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Proc. nº 194/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Abril de 2016
Descritores:
-Acidente de Trabalho
-Forma de cálculo de indemnização
-Retribuição-base diária

SUMÁRIO:

I. O nº3 do art. 54º do DL nº 40/95/M contém a imposição – para os casos de trabalhadores que auferem um salário determinado em função do período de trabalho efectivamente prestado, do rendimento ou da quantidade de obra produzida – da retribuição-base diária a considerar no cálculo da indemnização. Retribuição-base que, nas hipóteses legais ali configuradas, deve ser obtida através da divisão do total das quantias auferidas nos últimos três meses pelo numero de dias de trabalho prestado nesse período, ou em período inferior, se a relação de trabalho tiver menor duração.

II. Trata-se de um preceito que apenas se justifica como modo de apurar o valor da “retribuição–base” diária, quando ela não é fixada no contrato, e quando é simplesmente acordado o valor da remuneração global pela tarefa, pelo serviço a prestar num determinado período de três meses ou menos (ou, então, quando é acordado o pagamento em razão do “rendimento” garantido pelo trabalhador ou pela “quantidade de obra produzida” por ele).

III. O período de três meses (ou menor, conforme os casos) referido no referido nº3 só releva dentro da relação de trabalho concretamente estabelecida entre a vítima (trabalhador) e o responsável pela indemnização (empregador), e não entre a vítima e todos os eventuais empregadores no período de três meses anteriores ao acidente ou à deflagração da doença profissional.











Proc. nº 194/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
Patrocinando oficiosamente o trabalhador A, residente de Macau (adiante designado por “autor” ou “recorrido”), o MP intentou a acção de processo especial do acidente de trabalho, contra B, residente de Macau (adiante designado por “réu” ou “recorrente”), junto do Juízo Laboral do TJB.
O réu, na contestação, pediu a intervenção provocada e citação de outro indivíduo como responsável na presente acção, com fundamento de que o acidente do autor fora devido a instrução desse indivíduo empregado pelo réu, nos termos do art.º 68.º n.º 2 do Código de Processo do Trabalho.
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O tribunal a quo não admitiu o pedido apresentado pelo réu.
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O recorrente não se conformou com a decisão e interpôs recurso jurisdicional junto do TSI, que por acórdão de 5/03/2015, foi julgado improcedente.
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A seu tempo foi proferida sentença datada de 15/01/2016, que julgou procedente a acção e condenou o réu B a pagar ao autor A indemnização no valor total de MOP $ 590.954,06.
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É contra essa sentença que ora se insurge o réu da acção, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«a) O Tribunal a quo condenou o Recorrente ao pagamento de (i) 40,187.40MOP a título de despesas médicas, acrescida de juros, (ii) 141,266.66MOP a título de incapacidade temporária absoluta, e (iii) 409,500.00MOP a título de incapacidade permanente parcial, tudo ao Autor e pela responsabilidade no acidente ocorrido no dia 13 de Julho de 2010;
b) Nos termos do Processo de Apoio Judiciário n.º 2014-A-0004, o Recorrente reuniu as condições legais para a concessão de apoio judiciário integral, com a nomeação de patrono oficioso (e respectiva dispensa de pagamento de patrocínio judiciário), isenção de pagamento dos preparos e das custas;
c) O Recorrente combinou com a vítima o pagamento de uma remuneração diária no valor de MOP650.00 (seiscentas e cinquenta patacas);
d) O Recorrente não tem condições económicas para contratar um carpinteiro e pagar-lhe um salário líquido de cerca de MOP19,500.00 mensais (nos termos dos cálculos utilizados para o apuramento dos montantes mais bem descritos no n. 2 supra, parágrafos (ii) e (iii)), caso contrário decerto não reuniria as condições necessárias à atribuição de apoio judiciário integral;
e) O Tribunal a quo considerou aplicável para fixação dos montantes indemnizatórios relativos à incapacidade temporária absoluta e à incapacidade permanente absoluta o disposto nos artigos 47.º, n.º 1, alíneas a) e c), e 54.º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 40/95/M;
f) Porém, o Tribunal a quo deu como provado que a vítima apenas trabalhou durante três dias,
g) Fazendo uma aplicação, presuntiva, das fórmulas gerais de fixação de montantes indemnizatórios apenas porque não resultou provado qual seria o período de trabalho que viria a ser efectivamente prestado caso não tivesse ocorrido o acidente;
h) Quando o método de cálculo para fixação dos montantes indemnizatórios dever-se-ia ter subsumir ao aludido artigo 54.º n.º 3 e não à referida conjugação geral dos artigos 47.º n.º 1, alíneas a) e c) e 54.º n.º 1;
i) o Tribunal a quo deveria ter mandado a vítima apresentar certidão da Direcção do Serviço de Finanças de Macau onde constassem as quantias por si auferidas nos três meses anteriores à data do acidente, sendo assim possível determinar o montante indemnizatório a atribuir, respeitando critérios legais de justiça e de razoabilidade, sem necessidade de se fazer uso de presunções judiciais.
Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser anulada a decisão recorrida ordenando a repetição do julgamento de modo a que se apurem os factos que comprovem o rendimento médio da vítima, ou pelo menos os factos que permitam então fazer a presunção judicial pretendida, cf. o artigo 629 do CPC.
Assim, mais uma vez, será feita a habitual JUSTIÇA!».
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O autor da acção respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. A fundamentação do recorrente, nomeadamente os pontos 4, 6, 7, 8, 11 a 14 da motivação do recurso, apenas pôs em causa a convicção formada do Tribunal a quo sobre o reconhecimento de factos através da apreciação de provas do presente caso.
B. O recorrente não cumpriu o ónus de impugnação nos termos do art.º 599.º do Código de Processo Civil, por remissão do art.º 115.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, nem preenche os requisitos da modificação da decisão de facto nos termos do art.º 629.º n.º 1 do mesmo Código.
C. A concessão de apoio judiciário do recorrente tem nada a ver com os factos controvertidos no caso, ademais, o acidente ocorreu em 13 de Julho de 2010, e o apoio judiciário foi concedido ao recorrente em 7 de Fevereiro de em 2014 (fls. 156 dos autos), assim, a capacidade económica do recorrente no momento da concessão de apoio judiciário não equivale à no momento da ocorrência do acidente.
D. In casu, não foi provado que o recorrido foi empregado como trabalhador temporário ou a curto prazo, nem a duração válida desta relação laboral, nem que o recorrido prestou serviços a favor do recorrente apenas por três dias.
E. Nos termos do art.º 20.º da Lei n.º 7/2008, o contrato de trabalho a termo, quer incerto quer certo, deve ser celebrado com prazo determinado de forma escrito ou motive justificativo termo estipulado, sob pena de considerar-se como contrato de trabalho sem termo nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
F. Com efeito, conforme os factos provados e nos termos do art.º 20.º da Lei n.º 7/2008, a relação laboral entre o recorrente e o recorrido enquadra-se no contrato de trabalho a termo incerto, ou seja, o salário diário do recorrido, no valor de MOP$650,00 considera-se como retribuição-base nesta relação laboral.
G. O recorrente aplicou erradamente o disposto no art.º 54.º n.º 3 do D.L. n.º 40/95/M.».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
- Desde Julho de 2010, o autor começou a trabalhar a favor do titular da Companhia de Obras de Decoração e Desenho XXXX, B. (A)
- Trabalhava como carpinteiro. (B)
- Com salário diário de MOP$650,00. (C)
- Trabalhava sob as ordens, direcção, instruções do empregador, B. (D)
- Em 13 de Julho de 2010, por volta das 15h00, o autor estava a dedicar-se à actividade de decoração na loja sita Edf. XXX, Avenida de XXX, R/C, XXX, sob a instrução do empregador. (E)
- O autor caiu por negligência do mezzanine para o chão, com altura de cerca de 3 metros, causando ferimentos. (F)
- Em seguida, o autor foi transportado imediatamente ao Hospital Conde de S. Januário. (G)
- O acidente de trabalho supracitado causou ao autor a fractura compreensiva das 1ª e 2a vértebras lombares e a fractura das partes superior e inferior do osso púbis esquerdo. (H)
- O acidente de trabalho supracitado e os ferimentos daí resultantes causaram ao autor a incapacidade temporária absoluta com duração de 326 dias, isto é, desde 14 de Julho de 2010 até 4 de Junho de 2011. (I)
- O autor nunca recebeu a indemnização por incapacidade temporária absoluta supracitada. (J)
- O autor nunca recebeu indemnização das despesas médicas resultantes deste acidente de trabalho, incluindo as despesas de internamento hospitalar no valor de MOP$34.268,00 e tratamento subsequente no valor de MOP$5.919,40, no total de MOP$40.187,40. (K)
- O autor tinha 56 anos de idade quanto sofreu de acidente. (L)
- O autor ainda não recebeu a indemnização por incapacidade permanente parcial até hoje. (M)
- A taxa de “incapacidade permanente parcial” do autor resultante de acidente de trabalho e de ferimentos era de 25%. (I-1)
- A redução da taxa de incapacidade permanente parcial do facto assente I-1 foi causada pelo acidente e ferimentos. (1º)
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III – O Direito
O objectivo único do presente recurso é reagir contra o método de cálculo para fixação dos montantes indemnizatórios utilizado na sentença recorrida.
O recorrente acha que a indemnização não podia fundar-se no disposto no art. 47º, nº1, als. a) e c) e 54º, nº 1, ambos do DL nº 40/95/M (que aprova o regime jurídico da reparação por danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais), mas sim no art. 54º, nº3 do diploma.
Este artigo 54º reza assim:
1. As indemnizações são calculadas:
a) A partir da retribuição-base auferida no dia do acidente, se esta representar a retribuição-base normalmente recebida pela vítima;
b) Tratando-se de reparação de doença profissional, com base na média das remunerações auferidas pelo trabalhador no ano anterior à cessação da exposição ao risco ou à data do diagnóstico definitivo e inequívoco da doença, se esta preceder aquela.
2. Para os trabalhadores que auferem um salário fixo por semana, por mês ou por ano, a retribuição-base diária corresponde, respectivamente, a 1/7, 1/30 ou 1/360 desse salário.
3. Para os trabalhadores que auferem um salário determinado em função do período de trabalho efectivamente prestado, do rendimento ou da quantidade de obra produzida, a retribuição-base diária, para os efeitos deste diploma, é obtida através da divisão do total das quantias auferidas nos últimos três meses pelo número de dias de trabalho prestado nesse período, ou em período inferior, se a relação de trabalho tiver menor duração.
4. Na falta dos elementos referidos no número anterior, o cálculo faz-se tomando por base a menor remuneração média diária auferida, em período idêntico, por um trabalhador da mesma entidade patronal, com igual categoria profissional e que desempenhe funções idênticas às da vítima.
5. Não havendo trabalhador nas condições previstas no número anterior, o cálculo faz-se tendo por referência um trabalhador, em idênticas circunstâncias, de outra entidade patronal do mesmo ramo de actividade.
6. Se a vítima for um aprendiz ou tirocinante, que não aufira remuneração, as indemnizações têm por base a retribuição média de um trabalhador da mesma entidade patronal, ou de outra similar, com categoria profissional correspondente à da vítima.
7. Se a vítima tiver menos de 18 anos de idade, as indemnizações têm por base a retribuição média de um trabalhador com idade igual ou superior a 18 anos, não qualificado, da mesma entidade patronal ou de outra similar, ou aquela que a vítima efectivamente receber, se for superior.
8. A retribuição-base mensal é igual à retribuição-base diária a multiplicar por trinta.
9. Para efeitos do disposto neste artigo, em nenhum caso a retribuição-base pode ser inferior à estabelecida em regulamento da empresa, convenção ou disposição legal aplicável.
E por que motivo o recorrente considera que seria este dispositivo (art. 54º, nº3) o aplicável à situação?
Porque:
1- É um profissional da construção civil com um pequeno negócio nessa área (art.4º das alegações do recurso);
2 - Apenas contrata um ou mais funcionários conforme o tipo, duração e complexidade das obras de empreitada o justifiquem (art. 14º das alegações do recurso);
3 - Contratou o autor da acção apenas com o propósito de o auxiliar na execução desta empreitada e pelo período por que esta durasse no máximo (art. 23º das alegações do recurso).
Ou seja, para o recorrente (réu da acção) o tribunal “a quo” haveria que ter ponderado estes factos na aplicação do art. 54º do DL nº 40/95/M, atentando em especial no disposto no nº3, que reflecte a situação concreta, e não no nº1.
Contudo, o que o nº3 contém é a imposição – para os casos de trabalhadores que auferem um salário determinado em função do período de trabalho efectivamente prestado, do rendimento ou da quantidade de obra produzida – da retribuição-base diária a considerar no cálculo da indemnização. Retribuição-base que, nas hipóteses legais ali configuradas, deve ser obtida através da divisão do total das quantias auferidas nos últimos três meses pelo numero de dias de trabalho prestado nesse período, ou em período inferior, se a relação de trabalho tiver menor duração. Trata-se de um preceito que apenas se justifica como modo de apurar o valor da “retribuição–base” diária, quando ela não é fixada no contrato e quando é simplesmente acordado o valor da remuneração global pela tarefa, pelo serviço a prestar num determinado período de três meses ou menos (ou, então, quando é acordado o pagamento em razão do “rendimento” garantido pelo trabalhador ou pela “quantidade de obra produzida” por ele).
Ora, nenhuma daquelas situações legalmente tipificadas replica aquela que emerge dos autos. Quer dizer, não importa no caso em apreço determinar qual a retribuição-base se, precisamente por alegadamente o recorrente achar que não iria necessitar da vítima por muito tempo, tendo em conta a duração da “empreitada”, acabou por lhe atribuir uma remuneração diária de MoP 650,00.
Afinal de contas, a retribuição diária foi estabelecida consensualmente entre as partes, pelo que não há qualquer razão (nem possibilidade legal, sequer) para a utilização do mecanismo do nº3, do art. 54º citado.
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O recorrente, entende, contudo, que o tribunal extraiu uma presunção judicial, em vez de ter mandado a vítima apresentar uma certidão da Direcção do Serviço de Finanças de Macau onde constassem as quantias por si auferidas nos três meses anteriores à data do acidente.
Está a pensar mal, com o devido respeito, por duas principais razões.
Em primeiro lugar, como já dissemos, o período de três meses referido na norma em apreço só é chamado à colação para a fattispecie ali tipificada. E nenhuma das situações ali prevista cobre a verificada nos autos.
Em segundo lugar, aquele período de três meses (ou menor, conforme os casos) só releva dentro da relação de trabalho concretamente estabelecida entre a vítima (trabalhador) e o responsável pela indemnização (empregador), e não entre a vítima e todos os eventuais empregadores no período de três meses anteriores ao acidente ou à deflagração da doença profissional.
Sendo assim, não interessa dizer que o trabalhador só prestou serviço durante três dias (o que, face aos factos provados, nem sequer é verdade: cfr. alíneas A) e E) dos factos assentes) ou que o tribunal “a quo” extraiu uma presunção judicial (o que também tampouco corresponde à verdade). O tribunal fez o exercício que lhe cumpria fazer, em função da retribuição base diária acordada entre A. e R.
Sendo assim, nada mais há a acrescentar, senão confirmar a decisão recorrida, porque outras questões não foram postas à consideração no presente recurso.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
TSI, 28 de Abril de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong






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