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Processo n.º 890/2015
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 21/Abril/2016


ASSUNTOS:
- Alojamento ilegal
    
   SUMÁRIO :

    1. O arrendatário da fracção que detém o controle e o poder de uso e de gozo imediato sobre a fracção, ao permitir que outrem ali se aloje e ao não se inteirar da qualidade dessa pessoa em temos de legalidade de permanência na RAEM e permitir que essa pessoa ali instale outros, sem que continue sem se inteirar da situação legal dessas pessoas em termos de imigração, permanência ou residência, não deixa de ser responsável pelo alojamento ilegal aí praticado, pois tendo acesso e disponibilidade sobre o imóvel, tem o poder de não permitir a qualquer pessoa que aí entre e se instale, tendo o dever de boa conservação da coisa, de zelar por ela, afectá-la a um bom uso, sensato, prudente e de acordo com as regras e a as leis vigentes.
    
    2. Como arrendatário, advêm-lhe deveres, tal como decorre do art. 983º do CC, que não só se impõem perante o locador, como perante terceiros e perante a sociedade, não se tendo por transmitida a responsabilidade decorrente da violação desses deveres. Daí que se alguém desenvolve uma actividade de alojamento ilegal num prédio que se mostra arrendado, o arrendatário, enquanto responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa, não deixa de ser responsabilizado pelo desenvolvimento dessa actividade proibida, pois tem o dever de olhar pela coisa e saber do que ali se passa.
    
              O Relator,
              João A.G. Gil de Oliveira
















Processo n.º 890/2015
(Recurso Jurisdicional Administrativo)

Data : 21 de Abril de 2016

Recorrente: A (A)

Entidade Recorrida: Directora dos Serviços de Turismo (Substituta)

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO

1. Vem o presente recurso interposto por A (A) da douta sentença proferida em 24 de Junho de 2015, que julgou improcedente o recurso contencioso interposto do despacho proferido em 10 de Junho de 2014 pela Exma Senhora Directora, Substituta, dos Serviços de Turismo de Macau, o qual determinou a aplicação ao recorrente de uma multa no valor de MOP$200.000,00 (duzentas mil patacas).
Para tanto, alega, em síntese:
     l.ª
    Através do presente recurso, o Recorrente impugna a douta sentença do Tribunal a quo de 24 de Junho de 2015 que julgou improcedente o recurso interposto do despacho proferido em 10 de Junho de 2014 pela Directora, Substituta dos Serviços de Turismo de Macau, que lhe aplicou uma multa de MOP$200.000,00 (duzentas mil patacas).
     2ª.
    Com base nos factos constantes nos pontos 24 a 38 do Relatório nº 512/DI/2014 da Direcção dos Serviços de Turismo, o Tribunal a quo julgou improcedente o recurso interposto pelo ora Recorrente com o fundamento de que o Recorrente terá permitido de forma negligente os Senhores B e um individuo de identidade desconhecida utilizassem a fracção autónoma em causa para a prestação de pensão ilegal.
     3ª
    O acto recorrido incorre no vício de violação da lei consistente em erro de interpretação, na medida em que a Meritíssima Juiz a quo, para decidir interpretou as normas do artigo 10º, nº 1 da Lei nº 3/2010, com um sentido que os respectivos textos não comportam por não ter correspondência com o pensamento legislativo, no modesto entendimento do Recorrente.
     4ª
    O conceito de controlar por qualquer forma o prédio ou a fracção autónoma para prestação de alojamento ilegal previsto no artigo 10º, nº 1 da Lei 3/2010, oferece entendimento contrário ao que dele retira o Ilustre julgador a quo.
     5ª
    Conforme o artigo 8º do Código Civil: “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."
     6ª
    A norma ora citada, aponta para a necessidade de não se cingir à letra da lei, mas sim reconstituir a partir do texto o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (elementos sistemáticos) em conjugação com elementos objectivos e históricos.
     7ª
    Para a devida compreensão do espírito da Lei nº 3/2010, interessa citar o teor do Parecer nº 1/IV/201 da 1ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa da RAEM: “Deve se indicar que, face às alterações do nome e definição, especialmente sobre a questão da mudança do paradigma, o novo é muito mais adequado e perfeito em diversos níveis. Primeiro, foi correcto em escolher que as questões apontem para as actividades ilícitas e não no próprio objecto, isto é, o acto que está envolvido nas actividades ilícitas e não o objecto que é evidente ser uma coisa que não tem a sua própria vontade.”
     8ª
    Ou seja, com a Lei nº 3/2010, pretende-se combater a actividade de prestação ilegal de alojamento e não o pensão ilegal em si; razão pela qual este não podem transformar-se em objecto.
     9ª
    Ou seja, com a Lei nº 3/2010, pretende-se combater a actividade de prestação ilegal de alojamento e não o imóvel em si; razão pela qual este não podem transformar-se em objecto.
     10ª
    Por isso, na interpretação e aplicação do artigo 10º, nº 1 da Lei nº 3/2010, deve ser tida em conta o sentido e o alcance da norma contida no artigo 1º citada lei.
     11ª
    Ressalvado o devido respeito que é muito, tal não foi feito pelo Ilustre julgador a quo.
     12ª
    À luz do pensamento legislativo subjacente a Lei n.º 3/2010 supra explanado, o conceito - controlar por qualquer forma o prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento deve corresponder ao sentido de fornecer o objecto (fracção autónoma) e participar directamente na prestação do serviço (prestação de alojamento ilegal);
     13ª
    Só perante a verificação daqueles pressupostos é que se pode aplicar ao infractor a multa estipulada no artigo 10º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010.
     14ª
    Ressalvado o devido respeito que é muito, o Ilustre julgador a quo não levou em conta o pensamento legislativo supra explanado, tendo considerado que o Recorrente permitiu de forma negligente que os Senhores B e o um homem de identidade desconhecida usassem a fracção em causa para prestação de alojamento ilegal.
     15º
    O Recorrente nunca teve conhecimento que dentro da sua casa havia práticas de alojamento ilegal, nem nunca participou de qualquer forma nessa actividade.
     16º
    Por isso, o Tribunal a quo na interpretação e aplicação do 10º, n.º 1 da Lei n n.º 3/2010, devia levar em conta o espírito subjacente a Lei em causa e aplicar a multa as pessoas que efectivamente prestaram os serviços de alojamento ilegal.
     17º
    Mas o Tribunal a quo fez uma interpretação extensiva da norma do artigo 10º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010, considerando infractor o Recorrente, aplicando-lhe a multa de MOP$200,000.00 (duzentas mil patacas).
     18º
    Violando assim o artigo 10º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010.
V - PEDIDO
    Termos em que e no mais de direito:
    a) deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e anulada a decisão da Entidade Recorrida que aplicou ao recorrente a multa de MOP$200.000,000 (duzentas mil patacas),
    b) deve ser concedido ao Recorrente o apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de preparos e custas, bem como de patrocínio oficioso.

    2. A Exma Senhora Directora da Direcção dos Serviços de Turismo (DST), Substituta, entidade recorrida nos autos à margem identificados, vem apresentar as suas ALEGAÇÕES DE RECURSO, concluindo:
    I. A DST não vislumbra na sentença do Tribunal Administrativo de Macau, de 24 de Junho de 2015, o vício invocado pelo ora Recorrente;
    II. Não tem qualquer razão o Recorrente quando defende que a lei, ao referir-se ao "controlo" da fracção, exige a participação directa do infractor no acto de prestação de alojamento ilegal como condição da punição, uma vez que a posse da fracção onde se exerce a actividade ilegal permite, por si só, a punição ao abrigo do n.º 1 do artigo 10.° da Lei n.º 3/2010;
    III. Na verdade, o Recorrente foi acusado e punido pela DST por ter o controlo da fracção autónoma e a celebração do contrato de arrendamento da fracção foi o acto que lhe atribuiu a posse e, por essa via, o controlo do imóvel;
    IV. Daqui resulta que a entidade Recorrida não concorda, de todo, com a interpretação ao n.º 1 do artigo 10.° apresentada pelo Recorrente nas suas alegações de recurso, dado que a mesma não tem correspondência nem no espírito nem na letra da lei;
    V. O legislador, atendendo a que nem sempre se revela fácil provar quem foi o prestador do alojamento pois, frequentemente, os ocupantes são trazidos para a fracção por angariadores de rua e desconhecem a identidade do explorador e também para permitir à Administração um combate mais eficaz a esta actividade, optou por responsabilizar, também, aquele que detém a posse do imóvel onde a actividade ilegal teve lugar;
    VI. E quis o legislador atribuir o mesmo grau de censura a quem controla, (por qualquer forma) o prédio ou fracção autónoma e a quem presta o alojamento, punindo ambas as situações com uma multa de MOP 200 000,00;
    VII. Quanto à letra do artigo 10.º da Lei n.º 3/2010, vejamos. Este dispositivo estabelece que "quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma ( ... )" e a utilização da conjunção coordenativa "ou" pressupõe a existência de uma alternativa entre os dois termos;
    VIII. Caso o legislador tivesse querido fazer depender a punição da posse e do exercício efectivo da actividade de prestação de alojamento ilegal teria utilizado a conjunção "e" e não "ou";
    IX. Portanto, o que a lei estabelece no n.º 1 do artigo 10.° é uma alternativa e, perante uma mesma situação de alojamento ilegal, podem ser punidos o possuidor, o explorador ou ambos
    X. Assim, e diferentemente do que defende o Recorrente, a posse da fracção onde se exerce a actividade ilegal permite, por si só, a punição ao abrigo do n.º 1 do artigo 10.° da Lei n.º 3/2010;
    XI. Este entendimento decorre claramente da lei e foi, por várias vezes, reiterado quer pelo Tribunal Administrativo de Macau, quer pelo Tribunal de Segunda Instância em processos onde se analisou esta questão;
    XII. Em suma, o tribunal "a quo" subsumiu correctamente os factos provados à norma constante no n.º 1 do artigo 10.° da Lei n.º 3/2010, não tendo o Recorrente qualquer razão em tudo quanto alega sobre esta matéria;
    XIII. Pelo que se conclui que bem esteve a sentença do Tribunal Administrativo de Macau, de 24 de Junho de 2015, que não deu provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente.
    Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, que V. Ex.ªs. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, fazendo V. Exas., mais uma vez, JUSTIÇA!

3. Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    Assaca o recorrente à douta sentença sob escrutínio errada interpretação legal, mais concretamente do n.º 1 do art° 10° da Lei 3/2010, entendendo, em síntese, que o espírito subjacente a tal normativo é a submissão a multa das pessoas que prestem efectivamente serviços de alojamento ilegal, não sendo esse o seu caso, já que, nas suas próprias palavras, " ... nunca teve conhecimento que dentro da sua casa havia práticas de alojamento ilegal, nem nunca participou, de qualquer forma, nessa actividade".
    Cremos não lhe assistir qualquer razão.
    Ao reportar-se ao "controlo" da fracção, a lei não exige a participação directa do infractor no acto de prestação de alojamento ilegal como condição da punição.
    À luz da norma supra referida, a posse da fracção onde é exercida tal actividade ilícita permite, por si só, a condenação registada, pelo que, tendo, através da celebração do contrato de arrendamento, obtido a posse e, consequentemente, o controlo da fracção, ficou o mesmo sujeito à sanção estabelecida, como o poderia ficar, concomitantemente, quem prestasse efectivamente o alojamento, sendo a interjeição "ou" , contida na norma, inequívoca a tal propósito.
    Donde, sem necessidade de maiores alongamentos e aderindo, neste passo, às doutas considerações expendidas pela entidade recorrida, entender-se como correcta a interpretação efectuada no acórdão sob análise que, como tal, haverá que manter, negando-se provimento ao recurso.
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:

    “Em 10 de Agosto de 2012, o pessoal do grupo de inspecção da DST e os guardas do CPSP dirigiram-se à fracção autónoma sita no Edf. XX, Bloco x, xx.º andar x para realizarem a inspecção conjunta destinada ao combate à prestação ilegal de alojamento. Com o consentimento das pessoas na referida fracção, os agentes entraram na fracção para fazer a inspecção e nela encontraram duas pessoas não residentes da RAEM e titulares de documentos de viagem: C (C) e D (D). Nenhuma deles conseguiu mostrar o contrato de arrendamento para provar ser arrendatário(a) da fracção em causa. O pessoal da DST tomou às duas pessoas declarações a seguir expostas:
   - Segundo C (C), em 7 de Agosto de 2012 e na entrada do Hotel E (E酒店), um homem desconhecido angariou-a para alojar-se na fracção acima referida; tal homem levou-a para a referida fracção, entregou-lhe a chave desta e contou-lhe a senha para abrir o portão do edifício; o custo diário de alojamento é de 200 patacas e ela pagou 600 patacas como as despesas de alojamento para 3 dias; não conhecia os restantes ocupantes da fracção;
   - Segundo D (D), a partir de Março de 2012 passou a alojar-se, a titulo gratuito, na fracção em causa fornecida pelo conterrâneo “F (F)”, mas não tem os dados de contacto deste; durante a sua estadia na fracção havia pessoas que se encontravam alojadas nos outros quartos da fracção, mas ele não conhecia esses ocupantes;
   No mesmo dia, o pessoal da DST elaborou o auto de notícia n.º 85/DI-AI/2012, tirou fotografias do local e elaborou o projecto das instalações da fracção, indicando à fracção em causa a existência de fortes indícios da prestação ilegal de alojamento ao público e a violação do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 3/2010 (vd. fls. 3 a 21 e v dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   A proprietária da fracção em causa é G (G) (vd. fls. 1 e v e 42 a 48 dos anexos).
   A DST nunca emitiu a licença para exploração de estabelecimentos hoteleiros à fracção destinada a habitação sita no Edf. XX, Bloco x, xx.º andar x.
   Em 16 de Janeiro de 2013, o pessoal da DST tomou declarações a G (G), segundo a qual a referida fracção tinha sido arrendada ao recorrente em Agosto de 2011, arrendamento esse facilitado pelo pai da proprietária; segundo o acordo verbal entre as partes, não era necessária a celebração do contrato de arrendamento por escrito, e o recorrente apenas precisava de depositar mensalmente a renda no valor de 7500 dólares de Hong Kong na conta bancária da declarante; G (G) também disse que nada sabia sobre a utilização da fracção para prestação ilegalmente de alojamento, e veio a saber que a fracção tinha sido selada apenas depois da comunicação pelo recorrente (vd. fls. 71 a 73 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Ao mesmo dia, o pessoal da DST tomou declarações ao recorrente, segundo o qual em Agosto de 2011, durante a sua estadia no Hotel H, disse a amigo que pretendia arrendar uma fracção, e depois arrendou a fracção em causa mediante apresentação de amigo e através de I (I), pai da proprietária da fracção; a proprietária e o recorrente acordaram entre si em arrendar a referida fracção pela renda mensal de 7500 dólares de Hong Kong, bem como em não celebrar o contrato de arrendamento por escrito, mas apenas depositar mensalmente a renda na conta bancária da proprietária; segundo o recorrente, a partir de Agosto de 2011 começou a alojar-se na fracção, e durante o período de alojamento entregou a chave da fracção às pessoas respectivamente chamadas J (J) e K (K); segundo o recorrente, J (J) é o seu amigo; através do número de telefone de J (J) foi afirmado que o utilizador é D (D); K (K) é um amigo que o recorrente conheceu em Maio de 2012 (sic) num certo casino; o pessoal da DST ligou para o número de telefone deste e afirmou que o número não existiu; segundo o recorrente, ele deixou de pagar as rendas depois de a fracção ter sido selada e já notificou a proprietária da fracção; no dia da aposição do selo ele estava a jogar em casino, e sabia que naquela dia K (K) deixou uma amiga sua alojar-se na fracção (vd. fls. 75 a 77 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 20 de Novembro de 2013, o pessoal da DST tomou declarações a I (I), pai da proprietária da fracção G (G). Segundo I (I), em Julho de 2011 auxiliou a filha G (G) na aquisição da referida fracção; no momento da aquisição da fracção, esta já estava arrendada pelo recorrente que nela se encontrava alojado, pelo que continuou a arrendar a fracção ao recorrente a partir de Agosto de 2011; também disse que as partes apenas negociaram o arrendamento de forma verbal e não celebraram qualquer contrato escrito, e que a partir de 30 de Agosto de 2011 o recorrente começou a depositar as rendas da fracção na conta bancária da sua filha; o declarante apresentou a cópia do respectivo registo bancário (vd. fls. 107 a 112 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 16 de Dezembro de 2013, a Directora dos Serviços de Turismo por despacho concordou com o conteúdo do relatório n.º 556/DI/2013, e indicou que a fracção em causa foi arrendada e controlada pelo recorrente, que manifestamente sabia e concordava com a utilização, por K (K), da fracção por aquele arrendada, para a prestação ilegal de alojamento ao público, do qual resulta que o recorrente controlava a referida fracção para a prestação ilegal de alojamento ao público, conduta essa violadora do disposto no artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010. Pelo que decidiu deduzir acusação contra o recorrente, comunicando-o para, querendo, apresentar a defesa no prazo indicado (vd. fls. 113 a 117 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   No mesmo dia, a Directora dos Serviços de Turismo emitiu a notificação n.º 475/AI/2013 para notificar o recorrente de que poderia, no prazo de 10 dias contados da data do recebimento da notificação, apresentar a sua defesa quanto ao seu controle da referida fracção para a prestação ilegal de alojamento a outrem, com a indicação de que não será admitida apresentação de defesa ou de provas fora do prazo. (vd. fls. 118 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 19 de Dezembro de 2013, a DST enviou a notificação acima referida por meio de carta registada para o endereço de contacto indicado pelo recorrente. Mas a correspondência foi devolvida por não ter sido levantada. (vd. fls. 119 e v a 121 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 20 de Março de 2014, a Directora dos Serviços de Turismo emitiu a notificação n.º 167/AI/2014 para notificar o recorrente de que poderia, no prazo de 10 dias contados da data da publicação da notificação, apresentar a sua defesa quanto ao seu controle da referida fracção para a prestação ilegal de alojamento a outrem, com a indicação de que não será admitida apresentação de defesa ou de provas fora do prazo. (vd. fls. 137 a 138 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 3 de Abril de 2014, a DST notificou o recorrente por via edital da notificação acima referida (vd. fls. 143 a 144, 145v e 146v dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 10 de Abril de 2014, o recorrente apresentou a sua defesa junto da Directora dos Serviços de Turismo, alegando que os seus amigos gostavam de reunir-se na sua casa, e às vezes os amigos bebiam demasiado e queriam descansar na sua casa, pelo que ele deixava-os passar a noite no quarto do seu filho, mas não cobrava qualquer despesa nem explorava hotel ilegal; o mesmo também disse que a ocupante senhora C (C) era namorada do seu amigo e não lhe cobrou qualquer quantia, dizendo que queria falar com ela face a face (vd. fls. 151 a 152 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 29 de Abril de 2014, o pessoal da DST tomou declarações a C (C). Segundo a declarante, ela não conhecia o recorrente, que a contactou por sua iniciativa dois dias atrás e pediu-lhe que se dirigisse à DST para prestar auxílio na investigação; no dia em que se alojou na referida fracção encontrou no Casino E um homem; tendo perdido todo o capital, a declarante disse ao homem que não tinha lugar para alojar-se, e o referido homem disse-lhe que poderia alojar-se na fracção em que ele estava alojado, e contou-lhe o endereço da fracção bem como lhe entregou a chave; após a obtenção da chave, C (C) foi alojar-se na referida fracção, onde não encontrou outra pessoa quando chegou. Ao depois, quando estava a descansar no quarto da fracção, a porta foi de repente aberta pelo agente policial, que lhe tomou declarações. E a pessoa que lhe tomou declarações disse que poderia ir-se embora depois de reconhecer a efectuação do pagamento de despesas de alojamento e de assinar as declarações, pelo que a declarante assinou o auto de declarações. (vd. fls. 157 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   No mesmo dia, o pessoal da DST tomou declarações ao recorrente. Segundo o recorrente, ele conheceu em casino um homem chamado K (K), pessoa do interior da China e com cerca de 50 anos de idade, a quem ele entregou a chave da referida fracção, mas já perdeu os dados de contactos de K (K); ele não conhecia C (C), mas obteve a identificação desta através de consultar os autos, e depois perguntou pelo seu número de telefone junto da companhia de telecomunicações, e contactou C (C) dois dias atrás para ir juntos à DST a prestar auxílio na investigação (vd. fls. 155 e v dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 30 de Abril de 2014, perante os investigadores dos autos, o inspector daquele dia negou ter dito a C (C) que poderia ela ir-se embora se reconhecesse a efectuação do pagamento de despesas de alojamento e assinasse as declarações. (vd. fls. 158 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 10 de Junho de 2014, a entidade recorrida por despacho concordou com o conteúdo do relatório n.º 512/DI/2014, indicando que C (C) prestaram depoimentos contraditórios entre si, sem explicar suficientemente as razões porque os alterou; e que a defesa apresentada pelo recorrente também não conseguiu explicar a existência do facto de prestação ilegal de alojamento a C (C) na fracção por ele arrendada e controlada. Desta forma confirmou que o recorrente controlava a fracção em causa para a prestação ilegal de alojamento ao público e decidiu aplicar-lhe a multa no valor de 200 000 patacas ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 3/2010 (vd. fls. 160 a 165 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   No mesmo dia, a entidade recorrida emitiu a notificação n.º 297/AI/2014 para comunicar a decisão acima referida ao recorrente, ordenar-lhe que cessasse de imediato a prestação ilegal de alojamento no respectivo prédio ou fracção autónoma, bem como notificar o recorrente para voluntariamente pagar a multa no prazo de 10 dias contados da data do recebimento da notificação; e para, querendo, interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo no prazo legalmente fixado, nos termos do disposto no artigo 25.º, n.º 2, al. a) do CPAC e artigo 20.º da Lei n.º 3/2010 (vd. fls. 166 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 11 de Junho de 2014, a DST enviou a referida notificação para o recorrente (vd. fls. 167 e v a 168 dos anexos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido).
   Em 29 de Setembro de 2014, o mandatário judicial nomeado do recorrente interpôs o presente recurso contencioso junto deste Tribunal. “
    IV – FUNDAMENTOS
    O que está em causa é a de saber se houve errada interpretação da norma que pune a actividade de alojamento ilegal e se se observa o preenchimento dos pressupostos objectivos da respectiva previsão típica.
    Basicamente, o que o recorrente defende, é que, não negando a sua qualidade de arrendatário da dita fracção, sustenta que nada tinha a ver com o que ali se passava, não sabendo dessa actividade ilegal, dizendo desconhecer o que outras pessoas, suas amigas ou não faziam naquela fracção.
    Não lhe assiste qualquer razão.
    Compreende-se que procure defender-se, mas o recurso a esta argumentação é de todo insubsistente, bastando pensar nos poderes e domínio detentivo e fáctico do arrendatário sobre o arrendado, para se perceber facilmente que quanto ali se passa não lhe pode passar ao lado.
    Os pressupostos de que a Mma Juíza parte na sentença são perfeitamente suportados pela decisão proferida. Já assim não seria, como alude o recorrente, se, na parte da fundamentação, se tivesse excluído a existência de um controle sobre a fracção.
    Isto, está claro, tendo presente a previsão normativa para a punição em causa: “Quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento é punido com multa de 200 000 a 800 000 patacas.” (n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 3/2010).
    Não tem razão o Recorrente quando afirma que a lei, ao referir-se ao "controlo" da fracção, exige a participação directa do infractor no acto de prestação de alojamento ilegal como condição da punição, uma vez que a posse da fracção onde se exerce a actividade ilegal permite, por si só, a punição ao abrigo do n.º 1 do artigo 10.° da Lei n.º 3/2010.
    Na verdade a qualidade de arrendatário, qualidade essa que não se mostra minimamente abalada, atribuiu-lhe, desde Agosto de 2011, a posse da fracção e todo um acervo de poderes e deveres que lhe permitiam ter acesso e dispor da mesma, incluindo os de fazer cessar o contrato se algo ali se passasse e que pudesse deixar de controlar.
    Uma vez que ali se desenvolvia uma actividade ilegal de alojamento, não se pode o recorrente colocar numa situação fácil de desculpabilização, alegando que cedeu a fracção a terceiros, a amigos e desligar-se do seu estatuto de arrendatário, omitindo os deveres que lhe advêm dessa situação, para mais se essas pessoas nem se identificam concretamente ou se é possível encontrá-las. A admitir-se este tipo de argumentação estaria aberta a porta a toda e qualquer desresponsabilização pela prática de alojamento ilegal, bastando introduzir no terceiro quaisquer pessoas que contactariam com os beneficiários do alojamento.
    A interpretação feita, do conceito - controlar por qualquer forma o prédio ou fracção autónoma utilizado para a prestação ilegal de alojamento -, mesmo “luz do pensamento legislativo subjacente a Lei nº 3/2010 não tem de corresponder necessariamente ao sentido de fornecer o objecto (fracção autónoma) e participar directamente na prestação do serviço (prestação de alojamento ilegal), sob pena de por essa via se abrirem as portas à intervenção de terceiros ou auxiliares, defraudando as razões ínsitas à penalização dessas condutas, quais sejam as de evitar o favorecimento de condições para a prática do alojamento ilegal.
    Na verdade, nem sempre se revela fácil provar quem foi o prestador do alojamento pois, frequentemente, os ocupantes são trazidos para a fracção por angariadores de rua e desconhecem a identidade do explorador. Por isso, como bem salienta a entidade recorrida, o legislador, para permitir à Administração um combate mais eficaz a esta actividade, e para contornar essas situações, optou por responsabilizar, também, aquele que detém a posse do imóvel onde a actividade ilegal teve lugar;
    Assim se compreende que a responsabilização por infracção administrativa por parte de quem detém a posse é uma forma de incutir no possuidor a necessidade de usar o imóvel no âmbito da sua finalidade própria e de impedir por qualquer forma que terceiros façam uma utilização que extravase essa finalidade, sempre se fechando mais a teia da ilicitude se a censura por actividade ilícita recair também sobre quem é, em última análise o responsável pela coisa, pelo seu estado físico, pelo uso que lhe é dado. A propriedade não deixa de acarretar deveres para o respectivo titular. Donde se justifique a atribuição do mesmo grau de censura a quem controla, por qualquer forma, o prédio ou a fracção autónoma e a quem presta o alojamento, punindo ambas as situações com uma multa de MOP 200 000,00;
    Também a letra da norma não deixa quaisquer dúvidas. Quanto ao artigo 10.º da Lei n.º 3/2010, aquele dispositivo estabelece que "quem prestar ilegalmente alojamento ou controlar por qualquer forma prédio ou fracção autónoma (...)" e a utilização da conjunção coordenativa "ou" pressupõe a existência de uma alternativa entre os dois termos, isto é, a lei satisfaz-se como conteúdo da segunda proposição formulada, independente da primeira, bastando, por isso, para ser responsabilizado, quem controlar uma fracção e aí se pratique alojamento ilegal.
    É evidente que com esta interpretação não se visa uma posição fundamentalista que vá no sentido de punir, sem mais, o dono do prédio que cede por um curto espaço de tempo a sua casa a um amigo e este ali deixa um imigrante ilegal pernoitar por uma noite, sem que aquele de nada saiba. Como em tudo, também aqui se deve ser razoável e todas as proclamações enfatizadas, como princípios, podem ser perigosas. Cada caso é um caso e há que ser prudente e razoável.
    É assim que aquela previsão legal não deve deixar de abranger os casos em que o controle sobre a fracção implique o conhecimento ou o dever de conhecimento do que ali se passa e disponibilidade de meios e vontade para reagir, pondo termo ou não consentido nessa actividade ilegal.
    Ora, o que temos no nosso caso?
    Não se persegue a dona da fracção, mas tão-somente o seu arrendatário, o a recorrente, que, em situações muito estranhas permite que pessoas de quem se diz ser amigo ali se instalem, pelo menos o amigo J e que tem conhecimento que este ali deixou instalar uma senhora, a ocupante C, facto este de que o recorrente também tinha conhecimento.
    Ora, este conhecimento e relacionamento foi feito em casinos, resulta de encontros que aí se verificaram, alega-se uma amizade inconsistente entre o recorrente e o K, autorizado a morar na fracção, avançando-se com um número de telefone que nem existe.
    Ora, que espécie de amizade é esta?
    Pela nossa parte também não temos dúvida que o recorrente A não deixou de ter todos os meios para não permitir, devendo, pelo menos desconfiar, se é que não tinha a certeza, que na casa por si arrendada se instalavam pessoas ilegais na RAEM.
    A sentença recorrida não deixa, aliás, de escalpelizar, com minúcia, a factualidade típica subjacente à infracção cometida, para onde não deixamos de nos remeter.
    Na esteira da Jurisprudência deste Tribunal, entre outros, o Processo n.º 424/2015, de 5/11/2015, o arrendatário da fracção que detém o controle e o poder de uso e de gozo imediato sobre a fracção, ao permitir que outrem ali se aloje e ao não se inteirar da qualidade dessa pessoa em temos de legalidade de permanência na RAEM e permitir que essa pessoa ali instale outros, sem que continue sem se inteirar da situação legal dessas pessoas em termos de imigração, permanência ou residência, não deixa de ser responsável pelo alojamento ilegal aí praticado, pois tendo acesso e disponibilidade sobre o imóvel, tem o poder de não permitir a qualquer pessoa que aí entre e se instale, tendo o dever de boa conservação da coisa, de zelar por ela, afectá-la a um bom uso, sensato, prudente e de acordo com as regras e a as leis vigentes.
    Como arrendatário, advêm-lhe deveres, tal como decorre do art. 983º do CC, que não só se impõem perante o locador, como perante terceiros e perante a sociedade, não se tendo por transmitida a responsabilidade decorrente da violação desses deveres. Daí que se alguém desenvolve uma actividade de alojamento ilegal num prédio que se mostra arrendado, o arrendatário, enquanto responsável pelo gozo e utilização imediata da coisa, não deixa de ser responsabilizado pelo desenvolvimento dessa actividade proibida, pois tem o dever de olhar pela coisa e saber do que ali se passa.
    
    Nesta conformidade e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, não se vislumbrando qualquer errada interpretação de facto ou direito, manter-se-á a sentença nos exactos termos em que foi proferida.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida, tal como proferida.
    Custas pela recorrente, com 6 UC de taxa de justiça
                Macau, 21 de Abril de 2016,
João A. G. Gil de Oliveira
Fui Presente Ho Wai Neng
Joaquim Teixeira de Sousa José Cândido de Pinho
890/2015 12/22