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Processo n.º 10/2016. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrida: Secretária para a Administração e Justiça.
Assunto: Impugnação das questões decididas.
Data da Sessão: 25 de Maio de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
Se, num recurso jurisdicional de decisão do Tribunal de Segunda Instância (TSI), proferida em recurso contencioso, o recorrente (destes dois recursos) se limita a repetir a argumentação utilizada no recurso contencioso, não impugnando os fundamentos utilizados pelo acórdão do TSI para (i) não conhecer de questão colocada pelo recorrente e (ii) para julgar improcedente o recurso contencioso, a decisão do recurso jurisdicional limita-se a negar provimento a este recurso, sem necessidade de conhecer do mérito da argumentação utilizada.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 14 de Janeiro de 2015, da Secretária para a Administração e Justiça que, negando provimento a recurso hierárquico, manteve a decisão do Director da Direcção dos Serviços de Identificação, que indeferiu o seu pedido de emissão de bilhete de identidade de residente da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM).
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 22 de Outubro de 2015, negou provimento ao recurso.
Inconformado, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), alegando que:
- O Recorrente é um cidadão de nacionalidade chinesa, ao qual deve ser aplicado o preceituado precisamente na alínea 1) do artigo 24.º da Lei Básica e, por isso, o acto recorrido viola um direito fundamental - o direito à residência permanente - pois que o Recorrente é um cidadão chinês, com todos os direitos (bem como os deveres) de qualquer outro cidadão de nacionalidade chinesa nascido na Região.
- Subsidiariamente, considerando que o Recorrente é, de facto e de direito, um nacional chinês, nascido em Macau, filho de pais chineses residentes permanentes, que à data do seu nascimento já eram residentes permanentes, existe a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo o acto nulo, perante o disposto no artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1 - O Tribunal Judicial de Base de Macau, em 30 de Maio de 2014, nos termos conjugados dos artigos 159º, do Decreto-Lei n.º 65/99/M, de 25 de Outubro, 1825º e 1826º do Código Civil de Macau, decretou a adopção do menor A, nascido em Macau no dia XX de X de 200X, pelos residentes permanentes da RAEM, B e sua mulher C.
2 - No âmbito dos autos que correram termos pelo Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial de Base, sob o número FM1-14-039-MPS, ficaram provados, entre outros, os seguintes factos:
a) O menor A nasceu em Macau no dia XX/XX/200X, tendo como mãe D, de nacionalidade filipina, e sendo desconhecida a sua paternidade;
b) Actualmente o menor tem 5 anos e 4 meses, e, desde o seu nascimento nunca teve o acompanhamento do pai (desconhecido);
c) A Sra. D (mãe biológica do Menor), perante o Tribunal, no processo que correu termos sob o n.º CV1-10-0023-MPS, deu o consentimento prévio para adopção do Menor A1;
d) A Requerente tem 43 anos e o Requerente tem 44 anos, ambos são residentes permanentes da R.A.E.M. e casaram em Macau no dia 15 de Junho de 2005;
3 - Em 10/07/2014, a mãe adoptiva do interessado requereu junto da DSI a emissão do bilhete de identidade de residente permanente a favor do menor A, tendo para o efeito apresentado a respectiva certidão da adopção emitida pelo Tribunal Judicial de Base da RAEM.
4 – Pela mãe biológica, que não tinha o estatuto de residente permanente no momento do nascimento do filho, foi posto ao menor o nome de A1.
5 - Na sequência da adopção, o menor passou a chamar-se A e adquiriu a nacionalidade chinesa.
6 - A DSI notificou, em 15 de Agosto de 2014, os pais do menor para uma audiência escrita invocando que de acordo com o artigo 6.º da Lei 8/1999, as relações adoptivas não se incluem no preceito da norma, citando-se a posição que foi assumida pela 2.ª Comissão de Trabalho que se encarregou da apreciação da Proposta de Lei sobre residente permanente e direito de residência da RAEM, no Parecer n.º 3, com a respectiva citação do ponto 4., IV, ou seja, “Propõe-se a eliminação da alínea 3) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6., uma vez que, de acordo com o n.º 2 do artigo 24.º da Lei Básica e com o parecer da Comissão Preparatória sobre este artigo, no que respeita a atribuição do estatuto de residentes permanente aos filhos dos residentes permanentes, os termos utilizados são “nascidos em Macau” e “nascidos fora de Macau”. A intenção legislativa é muito clara: só os filhos naturais do residente permanente podem adquirir o estatuto de residente permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, já tinha adquirido esse estatuto, não abrangendo aqueles que, por meio da adopção, adquirem uma relação de filiação, nos termos desta lei”.
7 - Os pais do menor apresentaram a referida audiência escrita em 1 de Setembro de 2014.
8 - Em 11 de Outubro de 2014 foram os pais do menor notificados da decisão exarada pela DSI que entendeu que o menor A “não tem estatuto de residente permanente de Macau, pois não é aplicável aos adoptados o prescrito no artigo 24.º da Lei Básica e na Lei 8/1999, e o requerente não reúne as condições previstas no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999”, tendo sido recusada a emissão de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM.
9 - Em 10/11/2014 os pais do menor apresentaram junto do Gabinete da Exma. Sra. Secretária para a Administração e Justiça o recurso hierárquico necessário.
10 – Foi emitido o seguinte Parecer n.º XX/GAD/2014:
«Em referência ao recurso hierárquico necessário à Secretária para a Administração e Justiça interposto pelo advogado constituído pelos pais do menor A (adiante designado por interessado), contra a decisão desta Direcção de Serviços, que recusou emitir ao interessado o Bilhete de Identidade de Residente (BIR) da RAEM, cumpre-me prestar o seguinte parecer, nos termos do artigo 159.º do Código do Procedimento Administrativo:
I. APRESENTAÇÃO DE FACTOS
1. O interessado, A, cujo nome originário é A1, natural de Macau, nascido em XX.XX.200X, titular da Certidão de Narrativa de Registo de Nascimento (registo n.º XXX/2009/RC – emitida pela Conservatória do Registo Civil, da qual consta que o interessado é filho de B e de C (titulares do BI de Residente Permanente da RAEM n.º XXXXXXX(X) e XXXXXXX(X).)
2. Em 10.07.2014, a mãe do interessado veio requerer perante esta Direcção de Serviços a emissão de BI de Residente Permanente da RAEM a favor do interessado e juntou ao requerimento a Certidão de Narrativa de Registo de Nascimento acima referida e a sentença de adopção.
3. A filiação entre o interessado e B e C (adiante designado por adoptantes) foi estabelecida por efeito de adopção.
4. A sentença mostra que o interessado é filho natural de D e nada indica a respeito do pai biológico. Recorridos os registos existentes nesta Direcção de Serviços, não tinha encontrado registo de identificação de residente de Macau respeitante à Sra. D, ou seja, ela não é residente de Macau.
5. Nos termos da lei, o interessado não tem estatuto de residente de Macau porque à data do seu nascimento a mãe natural não era residente de Macau, pelo que os adoptantes foram notificados (por ofício da DSI n.º XXXX/DIR/2014, de 21.07.2014) de que ao interessado não será emitido o BIR da RAEM e da realização de audiência escrita.
6. E no mesmo dia da emissão do referido ofício, esta Direcção de Serviços, por meio de Ofício n.º XXXX/DIR/2014, informou o Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) da intenção do indeferimento do requerimento da emissão do BIR de Macau a favor do interessado, pelo facto de o mesmo não deter a qualidade de residente de Macau, e informou ainda da necessidade de o interessado dirigir-se ao Serviço de Migração da CPSP para formular o pedido da concessão de autorização de residência.
7. O advogado dos adoptantes, na carta dirigida a esta Direcção de Serviços, com data de entrada na DSI a 04.08.2014, alegou que o interessado adquiriu a situação de filho dos adoptantes pela adopção e por esta razão deve ter estatuto de residente permanente de Macau.
8. Em resposta ao teor da referida carta, esta Direcção de Serviços tinha esclarecido detalhadamente, através do nosso Ofício n.º XXX/GAD/2014, de 12.08.2014, que a Lei Básica e da Lei n.º 8/1999 não são aplicáveis a filhos adoptados.
9. Nas alegações escritas apresentadas pelo advogado dos adoptantes em 02.09.2014, afirmou que a relação de filiação entre o interessado e os adoptantes foi estabelecida por efeito de adopção, decretada por sentença judicial transitada em julgado, extinguindo-se a relação de filiação entre o interessado e os seus pais biológicos. E solicitou ainda que deve ser emitido o BI de Residente Permanente da RAEM ao interessado pelos seguintes motivos:
- A Lei Básica da RAEM no seu artigo 24.º, parágrafo segundo, não distingue entre filho natural e filho adoptado quanto à aquisição do estatuto de residente permanente de Macau, assim sendo, devem ser abrangidos os filhos adoptados;
- O tratamento diferenciado face à adopção constitui discriminação, o que viola o disposto no artigo 25.º da Lei Básica da RAEM e o previsto no Código Civil no que respeita à adopção.
10. Das alegações do advogado, ainda não tem provado que o interessado reúne as condições para aquisição do BI de Residente Permanente da RAEM, pelo que por decisão da DSI, de 07.10.2014, foi indeferido o requerimento, desta decisão foi notificado o advogado por meio de ofício n.º XXX/GAD/2014, datado de 07.10.2014, tendo o advogado recebido o Ofício em 11.10.2014.
II. DO DIREITO
1. A Lei Básica da RAEM, no seu artigo 24.º, define que:
“Os residentes da Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente denominados como residentes de Macau, abrangem os residentes permanentes e os residentes não permanentes.
São residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, bem como os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e os seus filhos de nacionalidade chinesa nascidos fora de Macau, depois de aqueles se terem tornado residentes permanentes;
3) Os portugueses nascidos em Macau que aí tenham o seu domicílio permanente antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau;
4) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
5) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau, e aí tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 5), com idade inferior a 18 anos, nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau.
As pessoas acima referidas têm direito à residência na Região Administrativa Especial de Macau e à titularidade do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da Região Administrativa Especial de Macau.” (o sublinhado é nosso)
2. Para efeitos da aplicação do disposto no parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica da RAEM, a Comissão Preparatória da Região Administrativa Especial de Macau da Assembleia Popular Nacional emitiu o seguinte parecer:
“2. Os cidadãos chineses ou portugueses, nascidos em Macau, respectivamente referidos nas alíneas 1) e 3) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, são considerados residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, se os pais, ou só um deles, à data do seu nascimento residiam legalmente em Macau, salvo aqueles que tenham preenchido um dos requisitos referidos no ponto n.º 1 do presente parecer.
3. Os filhos dos residentes permanentes, de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, referidos nas alíneas 1) e 2) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, são aqueles cujos pais, ou só um deles, à data do seu nascimento, tenham adquirido a qualidade de residente permanente definida na Lei Básica, sujeitando-se ainda aqueles ao cumprimento das respectivas formalidades nos termos da lei quando pretenderem fixar residência na Região Administrativa Especial de Macau.
4. …
5. Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 6) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica, em que à data do nascimento, os pais ou, só um deles satisfaziam o disposto na Lei Básica sobre residência permanente, podem ser admitidos como residentes permanentes da Região Administrativa Especial de Macau, depois de completarem 18 anos de idade, desde que reúnam os requisitos definidos na alínea 5) do parágrafo segundo do artigo 24.º da Lei Básica. “ (o sublinhado é nosso)
3. A Lei n.º 8/1999 da RAEM (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau), aprovada em 20 de Dezembro de 1999 e iniciada a sua vigência nesta mesma data, foi estabelecida em conformidade com o parecer supracitado. O Parecer n.º 3 da 2.ª Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa em relação à proposta da “Lei sobre residente permanente e direito de residência da Região Administrativa Especial de Macau” (n.º 4, ponto iv.) tinha esclarecido claramente que: “de acordo com o n.º 2 do artigo 24.º da Lei Básica e com o parecer da Comissão Preparatória sobre esse artigo, no que respeita a atribuição do estatuto de residente permanente aos filhos de residentes permanentes, os termos utilizados são «nascidos em Macau» e «nascidos fora de Macau». A intenção legislativa é muito clara: só os filhos naturais de residente permanente podem adquirir o estatuto de residente permanente, se o pai ou a mãe, à data de nascimento, já tinha adquirido esse estatuto, não abrangendo aqueles que, por meio de adopção; adquirirem uma relação de filiação, nos termos da lei.” (o sublinhado é nosso).
4. A Lei n.º 8/1999 (Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência na Região Administrativa Especial de Macau), no seu artigo 1.º, prevê o seguinte:
1. São residentes permanentes da, Região Administrativa Especial de Macau, abreviadamente designada por RAEM:
1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;
3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);
4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);
7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;
8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;
10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9). (o sublinhado é nosso)
5. No respeito às opiniões de diferentes académicos, esta Direcção de Serviços não se conforma com o mandatário do interessado quando diz que estar de acordo com o trabalho interpretativo desenvolvido pela Dra. Teresa Leong, Juíza do Tribunal Judicial de Base, publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, sob o título “A qualidade de filho de residente permanente na RAEM”, no qual se sustenta que o artigo 24.º da Lei Básica se aplica também a adoptados.
6. No entanto, está determinado no artigo 8.º do Código Civil (Interpretação da lei) que:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
7. Do referido artigo do Código Civil resulta que a interpretação da lei deve ser feita com o sentido correspondente à letra da lei e o intérprete deve presumir que o legislador sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados. Esta Direcção de Serviços entende que é muito clara a letra do artigo 24.º da Lei Básica e do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, sem qualquer obscuridade. O legislador usou as expressões “nascidos em Macau” e “nascidos fora de Macau” para realçar o momento de nascimento do indivíduo, o que nos permite perceber que se pretende expressar a filiação natural.
8. Se interpretasse extensivamente as expressões “nascidos em Macau” e “nascidos fora de Macau” para “adoptados em Macau”, o tempo “à data de nascimento” seria extensiva a “depois do nascimento”, o que não corresponde à ideia original do legislador e à letra da lei, nem às regras para a interpretação da lei a que aludem o artigo 8.º do Código Civil.
9. À luz das regras para a interpretação da lei, na aplicação da lei, o operador de direito deve, em primeiro lugar; chegar ao sentido do articulado directamente pela letra da lei, e na dúvida sobre o real sentido, então há que ir ao encontro dos pareceres e do conteúdo do debate da Assembleia Legislativa para conhecer melhor o contexto legislativo e o factor histórico na elaboração da lei, examinando o pensamento legislativo do legislador.
10. Mesmo que se tome a fazer o exame profundo do pensamento legislativo da Lei n.º 8/1999, tal como acima referido, o Parecer n.º 3 elaborada pela 2.ª Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa em relação à proposta da “Lei sobre residente permanente e direito de residência da Região Administrativa Especial de Macau” já ofereceu uma resposta clara à questão em causa; além disso, a Extracção Parcial do Plenário de 13 de Dezembro de 1999 da Assembleia Legislativa esclareceu de forma clara que “Em relação ao artigo sexto a Comissão na apreciação que fez da matéria, achou que na definição de filiação não deveriam ser incluídos os casos de adopção; por considerar que a lei vigente de Macau já trata dessas situações. Assim, sugere a eliminação da alínea 3 do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 6.º”
11. A conjugação da “naturalidade” com a “ascendência” é o princípio adoptado pelo artigo 24.º da Lei Básica e pelo artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 para a determinação da qualidade de residente permanente, é de referir que os filhos adquirem a qualidade de residente de origem mediante a identidade dos pais biológicos, e este é o critério aplicado a nível internacional, o mesmo aplica-se aos filhos adoptados, cuja qualidade de residente de origem também se adquire em conformidade com a identidade dos pais biológicos, sendo, por isso, que na verificação de quem tem ou não estatuto de residente permanente de Macau, o legislador só vai ponderar as condições do indivíduo em causa e dos seus filhos biológicos nascidos depois de o pai ou a mãe ter adquirido o estatuto de residente permanente de Macau, não sendo necessário de considerar as circunstâncias em relação a filhos adoptados.
12. Relativamente à aplicação ou não do artigo 24.º da Lei Básica e artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 aos filhos adoptados, com a letra da lei, o parecer e a extracção parcial acima aludidos, compreende-se que o pensamento legislativo do legislador fosse de não se aplicar a filhos adoptados.
13. Embora a lei confira aos filhos adoptados e biológicos o mesmo estatuto, este estatuto se refere apenas aos efeitos da filiação, ou seja, a obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos e o exercício do poder paternal. O facto de o adoptado não poder adquirir o estatuto de residente permanente nos termos do diploma legal do local de residência do adoptante em nada afecta os efeitos da filiação, afasta-se, portanto, a existência da violação do disposto no Código Civil.
14. Resumidamente, a letra do preceituado no artigo 24.º da Lei Básica e no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 é muito clara, a letra e o sentido da lei expressaram de forma clara e correcta o pensamento legislativo do legislador. Ademais, a 2.ª Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa esclareceu expressamente no seu Parecer n.º 3 e no Extracto Parcial do Plenário de 13 de Dezembro de 1999 da Assembleia Legislativa que a Lei n.º 8/1999 só abrange a filiação natural e não comporta o sentido que engloba também a filiação adoptiva.
15. No caso vertente, não sendo a mãe natural, D, residente de Macau, à data de nascimento do interessado e desconhecendo qualquer informação a respeito do pai natural do mesmo, este não tem estatuto de residente permanente de Macau por não reunir o previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, sendo, por isso, que não lhe foi emitido o Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM nos termos da lei.
16. É de acrescentar que, desde sempre, se o adoptante pretender que o seu filho adoptado residir em Macau, independentemente do adoptado nascido ou não em Macau, o adoptante terá de requerer perante o Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública a autorização de residência, após autorizada a residência pode requerer perante esta Direcção de Serviços a emissão do Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente da RAEM.
III. PROPOSTA
Face ao acima exposto, tendo em consideração que o artigo 24.º da Lei Básica da RAEM e o artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 não se aplicam a filhos adoptados e que os pais naturais do interessado não são residentes de Macau à data do seu nascimento, não se pode atribuir-lhe a qualidade de residente permanente de Macau sem ter demonstrado o preenchimento do previsto no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, pelo que vem, mui respeitosamente, propor a V Ex.ª que seja mantida a decisão da DSI que indeferiu a emissão do BIR da RAEM a favor do interessado.»
11 – Em 7/01/2015 foi prestada a seguinte Informação nº X/GAD/2015:
«Assunto: Recursos hierárquicos de E, B e C
Informação N.º X/GAD/2015
Data: 07/01/2015
Exmª Srª Secretária para a Administração e Justiça
Relativamente aos dois casos sobre o pedido de emissão de bilhete de identidade de residente permanente aos filhos adoptivos, este Direcção de Serviços tinha submetido a V.Exa dois pareceres sob nºs XX/GAD/2014 (Anexo 3) e XX/GAD/2014 (Anexo 4), em 20/11/2014 e 27/11/2014, respectivamente. Em 26/12/2014, recebemos os pareces sobre os casos, emitidos pelos assessores do gabinete de V.Exa, Dr. G e Drª H, em que exigiram que fossem tomadas diligências complementares. Para tal fim, apresentamos os respectivos dados e parecer complementar sobre os casos:
1. Analisados os pareceres emitidos pelos referidos assessores, este Direcção de Serviço mantém o ponto de vista tomado nos Pareceres nºs XX/GAD/2014 e XX/GAD/2014. No nosso entendimento, a letra do preceituado no artigo 24.º da Lei Básica e no artigo 1.º da Lei n.º 8/1999 é muito clara, a letra e o sentido da lei expressaram de forma clara e correcta o pensamento legislativo do legislador. Ademais, a 2.ª Comissão de Trabalho da Assembleia Legislativa esclareceu expressamente no seu Parecer n.º 3 e no Extracto Parcial do Plenário de 13 de Dezembro de 1999 da Assembleia Legislativa que a Lei n.º 8/1999 só abrange a filiação natural e não comporta o sentido que engloba também a filiação adoptiva.
2. De facto, o Tribunal de Última Instância de Hong Kong já proferiu em 2001 a decisão quanto à questão “os filhos dos residentes permanentes de Hong Kong indicados no artº 24º da Lei Básica abrangem, ou não, os filhos adoptivos (cfr. o Anexo 6: Sentença proferida pelo Tribunal de Última Instância de Hong Kong nos recursos civis nºs 20 e 21/2000), da qual extraímos o seguinte excerto:
“Analisados o objectivo e contexto do artº 24º, nº 2, al. 3), encontra-se nesta cláusula a expressão “nascido de…” Essa expressão é obscura? Aparentemente, essa expressão indica filhos naturais, não se pode interpretar que são incluídos também os filhos adoptivos….”
“Tal interpretação é sustentada pelas “disposições relativas ao tempo de nascimento”, segundo as quais: o pai ou a mãe do interessado deve ser residente permanente que tenha reunido o requisito previsto no artº 24º, nº 2, als. 1) ou no artº 24º, nº 2, al. 2) à data do seu nascimento, Esta norma centra-se no tempo de nascimento, o que manifesta que o tipo de filiação indicado aqui é filiação natural e não adoptiva. Caso se considere a presente causa a partir do fundamento principal invocado pelo recorrente, ou seja, considera-se o tempo da adopção e não o do nascimento, isto será como substituir a norma anterior por outra que é substancialmente diferente. Caso se considere a data do nascimento do interessado, fundamento alternativo que foi aduzido pelo recorrente, mas se centra na qualidade dos pais adoptivos, entendemos ser inadequada esta forma, porquanto não existia, naquela altura, qualquer relação entre o interessado e os pais adoptivos, mas sim entre o mesmo e os seus pais naturais.”
4. Da referida sentença, verifica-se que o Tribunal de Última Instância de Hong Kong afirma que a expressão “nascido de...” utilizada no artº 24º da Lei Básica deve, aparentemente, ser interpretada como “nascido naturalmente de”. Os adoptados não são filhos biológicos dos residentes permanentes de Hong Kong, não tendo, portanto, o direito de residência.
5. É de salientar que embora a lei confira aos filhos adoptados e biológicos o mesmo estatuto, este estatuto se refere apenas aos efeitos da filiação, ou seja, a obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos e o exercício do poder paternal. O facto de o adoptado não poder adquirir o estatuto de residente permanente nos termos do diploma legal do local de residência do adoptante em nada afecta os efeitos da filiação. Ademais, os adoptados (no estrangeiro ou na China) podem pedir a fixação de residência em Macau por motivo de reunião familiar e, após terem residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, podem requerer nos termos da lei o bilhete de identidade de residente permanente de Macau. Pelo exposto, esta Direcção de Serviços concorda com o parecer do assessor G. Embora o regime jurídico de Macau e as convenções internacionais vigentes na Região tenham estabelecido bons regimes de adopção, não se pode entender, por isso, que a qualidade de filho adoptivo corresponde inteiramente à de filho natural dos residentes permanentes de Macau definidos na Lei Básica e Lei nº 8/1999.
À consideração superior.».
12 – Em 14/01/2015 a Secretária para a Administração e Justiça despachou:
«1. Concordo com as análises feitas e fundamentos invocados nas In. Nºs XX/GAD/2014, XX/GAD/2014 da DSI e no presente parecer, indeferindo o recurso hierárquico e mantendo a decisão do referido serviço.
2. A DSI notifique os recorrentes.»
É este o acto recorrido.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Trata-se de saber se o recorrente impugnou o que foi efectivamente decidido pelo acórdão recorrido.

2. Impugnação das questões decididas pelo acórdão do TSI
O recorrente não parece ter interpretado devidamente o acórdão recorrido, limitando-se a repetir o que disse na petição inicial e alegações facultativas do recurso contencioso, mas não impugnando o que decidiu o acórdão recorrido e da forma que o fez.
O recorrente continua a repetir que a alínea 1) do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, viola o artigo 24.º da Lei Básica, ao exigir que os filhos de cidadãos chineses tenham nacionalidade chinesa no momento do seu nascimento para poderem ter o estatuto de residentes permanentes de Macau.
Acontece que o acórdão recorrido, a propósito desta alegação, disse que o recorrente apenas suscitou o vício nas alegações facultativas e não na petição inicial, violando assim o disposto no artigo 68.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
O recorrente não impugnou esta decisão, repetindo apenas a alegação do vício em questão, pelo que não se conhece do mesmo vício.
O recorrente também continua a repetir que, para efeitos do disposto no artigo 24.º da Lei Básica, alínea 1), também os adoptados são filhos dos cidadãos chineses.
Mas o acórdão recorrido não contradiz esta tese do recorrente. Não tomou posição sobre ela. O que entendeu foi que:
“Dito de outra maneira, o que ali está prevista [o acórdão recorrido refere-se às alíneas 1) e 2) da Lei Básica] é a atribuição abstracta do direito aos filhos dos cidadãos chineses que, em virtude dessa relação de filiação, tenham a nacionalidade chinesa no momento do seu nascimento.
Isto reforça a ideia, que para nós é suficiente clara, de que há na «mens legis» uma intenção de proteger apenas aqueles que sejam filhos dos cidadãos chineses no momento do nascimento; ou seja, a filiação relevante é aquela que se reporta ao momento do nascimento”.
Isto é, o acórdão recorrido decidiu que o recorrente não tinha direito a adquirir o estatuto de residente permanente por não ter a nacionalidade chinesa no momento do seu nascimento. Não foi por ser adoptado. Ou seja, o acórdão recorrido não decidiu contra o recorrente por não ser filho biológico dos cidadãos chineses em causa que o adoptaram.
Ora o recorrente não impugna esta fundamentação, pelo que o recurso está condenado ao insucesso.
Aliás, o acórdão recorrido até acrescentou que a alínea 1) do artigo 24.º da Lei Básica não faz distinção entre filhos biológicos e adoptados, o que mereceu a discordância de um dos Ex.mos Juízes-Adjuntos e a reserva de outro destes.
Ou seja, o recorrente combate o acórdão recorrido por algo que ele não decidiu. E não combate o mesmo acórdão pelo que este decidiu.
Deste modo, também a tese do recorrente (de que sendo ele de facto e de direito, um nacional chinês, nascido em Macau, filho de pais chineses residentes permanentes, que à data do seu nascimento já eram residentes permanentes, existe a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, sendo o acto nulo, perante o disposto no artigo 122.° do Código do Procedimento Administrativo) não pode proceder, porque o acórdão recorrido defende que o recorrente não tinha direito a adquirir o estatuto de residente permanente, por não ter a nacionalidade chinesa no momento do seu nascimento. E o recorrente nada argumenta quanto a esta questão.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC.
Macau, 25 de Maio de 2016.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa



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Processo n.º 10/2016

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Processo n.º 10/2016