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Processo nº 260/2014
Data do Acórdão: 21ABR2016


Assuntos:

Embargos de terceiro
Contrato de arrendamento urbano
Forma legal de negócio
Inobservância da forma legal de negócio
Nulidade de negócio
Formalidade ad probationem
Formalidade ad substantiam


SUMÁRIO

1. Na matéria das consequências da inobservância da forma legal de negócios jurídicos, a doutrina faz a distinção entre formalidades ad substantiam e formalidades ad probationem: as primeiras são insubstituíveis por outro género de prova, gerando a sua falta a nulidade do negócio, enquanto a falta das segundas pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir.

2. A forma escrita exigida pelos normativos constantes do artº 8º do Decreto 43 525, do artº 21º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 12/95/M e do artº 1032º do Código Civil vigente para a formalização do contrato de arrendamento urbano é a mera formalidade ad probationem. Assim, não obstante a falta do título escrito, se o arrendatário lograr provar que existe o contrato de arrendamento por outros meios de prova e que foi por culpa do senhorio que o contrato não foi celebrado por escrito, o contrato é reconhecido judicialmente.

3. Ficou provado nos autos que o embargado, actual proprietário da fracção autónoma, tentou e frustrou, por várias vezes contactar com o arrendatário ou os residentes no locado a fim de celebrar um contrato escrito para titular o arrendamento, quem teve culpa na não formalização do contrato de arrendamento é o arrendatário, e não o senhorio, ora embargado, para os efeitos do disposto no artº 8º do Decreto 43 525, no artº 21º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 12/95/M e no artº 1032º do Código Civil vigente.

4. Não tendo o arrendatário demonstrado a culpa do senhorio na não formalização por título escrito do contrato de arrendamento, não podemos senão aplicar ao caso sub judice a regra geral segunda a qual a consequência da inobservância da forma legal é a nulidade do negócio, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei – o artº 212º do CC de 1999 e o artº 220º do CC de 1966.

5. Sendo nulo que é, o contrato fáctico nunca confere ao ora embargante a qualidade de arrendatário, enquanto titular de um direito incompatível com a entrega judicial ordenada nos autos de execução sumária, a que correm por apenso os presentes embargos, nos termos prescritos no artº 292º/1 do CPC, à luz do qual “se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 260/2014


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de embargos de terceiro que correm por apenso aos autos da execução sumária, registada sob o nº CV2-08-0066-CAO-A, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença julgando improcedentes os embargos:

I – Relatório :
A (A), casado com B no regime da separação de bens, de nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região administrativa Especial de Hong Kong n.º xxxxxxx(x), emitido em 5 de Fevereiro de 2007, pelo Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, residente em Macau, ERA, na Avenida de XXX n.º xx, xº andar “X” ,
veio deduzir os presentes
Embargos de Terceiro
à execução intentada por
C, solteiro, maior, de nacionalidade americana, residente nos Estados Unidos da América, em xxxxx XXX, XX., xxxxx; representado pelaD, (代表人D), casada, de nacionalidade chinesa e residente em XX巿XX區XXX路XXX庭X幢xxx房, com os fundamentos apresentados constantes da p.i., de fls. 2 a 9.
Concluiu pedindo que sejam julgados procedentes por provados os presentes embargos e suspensa a execução para entrega de coisa certa e suspensa a diligência de entrega do imóvel.
***
O embargado contestou os embargos com os fundamentos constantes de fls. 42 a 48 dos autos
Concluiu pedindo que seja julgado improcedentes os embargos deduzidos pelo embargante.
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
***
Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
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II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- Na execução apensa para entrega de coisa certa foi realizada diligência para entrega efectiva ao exequente da fracção autónoma designada por xº andar “x”, do prédio sito em Macau, RAE, na Avenida XXX, n.º xx, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º xxxxx a fls. 37 do livro B46 e inscrita a favor do Embargado sob o n.º xxxxxX, outorga designada por xº andar “x” do Edifício xxx da Avenida xxx, n.º xx (xxx馬路xx號xxx大廈x樓x座) (alínea A) dos factos assentes).
- A diligência foi realizada no dia 05 de Fevereiro de 2010, data em que o embargante dela tomou conhecimento, assim como da pendência da presente execução (alínea B) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- Em meados do ano de 1970, o anterior proprietário da fracção – E aliás E (E), como senhorio, e o ora Embargante, como inquilino, negociaram verbalmente o arrendamento respeitante á fracção autónoma supra referida ((resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Naquela data o E aliás E (E) deu de arrendamento ao Embargante a aludida fracção ((resposta ao quesito da 2º da base instrutória)
- Na fracção autónoma reside a mãe do embargante – F (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Pelo menos, desde Maio de 1985, o Embargante tem procedido ao pagamento mensal das rendas relativas à referida fracção autónoma ((resposta ao quesito da 4º da base instrutória)
- As quais, até 6 de Setembro de 1994, o embargante depositou no Banco da China, Macau Branch (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- O embargante procedeu ao depósito de rendas junto do Banco Nacional Ultramarino em nome do Senhor E aliás E (E), o que tem vindo a fazer desde 20 de Outubro de 1994 até ao presente (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- O embargado, na qualidade de actual proprietário, da fracção em questão, após a ter adquirido, enviou cartas para o endereço desta fracção autónoma para que contactassem com ele para a celebração do contrato de arrendamento por escrito, e nunca obteve resposta às cartas que enviou (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Em 14 de Abril de 2008, o embargado requereu ao Tribunal Judicial de Base a notificação judicial avulsa da G para celebrar o contrato de arrendamento por escrito, o que não foi possível por nunca ninguém ter respondido aos chamamentos do oficial, que aí se deslocou várias vezes (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- O embargante não cohabita com a sua mãe F, como alega (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- O oficial do tribunal que se deslocou a essa fracção para efectuar a Notificação Judicial Avulsa não conseguiu efectuá-la porque nunca ninguém o atendeu (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- Depois de o pai do embargado lhe ter vendido a fracção este tentou infrutíferas vezes contactar com o embargante ou quem estava a residir nessa fracção para que com ele celebrasse um contrato de arrendamento por escrito (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- Na execução da diligência embargado foram efectuados várias chamamentos, ninguém respondeu e só após o arrombamento é que se verificou que a fracção em questão estava ocupada por F e H (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- O embargado sempre identificou o arrendatário por um nome G, que não corresponde nem ao nome do Embargante nem ao da sua mãe (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
- A notificação judicial avulsa destinava-se a notificar a G (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).
***
III – Fundamentos:
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Nos termos do artigo 292º, nº 1, do CPC, “Se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.”
Para os efeitos pretendidos pelo embargante, é, portanto, preciso que se prove (1) que o embargante é um terceiro para os efeitos referidos na norma acima transcrita; (2) que há um acto judicial de apreensão ou entrega de determinada coisa; e (3) que o embargante é titular da posse ou de qualquer direito incompatível com esta diligência.
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Alega o embargante que não interveio na acção principal em que foi ordenada a diligência impugnada tendo apenas tido conhecimento desta diligência e da pendência da execução embargada no dia da sua realização; que é arrendatário da fracção autónoma cuja entrega foi ordenada nos referidos autos de execução, apensados aos autos principais de que os presentes embargos são também apenso.
    Relativamente ao primeiro requisito, resulta dos autos da acção principal que o aí Autor era o embargado e a Ré era G (G) melhor identificado a fls 2 dos autos principais. Mais se constata dos autos de execução que o embargante não teve qualquer intervenção antes da diligência de entrega do imóvel levada a cabo aquando da execução da sentença proferida na acção principal tendo apenas aí apresentado um requerimento no dia 11 de Fevereiro de 2010 depois. Por outra banda, está provado que o nome G não corresponde ao nome do embargante.
    Ensina Castro Mendes, in Direito Processual Civil, IIº VoI., revisto e actualizado, 1987, Edição da Associação Académica, pg 8, que “Àqueles que não são partes (nem são elementos do tribunal, enquanto tal) dá-se o nome de terceiros.”
    Segundo o Acórdão da Relação de Porto, de 13 de Fevereiro de 1959, in Jur. das Rel., 1958-630, citado por Francisco Castelo Branco Galvão e Ana Maria Castelo Branco Galvão, in Processo Civil, Compilação de Jurisprudência 1953 -1981, Coimbra Editora, Limitada, 1984, pg 109, “Terceiro é quem não interveio no processo ou no acto jurídico de que emanou a diligência judicial, nem representa quem foi condenado nele ou quem se obrigou.”
Perante os factos acima referidos, o embargante é terceiro quer na acção quer na execução embargada.
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    No que ao segundo requisito, dos factos assentes vê-se que, efectivamente, nos autos de execução acabados de referir foi realizada uma diligência para a entrega da fracção autónoma de que alegadamente o embargante é arrendatário.
    Está, também, preenchido o segundo requisito.
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O mesmo já não acontece com o segundo requisito.
Senão, vejamos.
É certo que a lei confere protecção possessória ao arrendatário. Com efeito, dispõe o artigo 982º, nº 2, do CC, que “O locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios de defesa facultados ao possuidor nos artigo 1201º e seguintes.” Por força desse preceito, assiste ao arrendatário os direitos conferidos ao possuidor e daí o direito de se opor a actos judiciais que ofendem o seu direito sobre o locado.
    O que agora urge apurar é se o embargante tem a qualidade de arrendatário da fracção autónoma cuja entrega está em causa.
    Está provado que, em meados do ano de 1970, o anterior proprietário da fracção - E aliás E (E), como senhorio, e o embargante, como inquilino, negociaram verbalmente o arrendamento respeitante à fracção autónoma supra referida e naquela data o E aliás E (E) deu de arrendamento ao embargante a aludida fracção. A isso acresce que está assente que, pelo menos desde Maio de 1985, o embargante tem procedido ao pagamento mensal das rendas relativas à referida fracção autónoma inicialmente depositando-as no Banco da China, Macau Branch e posteriormente no Banco Nacional Ultramarino em nome do Senhor E aliás E (E).
    Se no plano dos factos foi efectivamente celebrado um contrato de arrendamento sendo o embargante o arrendatário da fracção autónoma sub judice, no plano jurídico tal contrato não pode produzir qualquer efeito porque, na sua celebração, não foi cumprida a forma legalmente prevista.
    Senão, vejamos.
    Conforme os factos assentes, o contrato de arrendamento foi celebrado em medos do 1970. Nada foi referido quanto à forma como o contrato foi celebrado e não consta dos autos nenhum documento assinado pelos contraentes. Apenas está provado que o anterior proprietário e o embargante negociaram verbalmente o acordo.
    Nos termos do artigo 8º do Decreto nº 43525, de 8 de Abril de 1961, lei então vigente, “1. Salvo o disposto no artigo 10º, o arrendamento será feito por escrito com a assinatura do senhorio e do inquilino; se qualquer destes não puder ou não souber escrever, as suas assinaturas serão feitas a rogo, com a assistência e assinatura de duas testemunhas em presença de notário que assim o certifique e reconheça todas as assinaturas. Continuarão a observar-se na matéria os diplomas actualmente em vigor, na parte não contrariada por este decreto. 2. Com ressalva do preceituado na segunda parte do parágrafo 3 do mesmo artigo, o arrendamento será, não obstante a falta do título escrito, reconhecido em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatário. 3. Quando essa imputabilidade seja oposta pelo arrendatário, só será admissível a alegação quando acompanhada do recibo de renda, passado por quem tenha direito ao gozo do prédio ou pelo seu representante. 4. Em Macau valerá como assinatura no recibo o selo em caracteres chineses usado pelo senhorio ou pelo seu cobrador. 5. Equivale ao recibo o depósito feito dentro dos três meses posteriores ao vencimento da primeira renda, quando não seja impugnado ou a impugnação improceda. 6. Só podem provar-se por escrito as estipulações que importem derrogação do regime supletivo do contrato. 7. As disposições restritivas dos parágrafos anteriores não são aplicáveis aos arrendamentos para habitação, por curtos períodos, em praias, termas ou outros lugares de vilegiatura, nem aos de casa habitada pelo senhorio e arrendada por período correspondente à ausência temporária deste, até ao máximo de um ano. Mas o inquilino, quando demandado por falta de pagamento da renda, só o pode comprovar pelo recibo dessa renda passado nos termos previstos neste artigo.” (sublinhado nosso).
    O Decreto nº 43525 veio a ser revogado pelo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei nº 12/95/M, de 14 de Agosto o qual, no seu artigo 21º, prevê que “1. O contrato de arrendamento é celebrado por escrito. com a assinatura do senhorio e do inquilino. 2. O arrendamento será, não obstante a falta de título escrito. reconhecido em juízo. por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatário. 3. Quando essa imputabilidade seja oposta pelo arrendatário, só é admissível a alegação quando acompanhado do recibo de renda passada por quem tenha direito ao gozo do prédio.”(sublinhado nosso).
    Por sua vez, o artigo 5° da Lei n° 12/95/M, de 14 de Agosto acima referida preceitua que “1. Os arrendamentos urbanos de pretérito não reduzidos à forma legal, que preencham os requisitos de forma da presente lei, consideram-se validamente celebrados. 2. Os arrendamentos urbanos de pretérito que se tenham mantido, não obstante a falta de forma legal, podem ser provados por qualquer modo, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatário.... " (sublinhado nosso).
    Finalmente, o artigo 1032° do Código Civil de 1999, aprovado pelo Decreto-Lei nº 39/99/M, de 3 de Agosto que revogou parcialmente o Regime do Arrendamento Urbano, estipula que “1. O contrato de arrendamento é celebrado por escrito particular. 2. Salvo disposição legal em contrário, o arrendamento será, não obstante a falta de título escrito, reconhecido em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável à contraparte no contrato.”(sublinhado nosso).
    A nível do direito transitório, reza o artigo 17°, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 39/99/M o seguinte: “1. Aos contratos de locação celebrados antes da entrada em vigor do novo Código Civil é aplicável o regime da locação nele estabelecido.com os desvios e adaptações previstos nos números seguintes. 2. O disposto no número anterior não prejudica a validade dos contratos, nem das suas cláusulas, desde que constem de título considerado suficiente à data da sua celebração ou tenham sido convalidados por disposição legal posterior.” (sublinhado nosso).
    Das disposições acima transcritas que vieram sucessivamente disciplinar a forma dos contratos de arrendamento verifica-se que a lei sempre exigiu os mesmos sejam celebrados por escrito. A única excepção diz respeito aos casos em que o não cumprimento é imputável à parte contra a qual o contrato de arrendamento é invocado.
    Nada consta dos factos acima elencados que alguma vez foi cumprida a forma legalmente prevista.
    Em momento algum o embargante imputa ao anterior proprietário ou ao embargado a responsabilidade do não cumprimento da forma legal.
    Aliás, dos factos assentes resulta que, a haver responsabilidade na não formalização do contrato de arrendamento, a mesma só pode ser do embargante. Com efeito, está assente que, depois da aquisição do imóvel, o embargado tentou várias vezes contactar o arrendatário para formalizar o contrato enviando cartas ao locado e procedendo à notificação judicial avulsa do arrendatário no locado. Contudo, não conseguiu qualquer resposta por ninguém ter reclamado as cartas nem alguém atendeu o oficial que se tinha deslocado ao locado para proceder à notificação judicial avulsa.
    Nem se diga que essa falha se deveu a culpa do embargado visto que identificou arrendatário por G, nome que não corresponde nem ao nome do embargante nem ao da sua mãe que reside no locado. É que, para o efeito em questão, a errónea identificação do arrendatário, além de ter que ser culposa, deve destinar-se a impedir a formalização do contrato. Ora, nada dos factos assentes permitem chegar a essa conclusão.
    É certo que o destinatário das cartas e da notificação judicial era G, nome que, como se disse, não corresponde nem ao nome do embargante nem ao da sua mãe. Se isso exime qualquer responsabilidade do embargante pela frustração das tentativas de notificação feita pelo embargante por meio dei cartas enviadas ao locado, o mesmo já não acontece necessariamente com o não atendimento das chamadas feitas pelo oficial de justiça que tentou proceder à notificação judicial avulsa. É que, segundo a certidão de fls 24 dos autos principais, o oficial de justiça deslocou-se várias vezes ao locado para proceder à notificação judicial avulsa mas ninguém o atendeu. Ora, a mãe do embargante que reside no locado e, apesar de ter 90 anos de idade, tinha uma empregada contratada pelo embargante (que prestou declarações como testemunha em ambas as audiência de discussão e julgamento – cfr. actas de fls 146 a 146v e 402 a 403) para lhe prestar auxílio na fracção autónoma a qual também se encontrava no locado no dia em que se tentou proceder à entrega do imóvel (cfr. auto de diligência de fls 10 a 10v dos autos de execução). Não se vislumbra qualquer razão plausível para a sua mãe e a empregada não terem atendido as chamadas do oficial de justiça. Perante esses factos, não é injustificado pensar que o embargante sabia da intenção do embargado e tentou evitar a formalização do contrato.
    Apesar da observação feita no parágrafo anterior, não há necessidade de se esmiuçar mais sobre a questão visto que o que interessa neste momento apurar é se a não formalização do contrato é imputável ao anterior proprietário ou ao embargado visto que é o embargante quem tem interesse em invocar o contrato de arrendamento em sua defesa.
Ora, uma vez que da análise acima feita não se consegue assacar qualquer responsabilidade sobre o anterior proprietário ou sobre o embargado pelo incumprimento da forma, o contrato de arrendamento em questão continua a não poder produzir efeitos por força da aludida nulidade.
*
    Do acima expendido conclui-se que o embargante não pode invocar o contrato de arrendamento e dai a qualidade de arrendatário para embargar diligência ordenada nos autos de execução de que os presentes autos são apenso.
Assim, nada resta senão julgar improcedentes os embargos por a qualidade de arrendatário não poder ser invocada pelo embargante.
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IV – Decisão (裁 決):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedentes os embargos deduzidos pelo embargante A e absolve o embargado C do pedido.
  Custas pelo embargante.
  Registe e notifique.
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據上論結,本法庭裁定異議理由不成立,駁回異議人A針對被異議人C提出的請求,開釋被異議人。
    訴訟費用由異議人承擔。
    依法作出通知及登錄本判決。


Não se conformando com o decidido, veio o embargante A recorrer da mesma concluindo e pedindo que:

I. Entendeu o douto Tribunal a quo que nos presentes autos de Embargo de Terceiro não ficou provada a qualidade de arrendatário da fracção autónoma designada por x° andar "X", do prédio sito em Macau, RAE, na Avenida xxx, n.º xx, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º xxxxx a fls. 37 do livro B46 e inscrita a favor do Embargado sob o n.º xxxxxX, outrora designada por x° andar "X" do Edifício xxx da Avenida xxx, n.º xx (xxx馬路xx號xxx大廈x樓x座), julgando-os assim improcedentes;
II. Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende o Recorrente que o Mmo. Juiz a quo, ao decidir como decidiu, fez uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis in casu;
III. Das duas audiências de discussão e julgamento realizadas, ficou provado que foi efectivamente estabelecida a relação locatícia entre o anterior proprietário da fracção autónoma designada por x° andar "X", do prédio sito em Macau, RAE, na Avenida xxx, n.º xx, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º xxxxx, desde meados de 1970, na qual reside a mãe do ora Recorrente;
IV. Resultou ainda provado que as rendas têm vindo a ser depositadas desde, pelo menos, Maio de 1985 até ao presente, por meio de depósitos quer no Banco Nam Tung, quer no Banco da China, Macau Branch, quer no Banco Nacional Ultramarino em nome do Senhor E aliás E (E);
V. O Senhor E, aliás E (E), era o anterior proprietário da fracção autónoma em causa e é pai do embargado, ora Recorrido;
VI. Não obstante a matéria de facto dada como provada, entendeu o Mmo. Juiz a quo que tal relação locatícia e tais pagamentos de rendas não consubstanciam a existência de um contrato de arrendamento fundamentando para tanto que o mesmo padece do vício de nulidade por não ter sido reduzido a escrito por responsabilidade do ora Recorrente;
VII. Pelo menos, desde Maio de 1985, o Embargante tem procedido ao pagamento mensal das rendas relativas à referida fracção autónoma, as quais, até 6 de Setembro de 1994, o embargante depositou no Banco da China, Macau Branch;
VIII. O embargante procedeu ao depósito de rendas junto do Banco Nacional Ultramarino em nome do Senhor E aliás E (E), o que tem vindo a fazer desde 20 de Outubro de 1994 até à presente data;
IX. Em 1970 quando o Recorrente tomou de arrendamento a fracção autónoma em causa nos autos, estava em vigor o Decreto nº 43525 de 07 de Março de 1961 do Ministério do Ultramar, Direcção-Geral da Justiça,
X. O qual no nº 1 do art. 8º estipulava que o arrendamento deveria ser feito por escrito com a assinatura do senhorio e do inquilino;
XI. Nos termos do art. 8° do referido diploma legal, pese embora a exigência de título escrito, o arrendamento seria reconhecido em juízo. por qualquer outro meio de prova. quando se demonstrasse que a falta era imputável ao senhorio ou ao arrendatário e, neste caso, só seria admissível a alegacão quando acompanhada do recibo de renda. passado por quem tivesse direito ao gozo do prédio ou pelo seu representante e que o selo em caracteres chineses usado pelo senhorio ou pelo seu cobrador valeria como assinatura no recibo e que equivaleria ao recibo o depósito feito dentro dos três meses posteriores ao vencimento da primeira renda, quando não fosse impugnado ou a impugnação improcedesse;
XII. Sendo certo que a exigência do recibo de renda, como meio de prova do arrendamento, é uma formalidade ad probationem, os recibos das rendas juntos a fls. 322 a 361 bem como o recibo da renda referente ao período de 04 de Setembro de 1994 a 03 de Outubro de 1994, junto a fls. 10, e bem assim todos os restantes documentos comprovativos dos depósitos das rendas efectuados após Outubro de 1994 até ao presente junto do Banco Nacional Ultramarino em nome do Senhor E aliás E (E), são no entender do Recorrente, meios probatórios bastantes para a prova da existência de um vínculo contratual entre o então proprietário da fracção e o ora Recorrente e, consequentemente, a sua qualidade de arrendatário;
XIII. Tais depósitos nunca foram impugnados por quem quer que fosse;
XIV. Não tendo sido impugnados, equivalem os mesmos aos recibos das rendas, nos termos do disposto no art. 8° do supra referido diploma legal;
XV. Tendo sido alegado e ficado provado quer a relação locatícia entre o anterior proprietário da fracção em causa quer o pagamento das rendas desde pelo menos Maio de 1985 até à presente data, teria que ter sido reconhecida pelo Meritíssimo Juiz a quo a existência de uma relação contratual de arrendamento entre o Recorrente e o Recorrido, nos termos do disposto no art. 8° do Decreto n° 43525 de 07 de Março de 1961 do Ministério do Ultramar, Direcção-Geral da Justiça, bem como do art. 21 ° da Lei n° 12/95/M de 14 de Agosto e do art. 1032° do actual Código Civil, e consequentemente a sua qualidade de arrendatário da fracção autónoma em causa, concluindo e decidindo pela procedência dos embargos de terceiro;
XVI. Dos factos apurados não se pode concluir, como fez a Mma. Juiz a quo, que a falta de redução a escrito do contrato de arrendamento é da exclusiva responsabilidade do Embargante;
XVII. Ressalta do documento de fls. 362, que o Banco da China, Macau Branch, instituição bancária onde o embargante depositou as rendas desde Maio de 1985, informou o Embargante em Setembro de 1994 que recebera instruções do anterior proprietário da fracção autónoma a que se referem os presentes autos, no sentido de deixar de receber as rendas a partir de Outubro de 1994 e que este iria tratar das questões relacionadas com o arrendamento ele próprio;
XVIII. Documento que se revelou de extrema importância para o apuramento dos factos: atente-se o que nos diz o Acórdão que decidiu a matéria de facto proferido a fls. 404 e seguintes dos presentes autos:
“ ( ... ) documentos de fls. 10, 18 a 41, 77 a 84, 289 a 306 e 322 a 362 juntos aos presentes autos (...).
Mais especificamente e no que se refere aos factos constantes dos quesitos 4º e 5º da base instrutória, os documentos juntos a fls. 10,289 a 306 e 322 a 361 demonstram-nos claramente.
No que conceme aos factos constantes dos quesitos 1º e 2º da base instrutória, a prova mais importante é o documento junto a fls. 362. Nesse documento, o Banco da China, instituição bancária em que, de acordo com os documentos de fls. 332 a 361, o embargante depositou as rendas desde 17 de Janeiro de 1987 (deve ler-se Maio de 1985 conforme resposta dada ao quesito 4°), notificou o embargante de que recebera instruções do anterior proprietário da fracção autónoma a que se referem os presentes autos no sentido de deixar de receber as rendas a partir de Outubro de 1994 e que este iria tratar das questões relacionadas com o arrendamento ele próprio.
Por força desse teor, é muito provável que a relação de arrendamento tenha sido efectivamente estabelecida entre o embargante e o anterior proprietário como alega o embargante. Ora, tendo isso em conta bem como os documentos juntos a fls. 10, 289 a 306 e 322 a 361 e o teor da resposta dada anteriormente ao quesito 7º da base instrutória, o tribunal entende que a relação de arrendamento foi efectivamente estabelecida entre o embargante e o anterior proprietário" (negrito nosso).
XIX. Face à falta de comunicação por parte do anterior proprietário sobre o novo local para pagamento da renda, e face às instruções expressas daquele dadas ao Banco para recusar o recebimento das rendas por parte do Embargante, se é certo que este ficou impedido, por acto deliberado do anterior proprietário, de proceder ao pagamento das rendas,
XX. Mais certo é que o Embargante FICOU IMPEDIDO, por acto deliberado do anterior proprietário, de proceder a qualquer formalização do contrato de arrendamento;
XXI. Face a isso, outra alternativa não restou ao Embargante senão a de proceder, ao abrigo do disposto no art.º 841º do anterior Código Civil (CC), ao depósito das rendas no Banco Nacional Ultramarino a partir de Outubro de 1994,
XXII. O que se veio a efectuar até à presente data;
XXIII. Daqui resulta que há mais de 16 anos que o ora Recorrente não tem qualquer notícia do anterior proprietário;
XXIV. O ora Recorrente nunca soube como encontrar nem o anterior proprietário nem o ora Recorrido pois, nem sequer foi informado de que a fracção autónoma tinha sido vendida em 2004;
XXV. O ora Recorrido também sabia e sabe, porque é um facto público e notório, que a correspondência registada só pode ser recebida por aqueles a quem são dirigidas e mediante a apresentação dos documentos de identificação;
XXVI. Ao endereçar as referidas cartas registadas a G e a H, bem sabia que era completamente impossível o seu recebimento pelo ora Recorrente (A) ou pela sua mãe (F);
XXVII. Em sede de acção ordinária, o ora Recorrido teve conhecimento de que quem residia na fracção autónoma era o ora Recorrente, veja-se para tanto, o documento de fls. 38, no qual o Sr. I (I) vem informar o douto Tribunal que é amigo do Sr. A(A) e que este é o residente da fracção autónoma em causa nos autos;
XXVIII. Notificado da informação de fls. 38, o ora Recorrido simplesmente a ignorou, requerendo apenas a citação edital da G (G) e,
XXIX. O Corpo de Polícia de Segurança Pública informou o douto Tribunal do nome e do nº de Bilhete de Identidade da pessoa residente na fracção dos autos e que é o ora Recorrente;
XXX. Não obstante, nada foi requerido;
XXXI. A acção ordinária e todos os seus posteriores apensos continuaram a correr contra G (G) que, não é nem o ora Recorrente e nem a sua mãe;
XXXII. Dúvidas não restam de que o ora Recorrente nunca se esquivou ao que quer que seja, pois quer através de I (I) quer através da informação que prestou ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, sempre se identificou como o residente da fracção;
XXXIII. Se as cartas se destinavam a chamar G (G) conforme os documentos supra citados e se, perante as demais informações dos autos, nada foi requerido, a responsabilidade pela não formalização em escrito do contrato de arrendamento não pode ser assacada ao ora Recorrente mas tão só ao anterior proprietário e ao Recorrido;
XXXIV. O Embargado, ora Recorrido, tentou contactar com o Embargante, ora Recorrente ou com quem estava a residir na fracção para celebrar o contrato de arrendamento por escrito;
XXXV.Ou seja, é o próprio Recorrido quem reconhece a existência de um contrato de arrendamento, e aceita-o;
XXXVI. A declaração de nulidade do referido contrato de arrendamento nas circunstâncias factuais dadas como provadas constitui um claro ABUSO DE DIREITO na modalidade de venire contra factum proprium, proibida por lei nos termos do disposto no art. 326º do Código Civil;
XXXVII. É um princípio fundamental do direito civil que determina que a lei aplicável à validade dos contratos (ou actos em geral), pelo menos à sua forma, é a lei que se encontrava em vigor à data da sua celebração, ou seja, excluídas as normas que regulam as relações jurídicas que perduram no tempo, a Lei define como princípio que os requisitos de validade e consequências formais dos actos sejam estritamente dependentes da Lei em vigor à data da celebração do acto;
XXXVIII. No caso dos contratos de arrendamento, o legislador não alterou este regime mesmo na aplicação do novo Código Civil;
XXXIX. A sentença ora em crise parece, com o devido respeito, inverter este princípio suportando-se para tal no artº 17° do Decreto-Lei nº 39/99/M;
XL. Parece resultar da decisão ora recorrida que esta parece fazer depender a validade dos contratos de arrendamento pretéritos, a forma mais consolidada do que aquela que resulta das normas anteriormente vigentes;
XLI. Não é isso que a Lei diz;
XLlI. Sabendo-se à partida que as nulidades de forma respeitantes ao arrendamento são reconhecidamente formalidades ad probationem e não formalidades ad substantiam, essa mesma natureza não foi alterada por nenhum diploma legal posterior a 1966 nem pelo art.º 17° do Decreto-Lei n° 39/99/M;
XLIII. Dito de outra forma, se, como todos os mestres ensinam, ambas as partes reconheceram am juízo a existência de um contrato, mesmo que ele não tivesse sido reduzido a escrito, a arguição da sua nulidade só poderia constituir um venire contra factum proprium;
XLIV. A Lei em vigor no tempus deste contrato permitiria sempre ao senhorio (se este quisesse) impedir o reconhecimento de qualquer contrato de arrendamento impugnando os pagamentos de rendas efectuados pelo ora Recorrente como bem resulta das normas transcritas na douta sentença em crise;
XLV. Resulta claro que a Lei aplicável à referida data impunha ao julgador o reconhecimento da existência do contrato de arrendamento;
XLVI. A forma negocial é um requisito logicamente necessário de existência do negócio jurídico: não há negócio sem forma. Trata-se de uma imposição da lógica e não duma imposição da lei;
XLVII. A lei ou a vontade das partes podem dar a certas formas (quanto a certos negócios jurídicos) relevância particular;
XLVIII. Para o conceito de forma ou formalidades ad probationem, a lei exige uma certa forma - pelo menos na grande maioria dos casos, forma escrita - como meio de provar o negócio jurídico.
XLIX. Nestes casos, a lei pode tomar uma de duas posições: ou considera tal forma em absoluto insubstituível, de tal forma que o negócio se não pode provar em absoluto senão por tal forma, e então cremos que a situação é semelhante à da forma ad substantiam ou considera tal prova substituível, e então tem interesse a qualificação da forma (ou formalidade, mais latamente) como ad probationem;
L. Se as partes, pelo menos na altura, aceitaram a existência de um contrato de arrendamento, não pode o Juiz ultrapassar a vontade das partes conhecendo de uma nulidade que a Lei só previu para obviar a um critério de certeza da existência ou não de um contrato de arrendamento por oposição a outras situações de facto, como os de comodato ou outros;
LI. Entrou, por isso, o julgador a quo no terreno da contradição entre os fundamentos de facto a e decisão e no excesso de pronúncia,
LII. Porque invoca de facto a existência de um contrato de arrendamento e depois aplica a consequência nulidade quando esta nulidade apenas foi estipulada pelo legislador para as circunstâncias em que não existe certeza da existência do contrato de arrendamento,
LIII. Em excesso de pronúncia porque, apesar de em princípio a nulidade ser de conhecimento oficioso, a nulidade em causa depende de circunstâncias, nomeadamente a imputabilidade do vício;
LIV. No âmbito da Lei então vigente operava uma presunção iuris tantum de que a falta de título era imputável ao locador e não ao locatário;
LV. Ao decidir como decidiu, o acórdão ora em crise, é nos termos das alíneas c) e d) do n° 1 do art.º 571º do CPC, nulo;
LVI. O douto Acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos art. 8º do Decreto nº 43525 de 07 de Março de 1961 do Ministério do Ultramar, Direcção-Geral da Justiça, art. 21º da Lei nº 12/95/M de 14 de Agosto bem como os artº.s 1032º e 326°, ambos do actual Código Civil;
LVII. Deverá assim o Venerando Tribunal de Segunda Instância, revogar a sentença ora posta em crise e substitui-Ia por outra, na qual seja reconhecido o vínculo contratual de arrendamento entre o Recorrente e o Recorrido bem assim a sua qualidade de arrendatário da fracção autónoma designada por x° andar "X", do prédio sito em Macau, RAE, na Avenida xxx, n.º xx, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º xxxxx ao Recorrente, e, consequentemente, decidir pela procedência dos embargos de terceiro.
Nestes termos,
Concedendo-se provimento ao presente recurso nos termos supra explanados, farão V. Exas., Venerandos Juízes, inteira e sã
JUSTIÇA

Respondeu o embargado pugnando pela improcedência do recurso.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, apesar de ter qualificado os vícios da sentença recorrida como erro de julgamento, abuso de direito, nulidades da sentença por falta de fundamentação e por excesso de pronúncia, o recorrente está no fundo a colocar só uma questão de direito, que consiste em saber se, ante a matéria de facto assente, o embargante, ora recorrente, pode ser considerado arrendatário da fracção autónoma, objecto do acto da entrega judicial, contra o qual foram deduzidos os presentes embargos, ou seja se o embargante, ora recorrente, é ou não titular de um direito incompatível com a realização da entrega judicial da mesma fracção autónoma, ordenada nos autos da execução sumária.

Vejamos.

In casu, pretende com o recurso aos presentes embargos defender o seu direito, enquanto arrendatário, sobre um imóvel, dado que por uma entrega judicialmente ordenada, foi-lhe privado o uso do mesmo imóvel.

Nos termos do disposto no artº 292º/1 do CPC, “se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

Face a este preceituado, para a procedência dos embargos é preciso que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:

1. O embargante é um terceiro nos termos definidos no citado artº 292º/1 do CPC;

2. Realização de um acto judicial de apreensão ou entrega da determinada coisa; e

3. O embargante é titular da posse ou de um direito sobre a coisa, incompatível com a realização ou o âmbito da apreensão ou entrega.

Para o Tribunal a quo, só se verificaram in casu os primeiros dois requisitos.

E é justamente por não verificação do terceiro requisito, ou seja, o embargante não é titular de um direito sobre o imóvel, incompatível com a diligência judicial ordenada, que o Tribunal julgou improcedentes os embargos.

A razão que levou o Tribunal a quo a julgar inverificado este terceiro requisito foi porque o embargante não logrou provar que o invocado contrato de arrendamento foi celebrado por escrito ou porque pelo menos não logrou demonstrar que, não obstante a falta do título escrito, foi por culpa do senhorio que não foi celebrado por escrito.

Pois, o Tribunal a quo aceita que no plano dos factos, foi efectivamente celebrado um contrato de arrendamento sendo o embargante o arrendatário, mas já não entende assim no plano jurídico, dado que o contrato não pode produzir efeito porque, na sua celebração, não foi cumprida a forma legalmente prevista.

Pelo contrário, para o recorrente, ele próprio não teve culpa na inobservância da forma legal, e apesar de não ter sido celebrado com observância da forma legal, o invocado contrato de arrendamento deve ser judicialmente reconhecido pelas provas produzidas nos presentes autos.

Então vamos relembrar o que ficou provado na primeira instância.

Ficou provado o seguinte na primeira instância:
Da Matéria de Facto Assente:
- Na execução apensa para entrega de coisa certa foi realizada diligência para entrega efectiva ao exequente da fracção autónoma designada por xº andar “X”, do prédio sito em Macau, RAE, na Avenida xxx, n.º xx, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º xxxxx a fls. 37 do livro B46 e inscrita a favor do Embargado sob o n.º xxxxxX, outorga designada por Xº andar “X” do xxx da Avenida xxx, n.º xx (xxx馬路xx號xxx大廈x樓x座) (alínea A) dos factos assentes).
- A diligência foi realizada no dia 05 de Fevereiro de 2010, data em que o embargante dela tomou conhecimento, assim como da pendência da presente execução (alínea B) dos factos assentes).
***
Da Base Instrutória:
- Em meados do ano de 1970, o anterior proprietário da fracção – E aliás E (E), como senhorio, e o ora Embargante, como inquilino, negociaram verbalmente o arrendamento respeitante á fracção autónoma supra referida ((resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Naquela data o E aliás E (E) deu de arrendamento ao Embargante a aludida fracção ((resposta ao quesito da 2º da base instrutória)
- Na fracção autónoma reside a mãe do embargante – F (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Pelo menos, desde Maio de 1985, o Embargante tem procedido ao pagamento mensal das rendas relativas à referida fracção autónoma ((resposta ao quesito da 4º da base instrutória)
- As quais, até 6 de Setembro de 1994, o embargante depositou no Banco da China, Macau Branch (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- O embargante procedeu ao depósito de rendas junto do Banco Nacional Ultramarino em nome do Senhor E aliás E (E), o que tem vindo a fazer desde 20 de Outubro de 1994 até ao presente (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- O embargado, na qualidade de actual proprietário, da fracção em questão, após a ter adquirido, enviou cartas para o endereço desta fracção autónoma para que contactassem com ele para a celebração do contrato de arrendamento por escrito, e nunca obteve resposta às cartas que enviou (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Em 14 de Abril de 2008, o embargado requereu ao Tribunal Judicial de Base a notificação judicial avulsa da G para celebrar o contrato de arrendamento por escrito, o que não foi possível por nunca ninguém ter respondido aos chamamentos do oficial, que aí se deslocou várias vezes (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- O embargante não cohabita com a sua mãe F, como alega (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- O oficial do tribunal que se deslocou a essa fracção para efectuar a Notificação Judicial Avulsa não conseguiu efectuá-la porque nunca ninguém o atendeu (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- Depois de o pai do embargado lhe ter vendido a fracção este tentou infrutíferas vezes contactar com o embargante ou quem estava a residir nessa fracção para que com ele celebrasse um contrato de arrendamento por escrito (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- Na execução da diligência embargado foram efectuados várias chamamentos, ninguém respondeu e só após o arrombamento é que se verificou que a fracção em questão estava ocupada por F e H (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- O embargado sempre identificou o arrendatário por um nome G, que não corresponde nem ao nome do Embargante nem ao da sua mãe (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
- A notificação judicial avulsa destinava-se a notificar a G (resposta ao quesito da 23º da base instrutória).

Ora, de acordo com a interpretação, feita pelo Tribunal a quo, da matéria de facto provada, a relação fáctica de arrendamento iniciou-se em 1970 e terminou na data em que se realizou a diligência judicial.

Ao longo dos anos, a matéria do arrendamento urbano é sucessivamente regulada por vários diplomas legais, que todos exigem sempre a forma legal, em termos ligeiramente diversos, para a sua celebração.

A este propósito, o Tribunal a quo fez uma pesquisa exaustiva desses diplomas sucessivos, nos termos seguintes:

Nos termos do artigo 8º do Decreto nº 43525, de 8 de Abril de 1961, lei então vigente, “1. Salvo o disposto no artigo 10º, o arrendamento será feito por escrito com a assinatura do senhorio e do inquilino; se qualquer destes não puder ou não souber escrever, as suas assinaturas serão feitas a rogo, com a assistência e assinatura de duas testemunhas em presença de notário que assim o certifique e reconheça todas as assinaturas. Continuarão a observar-se na matéria os diplomas actualmente em vigor, na parte não contrariada por este decreto. 2. Com ressalva do preceituado na segunda parte do parágrafo 3 do mesmo artigo, o arrendamento será, não obstante a falta do título escrito, reconhecido em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatário. 3. Quando essa imputabilidade seja oposta pelo arrendatário, só será admissível a alegação quando acompanhada do recibo de renda, passado por quem tenha direito ao gozo do prédio ou pelo seu representante. 4. Em Macau valerá como assinatura no recibo o selo em caracteres chineses usado pelo senhorio ou pelo seu cobrador. 5. Equivale ao recibo o depósito feito dentro dos três meses posteriores ao vencimento da primeira renda, quando não seja impugnado ou a impugnação improceda. 6. Só podem provar-se por escrito as estipulações que importem derrogação do regime supletivo do contrato. 7. As disposições restritivas dos parágrafos anteriores não são aplicáveis aos arrendamentos para habitação, por curtos períodos, em praias, termas ou outros lugares de vilegiatura, nem aos de casa habitada pelo senhorio e arrendada por período correspondente à ausência temporária deste, até ao máximo de um ano. Mas o inquilino, quando demandado por falta de pagamento da renda, só o pode comprovar pelo recibo dessa renda passado nos termos previstos neste artigo.” (sublinhado nosso).

O Decreto nº 43525 veio a ser revogado pelo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei nº 12/95/M, de 14 de Agosto o qual, no seu artigo 21º, prevê que “1. O contrato de arrendamento é celebrado por escrito. com a assinatura do senhorio e do inquilino. 2. O arrendamento será, não obstante a falta de título escrito. reconhecido em juízo. por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatário. 3. Quando essa imputabilidade seja oposta pelo arrendatário, só é admissível a alegação quando acompanhado do recibo de renda passada por quem tenha direito ao gozo do prédio.”(sublinhado nosso).
Por sua vez, o artigo 5° da Lei n° 12/95/M, de 14 de Agosto acima referida preceitua que “1. Os arrendamentos urbanos de pretérito não reduzidos à forma legal, que preencham os requisitos de forma da presente lei, consideram-se validamente celebrados. 2. Os arrendamentos urbanos de pretérito que se tenham mantido, não obstante a falta de forma legal, podem ser provados por qualquer modo, quando se demonstre que a falta é imputável ao senhorio ou ao arrendatário.... " (sublinhado nosso).

Finalmente, o artigo 1032° do Código Civil de 1999, aprovado pelo Decreto-Lei nº 39/99/M, de 3 de Agosto que revogou parcialmente o Regime do Arrendamento Urbano, estipula que “1. O contrato de arrendamento é celebrado por escrito particular. 2. Salvo disposição legal em contrário, o arrendamento será, não obstante a falta de título escrito, reconhecido em juízo, por qualquer outro meio de prova, quando se demonstre que a falta é imputável à contraparte no contrato.”(sublinhado nosso).

A nível do direito transitório, reza o artigo 17°, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 39/99/M o seguinte: “1. Aos contratos de locação celebrados antes da entrada em vigor do novo Código Civil é aplicável o regime da locação nele estabelecido.com os desvios e adaptações previstos nos números seguintes. 2. O disposto no número anterior não prejudica a validade dos contratos, nem das suas cláusulas, desde que constem de título considerado suficiente à data da sua celebração ou tenham sido convalidados por disposição legal posterior.” (sublinhado nosso).

Ora, tal como bem observou o Tribunal a quo, “das disposições acima transcritas que vieram sucessivamente disciplinar a forma dos contratos de arrendamento verifica-se que a lei sempre exigiu os mesmos sejam celebrados por escrito. A única excepção diz respeito aos casos em que o não cumprimento é imputável à parte contra a qual o contrato de arrendamento é invocado”.

Nenhuma das partes questionou que inexiste in casu o título escrito.

Para o recorrente, foi por acto deliberado do anterior proprietário que ele próprio ficou impedido de proceder a qualquer formalização do contrato de arrendamento, e posteriormente foi por culpa do actual proprietário que se frustraram as tentativas de contacto com vista à formalização do contrato, pois quer nas correspondências para a fracção enviadas quer na notificação judicial avulsa, tanto o arrendatário da fracção, ora embargante, como a residente, mãe do embargante, foram sempre mal identificados.

Assim, o recorrente entende que ficou demonstrado nos autos que foi sempre por culpa do senhorio, o anterior e o actual, que não foi feito por escrito o contrato de arrendamento.

Na óptica do Tribunal a quo, ante a matéria de facto provada, a inobservância da forma escrita é pelo contrário imputável ao arrendatário.

Para sustentar a sua posição, o Tribunal a quo diz:

    Em momento algum o embargante imputa ao anterior proprietário ou ao embargado a responsabilidade do não cumprimento da forma legal.
    Aliás, dos factos assentes resulta que, a haver responsabilidade na não formalização do contrato de arrendamento, a mesma só pode ser do embargante. Com efeito, está assente que, depois da aquisição do imóvel, o embargado tentou várias vezes contactar o arrendatário para formalizar o contrato enviando cartas ao locado e procedendo à notificação judicial avulsa do arrendatário no locado. Contudo, não conseguiu qualquer resposta por ninguém ter reclamado as cartas nem alguém atendeu o oficial que se tinha deslocado ao locado para proceder à notificação judicial avulsa.
    Nem se diga que essa falha se deveu a culpa do embargado visto que identificou arrendatário por G, nome que não corresponde nem ao nome do embargante nem ao da sua mãe que reside no locado. É que, para o efeito em questão, a errónea identificação do arrendatário, além de ter que ser culposa, deve destinar-se a impedir a formalização do contrato. Ora, nada dos factos assentes permitem chegar a essa conclusão.
    É certo que o destinatário das cartas e da notificação judicial era G, nome que, como se disse, não corresponde nem ao nome do embargante nem ao da sua mãe. Se isso exime qualquer responsabilidade do embargante pela frustração das tentativas de notificação feita pelo embargante por meio dei cartas enviadas ao locado, o mesmo já não acontece necessariamente com o não atendimento das chamadas feitas pelo oficial de justiça que tentou proceder à notificação judicial avulsa. É que, segundo a certidão de fls 24 dos autos principais, o oficial de justiça deslocou-se várias vezes ao locado para proceder à notificação judicial avulsa mas ninguém o atendeu. Ora, a mãe do embargante que reside no locado e, apesar de ter 90 anos de idade, tinha uma empregada contratada pelo embargante (que prestou declarações como testemunha em ambas as audiência de discussão e julgamento – cfr. actas de fls 146 a 146v e 402 a 403) para lhe prestar auxílio na fracção autónoma a qual também se encontrava no locado no dia em que se tentou proceder à entrega do imóvel (cfr. auto de diligência de fls 10 a 10v dos autos de execução). Não se vislumbra qualquer razão plausível para a sua mãe e a empregada não terem atendido as chamadas do oficial de justiça. Perante esses factos, não é injustificado pensar que o embargante sabia da intenção do embargado e tentou evitar a formalização do contrato.
    Apesar da observação feita no parágrafo anterior, não há necessidade de se esmiuçar mais sobre a questão visto que o que interessa neste momento apurar é se a não formalização do contrato é imputável ao anterior proprietário ou ao embargado visto que é o embargante quem tem interesse em invocar o contrato de arrendamento em sua defesa.
    Ora, uma vez que da análise acima feita não se consegue assacar qualquer responsabilidade sobre o anterior proprietário ou sobre o embargado pelo incumprimento da forma, o contrato de arrendamento em questão continua a não poder produzir efeitos por força da aludida nulidade.

Na verdade, ficou provado nos autos que o embargado, actual proprietário da fracção autónoma, tentou por várias vezes contactar com o arrendatário ou o residente no locado a fim de celebrar um contrato escrito para titular o arrendamento.

É certo que o embargante teve culpa nas falhas na identificação do destinatário das correspondências dirigidas pelo correio à fracção em causa.

Mas a frustração da tentativa da notificação judicial avulsa, requerida pelo embargante, do ocupante do locado a fim de celebrar por escrito o contrato de arrendamento já é da inteira responsabilidade do arrendatário, pois ficou provado que:

- Na fracção autónoma reside a mãe do embargante – F (resposta ao quesito da 3 º da base instrutória).
……
- Em 14 de Abril de 2008, o embargado requereu ao Tribunal Judicial de Base a notificação judicial avulsa da G para celebrar o contrato de arrendamento por escrito, o que não foi possível por nunca ninguém ter respondido aos chamamentos do oficial, que aí se deslocou várias vezes (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
……
- O oficial do tribunal que se deslocou a essa fracção para efectuar a Notificação Judicial Avulsa não conseguiu efectuá-la porque nunca ninguém o atendeu (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).

Portanto, é de subscrever as sensatas considerações tecidas na sentença recorrida, e dar aqui por reproduzidas para julgarmos que não foi demonstrado nos autos que é imputável ao embargado a culpa na não celebração do contrato escrito de arrendamento.

Subsidiariamente, o recorrente entende que a forma escrita exigida na lei para a formalização do contrato de arrendamento é a mera formalidade ad probationem e não ad substantiam.

Portanto, na óptica do recorrente, se as partes reconheceram a existência de um contrato, mesmo que este não tivesse sido celebrado com observância da forma legal, o Tribunal deve reconhecer a existência do contrato, dado que a lei exige a forma escrita como mero meio de provar o negócio e não como requisito da validade do contrato.

Então vamos averiguar qual é a mens legislatoris da exigência legal da forma escrita do contrato de arrendamento, exigida pelas sucessivas disciplinas normativas ao longo do tempo.

Tal como vimos no segmento da fundamentação da sentença recorrida transcrito supra, desde 1970, ano em que se iniciou a relação fáctica de arrendamento entre o pai do embargado e o embargante, ora recorrente, até à presente data, as sucessivas leis sempre exigem que, como regra geral, o contrato de arrendamento urbano seja celebrado por escrito particular – cf. o artº 8º do Decreto 43 525, o artº 21º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 12/95/M e o artº 1032º do Código Civil vigente.

Para o recorrente, a exigência da forma legal é mera formalidade ad probationem.

Na matéria das consequências da inobservância da forma, a doutrina faz a distinção entre formalidades ad substantiam e formalidades ad probationem: as primeiras são insubstituíveis por outro género de prova, gerando a sua falta a nulidade do negócio, enquanto a falta das segundas pode ser suprida por outros meios de prova mais difíceis de conseguir (confissão e, no nosso antigo direito, o juramento) – Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Actualizada, pág. 435.

Então, urge saber qual é a natureza, ad substantiam ou ad probationem que os normativos constantes do artº 8º do Decreto 43 525, do artº 21º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 12/95/M e do artº 1032º do Código Civil vigente atribuem à forma legal neles exigida.

Para o efeito, é de perguntar a que critério que podemos recorrer para distinguir quando é que a lei exige a forma legal como uma formalidade ad substantiam e quando é que estamos perante uma mera formalidade ad probationem?

A este propósito, o Prof. Mota Pinto, na obra citada, deu-nos a pista. O Mestre defende que “há que tomar em conta o artº 364º do actual Código (que corresponde ao artº 357º do nosso CC), integrado nas disposições sobre direito probatório material constante do mesmo. Aí se reafirma no nº 1 o princípio geral, segundo o qual os documentos autênticos, autenticados ou particulares são formalidades «ad substantiam». No nº 2, estatui-se que o documento pode ser substituído por confissão expressa, se resultar claramente da lei que foi exigido apenas para prova da declaração. Donde se infere que quaisquer documentos (autênticos ou particulares) serão formalidades «ad probationem», nos casos excepcionais em que resultar claramente da lei que a finalidade tida em vista ao ser formulada certa exigência de forma foi apenas a de obter prova segura acerca do acto e não qualquer das outras finalidades possíveis do formalismo negocial (obrigar as partes a reflexão sobre as consequências do acto, assegurar a reconhecibilidade do acto por terceiros ou o seu «contrôle» no interesse da comunidade, etc.). Admite-se nestes casos, como meio de suprimento da falta do documento, a confissão expressa.” – ibidem, pág. 436 e 437.

Assim, in casu, interesse saber se resulta claramente da lei que a forma legal do contrato de arrendamento urbano é exigida apenas para prova da declaração.

Parece que sim, pois as sucessivas disciplinas permitem o reconhecimento em juízo por qualquer outro meio de prova, desde que a parte que invoca a validade do contrato demonstre que a falta do título escrito é imputável à outra parte.

Assim, in casu, para convencer o Tribunal de que existe o contrato de arrendamento, é preciso que o embargante, ora recorrente, demonstre que a falta do título escrito é imputável ao senhorio.

Não tendo-o feito conforme demonstrámos supra, não podemos senão aplicar ao caso sub judice a regra geral segunda a qual a consequência da inobservância da forma legal é a nulidade do negócio, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei – o artº 212º do CC de 1999 e o artº 220º do CC de 1966.

Sendo nulo que é, o contrato fáctico nunca confere ao ora embargante a qualidade de arrendatário, enquanto titular de um direito incompatível com a entrega judicial ordenada nos autos de execução sumária, a que correm por apenso os presentes embargos, nos termos prescritos no artº 292º/1 do CPC, à luz do qual “se qualquer acto, judicialmente ordenado, de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo e nada a censurar a sentença recorrida.

Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente.

Notifique.

RAEM, 21ABR2016

                 Lai Kin Hong
                 
                 João A.G. Gil de Oliveira
                 
                 Ho Wai Neng
Ac. 260/2014-39