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Processo n.º 28/2016. Recurso relativo ao direito de reunião e manifestação.
Recorrente: Chiang Meng Hin, na qualidade de Presidente da Associação de Novo Macau.
Recorrido: Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, Substituto.
Assunto: Direito de reunião. Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública. Faixa de rodagem. Passeio. N.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, de 17 de Maio.
Data da Sessão: 13 de Maio de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I - Retira-se do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, de 17 de Maio que, embora os manifestantes tenham o direito de desfilar pelas artérias de Macau, a Polícia pode impor restrições de modo a que o desfile não ocupe todo o espaço disponível das ruas e estradas.
II – Não está excluído que, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, com fundamento no bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos nas vias públicas, o comandante da Polícia de Segurança Pública possa determinar que uma manifestação, numa parte do seu percurso, circule pelo passeio, sem invadir as faixas de rodagem, sobretudo se o passeio, pela sua largura e configuração, permitir o desfile com tranquilidade e segurança.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório e factos provados
1. Chiang Meng Hin, na qualidade de Presidente da Associação de Novo Macau, promotora de manifestação, a realizar no dia 15 de Maio de 2016 (domingo), com início às 15:00 horas, com concentração na Praça do Tap Seac e trajecto de desfile pela Avenida Sidónio Pai, Rua do Campo, Avenida de D. João IV, Avenida Doutor Mário Soares, Praça de Jorge Álvares, Avenida Panorâmica do Lago Nam Van, Praça da Assembleia Legislativa, interpôs recurso para este Tribunal de Última Instância (TUI) do despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), Substituto, de 11 de Maio de 2016, que, alegadamente, determinou que quando o desfile chegar às proximidades do silo de Nam Van, na Avenida Panorâmica do Lago Nam Van, teria de circular no passeio, deixando a faixa de rodagem dos veículos, até ao destino da manifestação.

2. O mencionado despacho recorrido do Comandante do CPSP, Substituto, de 11 de Maio de 2016, é do seguinte teor:
“I. Relatório:
  Em 9 de Maio de 2016, a Associação de Novo Macau deu conhecimento ao presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais de desfile e reunião, designadamente:
  “Tema: Não queremos tráfico de influências, destituir Chui Sai On
  Data: 15 de Maio de 2016 (Domingo)
  Hora de concentração: às 15h00
  Local de concentração: Praça do Tap Seac
Trajecto de desfile: Praça do Tap Seac - Avenida de Sidónio Pais – Rua do Campo - Avenida de D. João IV - Avenida Doutor Mário Soares - Praça de Jorge Álvares - Avenida Panorâmica do Lago Nam Van - Praça da Assembleia Legislativa”
  Em 10 de Maio de 2016, a Associação de Novo Macau declarou junto do IACM alterar o local de concentração e o ponto de partida do desfile para o Jardim de Vasco da Gama, esclarecendo que o desfile terminará no relvado delimitado pela Praça da Assembleia Legislativa e Rua de 25 de Abril, a 30 metros de distância do Edifício da Assembleia Legislativa.
III. Decisão:
1. Dado que o relvado delimitado pela Praça da Assembleia Legislativa e Rua de 25 de Abril é uma zona verde protegida, mas não um lugar aberto ao trânsito público, não é permitido que o desfile tenha como destino final o referido relvado.
2. No entanto, a fim de garantir os direitos de reunião e manifestação dos residentes, assegurar a segurança pública e manter o bom ordenamento do trânsito nas vias públicas, o CPSP decide, nos termos do artigos 8.º, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 2/93/M, que:
2.1 O desfile deve seguir o trajecto azul mostrado no desenho anexo ao despacho do CPSP;
2.2 A fim de garantir o bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas, o andamento do desfile deve seguir a orientação do agente policial no local, que determinará, conforme a situação real do trânsito nas vias públicas, que o mesmo faça por faixa de rodagem ou por passeios. Acresce que, ao entrar no destino final, a fim de evitar qualquer impedimento aos utentes normais da via e tendo em conta a segurança dos participantes do desfile, este deve seguir a orientação policial para concentrar-se na área reservada pela polícia, de forma a manifestar as suas expectativas.”

Houve resposta da entidade recorrida, onde, além do mais, se diz que o passeio na Avenida Panorâmica do Lago Nam Van tem uma largura de 5 metros, enquanto a faixa de rodagem no local tem 3,3 metros de largura.

II – O Direito
1. Direitos de reunião e manifestação. Poderes do comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública
O recorrente suscita apenas uma questão. Segundo ele, o Comandante da Polícia tem poderes para determinar que o desfile se faça por uma das faixas de rodagem, mas não impor que o mesmo circule pelo passeio. Pretende o recorrente que o Tribunal elimine esta restrição à manifestação.
De acordo com o n.º 2 do artigo 8.º da Lei n.º 2/93/M, de 17 de Maio, referindo-se aos poderes da Polícia na organização de desfiles e manifestações, dispõe: “Se tal se revelar indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos nas vias públicas o comandante da Polícia de Segurança Pública pode, até 24 horas antes do seu início … alterar os trajectos programados de desfiles ou cortejos ou determinar que os mesmos se façam só por uma das faixas de rodagem”.
Considera o recorrente que o Comandante da Polícia tem poderes para determinar que o desfile se faça por uma das faixas de rodagem, mas não impor que o mesmo circule pelo passeio.
A interpretação literal da norma é, efectivamente, aquela que o recorrente defende. O problema é que é pacífico que o elemento literal da interpretação, sendo importante e o ponto de partida para interpretação de qualquer norma, não é, frequentemente, decisivo. É o ponto de partida, mas não necessariamente o ponto de chegada. Diz expressamente o artigo 8.º do Código Civil, dedicado à interpretação da lei, que:
“Artigo 8.º
(Interpretação da lei)
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

A propósito das “circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” lembrou este Tribunal no seu acórdão de 11 de Março de 2016, no Processo n.º 15/2016, que há ponderar que a Lei já tem mais de 20 anos de vigência e que a “realidade social e política de Macau mudou muito neste lapso de tempo. A população aumentou. O número de turistas que visitam Macau cresceu exponencialmente, como é facto do conhecimento geral. A realidade política é, também, completamente diversa da de 1993”.
O que resulta do n.º 2 do artigo 8.º é que, embora os manifestantes tenham o direito de desfilar pelas artérias da Região, a Polícia pode impor restrições de modo a que o desfile não ocupe todo o espaço disponível das ruas e estradas. É que, se há um direito à manifestação, esta não pode impedir que tudo pare numa cidade por causa desse direito. Há outros interesses a compatibilizar, há pessoas que têm o direito de também circular nas ruas, o trânsito de pessoas, bens e veículos não pode parar completamente, porque mesmo quando há manifestações a decorrer, há pessoas que adoecem e têm de ser transportadas aos hospitais, acontecem crimes que têm de ser reprimidos, as pessoas continuam a ter de se alimentar, os turistas não deixam de entrar em Macau, etc. Quer dizer, as necessidades quotidianas de segurança pública, manutenção da ordem e tranquilidade públicas mantêm-se e têm de ser preservadas, sendo que a circulação pelas vias públicas é uma condição dessa preservação. E cabe à Policia de Segurança Pública zelar pela manutenção daquelas necessidades e interesses públicos.
Os manifestantes têm o direito de desfilarem pelas artérias, mas não têm um direito à ocupação das fixas de rodagem. Parece até que se o desfile se puder fazer pelos passeios, isso é preferível a que o mesmo circule pelas faixas de rodagem, sabendo-se que estas se destinam primacialmente à circulação de veículos.
É facto notório, por ser do conhecimento geral (n.º 1 do artigo 434.º do Código de Processo Civil) que o passeio na Avenida Panorâmica do Lago Nam Van tem uma largura apreciável de vários metros, pelo menos 5 ou 6 metros, que é uma largura superior a muitas ruas de Macau, mesmo somados os passeios e as faixas de rodagem. Largamente suficiente para permitir a passagem de um desfile, mesmo com centenas ou milhares de manifestantes.
Não repugna, pois, considerar que, com vista ao bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos nas vias públicas, o comandante da Polícia de Segurança Pública possa limitar, numa parte, aliás, menor do trajecto do desfile, que este se faça pelo passeio, desde que este seja suficiente para permitir o cortejo em condições de tranquilidade e segurança.
Não foi, pois, violada a lei.
Improcede a questão suscitada.

III – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC.
Macau, 13 de Maio de 2016.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai





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