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Processo nº 838/2012
(Autos de Recurso Penal)

Data: 05 de Maio de 2016

ASSUNTO:
- Declaração de impedimento
- Nulidade

SUMÁRIO:
- Os fundamentos de impedimento do juiz no âmbito do processo penal estão previstos nos artºs 28º e 29º do CPPM
- As normas relativas aos impedimentos, tanto do CPCM como do CPPM, têm carácter excepcional na medida em que constituem uma excepção ao princípio da proibição do desforamento, pois o juiz, que em princípio seria competente para o conhecimento da causa, perde essa competência pela via de impedimento.
- Sendo normas excepcionais, não são susceptíveis de aplicação analógica – cfr. artº 10º do CCM.
- O legislador não quis impor impedimento a quem já tivesse tido, a todo e qualquer título ou circunstância, uma qualquer intervenção precedente no processo, pois, em sua opinião, tal seria levar longe demais o afastamento do magistrado e por razões que estariam longe de constituir obstáculo a um julgamento sério e isento.
- Uma declaração de impedimento fora da previsão legal, não deixa de constituir, no fundo, uma violação das regras de competência do tribunal, já que faz cessar ilegalmente a competência de um juiz que inicialmente detinha, implicando na prática um desforamento que a lei não admite.
- Nesta conformidade, é nula nos termos da al. e) do artº 106º do CPPM, por ofender as regras de competência do tribunal.
O Relator, por vencimento
Ho Wai Neng



Proc. nº 838/2012
(Autos de Recurso Penal)

Data: 05 de Maio de 2016
Recorrente: Associação de Piedade e de Beneficência A (Assistente)
Assunto: Nulidade dos despachos da declaração de impedido dos dois Mmºs Juízes do TSI

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I. Relatório 
O 1º Adjunto dos presentes autos suscitou, no visto, a eventual questão da nulidade, nos termos da al. e) do artº 106º do CPPM, das declarações de impedimento dos dois Mmºs. Juízes do TSI.
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Devidamente notificadas as partes e o Mº Pº, apenas o arguido B pronunciou-se sobre a questão em causa, pugnando pela inexistência da nulidade.
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Na conferência de 28/04/2016, a Mmª. Relatora dos autos ficou vencida na votação, pelo que passa o 1º Adjunto a elaborar o presente acórdão nos termos do nº 1 do artº 417º do CPPM.
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II. Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, considera-se provada a seguinte factualidade:
- Por despacho de 27/01/2016, o Mmº Dr. Choi Mou Pan declarou impedido nos seguintes termos:
“由於本案的標的涉及有關授權書的廢止及無效力的問題,而對此問題本人曾經在2004年3月4日的第8/2004號上訴案中作出審理,故依據《刑事訴訟法典》第4條準用的第311條第一款c)項(《民事訴訟法典》)的規定,並考慮為了避免先入為主的效果而影響公正裁判,宣告迴避參與本案的審理。”
- Por despacho de 17/02/2016, o Dr. Lai Kin Hong também declarou impedido com os mesmos fundamentos.
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III. Fundamentação
Sobre a questão de saber se é possível recorrer às regras do CPCM para o juíz se declarar impedido no processo penal, este TSI já tem oportunidade de se pronunciar no sentido negativo.
Pois, no Ac. de 07/04/2016, proferido no Proc. nº 874/2015, decidiu-se o seguinte:
   “…Não ignoramos que o TUI tem afirmado que “um juiz não pode suscitar ou proceder à impugnação de acto de outro juiz, invalidando o seu efeito, seja qual for a legalidade deste acto, mesmo com a invocação de interesse público ou um princípio de direito” (cfr. Acórdão de 26/07/2010, Proc. nº 32/2010).
   No entanto, reparamos que o referido Venerando Tribunal fez ressalva para a afirmação em causa, admitindo a sindicabilidade da mesma para os casos de recurso ou noutros poucos casos de reclamação legalmente previstos.
   Assim, cremos que a declaração de impedimento do juiz possa ser objecto de impugnação para os casos que constituem nulidade e em certos casos até é admissível o recurso ordinário.
   Sobre esta última questão e em homenagem ao estudo do direito comparado, citamos a doutrina de Portugal no âmbito de preceito idêntico do respectivo CPP.
   Para Sima Santos e Leal Henrique, o disposto no nº 1 do artº 42º do CPP “deve ser interpretado restritivamente, de forma a abranger tão somente os casos em que o juiz se considere impedido com fundamento legal bastante pois que se se declara impedido sem invocar fundamento abstractamente suficiente, deve aceitar-se a possibilidade de impugnação de tal decisão” (Código de Processo Penal Anotado, I Volume, em anotação ao art.º 42.º).
   Para Maia Gonçalves, “só é irrecorrível o despacho do juíz que se declare impedido mediante a invocação de algum dos fundamentos enumerados nos artºs 39º e 40º. Qualquer outro despacho de impedimento seguirá a regra geral da recorribilidade” (Código de Processo Penal Anotado, 16ª edição, pág. 141, em anotação do art.º 42.º).
   No mesmo sentido, temos ainda Paulo Pinto de Albuquerque segundo o qual “o despacho do juíz que considera impedido é irrecorrível, se invocar um dos fundamentos dos artºs 39º e 40º e os respectivos pressupostos de facto forem verdadeiros. Numa interpretação conforme à Constituição do artº 42º, nº 1, primeira parte, deve admitir-se recurso daquele despacho quando não se verifiquem estes requisitos legais e fácticos, pois de outro modo a irrecorribilidade do despacho poderia constituir um meio de frustrar o princípio do juíz legal (artº 32º, nº 9 da CRP).” (Comentário do Código de Processo Penal, pág. 127, comentário ao art.º 42.º).
   Resolvida a questão da sindicabilidade, passamos a analisar se os impedimentos do juiz têm os fundamentos taxativamente enunciados nos artºs 28º e 29º do CPPM, não sendo possível a aplicação analógica/subsidiária do CPCM.
   Para nós, a resposta não deixa de ser afirmativa.
   Vejamos a sua razão de ser.
   Como é sabido, vigora no nosso sistema jurídico o princípio da proibição do desforamento, segundo o qual nenhum processo pode ser deslocado do tribunal competente para outro, excepto os casos especialmente previstos na lei – cfr. artº 22º da Lei nº 9/1999.
   Nesta conformidade, as normas relativas aos impedimentos, tanto do CPCM como do CPPM, têm carácter excepcional na medida em que constituem uma excepção ao princípio em referência, pois o juiz, que em princípio seria competente para o conhecimento da causa, perde essa competência pela via de impedimento.
   Sendo normas excepcionais, não são susceptíveis de aplicação analógica – cfr. artº 10º do CCM.
   Por outro lado, o processo civil difere do penal, daí que é lógico e natural para o legislador prever causas de impedimento diversas para estes dois tipos de processo, tendo cada um o regime próprio em que não se misturam.
   Ao nível do estudo do direito comparado, o STJ de Portugal tem entendido que “os impedimentos do juiz têm os fundamentos taxativamente enunciados na lei, sendo que todas as situações e circunstâncias nela não previstas poderão, quando muito, funcionar como motivo de escusa ou de recusa do magistrado.” (Ac. STJ de Portugal, de 28/09/2005, Proc. nº 3180/05-3ª, in Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Manuel Leal Henriques, em anotação do artº 28º, pág. 208)
   Além disso, Maia Gonçalves, na obra citada (pág. 136), fez a seguinte anotação:
   “No domínio do CPP de 1929, entendia-se geralmente que era taxativa a enumeração dos casos de impedimento, feita nesse diploma. Figueiredo Dias, expendeu porém a solução contrária, demonstrando que o Código tinha lacunas que deviam ser integradas pelas normas do CPC. Esta doutrina, escudada em argumento convincentes, parecia-nos então a mais defensável, mas perdeu agora consistência porque o presente Código pretendeu estabelecer mais vincadamente que o anterior uma regulamentação autónoma do processo penal, diminuindo a dependência do processo civil. Deve, por isso, entender-se que não há outros casos de impedimento, além dos que estão previstos no CPP”...
   Como se vê, o legislador não quis impor impedimento a quem já tivesse tido, a todo e qualquer título ou circunstância, uma qualquer intervenção precedente no processo, pois, em sua opinião, tal seria levar longe demais o afastamento do magistrado e por razões que estariam longe de constituir obstáculo a um julgamento sério e isento.
   Qual será então a sanção para a invalidade duma declaração de impedimento fora da previsão legal?
   Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que deva ser nulidade nos termos da al. e) do artº 106º do CPPM, por ofender as regras de competência do tribunal.
   Como já referimos anteriormente, com a declaração de impedimento, o juiz, que em princípio seria competente para o conhecimento da causa, perde essa competência.
   Nesta conformidade, uma declaração de impedimento fora da previsão legal, não deixa de constituir, no fundo, uma violação das regras de competência do tribunal, já que faz cessar ilegalmente a competência de um juiz que inicialmente detinha, implicando na prática um desforamento que a lei não admite.”
Por ora, não encontramos qualquer razão plausível para alterar a posição já tomada no acórdão supra transcrito.
Aliás ainda que se admitisse, por mera hipótese, a aplicação analógica/subsidiária do regime de impedimentos do CPCM, a situação concreta do caso também não se enquadra na previsão da al. c) do nº 1 do artº 311º do CPCM, já que o juíz que tenha intervindo no procedimento cautelar não está impedido de intervir no respectivo processo principal (cfr. artº 328º do CPCM).
Tudo visto, resta decidir.
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IV. Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em declarar, a título oficioso, nulos os despachos da declaração de impedimento dos Mmºs Juízes Dr. Choi Mou Pan e Dr. Lai Kin Hong.
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Sem Custas.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 05 de Maio de 2016.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tam Hio Wa (Vencido com declaração de voto junta)

Processo n.°:838/2012-Incidente (Recurso Penal)
Recorrente: Associação de Piedade e de Beneficiência
A
Data: 5 de Maio de 2016


Declaração de voto

Vencida por seguintes razões:

  Entendo que o juiz substituto não pode sindicar a declaração de impedimento de outro juiz, tal como foi proferido pelo Tribunal de Última Instância em 10 de Abril de 2002, no seu processo nº 4/2002: “um juiz não pode sindicar acto de outro juiz , a menos que a lei lhe confira esse poder, o que acontece no caso dos recursos judiciais, na reclamação para o presidente do tribunal imediatamente superior do não recebimento de recursos ou da sua retenção ( arts. 595.º e 596.º do Código de Processo Civil), na reclamação de relator para a conferência ( art. 620.º do Código de Processo Civil ) ou na apreciação de sugestão feito por juiz-adjunto em recurso, de que discorde o relator, e que cabe à conferência ( n.º 4, do art. 619.º do Código de Processo Civil).
  Se fosse possível ao substituto do juiz vir discutir as razões apontadas por este na declaração de impedimento, a fim de se recusar substituí-lo, estaríamos a admitir que um juiz pudesse sindicar os actos praticados por outro juiz, em caso não previsto na lei.
  […]
  Em caso nenhum, a lei erige a vontade de um juiz, ainda que invoque um interesse público, como motor com vista à sindicância de acto de outro juiz.
  […]
  […] mesmo quando o juiz declara o seu tribunal incompetente não tem de se pronunciar sobre a legalidade de despacho de outro tribunal que se tenha, eventualmente, também já declarado incompetente.
  […]
  […] Eis porque é irrelevante que a declaração de impedimento seja irrecorrível (como é o caso) ou seja recorrível ( como em processo civil). É que em nenhum caso o juiz substituto a pode sindicar ”
  
  Portanto, não se deve, por este meio, sindicar as declarações de impedimento dos outros juízes.
  
A Juiz Relator originária


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Tam Hio Wa

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838/2012