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Processo nº 253/2016 Data: 21.04.2016
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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Processo nº 253/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Macau, (E.P.M.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida a violação do disposto no art. 56°, n.° 1 do C.P.M.; (cfr., fls. 79 a 83 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público, pronunciando-se no sentido de se dever negar provimento ao recurso; (cfr., fls. 85 a 86-v).

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Nesta Instância, juntou o Exm° Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Inconformado com a denegação da liberdade condicional por ocasião dos 2/3 do cumprimento de pena, recorre o arguido A do respectivo despacho, datado de 4 de Fevereiro de 2016.
Na sua alegação de recurso assevera que, ao contrário do juízo inerente à decisão, estavam preenchidos os requisitos substanciais legalmente exigidos para a concessão da liberdade condicional, pelo que, ao assim não considerar, o despacho recorrido violou a norma do artigo 56.° do Código Penal.
Vejamos.
A liberdade condicional visa preparar, de forma controlada, o regresso do recluso ao seio da comunidade. Intentando acautelar e compatibilizar simultaneamente o interesse do recluso e da comunidade, o instituto é propício a situações de tensão dialéctica, cujo compromisso de equilíbrio residirá na perfeição dos pressupostos exigidos no artigo 56.° do Código Penal.
Conforme jurisprudência dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau, que se crê pacífica, a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, não pondo em causa a defesa da ordem jurídica e paz social, sendo que o requisito material exigido pela alínea b) do n.° 1 do artigo 56.° do Código Penal tem a ver com as considerações de prevenção geral do crime sob a forma de exigência mínima irrenunciável da preservação e defesa da ordem jurídica – v. g., acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, de 09.09.2004 e de 03.07.2008, proferidos nos processos 214/2004 e 378/2008, respectivamente, e citados por Leal-Henriques em anotação “Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau”.
No caso vertente, estamos em crer que se suscitam ainda dúvidas em sede de prevenção especial.
Posto que ao arguido apenas seja conhecida a condenação pela qual agora cumpre pena de prisão, o Estabelecimento Prisional assinala-lhe um modo de vida passado que revela sinais de ligação a redes marginais. Apesar de não haver provocado problemas na prisão, o que é bom, não tem aproveitado o tempo para se valorizar, interiorizando e iniciando-se na prática de actividades compatíveis com uma normal vivência no exterior, apenas tendo episodicamente participado num curso de formação. Acresce que o recluso não pagou ainda as custas do processo, postura que o revela avesso ao ressarcimento dos danos e custos ocasionados com a sua conduta anti-social e que está, aliás na linha da negação dos factos e da recusa em assumir as responsabilidades que neles teve.
Depois, não podemos esquecer a questão da prevenção geral. Prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
O tipo de ilícito que levou à condenação, cometido numa região onde a economia é dominada pelo jogo e onde os meios de pagamento electrónico têm ampla utilização, acarreta impacto e consequências imediatos ao nível da fiducia, cuja preservação é essencial ao bom funcionamento do modelo económico de Macau. Neste contexto, a libertação condicional do condenado, quando falta cumprir mais de um ano dos quatro de prisão que lhe foram aplicados, pode colocar em causa as finalidades de prevenção positiva que devem ser salvaguardadas na concessão da liberdade condicional.
Impõe-se, pois, concluir que a decisão recorrida efectuou uma correcta ponderação dos aspectos substanciais a considerar na concessão da liberdade condicional, em consonância com os comandos do artigo 56.° do Código Penal, pelo que deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 130 a 131).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.M. em 06.06.2013, para cumprimento de uma pena de 4 anos de prisão em que foi condenado pela prática de crimes de “passagem de moeda falsa”;
– em 04.02.2016, cumpriu dois terços de tal pena, expiando toda a pena em 04.06.2017;
– em caso de vir a ser libertado, irá viver em HONG KONG, de onde é natural.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão os pressupostos do art. 56°, n° 1 do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
   2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
   3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr., n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e ponderando no tempo de reclusão que o ora recorrente já cumpriu, preenchidos estão os ditos “pressupostos formais”.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.02.2016, Proc. n.° 80/2016 e de 10.03.2016, Proc. n.° 162/2016).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Com efeito, demonstram os autos, (a factualidade dada como provada em sede do julgamento efectuado), que o ora recorrente, agindo em conformidade com um plano préviamente traçado e em conjugação de esforços com outros indivíduos, introduziu-se, como turista, em Macau, para aqui levar a cabo a prática do crime pelo qual acabou punido na pena que ora cumpre.

Nesta conformidade, atento o tipo e modus operandi do crime pelo ora recorrente cometido, tendo igualmente presente, a pena fixada, a expiada, o período da pena que falta cumprir e as necessidades de prevenção criminal especialmente sentida em relação a este tipo de criminalidade, cremos pois que, pelo menos, por ora, importa ainda acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).

Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$2.000,00.

Macau, aos 21 de Abril de 2016
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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