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Processo nº 202/2014
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 21 de Abril de 2016

ASSUNTO:
- Contabilidade organizada

SUMÁRIO :
- A lei (artº 6º do DL nº 58/99/M) exige que as instituições «offshore» dispõem obrigatoriamente de contabilidade organizada segundo os princípios contabilísticos geralmente aceites e, quando aplicável, em obediência ao plano que se encontrar fixado para o respectivo sector de actividade.
- O legislador do citado DL não fez qualquer definição própria do conceito da contabilidade organizada, antes remete para os princípios contabilísticos geralmente aceites.
- Assim, segundo o artº 7º do Regulamento Administrativo nº 25/2005, que aprovou as Normas de Contabilidade, as quais compreendem as Normas Sucintas de Relato Financeiro e as Normas de Relato Financeiro, entende-se por contabilidade organizada para efeito fiscal a contabilidade feita de acordo com o estabelecido nas Normas de Contabilidade aprovadas pelo citado Regulamento Administrativo.
O Relator
Ho Wai Neng
Processo nº 202/2014
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 21 de Abril de 2016
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

  I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem requerer o recurso contencioso contra o despacho do Secretário para a Economia e Finanças, de 18/02/2014, pelo qual se determinou a revogação da autorização para o funcionamento como instituição de serviços comerciais e auxiliares “offshore”, concluíndo que:
1. Com fundamento no facto de a Recorrente não ter apresentado o relatório financeiro da auditoria relativo ao ano de 2012, nem prestado provas, no prazo adicional que lhe foi concedido, que certificassem que aquela possui assentos contabilísticos, foi proferido o despacho de revogação de que ora se recorre nos termos do artigo 68.° e artigo 42.º, n.º 1, e) do Decreto-Lei, normativos esses que determinam a revogação da autorização para o exercício da actividade offshore, sempre que inexista contabilidade organizada.
2. Conforme decorre da leitura comparada dos artigos 66.º, 70.°, n.º 1, alínea d), 6.º e 42.º, n.º 1, e), ex vi artigo 68.º, todos do Decreto-Lei, uma coisa é a obrigação de apresentação, ao IPIM, do relatório e contas de cada exercício, acompanhado do correspondente relatório de auditoria, e outra, diferente, é a existência, ou não, de contabilidade organizada.
3. São situações distintas, que não se confundem nem sobrepõem, não sendo uma verdade insofismável que o não cumprimento da primeira implique, necessariamente, a verificação da inexistência da segunda.
4. Posto isto, não obstante ser inegável que a Recorrente ainda não apresentou o relatório da auditoria nem outros documentos contabilísticos, conforme referido no despacho de que se reclama, tal não quer dizer que esta não possua contabilidade organizada, como parece ser o entendimento aí vertido ao fundamentar a decisão no disposto no artigo 42.º, n.º 1, e).
5. Desde que a anterior administração foi destituída e a nova administração foi nomeada, no dia 26 de Julho de 2013, estes últimos suspenderam a actividade da Recorrente e estão a proceder a um minucioso e apurado levantamento da sua situação financeira (e não só) e, bem assim, mas separadamente, ao do grupo a que esta pertence.
6. Investigação e levantamento esses que, não obstante as diligências encetadas para o efeito, não foram ainda concluídas, mercê das circunstâncias em que a administração anterior foi exonerada, o que determinou uma quase total falta de apoio e de irregularidades encontradas na documentação de suporta à contabilidade da sociedade.
7. O facto de a Recorrente não ter apresentado os documentos em causa não quer dizer que não tenha contabilidade organizada, como erradamente pressupõe o despacho de que se reclama, muito pelo contrário, a Sociedade tem contabilidade organizada mas, pelas razões acima aduzidas, e que não lhe são imputáveis, não se encontra ainda em condições de emitir os competentes documentos nem de apresentá-los como, em circunstâncias normais (e que não se verificam!) lhe competiria.
8. Donde decorre que o pressuposto de facto que fundamenta o despacho recorrido e a sanção aplicada - a inexistência de contabilidade organizada - não se verifica, de facto, nem poderia ser presumida, pela mera falta de entrega dos documentos referidos no artigo 66.º do Decreto-Lei.
9. Por outro lado, a falta de apresentação dos documentos em causa - donde resultou a assunção (não permitida por lei, conforme acima referido) de que a Recorrente não tem contabilidade organizada e, nessa medida, determinou a revogação da autorização por força do artigo 42.º do Decreto-Lei - não se ficou a dever a qualquer desconsideração ou desrespeito voluntário ou negligente pelos dispositivos legais que regem a actividade “offshore”, mas sim a uma impossibilidade prática de o fazer até ao momento, por motivos que não lhe são imputáveis.
10. Aliás, mais do que uma mera impossibilidade prática, trata-se mesmo de um dever de não o fazer, pois a entrega pela administração actual dos documentos em falta, com base numa escrituração e documentação que aparenta estar incorrecta e irregular, constituiria para estes a prática de um (este sim) verdadeiro ilícito administrativo e até criminal.
11. Pelo exposto, não se verifica qualquer acto ilícito (doloso ou negligente) na não apresentação dos documentos aqui em causa, o que conforme os artigos 74.º do Decreto-Lei, o artigo 3.º do Decreto-Lei 52/99/M, e artigo 12.º do Código Penal constitui pressuposto da punição de revogação da autorização de que se reclama.
12. Mas ainda que se entenda que a sua conduta consubstancia, de algum modo, um acto doloso ou negligente, e, neste sentido, um acto ilícito, ainda assim essa ilicitude estaria afastada pelo facto de a falta apontada ser resultado de um dever legal dos administradores da Recorrente de não apresentarem documentos ou prestarem informações que julgam serem incorrectas, sem primeiro apurar a veracidade, ou não, dos mesmos, apenas para manter a autorização do exercício da actividade “offshore”.
13. Neste sentido, e atento o supra exposto, está-se em crer que os fundamentos invocados no acto reclamado não são suficientes nem apropriados para suportar aquela decisão, devendo o acto reclamado ser considerado inválido por violação da lei, na sua vertente de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que, nos termos do referido artigo 21.º do CPAC constitui fundamento da revogação do mesmo.
14. Não se verifica que haja interesse público em revogar a autorização pelos fundamentos invocados (repete-se, a não apresentação atempada dos documentos referidos no artigo 66.º do Decreto-Lei) sem atender às razões que o justificam e até impõem.
15. Exigir-se a entrega da documentação contabilística em causa, e à falta desta, promover-se a revogação tout court da licença e a consequente dissolução e liquidação da mesma, sem que se mostrem concluídas as investigações em curso, por parte da administração actual e das autoridades de Macau, estar-se-a a ir contra o que a lei visa acautelar, e que a Recorrente pretende cumprir, que é a existência de uma contabilidade transparente e rigorosa.
16. Por outro lado, tendo em conta o acima descrito, ainda que se verificasse um interesse público na revogação em causa, o que não se admite, nem concede, sempre se dirá que a decisão em causa, sem atender às razões que determinam a impossibilidade de cumprimento até à data da obrigação que a fundamenta, inflige à Recorrente um sacrifício totalmente desproporcional e desrazoável.
17. Entende-se, assim, que o acto em causa, violou, pelo menos, o princípio da prossecução do interesse público, da proporcionalidade, da adequação, do interesse e direitos da interessada, da justiça, aos quais a Administração Pública está obrigada, pelo que também por esta via o acto em causa é anulável, nos termos do disposto no artigo 21.° do CPAC.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 162 a 168 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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A Recorrente apresentou as alegações facultativas constantes fls. 174 a 187 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do presente recurso contencioso, a saber:
   “Ao despacho de fls.7 do P.A. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a recorrente imputou a violação das disposições nos n.º1 e n.º2 do art.8º (princípio da boa fé) do CPA, nos arts.3º e 5º deste Código e o dever de fundamentação, «ao apontar como justificação da sua decisão a sua elevada margem de discricionariedade o padrão decisório em vigor no território, relativamente à matéria em apreço, e que privilegia os filhos (dos trabalhadores) que hajam nascido em Macau, sem fazer qualquer juízo de raciocínio.»
   Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, considerando que a recorrente é trabalhadora não residente não especializado e a sua filha menor nasceu em Filipina, afigura-se-nos que o recurso em apreço não merece provimento, em virtude de o acto em escrutínio não inquina de nenhum dos vícios assacados a si.
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   Dispõe o art.6º do D.L. n.º58/99/M: As instituições «offshore» dispõem obrigatoriamente de contabilidade organizada segundo os princípios contabilísticos geralmente aceites e, quando aplicável, em obediência ao plano que se encontrar fixado para o respectivo sector de actividade.
   Nos termos da alínea e) do n.º1 do art.42º deste diploma legal, a situação de «inexistência de contabilidade organizada» conduz forçadamente a revogação da autorização para o funcionamento de instituições de gestão fiduciária «offshore».
   O art.68º do mesmo prevê «A autorização para o funcionamento de instituições de serviços comerciais e auxiliares «offshore» é revogada nos casos previstos nas alíneas a) a f) do n.º1 do artigo 42.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2 a 5 do mesmo artigo.»
   Ressalvado o respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos certo que é estritamente vinculado o poder de revogação consignado nos referidos arts.42º e 68º. Com efeito, estes dois comandos legais não deixam à Administração nenhuma escolha entre soluções igualmente legais.
   Nesta linha de perspectiva, e em esteira da prudente jurisprudência do Venerando TUI no sentido de «A invocação de violação dos princípios de justiça e da proporcionalidade só é operativa quando a Administração exerce poderes discricionários.» (Acórdão no Processo n.º79/2015), temos por certo que não se verifica a violação pelo acto recorrido destes 2 princípios.
   Não se descortina, de todo em todo lado, nenhum indício virtuoso de demonstrar a inobservância do princípio da prossecução de interesse público ou a ofensa ilegal dos direitos e interesses da recorrente. O que se sucede é, bem pelo contrário, o rigoroso cumprimento pela Administração das disposições legais acima aludidas.
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   No caso sub specie, é absolutamente assente que até à prolação do despacho recorrido em 18/02/2014 a recorrente não conseguiu apresentou a contabilidade organizada relativa ao ano 2012. E confessou, nos arts.27º e 28º da petição, que muita da documentação de suporte continha informações incorrecta e imprecisa, e existiam irregularidades e incorrecções na documentação e nos registos da sua actividade.
   Ora bem, as irregularidades e incorrecções na documentação e nos registos da sua actividade confessadas pela recorrente demonstram, só por si, que a recorrente não dispunha da contabilidade organizada exigida pelo Regulamento Administrativo n.º25/2005.
   Nesta medida, não pode deixar de ser sofisticada, infiel e manchada a afirmação da recorrente de ela possuir a contabilidade organizada, pois é incongruente e contraditória a argumentação de «Neste sentido, o facto de a recorrente não ter apresentado os documentos em causa não quer dizer que não tenha contabilidade organizada, como erradamente pressupõe o despacho de que se reclama.» (art.37º da petição)
   Estamos firmemente convictos de o Venerando TSI ter a confiável prudência de concluir que a recorrente não possuía a «contabilidade organizada segundo os princípios contabilísticos geralmente aceites» e, deste modo, não enferma do erro nos pressupostos de facto o despacho em causa que determina a revogação da autorização de funcionamento.
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   E ressalvado o respeito pela opinião diferente, entendemos que são irrelevantes a eventual inocência dos actuais administradores da recorrente e a substituição dos anteriores administradores pelos actuais, e é inócuo o argumento de ser inimputável aos actuais administradores a não aposentação atempada da contabilidade organizada, visto que é imputável à própria recorrente como uma instituição «offshore» dotada de personalidade.
   Afinal, resta apontar que a inexistência da contabilidade organizada constitui, sem dúvida, o incumprimento do dever consagrado no art.6º do D.L. n.º58/99/M, e determina a revogação da autorização. Porém, a qual não está incluída nas infracções administrativas prescritas no art.70º deste diploma legal. Daí que não presta o aduzido na conclusão 11 da petição.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. A Recorrente é uma sociedade unipessoal detida pela sociedade B, constituída segundo as leis de Hong Kong, a qual, por sua vez, é indirectamente detida a 100% pela sociedade C.
2. Em 26 de Julho de 2013, na sequência de um processo judicial que correu termos em Hong Kong, o Sr. D e a Sra. E (E), foram nomeados (i) liquidatários provisórios da C, e (ii) administradores das subsidiárias desta sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas e na Região Administrativa Especial de Hong Kong, como é o caso da B.
3. Nesse mesmo dia, a B destituiu, com efeito imediato, os administradores até então registados da Recorrente e nomeou, em sua substituição, o Sr. D, a Sra. E (E) e a Sra. F (F), os quais são, desde então, os seus legais e legítimos representantes.
4. Poucos dias depois da sua nomeação, a nova administração da Recorrente recebeu uma notificação do IPIM, datada de 25 de Julho de 2013, a aplicar uma multa àquela por não ter sido entregue, até ao dia 30 de Junho de 2013, a documentação mencionada no artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 58/99/M, que define o regime jurídico aplicável à actividade “offshore”.
5. A Recorrente não conseguiu entregar os documentos em falta até ao dia 26 de Novembro de 2013.
6. Em consequência, por despacho de 18 de Fevereiro de 2014, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças determinou a revogação da autorização para o funcionamento como instituição de serviços comerciais e auxiliares “offshore”.
7. Os administradores actuais da Recorrente conseguiram apurar até à data, que há indícios sérios que apontam para a existência de irregularidades e incorrecções na documentação e nos registos da actividade da mesma, anteriores a 26 de Julho de 2013.
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III – Fundamentação
1. Do erro no pressuposto de facto
Entende a Recorrente que o acto recorrido padece do erro no pressuposto de facto ao considerar-lhe não ter contabilidade organizada.
Na sua óptica, uma coisa é não conseguir apresentar relatório financeiro da auditoria ao IPIM, outra é a existência ou não de contabilidade organizada na sua sociedade comercial.
Quid iuris?
Nos termos do artº 6º do DL 58/99/M, as instituições «offshore» dispõem obrigatoriamente de contabilidade organizada segundo os princípios contabilísticos geralmente aceites e, quando aplicável, em obediência ao plano que se encontrar fixado para o respectivo sector de actividade.
O que se entende por uma contabilidade organizada?
O legislador do DL 58/99/M não fez qualquer definição própria para o efeito, antes remete para os princípios contabilísticos geralmente aceites.
Assim, segundo o artº 7º do Regulamento Administrativo nº 25/2005, que aprovou as Normas de Contabilidade, as quais compreendem as Normas Sucintas de Relato Financeiro e as Normas de Relato Financeiro, entende-se por contabilidade organizada para efeito fiscal a contabilidade feita de acordo com o estabelecido nas Normas de Contabilidade aprovadas pelo citado Regulamento Administrativo.
Como é sabido, as Normas Sucintas de Relato Financeiro, aprovadas pelo RA nº 25/2005, correspondem a um contabilístico simplificado, definido com base nas principais IFRS (International Financial Reporting Standards), a aplicar essencialmente às entidades que, nos termos legais, tenham de possuir contabilidade devidamente organizada.
São compostas por 15 normas sucintas, a saber:
   Norma 1 Apresentação de Demonstrações Financeiras
Norma 2 Políticas Contabilísticas, Alterações nas Estimativas Contabilísticas e Erros
Norma 3 Activos Fixos Tangíveis
Norma 4 Locações
Norma 5 Activos Intangíveis
Norma 6 Inventários
Norma 7 Subsídio do Governo e Outros Apoios do Governo
Norma 8 Provisões, Passivos Contigentes e Activos Contigentes
Norma 9 Rédito
Norma 10 Contratos de Construção
Norma 11 Custos de Empréstimos Obtidos
Norma 12 Impostos sobre o Rendimento
Norma 13 Efeitos de Alterações em Taxas de Câmbio
Norma 14 Acontecimentos Após a Data do Balanço
Norma 15 Divulgações de Partes Relacionadas
A título exemplificativo, transcrevem-se as exigências legais previstas na Norma 1 que diz respeito à Apresentação de Demonstrações Financeiras:
   “Norma 1. Apresentação de Demonstrações Financeiras
   Componentes das Demonstrações Financeiras
1.1 Um conjunto completo de demonstrações financeiras, a preparar e apresentar pelas entidades cm conformidade com estas Normas Sucintas de Relato Financeiro (NSRF), inclui os componentes seguintes:
a) balanço;
b) demonstração de resultados; e
c) notas, compreendendo um resumo das políticas contabilísticas significativas e outras notas explicativas.
Esta norma não se aplica à preparação e apresentação de demonstrações financeiras consolidadas.
Considerações Gerais
1.2 As demonstrações financeiras devem reflectir adequadamente a posição e o desempenho financeiros de uma entidade. A aplicação apropriada das normas contabilísticas das NSRF, com divulgações adicionais quando necessário, traduzir-se-á em adequadas apresentações das demonstrações financeiras.
1.3 Uma entidade cujas demonstrações financeiras se conformem com as NSRF deve divulgar tal facto.
1.4 Os tratamentos contabilísticos inapropriados não são rectificados quer pela divulgação das políticas contahilísticas usadas quer por notas ou material explicativo.
1.5 Nas circunstâncias extremamente raras em que a gerência conclua que a conformidade com um requisito de uma Norma seria tão enganosa que entraria em conflito com o objectivo das demonstrações financeiras estabelecido na Estrutura Conceptual, uma entidade deve divulgar:
a) que a gerência concluiu que as demonstrações financeiras apresentam de forma apropriada a posição financeira e o desempenho financeiro da entidade;
b) que se cumpriu as disposiçües das NSRF aplicáveis, excepto que se afastou de um requisito a fim de conseguir uma apresentação apropriada;
c) o título da Norma da qual a entidade se afastou, a natureza do afastamento, incluindo o tratamento que a Norma exigiria, a razão pela qual esse tratamento seria tão enganoso nas circunstâncias que entrasse cm conflito com o objectivo das demonstrações financeiras estabelecido na Estrutura Conceptual e o tratamento adoptado; e
d) o impacto financeiro do afastamento em cada item nas demonstrações financeiras.
1.6 Aquando da preparação de demonstrações financeiras, a gerência deve fazer uma avaliação da capacidade de uma entidade prosseguir como uma entidade em continuidade. As demonstrações financeiras devem ser preparadas na base da entidade em continuidade a menos que a gerência pretenda liquidar a entidade ou cessar de negociar, ou não tenha alternativa realista senão fazer isso. Quando a gerência esteja consciente, ao fazer a sua avaliação, de incertezas materiais relacionadas com acontecimentos ou condições que possam lançar dúvidas significativas acerca da capacidade da entidade prosseguir como uma entidade em continuidade, essas incertezas devem ser divulgadas. Quando as demonstrações financeiras não forem preparadas no pressuposto de entidade em continuidade, esse facto deve ser divulgado juntamente com as bases pelas quais as demonstrações financeiras foram preparadas e a razão por que a entidade não é considerada estar em continuidade.
1.7 Uma entidade deve preparar as suas demonstrações financeiras segundo o regime contabilístico do acréscimo.
1.8 A apresentação e classificação de itens nas demonstrações financeiras deve ser retida de um período para outro a menos que:
a) seja aparente, após uma alteração significativa na natureza das operações da entidade ou uma revisão das respectivas demonstrações financeiras, que outra apresentação ou classificação seria mais apropriada; ou
b) seja exigida uma alteração de apresentação pelas NSRF.
1.9 Cada classe material de itens semelhantes deve ser apresentada separadamente nas demonstrações financeiras. Os itens de natureza ou função dissemelhante devem ser apresentados separadamente, a menos que sejam imateriais.
1.10 Os activos e passivos, e os rendimentos e gastos, não devem ser compensados excepto quando tal for exigido ou permitido por uma Norma. Adicionalmente, os ganhos e perdas provenientes de um grupo de transacções semelhantes são relatados numa base líquida. Estes ganhos e perdas são, contudo, relatados separadamente se forem materiais.
1.11 A menos que uma Norma o permita ou exija de outra forma, informação comparativa deve ser divulgada com respeito ao período anterior para todas as quantias relatadas nas demonstrações financeiras. A informação comparativa deve ser incluída na informação narrativa e descritiva quando for relevante para uma compreensão das demonstrações financeiras do período corrente.
Estrutura e Conteúdo
1.12 Cada componente das demonstrações financeiras deve ser identificado claramente. Além disso, a informação seguinte deve ser mostrada de forma proeminente e repetida quando for necessário para a devida compreensão da informação apresentada:
a) o nome da entidade que relata ou outros meios de identificação;
b) a data do balanço ou o período coberto pelas demonstrações financeiras; e
c) a moeda e unidade de relato.
1.13 As demonstrações financeiras devem ser apresentadas pelo menos anualmente. Quando as demonstrações financeiras anuais são apresentadas para um período mais longo ou mais curto do que um ano, a entidade deve divulgar a razão para usar um período mais longo ou mais curto.
Balanço
1.14 Uma entidade deve apresentar activos correntes e não correntes, e passivos correntes e não correntes, como classificações separadas na face do balanço de acordo com os parágrafos 1.16 e 1.17, excepto quando uma apresentação baseada na liquidez proporcionar informação que seja fiável e mais relevante. Quando se aplica essa excepção, todos os activos e passivos devem ser apresentados de uma forma geral por ordem de liquidez.
1.15 Qualquer que seja o método de apresentação adoptado, por cada linha de item de activo e de passivo que combine quantias que se espera que sejam recuperadas ou liquidadas num período até doze meses após a data do balanço, e superior a doze meses após a data do balanço, uma entidade deve divulgar a quantia que se espera que seja recuperada ou liquidada após mais de doze meses.
1.16 Um activo deve ser classificado como corrente quando satisfizer qualquer dos seguintes critérios:
a) espera-se que seja realizado, ou pretende-se que seja vendido ou consumido, no decurso normal do ciclo operacional da entidade;
b) está detido essencialmente para a finalidade de ser negociado;
c) espera-se que seja realizado num período até doze meses após a data do balanço; ou
d) é caixa ou seu equivalente, a menos que lhe seja limitada a troca ou uso para liquidar um passivo durante pelo menos doze meses após a data do balanço.
Todos os outros activos devem ser classificados como activos não correntes.
1.17 Um passivo deve ser classificado como corrente quando satisfizer qualquer dos seguintes critérios:
a) espera-se que seja liquidado durante o ciclo operacional normal da entidade;
b) está detido essencialmente para a finalidade de ser negociado;
c) esteja para ser liquidado dentro de doze meses a partir da data do balanço; ou
d) a entidade não tem um direito incondicional de diferir a liquidação do passivo durante pelo menos doze meses após a data do balanço.
Todos os outros passivos devem ser classificados como passivos não correntes.
1.18 Como mínimo, a face do balanço deve incluir itens que apresentem as quantias seguintes:
a) activos fixos tangíveis;
b) activos intangíveis;
c) investimentos;
d) inventários;
e) dívidas a receber comerciais e outras; (f) caixa e equivalentes de caixa;
f) dívidas a pagar comerciais e outras;
g) passivos por impostos;
h) provisões;
i) passivos não correntes;
j) capital social emitido; e
k) reservas.
1.19 Linhas de itens adicionais, títulos e subtotais devem ser apresentados na face do balanço quando tal apresentação for relevante para uma compreensão da posição financeira da entidade.
1.20 Uma entidade deve divulgar o seguinte ou na face do balanço ou nas notas:
a) para cada classe de capital por acções:
i. a quantidade, e valor, de acções emitidas e inteiramente pagas, e emitidas mas não inteiramente pagas;
ii. os direitos, preferências e restrições associados a essa classe incluindo restrições na distribuição de dividendos e no reembolso de capital;
iii. a quantidade, e valor, das acções da entidade detidas pela própria entidade ou por subsi diárias ou associadas;
b) uma descrição da natureza e da finalidade de cada elemento do capital próprio; e
Uma entidade sem capital representado por acções, tal como uma parceria ou trust, deve divulgar informação equivalente à exigida acima, mostrando os movimentos durante o período em cada categoria de capital próprio e os direitos, preferências e restrições ligadas a cada categoria de capital próprio.
Demonstração de Resultados
1.21 Como mínimo, a face da demonstração de resultados deve incluir linhas de itens que apresentem as quantias seguintes:
a) réditos;
b) custos financeiros;
c) gasto de impostos; e
d) resultado líquido do período.
1.22 Outras linhas de itens, títulos e subtotais devem ser apresentados na face da demonstração dos resultados quando tal apresentação seja relevante para uma compreensão do desempenho financeiro da entidade.
1.23 Todos os itens de rendimentos e de gastos reconhecidos num período devem ser incluídos na determinação do resultado líquido do período, a menos que de outra forma seja exigido pelas Normas.
1.24 Quando os itens de rendimento e de gasto são materiais, a sua natureza e quantia devem ser divulgadas separadamente.
1.25 Uma entidade deve apresentar uma análise dos gastos usando uma classificação baseada na natureza dos gastos.
Notas às Demonstrações Financeiras
1.26 Nas notas às demonstrações financeiras, uma entidade deve apresentar o seguinte:
a) transacções de capitais com proprietários e distribuição a proprietários;
b) o saldo de resultados acumulados no início do período e à data do balanço, e os movimentos do período, incluindo o efeito acumulado das alterações das políticas contabilísticas e a correcção de erros de períodos anteriores; e
c) uma reconciliação entre a quantia inscriturada de cada classe de capital por acções e de cada reserva, no início e no fim do período, divulgando separadamente cada alteração.
1.27 As notas às demonstrações financeiras de uma entidade devem:
a) apresentar informação acerca do regime de preparação das demonstrações financeiras e das políticas contabilísticas específicas seleccionadas e aplicadas para transacções e acontecimentos significativos;
b) divulgar a informação exigida pelas NSRF que não seja apresentada noutro lugar nas demonstrações financeiras; e
c) proporcionar informação adicional que seja relevante para uma apresentação apropriada.
1.28 As notas às demonstrações financeiras devem ser apresentadas de uma maneira sistemática. Cada item na face do balanço e da demonstração de resultados deve ser de referenciação cruzada com qualquer informação relacionada nas notas.
1.29 Uma entidade deve divulgar no resumo de políticas contabilísticas significativas:
a) que as demonstrações financeiras foram preparadas em conformidade com as NSRF;
b) a base (ou bases) de mensuração usadas na preparação das demonstrações financeiras; e
c) cada política contabilística específica que seja relevante para uma devida compreensão das demonstrações financeiras.
1.30 Uma entidade deve divulgar nas notas, se não for divulgado noutro local em informação publicada com as demonstrações financeiras, o seguinte:
a) o domicílio e a forma jurídica da entidade, bem como o local onde foi constituída;
b) a descrição da natureza das operações da entidade e das suas principais actividades; e
c) ou o número de empregados no fim do período ou a média do período.”
No caso em apreço, a Recorrente disse que tinha uma conta organizada, porém não conseguiu cumprir o dever previsto no artº 66º do DL nº 58/99/M, nos termos do qual “as instituições de serviços comerciais e auxiliares «offshore» devem enviar ao IPIM o relatório e contas de cada exercício, acompanhado do correspondente relatório de auditoria”.
Ora, a impossibilidade de cumprir esta obrigação, juntamente com a confissão da própria Recorrente no sentido de que “… muita da documentação de suporte do exercício da actividade da Recorrente parece conter informações incorrectas ou imprecisas” e “… há indícios sérios que apontam para a existência de irregularidades e incorrecções na documentação e nos registos da actividade da mesma, anteriores a 26 de Julho de 2013” (cfr. artºs 27º e 28º da p.i.), evidenciam que a Recorrente não dispõe uma contabilidade organizada.
Segundo as Normas Sucintas de Relato Financeiro, aprovadas pelo RA nº 25/2005, a conta de exercício é um elemento indispensável da conta organizada, por fazer parte da Componentes das Demonstrações Financeiras.
Por outro lado, a própria Recorrente admite a existência de irregularidades e incorrecções na documentação e nos registos, pelo que ainda que haja contabilidade, não é uma contabilidade organizada que satisfaz os requisitos legalmente exigidos nos termos supra transcritos.
Aliás, mesmo em sede do presente recurso contencioso, a Recorrente não logrou de apresentar qualquer conta organizada em conformidade com os princípios contabilísticos previstos nas Normas Sucintas de Relato Financeiro, aprovadas pelo RA nº 25/2005.
Quanto à questão da inexistência da culpa para o incumprimento do referido dever (dispor uma contabilidade organizada) suscitada pela Recorrente, cumpre-nos dizer que se trata duma falsa questão, já que como pessoa colectiva, a sua actuação é sempre realizada através dos seus órgãos sociais, nomeadamente pelo órgão de administração. Nesta conformidade, nunca pode dizer que não tem culpa no incumprimento do referido dever legal por causa da má actuação/gestão da administração anterior.
Improcede, assim, este argumento do recurso.
2. Da violação dos princípios da prossecução do interesse público, da adequação e da proporcionalidade
Dispõe a al. e) do nº 1 do artº 42º do DL 58/99/M que:
Artigo 42.º
(Revogação da autorização)
   1. A autorização para o funcionamento de instituições de gestão fiduciária «offshore» é revogada sempre que se verifique:
   ...
   e) A inexistência de contabilidade organizada;
Trata-se dum poder vinculado, isto é, uma vez verificado o respectivo pressuposto, a Administração tem de revogar a autorização concedida.
Sendo o poder vinculado, não há violação dos princípios alegados.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, confirmando o acto recorrido.
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Custas pela Recorrente com 8 UC taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 21 de Abril de 2016.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
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202/2014