazer quando conclua pela sua suficiente gravidade ou manifesta falta de justa causa invocada.
21. In casu, ponderados todos os elementos - e não se tratando de um poder vinculado da administração - em caso algum se justifica que o acto recorrido ordene o cancelamento da autorização de residência do Recorrente e da sua família, porquanto a omissão do Recorrente resultou de um desconhecimento, que se deve afigurar de pouca ou menor gravidade, em caso algum se deixando de atender a que antes da audiência o Recorrente já havia (re)constituído a situação juridicamente relevante - mediante a aquisição de um outro imóvel de valor consideravelmente superior - e que justifica a manutenção da sua autorização de permanência na RAEM, por estarem materialmente reunidas todos os requisitos exigidos pelo Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
22. Ao não entender assim, o acto recorrido padece de uma total falta de razoabilidade quanto ao exercício de poderes discricionários, cuja apreciação a correcção judicialmente se impõe, pois, mesmo no âmbito do exercício de um poder discricionário - ou no gozo de margem de livre decisão administrativa - o acto recorrido mostra-se contrário aos Princípios Jurídicos Fundamentais que devem nortear a actividade e o comportamento das entidades administrativas, v.g., os princípios de justiça, da proporcionalidade e da adequação, revelando uma total e evidente desproporção entre os interesses que defende e sacrifica.
23. Neste sentido, o acto recorrido está eivado de manifesta falta de razoabilidade, igualmente contenciosamente sindicável, nos termos e para os efeitos do artigo 21º, n.º 1, alínea d) do CPAC, preceito que inclui na violação de lei o erro manifesto no exercício de poderes discricionários, e que deverá conduzir à sua anulação.
Conclui, pedindo que se julgue procedente o recurso e, em consequência, se anule o acto recorrido.
*
Regularmente citada, contestou a entidade recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões, pugnando pela improcedência do recurso:
1. O recorrente não cumpriu o dever de “manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização” (art. 18º, n.º 1).
2. O recorrente não cumpriu, igualmente, o dever de comunicação ao IPIM previsto no art. 18º, n.º 3, facto que ele reconhece.
3. O recorrente não apresentou justa causa para o incumprimento desse dever de comunicação, alegando mero desconhecimento da lei.
4. O desconhecimento da lei, no entanto, não constitui justa causa de incumprimento (CC, art. 5º).
5. Logicamente, deve entender-se que o não cumprimento, sem justa causa, da mencionada obrigação de comunicação, deve, em princípio, conduzir à revogação da autorização de residência.
6. O art. 18º, n.º 4, no entanto, confere à Administração poderes discricionários para - excepcionalmente, em nosso entender - manter a autorização de residência mesmo quando o interessado não cumpra, sem justa causa, o dever de comunicação previsto no n.º 3.
7. No caso concreto, não se vislumbram razões excepcionais que devessem ter levado ao afastamento do princípio enunciado na conclusão 5.
8. Por outro lado, tendo os poderes conferidos pelo n.º 4 do art. 18º natureza discricionária, o seu exercício só é judicialmente sindicável em caso de erro manifesto ou total desrazoabilidade.
9. E não ocorreu erro manifesto, ao contrário do que pretende o recorrente, pois efectivamente a situação jurídica que havia fundado a autorização de residência só foi reposta em 07.01.2013, quando ele outorgou a escritura pública de compra de um novo imóvel.
10. Na verdade, não repõe a situação jurídica relevante aquele que, tendo obtido autorização de residência na qualidade de proprietário de imóveis adquiridos na RAEM, e tendo alienado esses mesmos imóveis, celebra, meses depois dessa alienação, uma mera promessa de compra de um outro imóvel.
11. Quanto à equiparação entre aquisição onerosa e promessa de compra, feita no n.º 4 do art. 3º, tinha ela unicamente o sentido de permitir que a Administração concedesse as autorizações de residência previstas nesse artigo, e no art. 1º, n.º 4, com base em mero contrato-promessa de compra e venda.
*
Tanto o recorrente como a entidade recorrida apresentaram alegações facultativas, reproduzindo, cada um deles, basicamente, a sua posição inicial.
*
Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
Ao despacho exarado na Informação n.º 01466/GJFR/2014 (doc. de fls. a 6 do P.A.), o recorrente assacou, em primeiro lugar, a desrazoabilidade e a injustiça, em virtude de ser manifesto que apenas por ignorância e desconhecimento ele não procedera a comunicação ao IPIM, e de que a qual assume uma função meramente formalística.
Quid juris?
Prescreve o art. 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005: 1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização. 2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente. 3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração. 4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
A experiência adquirida durante a vigência do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 revela-nos que a comunicação prevista no n.º 3 dota à Administração o mecanismo idóneo, adequado e eficiente para fiscalizar e controlar a observância, por qualquer interessado, ao dever de manutenção consignado no n.º 1 do mesmo artigo.
Assim, e em harmonia com a douta tese de «基於行政當局不可能具備足夠的資源在任何時間監察每一個案的投資者的法律狀況有否維持,因此法律規定投資居留的受益人有義務在投資內容有變更或消滅時,應適時通報行政當局以使行政當局執行法律的規定。» (Acórdão do TSI no Processo n.º 901/2012), temos que comparando com o D.L. n.º 14/95/M, a comunicação obrigatória representa o aperfeiçoamento mais saliente do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Daí se compreende facilmente a ratio subjacente do n.º 4 do art. 18º que determina: «O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.»
Tudo isto torna manifesto que é infiel à mens legis e sofisticada a tese do recorrente, no sentido de que a aludida comunicação obrigatória assume uma função meramente formalística.
No caso vertente, fica plenamente provado que o recorrente nunca comunicou ao IPIM de vender, mediante escritura datada de 01/06/2012, os prédios que fundamentaram a concessão de autorização. Para justificar a falta da comunicação, alegou ele a mera ignorância e o desconhecimento da disposição no n.º 4 do art. 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Ora, os Altos TUI e TSI vêm proclamando pacificamente que nem a mera ignorância nem o desconhecimento do regime jurídico pode ser aceites como justa causa do incumprimento da obrigação de comunicação consagrada no referido n.º 4. (a título exemplificativo, o Acórdão do TUI no Processo 30/2013 e o do TSI no Processo n.º 96/2012)
Desta maneira, e em observância à jurisprudência sedimentada e actualmente consolidada no ordenamento jurídico de Macau, entendemos com tranquilidade que o despacho em escrutínio não padece nem da desrazoabilidade nem da injustiça, sendo impecável.
O recorrente arrogou ainda o erro manifesto, em virtude de ser 4 meses, nunca 7 meses, o período decorrido desde a apontada venda até ao contrato-promessa de compra e venda celebrado em 08/10/2012, e de não ter sido devidamente atendido tal o contrato-promessa.
Dado ser indubitável que o recorrente não cumpriu a obrigação de comunicação dentro de 30 dias contados a partir daquela venda que teve lugar em 01/06/2012, parece-nos que tal erro manifesto não pode deixar de ser irrelevante e inócuo para invadir o despacho em causa.
Finalmente, o recorrente arguiu que a Administração cometera a omissão de atender à reconstituição, antes da audiência, da situação juridicamente relevante, daí o acto recorrido enfermava do erro manifesto e da total falta de razoabilidade.
Quanto a esse argumento, importar acentuar que o cancelamento da autorização de residência concedida ao recorrente consubstanciado no despacho recorrido se estriba no incumprimento da obrigação de comunicação, não na falta de reconstituição da situação juridicamente relevante.
E na nossa opinião, é válida mutatis mutandis para a renovação da autorização de residência a douta jurisprudência do Venerando TSI que afirma «A recusa de concessão de residência foi tomada em sede de falta de confiança quanto ao acatamento das leis e ordenamento de Macau a partir de elementos objectivos, tornando-se esta necessidade matéria do interesse público a tutelar, razão por que se não descortina a ocorrência de desrazoabilidade no uso de poderes discricionários.» (vide. Acórdão no Processo n.º 2/2003)
Na mesma linha de consideração, opinamos que não existe in casu o erro manifesto ou a total falta de razoabilidade e, em bom rigor, a arguição deste dois vícios não presta por ser impertinente.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.
*
O Tribunal é o competente em razão da matéria e hierarquia, e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe nulidades, excepções nem outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Em 8.7.2011, o recorrente formulou o pedido de fixação de residência em Macau, mediante o investimento na aquisição de três fracções autónomas, por preço não inferior a um milhão de patacas. (fls. 69 do P.A.)
O pedido foi deferido em 5.9.2011, tendo sido concedidas autorizações de residência temporária ao recorrente e ao seu agregado familiar. (fls. 64 do P.A.)
Por escritura pública de 1.6.2012, o recorrente vendeu os bens com base nos quais lhe havia sido conferida autorização de residência temporária na RAEM. (fls. 41 a 50 do P.A.)
A 8.10.2012, o recorrente, a sua mulher B e a sua irmã C outorgaram um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, para finalidade de habitação, cujo preço de aquisição era de HKD$6.500.000,00, equivalente a MOP$6.688.500,00, tendo sido celebrada a respectiva escritura pública de compra e venda em 7.1.2013. (fls. 37 a 39 e 26 a 28 do P.A.)
Sendo que o recorrente e a sua mulher adquiriram uma quota de 9/10, equivalente a MOP$6.019.650,00 da referida fracção. (fls. 26 a 28 do P.A.)
O recorrente não efectuou a comunicação que lhe era exigido pelo artigo 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
Em 16.10.2014, foi elaborada a seguinte Proposta registada sob o n.º 01466/GJFR/2014: (fls.4 a 6 do P.A.)
“事由: 取消臨時居留許可第2602/2007/01R號卷宗 建議書編號01466/GJFR/2014
日期: 25/06/2014
投資居留暨法律處XXX經理 閣下:
1. 申請人 (A),以購置不動產為依據於2007年9月20日提起臨時居留許可申請,並惠及配偶 (B)及卑親屬 (D),該申請於2009年5月6日獲批,以及亦於2011年9月5日獲批續期,上述各人之臨時居留許可均續期至2014年10月21日。當時依據之物業如下:
(1) 物業標示編號: 22699-II
澳門鴨涌巷XX號XX大廈1樓R座
價值: 567,325.00澳門元
登記日期: 2007/05/29 (74)
(2) 物業標示編號: 22810
氹仔海洋花園第一街91號海洋花園XXX停車場之1/78業權
價值: 216,615.00澳門元
登記日期: 2007/05/29 (74)
(3) 物業標示編號: 20795
澳門鮑公馬路6號長江大廈XXX停車場之1/17業權
價值: 299,135.00澳門元
登記日期: 2007/05/29 (74)
2. 然而,根據申請人授權律師所提交的書面聲明及物業證明文件(見附件1),證實申請人已於2012年6月1日簽立公契出售上述三項投資依據物業,其後於2013年1月7日才簽契購買新物業(氹仔哥英布拉街60號花城利盛、利豐、利厚、利盈、利茂XX樓XX座,價值6,500,000.00港元,折合6,688,500.00澳門元,申請人佔90%業權,價值為6,019,650.00澳門元),並於2013年1月11日作物業登記。
3. 基於上述事實,申請人自2012年6月1日至2013年1月7日期間(約7個月)在澳持有不足法定投資額之物業,且沒有依法通知該法律狀況已消滅,不符合法律規定。故本局於2014年4月25日透過第04523/GJFR/2014號書面聽證公函通知申請人(見附件2),其須在接獲通知翌日起10日內向本局提交書面意見。
4. 申請人授權律師於2014年5月12日向本局提交聲明書及相關佐證文件(見附件3),有關解釋如下:
1) 申請人購買新物業需要時間,強調於2012年6月13日出售物業後,已於2012年10月8日簽訂預約買賣合同購買新物業,認為預約買賣合同之效力等同於購買,且只相隔不足4個月,故認為即使申請人有違反法規,但違反程度輕微。
2) 申請人因對法律認知不足、不懂法律,才沒有依法作出通知。
3) 申請人與另一業權人購買之新物業價值為6,500,000港元,申請人佔90%業權,故認為申請人大大增了在澳之投資,此外,申請人於2012年5月至2013年1月期間在澳一直存有約2,500,000.00澳門元存款,但該存款存入其胞妹之銀行帳戶內。
5. 就上述事宜,現分析如下:
1) 申請人確已於2012年6月1日簽訂公契出售原投資依據之三項物業,並分別於2012年6月8日、6月13日及7月8日作物業登記,致使其原獲批之法律狀況消滅。
2) 須指出的是,樓宇買賣的預約合同非為樓宇買賣過程中的必然步驟,物業之業權不會因簽署了樓宇買賣預約合同而被轉移,故簽訂預約買賣合同之日非為物業業權轉移之時。
3) 基於第2)項內容,申請人與另一業權人雖於2013年1月7日簽訂公契購買了新物業,但自出售物業之日(2012年6月1日)至新購物業之日(2013年1月7日)約7個月期間,申請人在澳確實持有不足法定投資額之物業,盡管申請人辨稱共尚有2,500,000.00澳門元存於其胞妹賬戶內,該斷層之事實無法改變,故業其所設立之新法律狀況無法接納。
4) 須指出的是,本局曾透過第08982/GJFR/2009及15040/GJFR/2011號公函通知申請人(見附件4),已明確批出:“依據第3/2005號行政法規第18條規定,利害關係人須於申請期間或申請獲批准後保持居留許可申請獲批准時被考慮的具重要性的法律狀況。如法律狀況消滅或出現變更,將於法律狀況消滅或變更之日起計30日內以書面方式通知本局,否則臨時居留許可會被取消。…申請依據的變更,例如不動產類別的業權狀況變更或50萬澳門元定期存款變更、…等情況。”可見,申請人理應知悉有關規定,故對申請人辨稱對法律認知不足所致無法接納。
6. 綜上所述,由於申請人於臨時居留許可持續期間出售申請依據之物業,致使其原獲批的法律狀況消滅,沒有依法履行通知本局之義務,經聽證程序後,申請人之新法律狀況仍不符合規定,故根據第3/2005號行政法規第18條規定,建議取消申請人 (A)、配偶 (B)及卑親屬 (D)已獲批的臨時居留許可。
呈上級審閱及決定。
高級技術員
(簽名)
XXX”
Em 21.10.2014, foi dado o seguinte parecer jurídico: (fls. 4 do P.A.)
“同意本建議書內容,因申請人已出售原投資物業,致使其原獲批准時被考慮的具重要性的法律狀況消滅,經聽證程序後,申請人之新法律狀況仍不符合法律規定,故根據第3/2005號行政法規第18條規定,建議取消申請人 (A)、配偶 (B)及卑親屬 (D)已獲批的臨時居留許可。”
Tendo o Presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau lavrado o seguinte despacho:
“同意是項建議書內容,呈經濟財政司司長 閣下批示。
(簽名)
XXX/主席
22.10.2014”
Em 12.11.2014, pelo Exmº. Secretário para a Economia e Finanças foi proferido o seguinte despacho: (fls. 4 do P.A.)
“批准建議。”
*
O caso
Ao recorrente e seu agregado familiar foi concedida autorização de residência temporária na RAEM, com fundamento em investimento de bens imóveis.
Em 1.6.2012, o recorrente vendeu os bens cuja aquisição tinha fundamentado a concessão da autorização de residência, bem assim não logrou cumprir o dever legal de comunicação que lhe era exigido pelo artigo 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
Em 8.10.2012, o recorrente, a sua mulher e a sua irmã celebraram um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, tendo celebrado a respectiva escritura pública de compra e venda em 7.1.2013.
Uma vez verificada a extinção da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária, bem como a falta de cumprimento do dever legal de comunicação, a entidade recorrida ordenou o cancelamento da autorização de residência temporária do recorrente e do seu agregado familiar.
É este o acto recorrido.
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O recorrente assaca ao despacho recorrido vício de violação de lei, traduzido na desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, no erro manifesto na apreciação da situação concreta jurídica do recorrente e no erro manifesto no exercício de poderes discricionários decorrente na violação dos princípios da proporcionalidade, justiça e imparcialidade.
Comecemos pela análise do artigo 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005:
“1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
     2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
     3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.
     4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação da comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.”
Em boa verdade, as questões agora levantadas pelo recorrente não são novas, tendo já sido objecto de algumas apreciações por este TSI, e também pelo TUI em recursos jurisdicionais.
A título exemplificativo, veja-se o que se disse no Acórdão do Venerando TUI, no Processo nº 30/2013:
“Daí resulta que, uma vez que a autorização de residência temporária é concedida a indivíduos não residentes que satisfaçam os requisitos previstos por lei, estes indivíduos devem manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
No caso de extinção ou alteração da situação, o interessado deve cumprir o dever de comunicação, no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração; e o não cumprimento, sem justa causa, dessa obrigação poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
É muito clara a intenção do legislador, de manter estável, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que esteve na base da concessão dessa autorização.
No caso de concessão da autorização de residência temporária por aquisição de imóveis, como é o nosso caso, o investidor deve cumprir os requisitos previstos no art.º 3.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, incluindo a aquisição em Macau de bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas.
No caso em apreciação, o recorrente não possuiu, de forma contínua e estável, os investimentos que tinha feito em bens imóveis de Macau e não comunicou, no prazo legal, a alteração desta situação juridicamente relevante que tinha fundamentado a concessão da autorização de residência, o que conduziu ao cancelamento da autorização.”
No mesmo sentido, decidiu-se num outro Acórdão mais recente do TUI, no Processo nº 79/2015, o seguinte:
“E quanto aos poderes a que se refere o artigo 18.º, n.º 2?
Aí não temos dúvidas de que se trata de poderes vinculados da Administração: quando ocorra extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão de autorização de residência, a Administração tem de cancelar a autorização de residência temporária. Não pode deixar de o fazer.
É nesse sentido que aponta a letra da norma “A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração …”. Enquanto, no caso de falta de cumprimento da comunicação, a norma refere “O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária”.
Neste caso, o conceito indeterminado situação juridicamente relevante não contém nenhum juízo de prognose, não havendo intenção de conferir margem de livre apreciação à Administração.
Por outro lado, os interesses envolvidos apontam inequivocamente no sentido de estarem em causa poderes vinculados. É que o pressuposto da concessão da autorização de residência temporária é, além do mais, a aquisição em Macau, sem recurso ao crédito e livres de quaisquer encargos, bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas.
Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 18.º, o interessado tem a obrigação de manter durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
Face à violação de tal obrigação, faz todo o sentido que a falta de manutenção da situação juridicamente relevante, seja cominada com o cancelamento da autorização de residência, não ficando na disponibilidade da Administração o poder de cancelar ou deixar de cancelar. Trata-se de uma violação maior, por fazer cessar os pressupostos em que assentou a concessão da autorização de residência, não uma simples falta de comunicação.
Em conclusão:
A competência prevista no artigo 18.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 integra o exercício de um poder vinculado da Administração.
A competência prevista no artigo 18.º, n.º 4, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 integra o exercício de um poder discricionário da Administração.”
De facto, estatui-se nos termos do artigo 3º do Regulamento Administrativo nº 3/2005 que os interessados que pretendam pedir autorização de residência temporária com fundamento na aquisição de bens imóveis devem, no momento do pedido, cumprir cumulativamente os seguintes requisitos:
“1) Ter adquirido na Região Administrativa Especial de Macau, sem recurso ao crédito e livres de quaisquer encargos, bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas;
2) Ter fundos de valor não inferior a quinhentas mil patacas depositados a prazo em instituição de crédito autorizada a operar na Região Administrativa Especial de Macau e livres de quaisquer encargos;
3) Ser titulares do grau académico de bacharelato ou equivalente.”
E uma vez concedida a autorização de residência temporária aos interessados que reúnam aqueles requisitos legais, estes indivíduos devem manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
Caso se verifique extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização, em princípio deve ser cancelada a respectiva autorização (artigo 18º, nº 1 do RA nº 3/2005), mas pode acontecer o seguinte:
1) Ter o interessado comunicado ao IPIM a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração;
2) Não ter logrado o interessado comunicar ao IPIM no prazo acima referido.
Ora bem, quanto à primeira situação, tendo o interessado comunicado ao IPIM a extinção ou alteração dos fundamentos que serviram de base à concessão da autorização de residência temporária, no prazo de 30 dias contados desde a data da extinção ou alteração, cabe à Administração apreciar essa “nova questão”, podendo aceitar ou não aceitar essa alteração, ou podendo ainda fixar um prazo para que o interessado se constitua em nova situação jurídica atendível (artigo 18º, nº 2 e 3 do RA nº 3/2005).
Já na segunda situação, em que o interessado não logrou comunicar ao IPIM no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração da situação juridicamente relevante, pode surgir uma das duas consequências: se a falta de cumprimento da comunicação for devida a justa causa, não terá o interessado consequências desfavoráveis, ou seja, não poderá a Administração revogar a autorização de residência por causa desse incumprimento; pelo contrário, se não houver justa causa fundada no incumprimento da obrigação de comunicação, a Administração decide discricionariamente se irá manter ou declinar a autorização de residência (artigo 18º, nº 4 do RA nº 3/2005).
No caso sub judice, verifica-se que durante o período de residência temporária, a situação juridicamente relevante que esteve na base da concessão da autorização de residência foi extinta, na medida em que o recorrente vendeu os imóveis com base nos quais lhe havia sido conferida aquela autorização de residência temporária na RAEM.
Por outro lado, não logrou o recorrente comunicar ao IPIM desse facto, daí que, tendo em consideração esses aspectos, decidiu a Administração cancelar a autorização de residência do recorrente e do seu agregado familiar.
Assaca o recorrente ao acto recorrido desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, na medida em que, embora não tenha cumprido o dever legal de comunicação que lhe era exigido nos termos do nº 4 do artigo 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, apenas não o fez por ignorância e desconhecimento, defendendo ainda que tal representa uma irregularidade de pouca gravidade que apenas serviria uma função meramente formalística.
Salvo o devido, entendemos não assistir minimamente razão ao recorrente.
Em boa verdade, não constitui fundamento válido e suficiente a invocação da ignorância ou desconhecimento da lei para se eximir ao seu cumprimento (artigo 5º do CC).
Aliás, no mesmo sentido já decidiu o Venerando TUI, no Processo nº 30/2013, de que “não é necessário ter conhecimentos jurídicos para saber quais as obrigações a que o interessado que obteve autorização de residência está sujeito, para manter o seu estatuto, pelo que o invocado desconhecimento do regime jurídico de Macau não se pode afigurar como justa causa para incumprimento da obrigação de comunicação imposta por lei”.
Por outro lado, entendemos que a tal comunicação não aparece como uma mera formalidade administrativa, antes pelo contrário, trata-se de uma imposição legal.
Pelo que, improcede o vício de violação de lei nos termos sustentados pelo recorrente.
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Alega ainda o recorrente que a entidade não atendeu devidamente à concreta situação juridicamente atendível do recorrente, afirmando que, aquando da decisão do acto recorrido, a situação juridicamente relevante que justifica a manutenção da autorização do recorrente já se apresentava em total conformidade com o Regulamento Administrativo nº 3/2005.
Salvo o devido respeito, entendemos igualmente não lhe assistir qualquer razão.
Conforme acima expendido, ao abrigo do artigo 18.º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, o interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização. Verificando-se extinção ou alteração dessa situação juridicamente relevante, o mesmo interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau no prazo de 30 dias a contar da data da referida extinção ou alteração.
E não obstante o recorrente ter adquirido novo imóvel uns meses depois da venda dos primitivos imóveis com base nos quais lhe havia sido conferida aquela autorização de residência temporária na RAEM, mas essa “nova” aquisição de bem imóvel já não releva para o efeito, e a razão é simples: durante o período de tempo que medeia entre a venda dos imóveis cuja aquisição tinha fundado a concessão do direito temporário de residência e a data de aquisição de nova fracção, decorreram alguns meses, e durante esse período de tempo, o recorrente deixou de ser titular de fracção autónoma em Macau com o valor de, pelo menos, um milhão de patacas.
Convém ainda salientar que, independentemente de o período que medeia entre a venda dos imóveis e a aquisição de nova fracção ser de 4 ou de 7 meses, julgamos não ser esta uma questão relevante, pois houve inequivocamente alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária.
E não se diga que o recorrente teria posteriormente “reposto a situação juridicamente relevante”, pois, mesmo que o recorrente venha a adquirir novos bens imóveis, é inquestionável que “a situação do ora recorrente ainda não se mostra conforme com o Regulamento”, ou seja, o recorrente continua a não possuir os investimentos em bens imóveis durante determinado período de tempo de residência temporária.
Pelo que, não se descortina a alegada violação de lei.
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Alega ainda o recorrente que a decisão de cancelamento da autorização de residência corresponde a um poder discricionário da entidade recorrida, cujo acto recorrido padece de uma total falta de razoabilidade quanto ao exercício de poderes discricionários.
Vejamos o que se disse no Acórdão do Venerando TUI, no Processo nº 13/2012:
“13. Não se têm suscitado dúvidas tanto na doutrina como na jurisprudência, que os tribunais podem fiscalizar o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A dúvida está em saber em que medida deverão os tribunais intervir nesta matéria.
DAVID DUARTE, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, «que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos … é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção» (o sublinhado é nosso).
Nas mesmas águas navega MARIA DA GLÓRIA F. P. DIAS GARCIA, defendendo que «em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem» (o sublinhado é nosso).
O novo CPAC, no seu art. 21.º, n.º 1, alínea d), embora não aplicável à situação dos autos, a respeito dos fundamentos do recurso contencioso refere-se ao «erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários»”
O recorrente vem justificar que a omissão do recorrente resultou de um desconhecimento de pouca ou menor gravidade, tendo o mesmo reposto os pressupostos materiais subjacentes à autorização de residência passados apenas 4 meses, mediante a aquisição de um outro imóvel, de valor substancialmente superior, alegando ainda que tanto o recorrente como os seus familiares mantiveram a sua vida profissional e familiar em Macau, aqui residindo e trabalhando e, no caso do filho menor, frequentando o ensino primário, o que justifica, no seu entender, a manutenção da sua autorização de permanência na RAEM.
Em nossa opinião, a desrazoabilidade a que alude o artigo 21º, nº 1, alínea d) do CPAC deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça e proporcionalidade.
E no caso concreto, afigura-se-nos não ter havido erro manifesto ou grosseiro no uso de poderes discricionários ou violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, na medida em que não era inaceitável ou intolerável a forma como a Administração usou os seus poderes discricionários, pois, tendo em consideração o interesse público que se prende com a consciência e o sentido jurídico da comunidade, justifica-se que não seja o recorrente autorizado a ser residente da RAEM.
Improcede, pois, o vício de violação de lei quanto a este aspecto.
Concluindo, não se mostrando o acto recorrido inquinado dos vícios indicados, julga-se improcedente o presente recurso contencioso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto recorrido impugnado.
Custas pelo recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
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RAEM, 21 de Abril de 2016
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira

Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa



Recurso Contencioso 118/2015 Pág 33