打印全文
Processo n.º 76/2015
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Chefe do Executivo da RAEM
Data da conferência: 22 de Junho de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Usurpação de poder
- Direito de propriedade
- Direito de defesa
- Caso julgado
- Aplicação da al. c) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA
- Postergação do interesse público
- Interpretação e aplicação do art.º 123.º n.º 3 do CPA

SUMÁRIO
1. Há usurpação de poder em todos os casos em que a Administração pública se intrometer na esfera própria da competência dos tribunais judiciais, isto é, sempre que o poder administrativo invadir a esfera privativa do poder judicial.
2. Decorre da conjugação das normas contidas nos art.ºs 172.º e 173.º do Código do Procedimento Administrativo duas ideias fundamentais: i) a nulidade ou anulabilidade dos actos administrativos implica também a mesma consequência para os contratos administrativos cuja celebração tenha dependido daqueles actos; ii) cabe no poder judicial exclusivamente exercido pelos tribunais a declaração de nulidade de cláusulas contratuais, não sendo definitivos e executórios os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade.
3. A matéria cuja apreciação reclama a intervenção do tribunal prende-se com a interpretação sobre o conteúdo e a validade das cláusulas contratuais, o que se justifica com a eventual divergência e falta de acordo das duas partes sobre o sentido e validade das mesmas.
4. Quanto à invalidade do contrato administrativo, convém distinguir as seguintes situações: o contrato é nulo em consequência da nulidade das suas cláusulas contratuais; o contrato padece de nulidade derivada, porque é nulo o acto administrativo de que tenha dependido a sua celebração, nos termos do n.º 1 do art.º 172.º do CPA.
5. Na segunda situação, a nulidade do contrato não tem nada a ver com a interpretação ou a validade das cláusulas contratuais, não estando em causa o sentido ou conteúdo do contrato. A nulidade do contrato determina-se com o mesmo vício do próprio acto administrativo que permite a celebração do contrato.
6. A concessão por arrendamento do terreno tem a natureza provisória, antes de se tornar definitiva com o cumprimento das cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas.
7. O direito resultante da concessão por arrendamento do terreno, mesmo com natureza real, não é totalmente coincidente com o direito de propriedade em geral, tendo as características, especialidades e limitações próprias. Não se pode falar na perpetuidade nem na plenitude desse direito.
8. Sendo o procedimento administrativo distinto do processo-crime, não há porém obstáculo a que a sentença condenatória tomada neste processo produza efeitos naquele procedimento.
9. Há que ter sempre presente que se tratam dos procedimentos independentes, com objectos e finalidades distintos.
10. No presente caso concreto, se a recorrente é interessada no procedimento administrativo, já não a é no processo-crime em que se julgou a prática do crime que esteve na base da declaração de nulidade do acto administrativo, pois se trata duma pessoa colectiva, diferente de pessoa singular tais como os seus sócios ou representantes, não sendo acusada nem posto em crise qualquer interesse dela naquele processo.
11. Não se vislumbra base legal para a sua participação, muito menos para se defender, uma vez que no processo-crime não há ofensa dos seus interesses que reclame a protecção jurídica e que justifique a sua intervenção para se defender.
12. Os elementos carreados aos autos de procedimento administrativo e referentes à prática do crime não podem, naturalmente, deixar de ser ponderados e avaliados pela Administração para tomar a decisão que achar correcta, desde que ofereça à interessada a oportunidade de defender-se.
13. A expressão “actos cujo objecto constitua um crime”, contida na parte final da al. c) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA, tem que ser objecto de interpretação extensiva, abrangendo não só os actos cujo objecto (cujo conteúdo) constitua um crime, mas também aqueles cuja prática envolva a prática de um crime.
14. Se o processo desencadeado com vista à transmissão da concessão por arrendamento de terrenos foi viciado desde o início (na selecção da proposta vencedora), com violação das regras jurídicas aplicáveis e desrespeito pelo critério da legalidade, nunca se pode afirmar que o respectivo procedimento administrativo se norteou por critérios de legalidade e interesse público, ainda que nos actos administrativos praticados não se tenha detectado a intenção de não prosseguir o interesse público.
15. Não se pode assacar efeitos putativos (referidos no n.º 3 do art.º 123.º do CPA) favoráveis ao particular em cuja conduta criminosa se funda a nulidade do acto.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM de 8 de Agosto de 2012 que declarou a nulidade dos actos do Chefe do Executivo, de 17 de Março de 2006, através dos quais foram homologados os Pareceres da Comissão de Terras n.ºs 23/2006, 24/2006, 25/2006, 26/2006 e 27/2006, todos de 16 de Março de 2006.
Por Acórdão proferido em 18 de Junho de 2015, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar improcedente o recurso.
Inconformada com a decisão, vem a mesma sociedade recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. O Acórdão recorrido errou na interpretação e aplicação dos artigo 122.º, n.º 2, alínea a), e 173.º, n.º 1, do CPA, por não ter considerado procedente a nulidade invocada do acto recorrido por vício de usurpação de poder,
B. Uma vez que resultou demonstrado que o acto recorrido procedeu à declaração de nulidade dos Contratos de Concessão, matéria que é da competência exclusiva dos tribunais, ao abrigo do disposto no citado artigo 173.º, n.º 1, do CPA.
C. O Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 6.º e 103.º da Lei Básica e 122.º, n.º 2, d) do CPA, ao não ter declarado a nulidade do acto recorrido por violação do direito de propriedade da Recorrente,
D. Sendo patente que, ao declarar a nulidade dos contratos de concessão que conferiam à Recorrente o direito de propriedade sobre os Lotes, sem que curasse de determinar a forma como reverteriam para a mesma os preços pagos pelos Terrenos e o valor das benfeitorias realizadas nos mesmos, o acto recorrido consubstanciou uma privação arbitrária a injustificada daquele direito de propriedade.
E. O Acórdão recorrido violou também o disposto nos artigos 29.º da Lei Básica e 122.º, n.º 2, d) do CPA, ao não ter declarado a nulidade do acto recorrido, enquanto acto materialmente sancionatório não precedido da concessão de oportunidade para o cabal exercício de direito de defesa.
F. Do mesmo modo, o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 94.º, n.º 3 do CPA, ao não ter anulado o acto recorrido, com fundamento em vício de forma, por falta de audiência completa da Recorrente, na medida que este acto indeferiu sumária e infundadamente todas as diligências de prova requeridas pela ora Recorrente em sede de audiência prévia no procedimento administrativo.
G. Ao não anular o acto recorrido, com fundamento em violação dos limites objectivos do caso julgado, o Acórdão recorrido violou de igual modo tais limites, e bem assim o disposto nos artigos 578.º do Código de Processo Civil e 124.º do CPA.
H. O Acórdão recorrido errou, também, na interpretação e aplicação do artigo 122.º, n.º 2, alínea c), do CPA, por ter julgado improcedente a invocada anulabilidade do acto recorrido por erro nos pressupostos de facto e erro de direito na aplicação da referida norma,
I. Na medida em que do Acórdão do TUI n.º 37/2011 não resulta, de forma alguma, que os actos autorizatórios do Chefe do Executivo tenham sido determinados por parecer motivado por crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, inexistindo, por isso, uma conexão causal entre os actos criminosos praticados por B e os referidos actos autorizatórios que permitisse qualificar estes últimos como actos que envolvem a prática de um crime.
J. O Acórdão recorrido errou ao ter julgado improcedente a anulabilidade do acto por erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto à alegada existência de postergação do interesse público, uma vez que, quer o processo de selecção da sociedade transmissária, quer o procedimento administrativo de autorização da transmissão dos Lotes se nortearam, exclusiva e objectivamente, por critérios de legalidade e interesse público,
K. Sendo certo que sempre ficaram por demonstrar os factos concretos em que supostamente se traduziriam as insinuações constantes, designadamente, dos pontos 32 e 34 do acto recorrido.
L. Finalmente, o Acórdão recorrido errou ao julgar improcedente a anulabilidade do acto recorrido por violação do artigo 123.º, n.º 3, do CPA, na medida em que o acto recorrido não procedeu à devida ponderação dos interesses, públicos e privados, em conflito, tendo decidido com base numa pretensa “vinculação absoluta” e, assim, violado o mencionado artigo 123.º, n.º 3, do CPA, bem como os princípios da boa fé, da confiança e da proporcionalidade.

Notificado da admissão do recurso, vem a entidade recorrida oferecer o merecimento dos autos.
E o Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que se deve negar provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos:
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
1. Desde 15 de Novembro de 1999 que as sociedades C, D, E, F e G (“as transmitentes”) eram titulares dos direitos resultantes das concessões, por arrendamento, respectivamente, do Lote 1c, Lote 2, Lote 3, Lote 4 e Lote 5, situados na ilha da Taipa, junto à Avenida Wai Long e Estrada da Ponta da Cabrita, descritos na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs 22993, 22991, 22995, 22990 e 22989 (os “Lotes”).
2. Por requerimento de 16 de Fevereiro de 2006, as transmitentes requereram junto da Direcção dos Serviços de Solos e Obras Públicas a transmissão dos direitos resultantes dos contratos de concessão, por arrendamento, dos Lotes a favor da recorrente A.
3. O procedimento administrativo iniciado com tal requerimento seguiu os seus trâmites normais, tendo a Comissão de Terras, reunida em sessão de 16 de Março de 2006, emitido os Pareceres n.ºs 23 a 27/2006, favoráveis à transmissão requerida, bem como à revisão da concessão e às minutas de contratos a eles anexas, e que vieram a ser homologados por Despachos do Chefe do Executivo, de 17 de Março de 2006 – tudo conforme os Despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 48 a 52/2006, publicados no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2006.
4. Em 13 de Fevereiro de 2009, a recorrente A formalizou um pedido de nova revisão do contrato de concessão dos Lotes e solicitou a prorrogação do prazo de aproveitamento dos Lotes até Dezembro de 2015.
5. O procedimento seguiu a sua tramitação, tendo sido enviado o processo à Comissão de Terras, que emitiu parecer favorável ao deferimento do pedido, o qual foi homologado por Despacho do Chefe do Executivo, de 9 de Março de 2011 – tudo conforme Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011, publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 13, II Série, de 30 de Março de 2011.
6. Posteriormente, a recorrente A foi notificada, por ofício de 15 de Junho de 2012 para, em sede de audiência prévia, se pronunciar quanto à intenção de declaração de nulidade dos Despachos do Chefe do Executivo, de 17 de Março de 2006, que homologaram os pareceres da Comissão de Terras favoráveis à transmissão dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos Lotes à ora 1.ª Recorrente, à revisão da concessão e à respectiva minuta do contrato a celebrar, o que fez por exposição de 28 de Junho de 2012.
7. Nessa sequência, foi a 1.ª recorrente notificada do Despacho do Chefe do Executivo de 8 de Agosto de 2012, exarado sob a Informação n.º XXX/DSODEP/2012, de 7 de Agosto de 2012, que declarou a nulidade dos supra mencionados actos do Chefe do Executivo, de 17 de Março de 2006 – o acto recorrido – conforme melhor consta da cópia que ora se junta como Doc. n.º 1 e aqui dá por reproduzido.
8. Para além da notificação efectuada à 1.ª recorrente, em 15 de Agosto de 2012, o despacho recorrido foi, ainda, publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 33, II Série, de 15 de Agosto de 2012, pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 38/2012.
9. A notificação à recorrente A foi feita nos seguintes termos:
“Assunto : Notificação da decisão de declaração de nulidade dos actos do Chefe do Executivo que autorizaram a transmissão dos direitos resultantes do contrato de concessão do lote 1c, lote 2, lote 3, lote 4 e lote 5, situados na ilha da Taipa, na Estrada da Ponta da Cabrita, a favor da sociedade “A”. Processos n.º 6452.04, 6453.04, 6454.04 e 6455.04 e 6456.04.
1. Fica essa sociedade notificada que, por despacho do Chefe do Executivo, de 8 de Agosto de 2012, exarado sob a Informação n.º XXX/DSODEP/2012, de 7 de Agosto de 2012, foi declarada a nulidade, nos termos das disposições da alínea c) do n.º 2 do artigo 122.° e do n.º 2 do artigo 123.°, ambos do Código do Procedimento Administrativo, dos seguintes actos:
1) O acto do Chefe do Executivo de 17 de Março de 2006 que homologou o Parecer da Comissão de Terras n.º 23/2006, de 16 de Março de 2006, no qual a mesma tinha emitido parecer favorável à transmissão dos direitos resultantes do contrato de concessão do lote 1c a favor da sociedade “A” e à revisão do referido contrato de concessão, bem como à minuta do contrato a ele anexa, e que foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2006, pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 48/2006;
2) O acto do Chefe do Executivo de 17 de Março de 2006 que homologou o Parecer da Comissão de Terras n.º 24/2006, de 16 de Março de 2006, no qual a mesma tinha emitido parecer favorável à transmissão dos direitos resultantes do contrato de concessão do lote 2 a favor da sociedade “A” e à revisão do referido contrato de concessão, bem como à minuta do contrato a ele anexa, e que foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2006, pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 49/2006;
3) O acto do Chefe do Executivo de 17 de Março de 2006 que homologou o Parecer da Comissão de Terras n.º 25/2006, de 16 de Março de 2006, no qual a mesma tinha emitido parecer favorável à transmissão dos direitos resultantes do contrato de concessão do lote 3 a favor da sociedade “A” e à revisão do referido contrato de concessão, bem como à minuta do contrato a ele anexa, e que foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2006, pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 50/2006;
4) O acto do Chefe do Executivo de 17 de Março de 2006 que homologou o Parecer da Comissão de Terras n.º 26/2006, de 16 de Março de 2006, no qual a mesma tinha emitido parecer favorável à transmissão dos direitos resultantes do contrato de concessão do lote 4 a favor da sociedade “A” e à revisão do referido contrato de concessão, bem como à minuta do contrato a ele anexa, e que foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2006, pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 51/2006;
5) O acto do Chefe do Executivo de 17 de Março de 2006 que homologou o Parecer n.º 27/2006 da Comissão de Terras, de 16 de Março de 2006, no qual a mesma tinha emitido parecer favorável à transmissão dos direitos resultantes do contrato de concessão do lote 5 a favor da sociedade “A” e à revisão do referido contrato de concessão, bem como à minuta do contrato a ele anexa, e que foi publicado no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 6 de Abril de 2006, pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 52/2006.
2. Mais se comunica que, desta decisão, se assim o entenderem, cabe reclamação, nos termos dos artigos 148.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, para o Chefe do Executivo, no prazo de 15 dias a contar da publicação do acto no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, e recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância.”

9. Neste último despacho refere-se, nos considerandos, que “ficou provado segundo o acórdão n.º 37/2011 do Tribunal de Última Instância, que o processo de selecção da sociedade transmissária dos direitos resultantes da concessão provisória, por arrendamento, dos terrenos designados por lote «c1», lote «2», lote «3», lote «4» e lote «5», com as áreas de 4 012 m2, 13 425 m2, 18 707 m2, 8 750 m2 e 33 895 m2, situados na ilha da Taipa, na Estrada da Ponta da Cabrita, descritos na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs 22 993, 22 991, 22 995, 22 990 e 22 989, foi viciado pela intervenção criminosa do então Secretário para os Transportes e Obras Públicas, enquanto titular de um órgão da Administração” e, ainda, “que o procedimento administrativo de transmissão dos referidos direitos foi conformado pelo negócio resultante daquele processo de selecção e, consequentemente, viciado pela intervenção criminosa do então Secretário para os Transportes e Obras Públicas”.
11. A 2.ª Recorrente celebrou, em 14 de Maio de 2012, com a 1.ª Recorrente um contrato-promessa de compra e venda por via do qual prometeu comprar, e esta prometeu vender, uma fracção autónoma, provisoriamente designada por [Endereço] do projecto imobiliário denominado “X” a construir nos Lotes, pelo preço de HKD21.950.000,00 (vinte e um milhões novecentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong) – conforme melhor consta da cópia do respectivo contrato que ora se junta como Doc. n.º 2 e aqui dá por reproduzido.
12. Nos termos das alíneas a) e b) da cláusula 3.ª do referido contrato-promessa, a 2.ª Recorrente pagou, a título de sinal, duas prestações de igual valor no total de HKD 2.195.000,00 (dois milhões cento e noventa e cinco mil dólares de Hong Kong) conforme melhor consta da cópia dos respectivos recibos que ora se juntam como Docs. Nºs. 3 e 4 e aqui dão por reproduzidos.
13. Em 13 de Junho de 2012, a 2.ª Recorrente procedeu ao pagamento do respectivo imposto de selo, no valor total de MOP649.168,00 (seiscentas e quarenta e nove mil cento e sessenta e oito patacas), nos termos da Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho, junto da Direcção dos Serviços de Finanças – conforme melhor consta da cópia da respectiva guia de pagamento M/2 que ora se junta como Doc. n.º 5 e aqui dá por reproduzido.
14. Após a publicação de notícias na comunicação social local que antecederam a declaração de nulidade, as recorrentes acordaram, em 9 de Agosto, a prorrogação do prazo para pagamento da 3.ª prestação, no montante de HKD1.097.500,00 (um milhão noventa e sete mil e quinhentos dólares de Hong Kong), cujo termo estava previsto ocorrer em 11 de Agosto de 2012, até 7 de Novembro próximo – conforme melhor consta da cópia do respectivo aditamento ao contrato que ora se junta como Doc. n.º 6 e aqui dá por reproduzido.

15. O despacho proferido, o parecer em que assenta e respectivas informações em que se louvam, tal como resultam do PA são do seguinte teor:
“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes
Parecer:
Ao Exm.º Sr. Secretário:
 Concordo com o conteúdo e a proposta da Informação.
 À consideração superior.

Directora Substª.,
Ass.) H
Aos 7/8/2012

À Directora, Substª.,
Concordo com o conteúdo da presente Informação, propondo que sejam acompanhados os pontos 7.1 e 7.2 conforme propostos.
À consideração superior.
A Chefe do Departamento de Gestão de Solos
Ass.) I
Aos 7/8/2012
Despacho:
 Visto. Concordo com a proposta do Secretário J.
 Concordo
 Em 08/08/2012
Ass.) vd. original




Ao Exm.º Sr. Chefe do Executivo:
Concordo com o parecer e proposta constante da Informação, submetendo à consideração de V. Ex.ª.

O Secretário para os Transportes e Obras Públicas Ass.) J
Aos 7/8/2012

Assunto: Contratos de transmissão e de revisão relativos à concessão, por arrendamento, dos cinco terrenos com a área de 4.012 m2, de 13.425m2, de 18.707m2, de 8.750m2 e de 33.895m2 situados na ilha da Taipa, na Estrada da Ponta da Cabrita, respectivamente designados por lote 1c, lote 2, lote 3, lote 4 e lote 5, regidos pelos despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 48, 49, 50, 51 e 52/2006. (Proc. n.ºs 6452.04 a 6456.04)
          Informação n.ºXXX/DSODEP/2012 de 7/8/2012

1. Através dos despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 48 a 52/2006 publicados no B.O n.º14, II série, de 6/4/2006, são regidos os contratos de transmissões onerosas a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos terrenos situados na ilha da Taipa, junto à Avenida Wai Long e Estrada da Ponta da Cabrita, designados por lote 1c, lote 2, lote 3, lote 4 e lote 5. (documento anexo 1 – Despacho)
2. Por outro lado, de acordo com o acórdão n.º 37/2011 proferido em 31/5/2012 pelo Tribunal de Última Instância, confirmou-se que o procedimento de selecção para o concurso incorreu de vício devido à intervenção criminosa do ex-secretário. (documento anexo 2 – acórdão n.º 37/2011 do Tribunal de Segunda Instância)
3. Pelo que foi elaborada a Informação n.º XXX/DSODEP/2012, de 12 de Junho e proposta a realização do procedimento no sentido de declarar nulo o acto feito pelo Chefe do Executivo relativo à sua homologação feita em 17/3/2006 sobre os pareceres n.ºs 23 a 27 da Comissão de Terras, de 16 de Junho. Segundo os supracitados pareceres, foi emitido o parecer favorável face ao disposto na minuta de contrato anexa, quanto às transmissões a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos lotes 1c, 2, 3, 4 e 5 e, à alteração de respectiva concessão. (documento anexo 3 – Informação n.º XXX/DSODEP/2012)
4. Na respectiva informação mais se propôs ainda a realização de audiência prévia dos interessados, a fim de ouvir opinião das empresas intervenientes.
5. Nos termos do art.º 93º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, foram notificadas as empresas abaixo indicadas para audiência e pronúncia, cujas respostas são do teor seguinte:
- a Sociedade K, através do ofício datado de 20/6/2012, referiu que não se opõe (anexo 4):
- a Sociedade L, através do ofício datado de 27/6/2012, referiu que não se opõe (anexo 5);
- a Sociedade A na qualidade da detentora dos terrenos supracitados, através do requerimento datado de 29/6/2012, manifestou a sua posição (anexo 6):
- a Sociedade C, e a Sociedade M, não se pronunciaram sobre isso.
6. Todas essas respostas foram remetidas ao Departamento Jurídico, e nos termos do art.º 98º do Código do Procedimento Administrativo, foi elaborada a Informação n.º XX/DJUDEP/2012, de 1 de Agosto onde consta o relatório sobre a audiência dos interessadas. (anexo 7), do teor seguinte:
“De acordo com o art.º 98º do Código do Procedimento Administrativo, face à intenção de decisão para declarar nulo o acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou os pareceres n.ºs 23 a 27 da Comissão de Terras, de 16 de Junho, foram elaboradas as informações sobre audiência das interessadas. Segundo os supracitados pareceres, foi emitido o parecer favorável face ao disposto na minuta de contrato anexa, quanto às transmissões a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos lotes 1c, 2, 3, 4 e 5, situados na ilha da Taipa, na Estrada da Ponta da Cabrita, e à alteração de respectiva concessão.
1. Nos termos do art.º 94º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, foram notificadas as respectivas empresas para audiência prévia a fim de pronunciar-se. A K, através do ofício datado de 20/6/2012, referiu que não se opõe; a L, através do ofício datado de 27/6/2012, referiu que não se opõe; a C, e a M não deram resposta; a Sociedade A, como detentora dos terrenos supracitados, através do requerimento datado de 29/6/2012, manifestou a sua posição.
2. Essas respostas já foram remetidas ao Departamento Jurídico, a fim de se elaborar o relatório final e fazer proposta sobre a decisão.

II Factos relevantes
3. Indicou o mandatário da Sociedade A que, em 16/6/2005, os sócios das respectivas empresas tinham deliberado por unanimidade a consulta junto de três empresas dotadas de experiência e capacidade no âmbito de grandes empreendimentos, a fim de apresentar proposta com finalidade de obter os terrenos.
4. Tal deliberação não foi feita livremente, mas sim, tal como indicada pelo acórdão proferido em 31/5/2012 pelo Tribunal de Última Instância nos autos nº 37/2011, que foi feita sob a intervenção e indicação do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas.
5. De facto, durante 2004, o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas já pretendia vender os lotes 1c, 2, 3, 4 e 5 situados no cruzamento entre a Estrada da Ponta da Cabrita e a Avenida de Wai Long, na ilha da Taipa que tinham sido concedidos respectivamente à D, à E, à F, à G, e à C.
6. De acordo com os autos n.º 37/2011 (acórdão proferido em 31/5/2012 pelo Tribunal de Última Instância), confirmou-se que sob a indicação e influência dada pelo ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas B, na deliberação realizada em 16/6/2005, as ditas empresas concessionárias deliberaram enviar carta de convite às três empresas para adjudicação da transmissão dos direitos resultantes da concessão por arrendamento, dos terrenos supracitados.
7. Por outro lado, em 5/8/2005, sob influência do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, as supracitadas cinco empresas deliberaram vender os tais terrenos à Sociedade A, e de acordo com os factos provados nos referidos autos do Tribunal de Última Instância, a proposta vencedora do concurso por convite foi beneficiada pela Administração, tendo tido conhecimento do concurso largos meses antes das duas restantes que tiveram apenas 10 dias para preparar e apresentar a proposta.
8. Quanto ao ponto referido no art.º 11º, n.º 4, al. k) das alegações, ao contrário de que declarou a empresa na contestação, em relação à decisão de declaração de nulidade eventualmente a tomar, nos autos o que não tem importância se o N é acusado ou não pela prática do crime de corrupção activa, uma vez que quer o crime de corrupção activa quer o crime de corrupção passiva, ambos são independentes, podendo existir isoladamente.
9. O facto de o arguido N não ter sido condenado ainda da prática do crime de corrupção activa não se reveste de relevância nos autos, mesmo que o arguido for julgado inocente, o acto de autorização de transmissão dos tais terrenos ainda padeceu de vício, por se ter envolvido em prática de crime de corrupção passiva, e o respectivo acórdão já transitou em julgado, pelo que, inevitavelmente, o respectivo acto padeceu de vício devido ao referido crime.
10. O Tribunal de Última Instância, em 25/4/2012, no acórdão sobre os autos de recurso n.º11/2011, proferiu também a respectiva opinião, que aqui foi feita a sua reprodução seguinte: “O que interessa é que está definitivamente assente que na base do acto administrativo está a prática de um crime de corrupção, pelo qual foi condenado o corrupto passivo. Isso inquina irremediavelmente o despacho 6 de Julho de 2006. Para este efeito, pouco importa quem foi o corruptor activo ou se veio a ser condenado……”

III O acto praticado nos termos do direito privado não se reveste de relevância
11. Segundo o entendimento de A, a questão de invalidade do acto administrativo só pode dirigir-se contra o acto praticado no procedimento administrativo que esteja implicado na autorização de transmissões dos ditos cinco terrenos, de tal modo a considerar que a influência dada pelo ex-secretário B pouco importa ao procedimento de transmissões, independentemente de que se a influência deste antecipou-se ao acto de transmissões, ou de exercício do direito de autonomia no direito privado pela RAEM em nome do sócio de tais empresas.
12. Contudo, isso pode ser rejeitado com base nos dois motivos:
- Dado que resulta dos factos provados o crime praticado pela subversão das regras jurídicas aplicáveis e o que fez com que uma empresa conseguisse obter a concessão, causando a que tanto o processo de selecção quanto o procedimento administrativo subsequente relativo à autorização das transmissões de cinco terrenos, também padecessem de vício.
- Também foi devido a que o ex-secretário para os Transporte e Obras Públicas, na qualidade de titular do cargo público, tinha intervindo nesse processo ilícito.
13. Mesmo que tal como alegado pelo defensor que pretende nos levar a crer que o acto imputável do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas foi feito antes de se ter deduzido o pedido de transmissão sem qualquer eficácia no respectivo procedimento administrativo, na realidade, isso não se reveste de importância.
14. Embora a Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho, daqui em diante designada simplesmente por Lei de Terras, dispõe no seu art.º 56º, n.º 2º, al. c) que o concurso público é dispensado na transmissão de situações resultantes de concessão anterior, de facto, a transmissão depende de autorização prévia feita pelo Chefe do Executivo, uma vez que o uso dos respectivos terrenos ainda não era concluído, a sua concessão é de carácter provisória.
15. Mesmo que vulgarmente se considere que no processo de selecção de empresa concessionária (concurso ou ajuste directo) para aquisição dos direitos resultantes de concessão dos terrenos, podem as empresas intervenientes escolher livremente, processo esse já foi viciado pelo tal representante da RAEM, na qualidade de sócio, titular do cargo público responsável pela garantia de interesses públicos.
16. De facto, mesmo no âmbito de empresa privada, as funções exercidas pelo ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas também devem pôr em prática a salvaguarda pela RAEM dos interesses públicos nas supracitadas empresas.
17. Como membro do governo da REAM, o então secretário para os Transportes e Obras Públicas, utilizou os seus poderes e influência, tomando decisão através da empresa que detinha 80% do capital o governo, a fim de obter interesses patrimoniais, mas não pôr em prática a salvaguarda dos interesses públicos que deve fazer a RAEM.
18. Na realidade, B interveio no respectivo processo exercendo o seu direito de execução enquanto era secretário para os Transportes e Obras Públicas, mas a sua intervenção não foi feita em outro nome (no âmbito de direito privado) tal como indicada na contestação, e esse facto já ficou provado no acórdão do Tribunal de Última Instância, que aqui se reproduz: “Em conclusão, a proposta vencedora ganhou, porque, devido à influência do arguido foram subvertidas as regras jurídicas aplicáveis. Estamos, assim, também perante um acto do arguido contrário aos deveres do seu cargo.”
19. Assim sendo, ficou provado que o processo de selecção de empresa concessionária padeceu de vício devido à intervenção ilícita do ex-secretário, e essa intervenção mostrava-se importante e decisiva à proposta vencedora a ganhar no concurso, daí pode-se retirar necessariamente uma conclusão que a prática de crime de corrupção passiva causou inevitavelmente a que o processo de transmissão subsequente também padecesse de vício.

IV São nulos os actos cuja objecto constitua crime
20. Ao contrário de que indicou a empresa no ponto 17 e seguintes da sua contestação, o crime da prática de acto ilícito após corrupção passiva reveste-se importante, face ao acto final de homologação feito pelo Chefe do Executivo.
21. Sem dúvida o acto de autorização das transmissões praticado pelo Chefe do Executivo não constituiu qualquer crime, mas o certo é que esse acto de homologação foi feito com base no procedimento administrativo de negociação particular acordado pela intervenção ilícita do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas.
22. Pelo que, o acto de homologação do Chefe do Executivo admitiu todos os fundamentos constantes dos pareceres emitidos pela Comissão de Terras, enquanto os respectivos pareceres invocaram as informações e pareceres elaboradas na fase de instrução do procedimento, como aquela Direcção é subordinada da Secretaria para os Transportes e Obras Públicas, o ex-secretário tinha perfeito conhecimento que ele iria directamente intervir no respectivo procedimento.
23. De facto, foi o ex-secretário quem previamente autorizou a abertura de processo e determinou se devia e como continuar o respectivo procedimento administrativo. No respectivo processo, a tarefa de abertura de processo só se limitou a admitir as negociações fixadas previamente entre as empresas transmissárias e empresas concessionárias ao abrigo do ex-secretário, mas não procedeu à apreciação conforme critérios estabelecidos na Lei de Terras.
24. Por outro lado, de acordo com as condições de transmissão, tais negociações mostravam-se importantes no respectivo procedimento.
25. Com base nisso, a intervenção ilícita do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas mostrava-se importante e decisiva à proposta vencedora a ganhar no concurso, fazendo com que o processo de transmissão de terras também padecesse de vício. Assim sendo, da intervenção ilícita resultou necessariamente conclusão que a prática do crime de corrupção passiva viciou inevitavelmente o processo de transmissão subsequente, levando a que o acto final do procedimento também padecesse de vício.

V e VI É nulo o acto que carece de qualquer elemento essencial: finalidade de acto e sujeito de acto
26. Mais alegou a interessada que dado o acto praticado pelo Chefe do Executivo não constituiu crime, não se devendo, consoante apenas o sentido das palavras, invocar o disposto no art.º 122º, n.º 2, al. c) do Código do Procedimento Administrativo, aplicando automaticamente a sanção de nulidade do acto.
27. Isto é, de acordo com o entendimento da empresa contestante, o crime praticado pelo ex-secretário só se envolveu na deliberação feita pelas empresas transmissárias, mas não afectou o acto final feito pelo Chefe do Executivo.
28. Essa ideia não tem nenhum fundamento, se se aceita o acto final que é inválido, mas não quer saber em qual pressuposto e conteúdo foi feito o acto, então a base jurídica de Macau será prejudicada e o que faz com que a estrutura normativa da RAEM apresente uma situação deformada intolerável.
29. Tal como indicado pela empresa A, indubitavelmente, a autorização das transmissões dos direitos e a alteração de concessão não foram feitas pelo ex-secretário, mas sim pelo Chefe do Executivo, mas essa decisão foi feita com base nos procedimentos anteriores com pressupostos e motivos criminosos.
30. Segundo o Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado, fls. 710, de Lino Ribeiro e José de Pinho, o disposto no art.º 122º, n.º 2, al. c) “também se deve incluir no âmbito da aliena todos os actos que envolvam a prática dum crime, mesmo que o seu objecto não gere responsabilidade criminal. Assim, são nulos os actos que assentam em pressupostos ou motivos criminosos ou cuja finalidade constitua um crime (v.g. actos praticados por corrupção)”.
31. De acordo com Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, também têm o mesmo entendimento no Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª Edição, fls. 645, que “consideram abrangidos na parte final desta alínea c) – mesmo se parece estranho o facto do legislador se referir apenas ao “Objecto” do acto administrativo – também aqueles que, não sendo crime por esse lado, o são pela sua motivação ou finalidade, quando esta seja relevante para a respectiva prática. Diríamos, portanto, serem nulos não apenas os actos cujo objecto (cujo conteúdo) constitua um crime, mas também aqueles cuja prática envolva a prática de um crime. Por exemplo, (…) os actos que sejam praticados mediante suborno ou por corrupção.”
32. Embora o despacho de homologação feito pelo Chefe do Executivo, em sentido restrito, não constitua crime, na realidade, todos os fundamentos em que se baseia o referido despacho, fundam-se na prática de corrupção passiva pelo ex-secretário e da qual dependem. Assim sendo, o despacho, sob a intervenção do ex-secretário, totalmente desviou-se dos interesses públicos, levando a que os interesses não conseguissem realizar concretamente.
33. Pelo que, mesmo que a respectiva decisão ainda seja adequada e correcta em termo abstracto, dado que o acto preparativo padeceu de vício absoluto e se apresentava inválido, inevitavelmente essa invalidade estendeu-se até ao acto final, causando a que este se tornasse uma decisão ilegal.
34. Face ao exposto, o processo de transmissão de terrenos incorreu em vício devido à intervenção ilícita do ex-secretário, e essa intervenção não só tem a ver com a parte primeira do referido processo tal como indicada pela empresa contestante, mas sim ultrapassou todo o processo.
35. De acordo com os pareceres da Comissão de Terras, tanto a abertura do processo e quanto a intenção de decisão constante da Informação n.º XXX/DSODEP/2006, de 2 de Fevereiro, tudo isso teve em consideração as “negociações fixadas previamente” com a empresa A (vd. pareceres da Comissão de Terras, ponto 5).

VII Declaração de nulidade dos contratos de revisão de concessão, de autorização das transmissões dos direitos resultantes da concessão
36. A empresa contestante alegou peremptoriamente no ponto 42 e seguintes da contestação que, mesmo que se declare nulo o respectivo acto, a invalidade não deve estender-se automaticamente até aos contratos celebrados entre empresas transmissárias, A e o governo da RAEM. Contudo, essa alegação não tem fundamento, uma vez que, nos termos do princípio de equidade previsto no art.º 172º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, esses contratos não podem ser independentes do processo do qual eram resultantes.
37. Pelo que, ao declarar nulo o acto de homologação dos pareceres da Comissão de Terras que concorda em transmitir à empresa A, os direitos resultantes da concessão dos terrenos, é causada necessariamente a nulidade dos respectivos contratos de revisão de concessão, uma vez que da nulidade do despacho de autorização resulta a nulidade dos contratos.
38. Por outro lado, ao contrário de que foi alegado no ponto 55 do Título VII, caso o superior hierárquico declare nulo o acto de homologação dos pareceres da Comissão de Terras, a Administração já não precisa de intentar acção junto do Tribunal, a fim de obter os resultados por si alegados.
39. É de salientar que não estamos perante um acto administrativo que pura e simplesmente manifesta opinião, mas sim a Administração está a exercer o direito absoluto vinculado, uma vez que perante a forma da invalidade mais grave tem que declarar nulo o acto.

VIII Protecção ao terceiro de boa fé
40. Alegou a empresa contestante no ponto 61 e seguintes que, “revertam às empresas concessionárias os direitos resultantes da concessão”. Contudo, esse acto significa que a autoridade administrativa altera subitamente a decisão de transmissão dos direitos resultantes da concessão anteriormente autorizada.
41. Essa ideia carece de fundamento, uma vez que no presente processo, a Administração não usou o poder discricionário para tomar a decisão, mas sim o poder vinculado para declarar nulo o acto, quer dizer, perante a existência duma invalidade absoluta já confirmada, a Administração tem que praticar um mero acto vinculado.
42. De acordo com o art.º 123º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, o acto pode ser declarado nulo a todo o tempo em regime da nulidade, e com o decorrer do tempo e/ou, através de ratificação, de reforma ou de conversão, o acto nulo também não pode ser sanado.
43. O acto nulo tem uma das características seguinte: não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.
44. Quanto à protecção ao terceiro de boa fé, ou seja aos indivíduos quem já celebraram o contrato-promessa de compra e venda das fracções a construir, após publicado o despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011, é de salientar que:
45. Em princípio, o promitente-comprador é terceiro de boa fé, uma vez que o crime que impulsiona as transmissões de concessão, não tem nada a ver com esses indivíduos.
46. Pode-se confirmar os prejuízos sofridos por esses indivíduos, que podem ser indemnizados pelo dobro do sinal pago, só que isso cabe à parte que não cause o incumprimento formular pedido junto ao promitente-vendedor.
47. Tal como alegado pela empresa contestante, deve a Administração cumprir os princípios da legalidade, da segurança jurídica, de defesa da confiança, de proporcionalidade e de boa fé.
48. Temos que cumprir o princípio da legalidade, sabemos que o Direito é pressuposto, fundamento e âmbito da actividade administrativa, pelo que, não se pode colocar no mesmo plano isso e aquele crime que já se infiltrou no procedimento da autorização de transmissão da concessão.
49. A Administração não pode apresentar solução pelos interesses ilícitos obtidos através do crime.
50. Por fim, não se realizou a medida complementar exigida pela contestante, uma vez que consideramos que tal medida não é útil mas serve de demorar tempo e também não mostrava qualquer importância à decisão a tomar pelo superior hierárquico.
51. Quanto às transmissões dos terrenos e aos seus interesses de uso, evidentemente são resultantes do despacho da autorização de transmissões.
52. Por outro lado, a empresa contestante não provou nem indicou como os documentos exigidos podem ajudar a alterar a decisão da Administração, no sentido de tomar uma decisão que lhe se mostra favorável.
53. Face ao acima exposto, segundo a resposta dada pela contestante na audiência de interessado, não tendo a mesma apresentado esclarecimento e fundamento que pudessem ajudar a alterar a decisão nos autos, pelo que, deve a Administração manter a sua intenção de decisão, no sentido de declarar nulo o acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou os pareceres n.º 23/2006, 24/2006, 25/2006, 26/2006 e 27/2006 emitidos em 16 de Março pela Comissão de Terras. Segundo os supracitados pareceres, foi emitido o parecer favorável face às transmissões a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos lotes 1c, 2, 3, 4 e 5, situados na ilha da Taipa, na Estrada da Ponta da Cabrita, à alteração dos respectivos contratos de concessão, e à minuta de contratos anexa a esses pareceres.”
7. Pelo acima exposto, atentos os factos e fundamentos jurídicos constantes da supracitada Informação n.º XX/DJUDEP/2012, propõe-se o seguinte:
7.1 Nos termos dos art.º 122º, n.º 2, al. c) e 123º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, declara-se nulos os actos seguintes:
7.1.1 O acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 23/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras. Segundo o supracitado parecer, foi emitido o parecer favorável face à transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote “1c”, à alteração do respectivo contrato de concessão e à minuta do contrato anexa a esse parecer. O referido acto foi publicado, através do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 48/2006, no B.O n.º 14, II série, de 6/4/2006;
7.1.2 O acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 24/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras. Segundo o supracitado parecer, foi emitido o parecer favorável face à transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote “2”, à alteração do respectivo contrato de concessão e à minuta do contrato anexa a esse parecer. O referido acto foi publicado, através do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 49/2006, no B.O n.º 14, II série, de 6/4/2006;
7.1.3 O acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 25/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras. Segundo o supracitado parecer, foi emitido o parecer favorável face à transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote “3”, à alteração do respectivo contrato de concessão e à minuta do contrato anexa a esse parecer. O referido acto foi publicado, através do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 50/2006, no B.O n.º 14, II série, de 6/4/2006;
7.1.4 O acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 26/2006, emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras. Segundo o supracitado parecer, foi emitido o parecer favorável face à transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote “4”, à alteração do respectivo contrato de concessão e à minuta do contrato anexa a esse parecer. O referido acto foi publicado, através do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 51/2006, no B.O n.º 14, II série, de 6/4/2006;
7.1.5 O acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 27/2006, emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras. Segundo o supracitado parecer, foi emitido o parecer favorável face à transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote “5”, à alteração do respectivo contrato de concessão e à minuta do contrato anexa a esse parecer. O referido acto foi publicado, através do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 52/2006, no B.O n.º 14, II série, de 6/4/2006.
7.2 Se se concordar com a proposta indicada no ponto 7.1, a respectiva decisão deve ser publicada no Boletim Oficial da RAEM, notificando-se a interessada ao abrigo do art.º 68º do Código do Procedimento Administrativo.
À consideração superior.
O Técnico Superior,
Ass.) O

***

Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes
Parecer:
Ao Exm.º Sr. Secretário:
 Concordo com o conteúdo da presente Informação e a proposta feita pela Subdirectora H.
 À consideração superior.

O Director,
Ass.) vd. original
Aos 12/6/2012

Ao Director dos Serviços,
 Concordo com o conteúdo da presente Informação, propondo que sejam autorizados e acompanhados os pontos 27.1 e 27.2 conforme propostos.
À consideração superior.
O Subdirector
Ass.) vd. original
Aos 12/6/2012
Despacho:
CONCORDO
 Em 12/6/2012
Ass.) vd. original




Ao Exm.º Sr. Chefe do Executivo:
Concordo com o parecer e proposta constante da Informação, submetendo à consideração de V. Ex.ª.

O Secretário para os Transportes e Obras Públicas Ass.) J
Aos 12/6/2012

Assunto: Declaração de nulidade das transmissões e das alterações do contrato relativas à concessão, por arrendamento, dos cinco terrenos com a área de 4.012 m2, de 13.425m2, de 18.707m2, de 8.750m2 e de 33.895m2 sitos na ilha da Taipa, na Estrada da Ponta da Cabrita, respectivamente designados por lote 1c, lote 2, lote 3, lote 4 e lote 5, regidos pelos despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 48, 49, 50, 51 e 52/2006. (Proc. n.ºs 6452.04 a 6456.04)
Informação n.ºXXX/DSODEP/2012 de 12/6/2012

Antecedentes
1. Por despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 48, 49, 50, 51 e 52/2006, publicados no B.O da RAEM n.º 14, II série, de 6 de Abril de 2006, foi regida a transmissão onerosa a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos cinco terrenos situados na ilha da Taipa, na Estrada da Ponta da Cabrita, designados respectivamente por lotes “1c”, “2”, “3”, “4” e “5”. (anexo 1)
2. Quanto ao pormenor dos dados dos supracitados terrenos é do seguinte: (vd. documento 3 anexo à presente Informação, cláusula primeira, n.º 1, al. 1) a 5) do contrato de revisão da concessão de terrenos regido pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011)
2.1 Lote «1C», com a área de 4 012 m2, titulado pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 48/2006, descrito na CRP sob o n.º 22 993 e cujo direito resultante da concessão se encontra inscrito a favor da sociedade A sob o n.º 130835G, assinalado na planta n.º 177/1989, emitida em 9 de Março de 2011, pela DSCC pelas seguintes parcelas de terreno: «1C1» com 2 812 m2, «1C2» com 493 m2, «1C3» com 268 m2, «1C4» com 321 m2 e «1C5» com 118 m2.
2.2 Lote «2», com a área de 13 425 m2, titulado pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 49/2006, descrito na CRP sob o n.º 22 991 e cujo direito resultante da concessão se encontra inscrito a favor da sociedade A sob o n.º 130882G, assinalado na planta acima identificada pelas parcelas de terreno: «2a», com 11 941 m2, «2b» com 1 044 m2, «2c» com 436 m2 e «2d» com 4 m2.
2.3 Lote «3», com a área de 18 707 m2, titulado pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 50/2006, descrito na CRP sob o n.º 22 995 e cujo direito resultante da concessão se encontra inscrito a favor da sociedade A sob o n.º 130883G, assinalado na referida planta com o número «3».
2.4 Lote «4», com a área de 8 750 m2, titulado pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 51/2006, descrito na CRP sob o n.º 22 990 e cujo direito resultante da concessão se encontra inscrito a favor da sociedade A sob os n.º 130885G, assinalado na mencionada planta pelas seguintes parcelas de terreno: «4a» com 7 265 m2, «4b» com 1 394 m2, «4c» com 14 m2 e «4d» com 77 m2.
2.5 Lote «5», com a área de 33 895 m2 titulado pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 52/2006, descrito na CRP sob o n.º 22 989 e cujo direito resultante da concessão se encontra inscrito a favor da sociedade A sob o n.º 130888G, assinalado na mesma planta pelas seguintes parcelas de terreno: «5a1» com 17 694 m2, «5a2» com 2 353 m2, «5a3» com 2 494 m2, «5b1» com 7 863 m2, «5b2» com 1 570 m2, «5b3» com 1 133 m2, «5b4» com 280 m2, «5b5» com 178 m2, «5b6» com 14 m2, «5b7» com 104 m2, «5b8» com 165 m2, «Ca» com 43 m2 e «Cb» com 4 m2.
3. Os aludidos lotes faziam parte integrante de um terreno com a área inicial de 1 914 050 m2, concedido à CAM-K, SARL, através de escritura de 14 de Dezembro de 1990, exarada de fls. 59 e seguintes do livro n.º 281 da Direcção dos Serviços de Finanças, cujo contrato foi revisto pelos Despachos n.º 5/SATOP/94, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 5, II Série, de 2 de Fevereiro de 1994, n.º 82/SATOP/95, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 26, II Série, de 28 de Junho de 1995, n.º 52/SATOP/96, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 16, II Série, de 17 de Abril de 1996 e n.º 34/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 11, II Série, de 12 de Março de 1997, tendo este sido alterado pelo Despacho n.º 53/SATOP/97, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 17, II Série, de 23 de Abril de 1997.(anexo 2)
4. Atentos o plano de aproveitamento dos cinco lotes submetido pela concessionária “A” e o pedido de revisão do contrato de concessão dos lotes por si formulado, por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011 publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 13, II Série, de 30 de Março de 2011, foi regida a revisão de concessão dos referidos cinco lotes, tendo a concessionária devolvido nove parcelas de terreno com a área total de 1 282 m2 e sido concedidas simultaneamente, por arrendamento, oito parcelas de terreno com a área total de 5 204 m2, para unificar as concessões anteriores e formar um único terreno com a área total de 82 711 m2 destinado à construção de um complexo residencial, em regime de propriedade horizontal. (anexo 3)
5. De acordo com os dados de registo predial descarregados da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, os supracitados cinco lotes foram registados a favor de “A” sem qualquer hipoteca e o respectivo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011 relativo à revisão de concessão de terrenos, encontra-se inscrito sob o número 31081F, averbamentos 1 e 2. (anexo 4)

Decisão do Tribunal de Última Instância
6. Por acórdão proferido em 31 de Maio de 2012 no Processo n.º 37/2011 pelo Tribunal de Última Instância da RAEM ora transitado em julgado, nos termos dos factos indicados nos pontos 39 a 91 da Acusação dados por provados, o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas foi condenado pela prática do crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo art.º 337º, n.º 1 do Código Penal, por ter recebido benefícios patrimoniais no sentido de assegurar que a empresa “A” conseguisse obter as transmissões onerosas dos lotes “1c”, “2”, “3”, “4” e “5” sitos no cruzamento entre a Estrada da Ponta da Cabrita e a Avenida de Wai Long, na ilha da Taipa (em frente do aeroporto internacional de Macau). (anexo 5)
7. Com base no supracitado acórdão e para os devidos efeitos, através do ofício n.º XXX/2012/TUI, de 4 de Junho de 2012, o Tribunal de Última Instância remeteu o respectivo acórdão ao Chefe do Executivo. (anexo 6)

Nulidade do acto de homologação feito pelo Chefe do Executivo
8. Os efeitos acima referidos visam declarar nulos os actos seguintes praticados pelo Chefe do Executivo:
8.1 O acto praticado em 17 de Março de 2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 23/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras e a minuta do contrato anexo a esse parecer. (anexo 7). Segundo o supracitado parecer, foram autorizadas a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote “1c”, e a alteração do respectivo contrato de concessão;
8.2 O acto praticado em 17 de Março de 2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 24/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras e a minuta do contrato anexa a esse parecer (anexo 8). Segundo o supracitado parecer, foram autorizadas a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote “2”, e a alteração do respectivo contrato de concessão;
8.3 O acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 25/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras e a minuta do contrato anexa a esse parecer. (anexo 9). Segundo o supracitado parecer, foram autorizadas a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote “3”, e a alteração do respectivo contrato de concessão;
8.4 O acto praticado em 17 de Março de 2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 26/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras e a minuta do contrato anexa a esse parecer. (anexo 10). Segundo o supracitado parecer, foram autorizadas a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote “4”, e a alteração do respectivo contrato de concessão;
8.5 O acto praticado em 17 de Março de 2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 27/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras e a minuta do contrato anexa a esse parecer. (anexo 11). Segundo o supracitado parecer, foram autorizadas a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, do lote “5”, e a alteração do respectivo contrato de concessão;
9. Segundo os supracitados pareceres, foram autorizadas as transmissões dos respectivos terrenos e a alteração da concessão, e a respectiva situação jurídica foi regida pelos Despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas seguintes, publicados no Boletim Oficial da RAEM n.º 14, II série, de 6 de Abril de 2006:
9.1 Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 48/2006;
9.2 Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 49/2006;
9.3 Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 50/2006;
9.4 Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 51/2006;
9.5 Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 52/2006;
10. O Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo D.L n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, dispõe nos seus art.ºs 122º e 123º, quanto ao regime de nulidade do acto administrativo.
11. Nos termos do art.º 122º, n.2 do referido código, “são, designadamente, actos nulos…… c) os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime”. Além disso, nos termos do art.º 123º, n.2 do referido código, “a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal”.
12. Quanto à referida situação, tal como invocada pelo acórdão do Tribunal de Última Instância proferido anteriormente nos autos de processo comum n.º 53/2008, são nulos não só os actos administrativos cujo objecto constitua crime, mas também os actos administrativos cujo acto preparativo envolva-se em crime.
13. Isto corresponde ao entendimento por maior parte da jurisprudência, bem como ao acórdão do Tribunal de Última Instância proferido em 25 de Abril de 2012 nos autos n.º 11/2012.
14. O Tribunal de Última Instância já confirmou (acórdão nos autos n.º 37/2011) que as supracitadas transmissões estiveram envolvidas nos actos ilícitos praticados pelo ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, nos termos dos art.ºs 122º, n.º 2, al. c) e 123º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, são nulos os actos praticados pelo Chefe do Executivo que homologou os pareceres da Comissão de Terras e as minutas dos contratos anexas a esses pareceres.
15. Pelo que, confirmou-se que o procedimento de transmissões padeceu de vício devido à intervenção ilícita do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas. Essa intervenção era importante para a decisão, resultando daí que o acto final proferido pelo Chefe do Executivo também padeceu de vício por causa do crime acima referido.
16. Embora seja adequado e correcto o acto final praticado pelo Chefe do Executivo, o vício absoluto de que sofreu o acto preparativo causou o vício de invalidade do acto final.
17. A nulidade deve ser declarada pelo agente quem praticou o acto, ou seja o Chefe do Executivo, e publicada no Boletim Oficial da RAEM.
18. Pelo que, independentemente da natureza dos contratos regida pelos despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, supõe-se que os respectivos contratos são contratos administrativos, nos termos do princípio de equidade previsto no art.º 172º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, a nulidade dos actos do Chefe do Executivo causará a nulidade dos respectivos contratos.
19. Assim sendo, quando esteja nulo ou anulável o acto administrativo de que depende a celebração do contrato administrativo, este também é nulo ou anulável.
20. No presente caso, uma vez que a concessão é de natureza provisória, nos termos do art.º 143º, n.º 1 e 2 da Lei de Terras, as transmissões de situações resultantes da concessão são nulas e de nenhum efeito se não forem autorizadas previamente pela entidade competente que tinha autorizado a concessão.
21. Contudo, devido à ocorrência do facto do crime de corrupção passiva, que conduziu à autorização das situações de transmissões resultantes da concessão dos cinco terrenos, e esse facto ocorreu na fase de preparação dos respectivos contratos, daí resultando necessariamente invalidade dos contratos, passando a serem nulos.

Resultados de nulidade do acto de homologação feito pelo Chefe do Executivo
22. O objecto dos despachos do secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 48/2006, 49/2006, 50/2006, 51/2006 e 52/2006 inclui a autorização das transmissões onerosas a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos respectivos terrenos e a alteração dos respectivos contratos de concessão. Quando forem declarados nulos os tais despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, os direitos resultantes da concessão dos terrenos reverterão às originais concessionárias, ou seja:
22.1 O lote “1c” reverte à Sociedade C;
22.2 O lote “2” reverte à Sociedade D;
22.3 O lote “3” reverte à Sociedade E;
22.4 O lote “4” reverte à Sociedade F;
22.5 O lote “5” reverte à Sociedade G;
23. De acordo com os dados de registo comercial descarregados da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, para além da C que era concessionária original do lote “1c”, as restantes quatro sociedades já extinguiram-se devido à dissolução por deliberação dos sócios e ao encerramento da liquidação. (anexo 12)
24. O Código Comercial dispõe no seu art.º 325º, n.º 3 que “verificando-se, depois de registado o encerramento da liquidação, a existência de bens da sociedade que não foram partilhados, compete a qualquer um dos sócios referidos no número anterior propor aos restantes a partilha adicional, que será feita nos termos por todos acordados.”
25. Em relação à eventual influência causada à alteração de concessão dos terrenos regida pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011, na sequência da declaração de nulidade do acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou os pareceres emitidos em 16 de Março pela Comissão de Terras onde foram autorizadas as transmissões a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão dos lotes 1c, 2, 3, 4 e 5, bem como a alteração dos respectivos contratos de concessão, e a minuta de contrato anexa, esta Direcção submeterá oportunamente as informações à consideração superior.

Procedimento de audiência
26. Embora a nulidade do acto seja resultante do exercício do direito vinculado, tendo em consideração a complexidade do caso, pode-se ter divergência quanto à interpretação e à aplicação da norma, assim se propõe a realização de audiência prévia dos interessados ao abrigo dos art.º 93º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, a fim de eliminar a eventual divergência.

Conclusão
27. Face ao acima exposto, propõe-se que seja submetida a presente Informação à consideração superior, no sentido de tomar em consideração os seguintes:
27.1 Procedimento da declaração pelo Chefe do Executivo da nulidade dos actos seguintes ao abrigo dos art.º 122º, n.º 2, al. c), e 123º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo:
27.1.1 Nulidade do acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 23/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras onde foram autorizadas a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão do lote “1c”, bem como a alteração do respectivo contrato de concessão e a minuta do contrato anexa, revertendo os ditos direitos à sua concessionária original;
27.1.2 Nulidade do acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 24/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras onde foram autorizadas a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão do lote “2”, bem como a alteração do respectivo contrato de concessão e a minuta do contrato anexa, revertendo os referidos direitos à sua concessionária original;
27.1.3 Nulidade do acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 25/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras onde foram autorizadas a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão do lote “3”, bem como a alteração do respectivo contrato de concessão, e a minuta do contrato anexa, revertendo os referidos direitos à sua concessionária original;
27.1.4 Nulidade do acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 26/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras onde foram autorizadas a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão do lote “4”, bem como a alteração do respectivo contrato de concessão e a minuta do contrato anexa, revertendo os referidos direitos à sua concessionária original;
27.1.5 Nulidade do acto praticado em 17/3/2006 pelo Chefe do Executivo que homologou o parecer n.º 27/2006 emitido em 16 de Março pela Comissão de Terras onde foram autorizadas a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão do lote “5”, bem como a alteração do respectivo contrato de concessão e a minuta do contrato anexa, revertendo os referidos direitos à sua concessionária original;
27.2 Antes de se tomar a decisão sobre a proposta, nos termos do art.º 93º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, propõe-se que, face à intenção de decisão indicada nos supracitados pontos 27.1.1 a 27.1.5, seja realizada a audiência dos interessados abaixo indicados:
27.2.1 Sociedade “A”, ora concessionária dos lotes “1c”, “2”, “3”, “4” e “5”;
27.2.2 C, original concessionária do lote “1c”;
27.2.3 Sócios das originais concessionárias já dissolvidas e extintas dos lotes “2”, “3”, “4” e “5”.

À consideração Superior.
A Chefe do Departamento,
Ass.) P (foi-me feita tradução oral)

O Chefe do Departamento de Gestão de solos, Subst.º
Ass.) Q

O Técnico,
Ass.) O”

16. Posteriormente foi tomada pela Administração a posição reflectida na seguinte decisão e seus fundamentos:

“Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes
Parecer:
Ao Exm.º Sr. Secretário:
 Concordo com o conteúdo e a proposta da Informação.
 À consideração superior.

O Directora,
Ass.) R
Aos 4/9/2012

Ao Director dos Serviços,
 Concordo com o conteúdo da presente Informação, propondo que sejam acompanhados os pontos 8.1 e 8.2 conforme propostos.
À consideração superior.

A Chefe do Departamento de Gestão de Solos
Ass.) I
Aos 4/9/2012
Despacho:
 Visto. Concordo com a proposta do Secretário J.
 Concordo
 Em 4/9/2012
Ass.) vd. original


  Ao DSODEP. c/c: SOTSDA
Ass.) vd. original
O Director dos Serviços,
4/9/2012

Ao Exm.º Sr. Chefe do Executivo:
 Concordo com o parecer e proposta constante da Informação, submetendo à consideração de V. Ex.ª.

O Secretário para os Transportes e Obras Públicas Ass.) J
Aos 4/9/2012

Assunto: Revisão do contrato de concessão, por arrendamento, dum terreno com área de 82.711 m2, situado na ilha da Taipa, na Estrada da Ponta da Cabrita, regido pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011. (Proc. n.º 6452.03)
          Informação n.ºXXX/DSODEP/2012 de 4/9/2012

Antecedentes
1. Por despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 48 a 52/2006, publicados no B.O da RAEM n.º 14, II série, de 6 de Abril de 2006, foi autorizada a transmissão onerosa a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos cinco terrenos situados na ilha da Taipa, junto à Avenida Wai Long e Estrada da Ponta da Cabrita, designados respectivamente por lotes “1c”, “2”, “3”, “4” e “5”, com as áreas de 4 012 m2, 13 425 m2, 18 707 m2, 8 750 m2 e 33 895 m2, descritos na CRP sob o n.ºs 22 993, 22991, 22995, 22990 e 22989. A supracitada concessão foi regida pela escritura pública celebrada em 14 de Dezembro de 1990 e revista pelos Despachos n.ºs 5/SATOP/94, 82/SATOP/95, 52/SATOP/96 e 34/SATOP/97 bem como alterada pelo Despacho n.º 53/SATOP/97. (anexo 1)
2. Posteriormente, por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011 publicado no Boletim Oficial da RAEM n.º 13, II Série, de 30 de Março de 2011, foram autorizadas a revisão da concessão dos referidos cinco lotes, a reversão de nove lotes e a concessão de oito lotes, para efeitos de unificação e de aproveitamento em conjunto. Atenta a supracitada alteração, o terreno passa a ter a área total de 82 711 m2. (anexo 2)
3. Por acórdão do Tribunal de Última Instância n.º 37/2011, ficou provado que incorreu de vício, o procedimento de selecção de empresa concessionária, quanto à transmissão dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos cinco terrenos situados na ilha da Taipa, junto à Avenida Wai Long e Estrada da Ponta da Cabrita, designados respectivamente por lotes “1c”, “2”, “3”, “4” e “5”, com as áreas de 4 012 m2, 13 425 m2, 18 707 m2, 8 750 m2 e 33 895 m2, descritos na CRP sob o n.ºs 22993, 22991, 22995, 22990 e 22989, devido à intervenção ilícita do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas, na qualidade de titular do órgão da Administração.
4. Dado que o procedimento administrativo de transmissão dos supracitados direitos teve como base a negociação derivada do referido processo de selecção, incorrendo também de vício devido à intervenção ilícita do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas.
5. Sendo assim, por despacho do Chefe do Executivo de 8 de Agosto de 2012, exarado na Informação n.º XXX/DSODEP/2012, nos termos do art.º 122º, n.º 2, al. c) e 123º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo, foi declarado nulo o acto proferido por si em 17/3/2006 que respectivamente homologou os pareceres n.ºs 23/2006, 24/2006, 25/2006, 26/2006, e 27/2006 emitidos em 16 de Março de 2006 pela Comissão de Terras. Segundo os supracitados pareceres, foi emitido o parecer favorável face à transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos lotes “1c”, “2”, “3”, “4” e “5”, à alteração do respectivo contrato de concessão e à minuta do contrato anexa a esses pareceres. (anexo 3)
6. Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 38/2012, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 15 de Agosto de 2012, já foi publicada ao público a decisão da declaração de nulidade. (anexo 4)

Situação actual
7. Para efeito de acompanhar os efeitos da declaração de nulidade dos supracitados actos feita pelo Chefe do Executivo e publicada no Despacho do Secretário para os Transporte e Obras Públicas n.º 38/2012, pela presente Direcção foi feita uma análise do despacho com parecer jurídico seguinte:
A. O Chefe do Executivo, em 8 de Agosto de 2012, proferiu o despacho declarando nele nulo o acto por si praticado em 17 de Março de 2006, produzindo efeitos o despacho face à concessão alterada por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 13, II Série, de 30 de Março de 2011.
1) Por despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 38/2012 publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 33, II Série, de 15 de Agosto de 2012, já foi publicada ao público a declaração de nulidade do acto.
2) Pelo que, cumpre agora analisar qual o resultado que a declaração de nulidade causa à concessão alterada pelo despacho do secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011 publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 13, II Série, de 30 de Março de 2011.
3) Na realidade, dado que o acto de nulidade não produz quaisquer efeitos jurídicos (art.º 123º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo), caso seja nulo e não produza quaisquer efeitos jurídicos o acto administrativo de ter autorizado a transmissão a favor da sociedade A, dos direitos resultantes da concessão, tudo isso já parece que não aconteceu, e nos termos do princípio de equidade previsto no art.º 172º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, o contrato de transmissão dos direitos subsequente também é nulo. Daí se pode concluir que os direitos resultantes da concessão nunca chegam a ser transmitidos ao âmbito de direitos e de deveres da Sociedade A.
4) Dado que a sociedade A, requerente de alteração de concessão não é detentora de direito dos referidos cinco terrenos, temos que aprofundar como é que os factos podiam influenciar o acto praticado em 9 de Março de 2011 pelo Chefe do Executivo, que homologou o parecer da Comissão de Terras, no sentido de determinar a validade do acto de autorização do pedido de alteração de concessão.
5) Quer dizer, o Chefe do Executivo praticou o supracitado acto no intuito de produzir efeitos jurídicos dos cinco terrenos, enquanto nos pressupostos a Sociedade A era detentora dos direitos resultantes da concessão, o que tem que verificar é se o acto continua a ser válido perante a situação em que os direitos nunca existem.
6) A resposta é necessariamente negativa.
7) O que tem que apurar é qual o fundamento que conduziu à nulidade do acto do Chefe do Executivo e sua consequência.
8) Em primeiro lugar, temos que analisar o elemento necessário de que dispõe o acto administrativo (o acto do Chefe do Executivo de 3 de Setembro de 2011)
9) A doutrina mais comum divide o acto administrativo em vários elementos construtivos: elemento subjectivo, elemento formal, elemento objectivo e elemento funcional1.
10) Para simplificar o conteúdo do parecer jurídico, aqui só se põe ênfase no elemento objectivo do acto administrativo, uma vez que já anteriormente consideramos que lhe falta um dos elementos (objecto) e o que fez com que o acto praticado em 9 de Março de 2011 pelo Chefe o Executivo incorresse de vício.
11) O acto administrativo tem como elemento objectivo o seu conteúdo e objecto, ou objecto directo e indirecto tal como designado por alguns juristas.
12) O conteúdo ou objecto directo do acto administrativo é formado pelos efeitos jurídicos por si constituídos ou declarados, sendo uma decisão essencial tomada pela Administração (tal como nomeação, punição, emissão de licença, suspensão e concessão, etc.), enquanto o seu objecto ou objecto indirecto é formado pela coisa extrínseca que efectivamente existe (tal como o ser humano, a coisa e a relação jurídica, etc.), resultando dela o efeito jurídico do acto administrativo.
13) Quanto a essa noção, in casu, no acto de autorização de concessão, o conteúdo do acto do Chefe do Executivo é a decisão de autorização de alteração de concessão tomada com base nas condições constantes da minuta do contrato, e o seu objecto (indirecto) é os cinco terrenos e os direitos para com esses terrenos.
14) A declaração de nulidade do acto praticado em 17 de Março de 2006 pelo Chefe do Executivo que homologou os pareceres n.ºs 23 a 27/2006 emitidos em 16 de Março de 2006 pela Comissão de Terras, fez com que a Sociedade A deixasse de ser detentora dos direitos resultantes da concessão desses cinco terrenos, conduzindo à invalidade do objecto indirecto do acto de autorização de alteração de concessão praticado em 9 de Março de 2011 pelo Chefe do Executivo.
15) Uma vez que, quando a sociedade A, ora requerente nos autos não é detentora dos direitos, face ao seu pedido, já não se pode proceder à revisão da concessão do terreno que sobre o qual a requerente não tem direito.
16) Nos termos do art.º 122º, n.º 2, al. c) do Código do Procedimento Administrativo, é acto nulo o acto cujo objecto seja impossível.
17) Por outro lado, a “impossibilidade do objecto indirecto” significa ou causa a que o acto administrativo carece de objecto indirecto.
18) Nos termos do art.º 122º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo: “São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais… ”, pelo que, se se considere que o objecto do acto administrativo é um dos elementos essenciais previstos neste artigo, podemos entender assim que se pode declarar nulo o acto do Chefe do Executivo, uma vez que o acto padece de vício de nulidade por falta de objecto.
19) Para os efeitos do referido dispositivo, nos termos do art.º 110º do mesmo código (conceito de acto administrativo), os elementos essenciais do acto administrativo devem ser interpretados como elementos constituintes do acto administrativo, e o certo é que o objecto desse acto é um dos elementos essenciais englobados na definição de acto administrativo.
20) Segundo alguma doutrina, os elementos essenciais referem-se a que “todos aqueles que se ligam a momentos ou aspectos legalmente decisivos e graves dos actos administrativos”. “são nulos todos os actos administrativos que carecem de elementos essenciais”, e “no caso concreto, é dependente de tipo do acto ou de gravidade de vício que possa afectar o acto”.2
21) Por outro lado, há jurisprudência que entende que a contrariedade de elementos essenciais do acto administrativo tem a ver com o tipo do acto ou a gravidade de vício que afecte a estabilidade dos elementos essenciais (ou seja o seu sujeito, vontade, objecto e finalidade pública) (vd. acórdãos proferidos em 21/3/2002 e 14/5/2002 nos autos de recurso n.ºs 221/02 e 47825 pelo Supremo Tribunal Administrativo)
22) Com base nisso, podemos retirar a conclusão que, devido a que o acto praticado em 9 de Março de 2011 pelo Chefe do Executivo carece de um elemento essencial – falta de objecto (a sociedade A, não é detentora dos direitos resultantes da concessão dos terrenos “1c”, “2”, “3”, “4” e “5”), é nulo o referido acto, ao abrigo do art.º 122º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.
23) Nos termos do princípio da equidade previsto no art.º 172º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, quando esteja nulo ou anulável o acto administrativo de que depende a celebração do contrato administrativo, o contrato também é nulo ou anulável, razão pela qual, da nulidade do supracitado acto também resulta nulidade do contrato de alteração de concessão regido pelo Despacho do secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011.
B Consequência da eventual declaração de nulidade do acto: desocupação do terreno e restituição do prémio devido à alteração de concessão através do despacho do secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º15/2011
1) Nos termos do art.º 282º, n.º 1 do Código Civil, tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
2) No momento em que se declare nulo o acto de autorização de alteração da concessão por arrendamento, dos cinco terrenos situado na ilha da Taipa, junto à Avenida Wai Long e Estrada da Ponta da Cabrita, respectivamente designados por lote 1c, lote 2, lote 3, lote 4 e lote 5, regidos pelo despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011, deve a sociedade A, desocupar do terreno, livre de ónus ou encargos.
3) Uma vez que o prémio de MOP642.161.305,00 devido à alteração de concessão regida pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011, já foi pago integralmente pela sociedade A, da nulidade do contrato resultará o pedido da obrigação de restituição da prestação indevida, ou seja obrigação de restituição.
4) De acordo com o princípio da justiça equitativa: “É permitido dar a cada um o que lhe é devido”, a obrigação de restituição de aquisição indevida é um dos princípios normais de todo o sistema jurídico.
5) Pelo que, após a desocupação do terreno da sociedade A, deve o governo da RAREM restituir o montante devido à alteração de concessão.

8. Pelo exposto, nos termos dos pareceres jurídicos e dos fundamentos acima referidos, submete-se à consideração superior a presente Informação para ter em conta os seguintes:
8.1 Realização do procedimento no sentido de declarar nulo o acto feito em 9 de Março de 2011 pelo Chefe do Executivo relativo à sua homologação do parecer da Comissão de Terras n.º 41/2011, de 3 de Março de 2011, ao abrigo do art.º 122º, n.ºs 1 e 2, al. c) e 123º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo; através do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 15/2011, o referido acto de homologação foi publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 13, II Série, de 30 de Março de 2011. Segundo o supracitado parecer, foi emitido pela Comissão de Terras o parecer favorável, face ao pedido de revisão do contrato de concessão, por arrendamento, dos cinco terrenos designados por lote “1c”, lote “2”, lote “3”, lote “4” e lote “5”, com as áreas de 4 012 m2, 13 425 m2, 18 707 m2, 8 750 m2 e 33 895 m2, situados na ilha da Taipa, junto à Avenida Wai Long e Estrada da Ponta da Cabrita, e ao pedido de reversão de nove terrenos e de concessão de oito terrenos para finalidade de unificação e de aproveitamento em conjunto, e à minuta do contrato anexa ao parecer.
8.2 Antes de se tomar a decisão sobre a proposta, nos termos do art.º 93º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, propõe-se que, face à intenção da decisão supracitada, seja realizada a audiência da concessionária A.
À consideração Superior.

O Chefe do Departamento, Substº.,
Ass.) S

O Técnico,
Ass.) Q”

3. Direito
Suscita a recorrente as seguintes questões:
A. Nulidade do acto recorrido
- por usurpação de poder
- por ofensa de direitos fundamentais da recorrente (direito de propriedade e direito de defesa)
B. Anulabilidade do acto recorrido
- por desrespeito dos limites do caso julgado
- por erro de direito e erro nos pressupostos de facto na aplicação da al. c) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA
- por erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à alegada postergação do interesse público
- por erro e défice de ponderação na interpretação e aplicação do art.º 123.º n.º 3 do CPA e violação dos princípios da boa fé, da confiança e da proporcionalidade
Devidamente analisadas as questões colocadas pela recorrente e as circunstâncias concretas do presente caso, afigura-se-nos não assistir razão à recorrente, sem intenção de ignorar as suas alegações apresentadas bem como as doutas considerações expendidas no douto parecer junto aos autos.
  
3.1. Usurpação de poder
Na tese da recorrente, o acto administrativo impugnado procedeu à declaração de nulidade dos contratos de concessão dos terrenos em causa, matéria esta que é da competência exclusiva dos tribunais, ao abrigo do disposto no art.º 173.º n.º 1 do CPA, incorrendo assim no vício de usurpação de poder.
Sem pôr em causa o poder da Administração de declarar a nulidade dos actos de homologação dos pareceres da Comissão de Terras, continua a recorrente a defender que o acto recorrido procedeu também à declaração de nulidade dos contratos de concessão.
E o Tribunal recorrido entende que, se é verdade que a declaração de nulidade do contrato só judicialmente pode ser feita, já não assim quando se declara a nulidade de um acto que autorizou a transmissão de um contrato de concessão, estando apenas em causa a titularidade do contratante particular.
E o acto impugnado não é um acto que tenha modificado os contratos de concessão, antes se declara nulo acto anterior que homologara pareceres da Comissão de Terras e só mediatamente os contratos de concessão são atingidos; nesta perspectiva e no fundo, o que se põe em causa com a declaração da nulidade apontada é o acto que autoriza a substituição do concessionário e já não o conteúdo das concessões, perdendo assim sentido a invalidação unilateral e subjectiva da Administração a impor-se à outra parte contratual.
Trata-se de saber se, com a declaração de nulidade dos actos do Chefe do Executivo, de 17 de Março de 2006, que homologaram os Pareceres da Comissão de Terras n.ºs 23 a 27/2006, todos de 16 de Março de 2006, a Administração procedeu também à declaração de nulidade dos contratos de concessão e, no caso positivo, se foi violada a referida norma.

Nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA, são nulos os actos viciados de usurpação de poder.
No que respeita ao vício em causa, ensina o Prof. Diogo Freitas do Amaral que há usurpação de poder em todos os casos em que a Administração pública se intrometer na esfera própria da competência dos tribunais judiciais, isto é, sempre que o poder administrativo invadir a esfera privativa do poder judicial.3
E a usurpação de poder consiste na prática, por um órgão administrativo, de acto incluído nas atribuições dos tribunais judiciais. Trata-se de uma forma agravada de carência de competência do autor do acto.4
Vejamos se se verifica no presente caso o vício imputado pela recorrente.

Ora, dispõem os art.ºs 172.º e 173.º do CPA o seguinte:
“Artigo 172.º
(Regime de invalidade dos contratos)
1. Os contratos administrativos são nulos ou anuláveis, nos termos do presente Código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração.
2. São aplicáveis a todos os contratos administrativos as disposições do Código Civil relativas à falta e vícios da vontade.
3. Sem prejuízo do disposto no n.º 1, à invalidade dos contratos administrativos aplicam-se os regimes seguintes:
a) Quanto aos contratos administrativos com objecto passível de acto administrativo, o regime de invalidade do acto administrativo estabelecido no presente Código;
b) Quanto aos contratos administrativos com objecto passível de contrato de direito privado, o regime de invalidade do negócio jurídico previsto no Código Civil.
Artigo 173.º
(Actos opinativos)
1. Os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade não são definitivos e executórios, pelo que na falta de acordo do co-contratante, a Administração só pode obter os efeitos pretendidos através de acção a propor no tribunal competente.
2. O disposto no número anterior não prejudica a aplicação das disposições gerais da lei civil relativas aos contratos bilaterais, a menos que tais preceitos tenham sido afastados por vontade expressa dos contratantes.”
Por sua vez, estipula o n.º 1 do art.º 113.º do CPAC que “A acção sobre contratos administrativos tem por finalidade dirimir os litígios sobre interpretação, validade ou execução dos contratos, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual”.

Decorre da conjugação das normas supra citadas duas ideias fundamentais: i) a nulidade ou anulabilidade dos actos administrativos implica também a mesma consequência para os contratos administrativos cuja celebração tenha dependido daqueles actos; ii) cabe no poder judicial exclusivamente exercido pelos tribunais a declaração de nulidade de cláusulas contratuais, não sendo definitivos e executórios os actos administrativos que interpretem cláusulas contratuais ou que se pronunciem sobre a respectiva validade.
Na sua anotação à norma idêntica ao art.º 173.º do CPA, escrevem os Dr.s Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho que “o n.º 1 desta disposição consagra o entendimento já unânime na jurisprudência e na doutrina mais reputada, segundo o qual, em caso de conflito entre a Administração e o seu co-contratante sobre o sentido e validade das cláusulas contratuais, aquela não dispõe do poder de as interpretar ou de apreciar a sua validade através de actos administrativos definitivos e executórios, isto é, susceptíveis de impugnação contenciosa”5.
E querendo que valha, perante o co-contratante, o efeito do seu acto puramente opinativo, o contraente administrativo há-de pedir aos tribunais que declarem ser correcta a sua interpretação sobre o conteúdo ou a (in)validade das cláusulas contratuais em causa, para a poder exigir depois contra a própria vontade da contraparte.6
A lei é muito clara: a matéria cuja apreciação reclama a intervenção do tribunal prende-se com a interpretação sobre o conteúdo e a validade das cláusulas contratuais, o que se justifica com a eventual divergência e falta de acordo das duas partes sobre o sentido e validade das mesmas.

Quanto à invalidade do contrato administrativo, convém distinguir as seguintes situações: o contrato é nulo em consequência da nulidade das suas cláusulas contratuais; o contrato padece de nulidade derivada, porque é nulo o acto administrativo de que tenha dependido a sua celebração, nos termos do n.º 1 do art.º 172.º do CPA.
Na segunda situação, a nulidade do contrato não tem nada a ver com a interpretação ou a validade das cláusulas contratuais, não estando em causa o sentido ou conteúdo do contrato. A nulidade do contrato determina-se com o mesmo vício do próprio acto administrativo que permite a celebração do contrato.
Ora, tal como entende o Tribunal recorrido, o regime da arguição das nulidades consagrado no art.º 173.º n.º 1 do CPA, que impõe a invocação em juízo das invalidades, é uma particularidade do regime substantivo das invalidades consagrado no art.º 172.º.
No caso sub judice e por acto impugnado, a Administração declara a nulidade dos actos do Chefe do Executivo, através dos quais foram homologados os Pareceres da Comissão de Terras favoráveis à transmissão dos direitos resultantes dos contratos de concessão, por arrendamento, dos lotes a favor da recorrente, bem como à revisão da concessão e às minutas de contratos a eles anexas.
Considera a Administração que os actos de homologação foram feitos com base nos procedimentos anteriores com pressupostos e motivos criminosos, concretamente com negociação particular acordada pela intervenção ilícita do ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que se mostrava importante e decisiva à proposta vencedora a ganhar, fazendo com que o processo de transmissão de terras também padecesse de vício; assim sendo, da intervenção ilícita resultou necessariamente conclusão que a prática do crime de corrupção passiva viciou inevitavelmente o processo de transmissão subsequente, levando a que o acto final do procedimento também padecesse de vício. E são nulos os actos cujo objecto constitua crime.
E a nulidade dos contratos é causada necessariamente pela declaração da nulidade daqueles actos de homologação, resultante da nulidade destes actos.
O que daí decorre é que a Administração não chegou a expor a sua interpretação sobre as cláusulas contratuais nem se pronunciou sobre a validade das mesmas, limitando-se a declarar nulos os actos de homologação do Chefe do Executivo, no exercício do seu poder vinculado, face ao disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA.
Quanto à nulidade dos respectivos contratos, é a consequência necessária imposta pela norma legal, pois o n.º 1 do art.º 172.º do CPA estipula que, quando forem nulos os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração, também são nulos os contratos administrativos.
Pelo expendido, afigura-se-nos não verificado o vício de usurpação de poder imputado pela recorrente, já que o acto administrativo impugnado não fez interpretação das cláusulas contratuais nem declarou a nulidade dos contratos administrativos em causa.

3.2. Ofensa de direitos fundamentais da recorrente
Alega a recorrente que foram violados os seus direitos de propriedade e de defesa.
Na óptica da recorrente, o acto recorrido violou o seu direito de propriedade, na medida em que declarou a nulidade dos contratos de concessão que lhe conferiam o direito de propriedade sobre os lotes em questão, sem que tivesse determinado a forma como reverteriam para si os preços já pagos pelos lotes e o valor das benfeitorias entretanto realizadas nos mesmos.
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.

Nos termos do art.º 49.º da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras), vigente na altura de concessão por arrendamento dos terrenos em questão, “a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão e só se converterá em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente”.
Por outro lado, estabelece o n.º 1 do art.º 50.º do mesmo diploma que “o arrendamento rege-se pelas disposições desta lei e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável”.
A nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), que revogou a Lei n.º 6/80/M, tem a disposição semelhante quanto à natureza da concessão por arrendamento e ao regime jurídico aplicável (art.ºs 41.º e 44.º).
Daí decorre que a concessão por arrendamento tem a natureza provisória, antes de se tornar definitiva com o cumprimento das cláusulas de aproveitamento mínimo previamente estabelecidas.
O que permite dizer que também é “provisório” ou de duração “temporária” o direito resultante da concessão de terrenos por arrendamento.
Quanto aos lotes em causa, nos respectivos contratos de concessão e nas revisões posteriores (nomeadamente Despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 48/2006 a 52/2006 e n.º 15/2011) são estabelecidos os termos e as condições da concessão, que deviam ser cumpridos pela sociedade concessionária, incluindo o prazo de arrendamento, a renda, o prazo de aproveitamento, as multas aplicáveis ao incumprimento do prazo de aproveitamento, a transmissão de situações decorrentes da concessão dependente da prévia autorização, caducidade do contrato, etc.
E a caducidade dos contratos determina a reversão dos terrenos à posse da RAEM com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da sociedade concessionária.
Salienta-se que, na data de declaração de nulidade dos actos administrativos de homologação, a concessão por arrendamento dos terrenos não se tornou ainda em definitiva.
Por outro lado, o Código Civil, tanto de 1966 (art.º 1305.º) como o novo de 1999 (art.º 1229.º), prevê o conteúdo do direito de propriedade, arrogado pela recorrente, dispondo que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
No que respeita ao direito resultante da concessão por arrendamento, que assume sem dúvida particularidades próprias face ao regime geral do direito de propriedade, o art.º 1.º do DL n.º 51/83/M, diploma aprovado com vista à boa execução da Lei n.º 6/80/M e ao abrigo do disposto no art.º 201.º desta lei, estabelece que “o direito resultante da concessão por arrendamento de terrenos urbanos e de interesse urbano abrange poderes de construção ou transformação, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, entendendo-se que as construções efectuadas se mantêm na propriedade do concessionário até expirar o prazo do arrendamento ou enquanto este não for rescindido; expirado o prazo ou operada a rescisão aplica-se o regime de benfeitorias consignado na Lei de Terras.
Goza ainda o concessionário o poder de transmitir a propriedade das construções efectuadas, no regime da propriedade horizontal, e de hipotecar os direitos acima referidos.
E na Lei n.º 10/2/13 encontra-se a disposição semelhante (n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 42.º).
Tudo indica que o direito resultante da concessão por arrendamento do terreno, mesmo com natureza real, não é totalmente coincidente com o direito de propriedade em geral, tendo as suas características, especialidades e limitações próprias. Não se pode falar na perpetuidade nem na plenitude desse direito.
No seu ensinamento sobre a matéria em causa, já citado pelo Tribunal recorrido, diz o Dr. José Gonçalves Marques o seguinte:
《Em Macau, o direito de concessão por arrendamento de terrenos urbanos e de interesse urbano pertencentes ao domínio privado do Território de Macau confere poderes de construção e de transformação de obras ou edifícios, que se tornam propriedade do concessionário (Decreto-Lei n.º 51/83/M, de 26/12, art.º 1.º)7.
O concessionário, proprietário das construções, tem o direito de as alienar, de constituir a propriedade horizontal em edifícios aprovados com esse fim, e de alienar ou onerar as respectivas fracções autónomas.
Pode ainda hipotecar não só o direito resultante da concessão que lhe dá o poder de construir sobre terreno alheio, mas também a propriedade dos edifícios (art. 1.º, 2 do cit. Dec.-Lei n.º 51/83/M)8.
Assim, à semelhança do que acontece com o direito de superfície, há um direito de propriedade sobre as construções emergente do direito de construir, configurado como um direito real, com a mesma estrutura do direito de superfície para edificar, constituído pela concessão por arrendamento.
Este direito de propriedade de construções constitui excepção ao princípio da especialidade, porque, sobre uma parte não desconexionada do solo – a obra –, passa a haver um direito real diferente do direito de propriedade que a pessoa colectiva RAEM tem sobre esse solo.》
E “o direito de propriedade é, …, um direito potencialmente absoluto, de podres indeterminados e sem limites de duração no tempo. Mas a lei admite, excepcionalmente, a propriedade temporária” (art.º 1231.º n.º 2 do Código Civil de Macau; art.º 1307.º n.º 2 do Código Civil de 1966), sendo um dos exemplos de propriedade temporária “a propriedade das construções que emerge da concessão de terrenos por arrendamento para construção no direito de terras de Macau, … Assim, a propriedade dos edifícios, das suas fracções autónomas, quando instituída a propriedade horizontal, tem a duração da concessão e das respectivas prorrogações (art.º 55.º da Lei de Terras)”.
Quanto à propriedade de construções na concessão de terrenos por arrendamento no direito de terras de Macau, esta é “um sub-tipo do direito de propriedade específico do ordenamento de Macau e tem uma estrutura idêntica à do direito de propriedade superficiária que emerge da superfície temporária.
Insere-se, do mesmo modo, num direito complexo como a superfície, pois também aqui tudo emerge de um direito de construir em prédio alheio, que é o direito resultante de concessão por arrendamento de terrenos urbanos e de interesse urbano. E esse direito é complexo, porque é constituído por um direito real sobre coisa alheia – o direito de concessão propriamente dito sobre o terreno pertencente à RAEM – e pelo direito sobre o edifício construído, que é um direito de propriedade privada: direito de propriedade de construções (Decreto-Lei n.º 51/83/M, de 26-12, art.º 1.º).
A natureza real do direito resultante da concessão e a qualificação como propriedade do direito sobre as construções foram estabelecidas pelo citado Decreto-Lei n.º 51/83/M, pois a Lei de Terras, ao fazer uso do arrendamento, como título da concessão, muito dificilmente autorizava tal qualificação, embora o legislador tivesse seguramente em vista operações jurídicas de tráfego imobiliário só possíveis em termos de realidade. É o que resulta, por exemplo, da Lei de Terras, quando, no art.º 155.º, 1, b), fala em: “Destinar-se o arrendamento à construção de edifícios que se componham de unidades independentes que possam pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal”.
Em regra, – como na superfície – constitui-se primeiro a concessão, que compreende poderes de construir, e só depois é que aparece o direito de propriedade sobre a coisa construída. Quer dizer, o direito de propriedade emerge, por regra, do direito de concessão.
Mas nada, na Lei de Terras, impede que a concessão consista também no direito de manter construções. Tem sido esta, de resto, a modalidade utilizada para possibilitar a alienação de casas do Território aos funcionários da administração (cfr. Lei n.º 4/83/M, de 11-7, art.º 4.º).
Esta propriedade é sempre temporária, porque o direito de que emerge – a concessão – é também temporário, ainda que prorrogável (Lei de Terras, art.ºs 54.º e 55.º)”.9
Invocou a recorrente o seu direito de propriedade sobre os lotes em questão, pretendendo que o acto recorrido determinasse a forma como reverteriam para si os preços já pagos pelos lotes e o valor das benfeitorias entretanto realizadas nos mesmos.
Rigorosamente, não se admite falar aqui um direito de propriedade sobre os terrenos, pois estes continuam a pertencer à RAEM, como já foi dito. Com a concessão dos terrenos, o que se confere é um direito de construir em prédio alheio e, depois, o direito de propriedade sobre o edifício construído, ou seja, o direito de propriedade de construções.
Por outro lado, tendo a natureza provisória e as próprias características o direito resultante da concessão por arrendamento, não é de crer, por lógica das coisas, que assista razão à pretensão da recorrente, até porque se constata nas cláusulas contratuais que, no caso de caducidade dos contratos, os terrenos serão revertidos à posse da RAEM, com todas as benfeitorias aí introduzidas, não tendo a sociedade concessionária direito a qualquer indemnização.
Acresce que o direito da recorrente resultante da concessão por arrendamento não se chegou a firmar na esfera jurídica da recorrente nem na ordem jurídica.

A violação de direito de defesa foi invocada porque entendeu a recorrente que o acto recorrido é um acto de natureza sancionatória, assentando em factos dados por provados num processo-crime (Proc. n.º 37/2011 do TUI) no qual ela não teve qualquer participação e não pôde defender-se, vício este que não fica afastado com a audiência prévia que antecedeu à prática do acto recorrido.
Também não tem razão a recorrente.
Desde logo, não se afigura correcta a sua afirmação quanto à natureza do acto que declarou nulos os actos de homologação dos pareceres da Comissão de Terras.
Na verdade, a declaração de nulidade do acto de homologação não constitui uma sanção para o interessado no procedimento administrativo.
Num caso semelhante ao presente, este Tribunal de Última Instância prenunciou-se expressamente que “a declaração de nulidade do despacho de 6 de Outubro de 200510 não constitui uma sanção para o interessado no procedimento administrativo, por ser ou deixar de ser corruptor activo.”11
Por outro lado, o processo-crime tem como objecto julgar o acusado, apurando a sua responsabilidade penal e punindo-o se for provado o crime imputado.
Sendo o procedimento administrativo distinto do processo-crime, não há porém obstáculo a que a sentença condenatória tomada neste processo produza efeitos (colaterais como referidos no Acórdão recorrido) naquele procedimento, que são até expressamente previstos na lei; são casos de instauração de procedimento disciplinar determinada pela sentença condenatória (art.º 288.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau) e de nulidade dos actos administrativos cujo objecto constitua um crime (art.º 122.º n.º 2, al. c) do CPA, que nos interessa nos presentes autos).
E há que ter sempre presente que se tratam dos procedimentos independentes, com objectos e finalidades distintos.
Se a ora recorrente é interessada no procedimento administrativo, já não a é no processo-crime em que se julgou a prática do crime que esteve na base da declaração de nulidade do acto administrativo, pois se trata duma pessoa colectiva, diferente de pessoa singular tais como os seus sócios ou representantes, não sendo acusada nem posto em crise qualquer interesse dela naquele processo.
Não se vislumbra base legal para a sua participação, muito menos para se defender, uma vez que no processo-crime não há ofensa dos seus interesses que reclame a protecção jurídica e que justifique a sua intervenção para se defender.
É absurdo falar-se no exercício do direito de defesa num processo em que nem sequer sejam postos em causa quaisquer interesses próprios.
Por outro lado, constata-se na factualidade assente que a ora recorrente foi notificada para, em sede de audiência prévia, se pronunciar quanto à intenção de declaração de nulidade dos despachos do Chefe do executivo que homologaram os pareceres da Comissão de Terras favoráveis à transmissão dos direitos resultantes da concessão por arrendamento dos lotes.
Improcede assim o argumento da recorrente.

3.3. Violação dos limites do caso julgado
O este propósito, alega a recorrente que não se afigura admissível a aplicação a um procedimento administrativo da disposição do art.º 578.º do Código de Processo Civil e, ainda que se entendesse aplicável, tal aplicação resultaria apenas em presumir-se verdadeiro o núcleo fáctico que integra os pressupostos da punição, os elementos do tipo e a forma do crime e que foi dado por provado no Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no Proc. n.º 37/2001, quedando fora desse núcleo aqueles outros factos que, no fundo, constituíram o alicerce do acto recorrido.
E os factos a presumir sempre poderiam ser ilididos por terceiro a quem a Administração Pública da RAEM pretendesse opô-los, sendo que este direito à ilisão não poderia deixar de ser assegurado por meio da concessão de adequadas oportunidades de defesa, nomeadamente em sede de instrução da decisão e audiência prévia, o que não sucedeu no decurso do procedimento administrativo.
Vejamos.

Nos termos do art.º 578.º do Código de Processo Civil, “a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”.
Desde logo, pese embora não se encontre nenhuma norma a prever expressamente a aplicabilidade do art.º 578.º do CPC a procedimento administrativo, não se nos afigura haver obstáculo legal à sua aplicação, até porque, por força do art.º 1.º do CPAC, as regras da lei de processo civil são subsidiariamente aplicáveis ao processo de contencioso administrativo.
Por outro lado, mesmo admitindo a hipótese de não aplicabilidade de tal norma, certo é que os elementos carreados aos autos de procedimento administrativo e referentes à prática do crime não podem, naturalmente, deixar de ser ponderados e avaliados pela Administração para tomar a decisão que achar correcta, desde que ofereça à interessada a oportunidade de defender-se.
Faz-se sentido transcrever aqui as doutas considerações do Prof. Germano Marques da Silva, já citadas no Acórdão ora recorrido, sobre o efeito positivo do caso julgado12:
“É costume atribuir-se ao caso julgado um efeito positivo, consistente na relevância da decisão em qualquer outro processo, seja qual for a sua natureza. Assim, em qualquer outro processo (civil, laboral, administrativo, etc.) em que seja necessário considerar a questão já julgada no processo penal, ela deve considerar-se como resolvida nos precisos termos da decisão penal.
Este efeito do caso julgado penal, para além do próprio âmbito penal, é frequentemente apresentado como uma consequência da unidade e identidade da jurisdição, ou simplesmente pela conveniência de evitar interferências e possíveis contradições na actividade dos tribunais com diversa jurisdição. A decisão penal transitada em julgado deveria ter-se por certa e indiscutível dentro e fora do processo em que foi proferida.
O CPP/29 dispunha expressamente sobre os efeitos do caso julgado penal em processos não penais (arts. 153.º e 154.º)13, mas o Código vigente é omisso sobre a matéria. Parece-nos que a questão não há-de ter solução em tudo idêntica à do Código anterior, mas apenas que o efeito do caso julgado penal em processos não penais há-de relevar apenas nos precisos termos da decisão penal, seja condenatória ou absolutória, ou seja, que os factos constituem ou não crime e que o agente é ou não por eles responsável penalmente.
Com efeito, havendo uma decisão proferida validamente pela jurisdição própria para decidir a questão, seria incompreensível que a mesma pudesse ser posteriormente posta em causa por tribunal da mesma ou diversa jurisdição.
A problemática dos efeitos positivos do caso julgado pode, porém, ser colocada em termos mais amplos, como o era no CPP/29 (…). Trata-se de determinar em que medida a declaração na sentença da verificação ou não de certos factos constitutivos dos crimes tem eficácia noutros domínios do direito (civil, administrativo, laboral, fiscal, etc.).
Uma vez que a lei penal nada nos diz sobre os efeitos do caso julgado e porque entendemos ser aplicável subsidiariamente a lei processual civil, teremos de considerar que os efeitos do caso julgado são apenas os efeitos da decisão.
Sendo assim, como nos parece ser, os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final, salvo expressa previsão da lei em contrário.”
No caso ora em apreciação, não se vislumbra que a Administração tenha tomado a decisão com base em outros factos que fiquem fora do núcleo fáctico que integra os pressupostos da punição, os elementos do tipo e a forma do crime e que foi dado por provado no Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no Proc. n.º 37/2001.
Na realidade, a decisão posta em crise foi tomada porque ficou provado que foi por causa da intervenção ilícita do ex-Secretário, que constitui o crime, na selecção da proposta vencedora que a recorrente conseguiu finalmente a transmissão da concessão por arrendamento dos terrenos, ficando o processo de transmissão subsequente inevitavelmente viciado, o que determinou a nulidade do acto final do procedimento.
Por outro lado, nos termos do art.º 93.º e seguintes do CPA foi a ora recorrente notificada para audiência e pronúncia sobre a provável declaração de nulidade dos actos do Chefe do Executivo, tendo a recorrente apresentado a resposta. Ficou assim assegurado o direito à audiência prévia.
É de concluir pela sem razão da recorrente.

3.4. Erro de direito e erro nos pressupostos de facto na aplicação da al. c) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA
Imputando tal vício, alega a recorrente que do Acórdão do TUI n.º 37/2011 não resulta, de forma alguma, que os actos autorizatórios do Chefe do Executivo tenham sido determinados por parecer motivado por crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, inexistindo, por isso, uma conexão causal entre os actos criminosos praticados por B e os referidos actos autorizatórios que permitisse qualificar estes últimos como actos que envolvem a prática de um crime.
Não se afigura assistir razão à recorrente.
De facto, tal como repara bem o Tribunal de Segunda Instância, constata-se na matéria de facto provada no Processo n.º 37/2011 do TUI o seguinte:
“47
Em meados do ano de 2004, o arguido B referiu a T que ele pretendia vender os terrenos designados por lote 1C, lote 2, lote 3, lote 4, lote 5, sitos na ilha da Taipa, no cruzamento entre a Estrada da Ponta da Cabrita e a Avenida Wai Long, concedidos respectivamente às “C”, “D”, “E”, “F” e “G”, e indicou T para contratar “U” para realizar a avaliação de preço dos referidos terrenos.
48
Em fins do ano de 2004, tendo tomado conhecimento de que a “C”, “D”, “E”, “F” e “G” pretendiam vender os aludidos terrenos, N e V decidiram adquiri-los.
49
Para adquirir com sucesso os aludidos terrenos, N e V decidiram aproveitar os poderes e as influências do arguido B como Secretário para os Transportes e Obras Públicas, para este interferir nos procedimentos administrativos das referidas empresas relativos aos procedimentos da realização do concurso público e da avaliação de propostas.
50
Para isso, mediante a apresentação de W, comerciante de Macau, N e V conseguiram contactar com o arguido B e acabaram por combinar com o arguido B que iria este interferir, com seus poderes e influência, nos procedimentos da venda dos aludidos terrenos, para que N e V pudessem adquirir os referidos cinco terrenos, enquanto N e V iriam pagar ao arguido B um montante de HKD$20.000.000,00 como retribuição.
  52.
  Para que N e V pudessem adquirir em sucesso os cinco terrenos acima referidos, o arguido B decidiu vender os referidos terrenos através do concurso limitado por convite em vez do concurso público.
53.
Com a informação do arguido B sobre o futuro lançamento do concurso, N e V começaram a preparar a participação no concurso para a venda dos aludidos cinco terrenos desde Fevereiro de 2005, nomeadamente elaborar os planos de aproveitamento e a concepção do projecto e contratar a “Y” para efectuar os trabalhos de estudo sobre a concepção e a construção do projecto dos referidos cinco terrenos.
54.
Entre 24 e 26 de Fevereiro de 2005, a “Y” concluiu o “projecto de concepção para os cinco lotes no cruzamento entre a Estrada da Ponta da Cabrita e a Avenida Wai Long”, incluindo as plantas e cortes do projecto de concepção para os referidos lotes e entregou-o a N.
55.
Em 1 de Março de 2005, a “L” apresentou à “Z” (na altura funcionava em nome de “Z1”) um pedido de alienação dos aludidos cinco terrenos, contudo, nenhuma resposta foi obtida.
56.
Entre 9 e 11 de Março de 2005, a pedido de N, a “AA” e a “Y” procederam a uma visita aos referidos cinco lotes e lá tiraram fotografias.
57.
Em 1 de Junho de 2005, “AA”, de que N é o titular, pagou à “Y” um montante de HKD200.000,00 como despesas de concepção para o projecto da arquitectura dos referidos terrenos.
58.
A seguir, N e V decidiram participar no concurso por convite para a venda dos aludidos cinco lotes através duma agência imobiliária de Hong Kong - “AB”.
59.
Em 16 de Junho de 2005, pelas 11h00, conforme as indicações do arguido B, “Z” realizou uma reunião extraordinária da Assembleia Geral, na qual deliberou emitir às “AB” e “AC”, ambas são agências imobiliárias de Hong Kong, e à “AD” cartas de convite para a “adjudicação da transmissão dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos terrenos sitos no cruzamento da Avenida Wai Long junto do Aeroporto Internacional de Macau”, com fundamentos de que estas três companhias têm experiências e capacidades provadas no âmbito de grandes investimentos.
61.
Em 16 de Junho de 2005, a “Z” emitiu carta de convite para consulta sobre a “adjudicação da transmissão dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos terrenos sitos no cruzamento entre a Estrada da Ponta da Cabrita e a Avenida Wai Long, junto do Aeroporto Internacional de Macau” às “AB”, “AC” e “AD”, e no caderno de encargos, estipulou-se que as propostas deviam ser apresentadas até às 15h00 do dia 27 de Junho de 2005 e a caução era de 200 milhões de patacas.
62.
Em 22 de Junho de 2005, pelas 20h00, no [Restaurante] do [Hotel], o arguido B teve um encontro com W, V e N, no sentido de negociar os assuntos sobre a transmissão dos terrenos acima referida.
63.
Em 23 de Junho de 2005, por ser curto o tempo para elaborar a proposta, o representante da “L” junto da “Z”, AE pediu a T a prorrogação do prazo para a apresentação de propostas, contudo, o referido pedido foi rejeitado por T.
64.
Em 24 de Junho de 2005, V e N combinaram que V iria comprar, em nome da “AF”, 29,99% das acções da “A” registada na Ilha Virgens Britânicas enquanto AG, subordinada de N, ficaria com os restantes 70,01% das acções daquela empresa em nome da “AH”, sendo nomeada como a administradora da “A”.
65.
Em 25 de Junho de 2005, N assinou, em nome da “AI”, um contrato (“Option Agreement”) com o accionista da “A” e a “AF”, cujo teor principal é: se a “A” conseguir adquirir em sucesso os aludidos cinco terrenos sitos no cruzamento entre a Estrada da Ponta da Cabrita e a Avenida Wai Long, a “AI” terá o direito de comprar todos os 70,01% das acções da “A” detidas pela “AH” e todos os direitos resultantes, pelo preço de um milhão de dólares de Hong Kong.
66.
Além disso, N e V decidiram que iria a “AB” participar, em representação da “A” no referido concurso, e entregaram à “AB”o “projecto de concepção para os cinco lotes sitos no cruzamento entre a Estrada da Ponta da Cabrita e a Avenida Wai Long” anteriormente elaborado pela “Y”.
67.
Em 26 de Junho de 2005, N, em nome da sua companhia “AJ”, comprometeu-se a emprestar uma quantia de 250 milhões de dólares de Hong Kong à “A”, sendo a maior parte convertida em 200 milhões de patacas para pagar a caução da “adjudicação da transmissão dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos terrenos e a restante para pagar as despesas de consultaria e outras despesas profissionais a favor da “A”.
68.
Até 27 de Junho de 2005, data limite para entrega de propostas, “Z” recebeu três propostas respectivamente apresentadas pelas “AB”, “AC” e “L”, entre as quais, o preço proposto pela “A” representada pela “AB” foi o mais alto.
69.
Em 28 de Julho de 2005, a Comissão de Apreciação de Propostas considerou que a “AB” e a “AC” apresentaram as propostas só na qualidade, respectivamente, de representante da “A” e da “AK” e a “AD” só apresentou a proposta em nome da única companhia, isto é, “L”, por isso, Comissão de Apreciação de Propostas entendeu que as três propostas não preencheram as exigências, manifestando dúvidas sobre a legitimidade dessas concorrentes, razão pela qual considerou que a transmissão dos direitos resultantes da concessão por arrendamento dos terrenos não devia ser adjudicada a qualquer uma das companhias concorrentes.
70.
Porém, devido à interferência do arguido B que queria adjudicar a venda à “A”, a Comissão de Apreciação de Propostas chegou a propor, com base num alegado princípio de “aproveitamento dos actos já praticados”, adjudicar directamente a transmissão dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos terrenos à “A” representada pela “AB”, que apresentou a proposta de preço mais alto.
71.
Em 5 de Agosto de 2005, a “Z” convocou assembleia de sócios, decidindo transferir os direitos de arrendatário sobre os supramencionados lotes 1C, 2, 3, 4 e 5 localizados no cruzamento entre a Estrada da Ponta da Cabrita e a Avenida Wai Long da Taipa para a “A”, representada pela “AB”.
72.
Em 28 de Setembro de 2005, para pagar ao arguido B a aludida retribuição no valor de HKD20.000.000,00, N e V combinaram o seguinte: V mandou a sua subordinada AG, em representação da “A”, assinar um acordo sobre a prestação de serviço de consultadoria com AL, subordinado de V e titular da “AM”, cujo teor é: a “AM” presta à “A” serviços de consultadoria sobre o projecto de planeamento, a concepção e a elaboração do desenho dos aludidos cinco terrenos, pelo montante de HKD20.000.000,00, quantia essa, de facto, foi a retribuição a pagar ao arguido B.
73.
De facto, a “AM” nunca prestou à “A” quaisquer serviços de consultadoria sobre o projecto de planeamento, a concepção e a elaboração do desenho dos aludidos cinco terrenos.
74.
Em 15 de Outubro de 2005, a “A” assinou respectivamente com a “C”, a “D”, a “E”, a “F” e a “G” os contratos-promessa da transmissão dos direitos resultantes da concessão, por arrendamento, dos aludidos cinco terrenos.
83.
Em 5 de Janeiro de 2006, N comprou, em nome da “AN”, todas as acções da “A” detidas pela “AH” de que V é o titular (ou seja, 70,01% das acções) e tornou-se o administrador dessa empresa.
84.
Em 17 de Fevereiro de 2006, a “C”, a “D”, a “E”, a “F” e a “G” pediram à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a autorização da transmissão da concessão, por arrendamento, dos cinco terrenos respectivamente designados por lote 1C, lote 2, lote 3, lote 4 e lote 5, sitos na Ilha de Taipa no cruzamento entre a Estrada da Ponta da Cabrita e a Avenida Wai Long a favor da “A”.
85.
Em 2 de Março de 2006, o Departamento de Gestão de Solos da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes elaborou a Informação n.º XXX/DSODEP/2006, na qual propôs deferimento ao pedido de transmissão da concessão, por arrendamento, dos cinco terrenos respectivamente designados por lote 1C, lote 2, lote 3, lote 4 e lote 5, sitos na Ilha de Taipa no cruzamento entre a Estrada da Ponta da Cabrita e a Avenida Wai Long a favor da “A”.
86.
No dia seguinte, o arguido B proferiu despacho de concordância na aludida Informação.
87.
Visto que o arguido B já autorizou a aludida Informação elaborada pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a Comissão de Terras deliberou, em 16 de Março de 2006, não se opor ao deferimento ao pedido de transmissão dos referidos cinco terrenos.
88.
……, o arguido B propôs ao Chefe do Executivo o aludido pedido de transmissão da concessão dos cinco terrenos a favor da “A” e tal pedido acabou por ser autorizado pelo Governo da RAEM.

Daí decorre sem dúvida que na transmissão da concessão dos terrenos em causa se envolve a prática das condutas ilícitas que constituem crime de corrupção, sendo certo que foi com a intervenção e influência do ex-Secretário B, que recebeu suborno de HKD20.000.000,00 pago como retribuição, nos respectivos procedimentos (nomeadamente para a selecção da proposta vencedora) que a ora recorrente conseguiu obter a transmissão da concessão dos terrenos.
Alega a recorrente que os actos de corrupção a praticar por B se reportam “apenas à fase da escolha da sociedade transmissária, e já não à fase do procedimento administrativo” e não se constata que os pareceres da Comissão de Terras foram influenciados por B ou determinados ou motivados por crime de corrupção.
Ora, não se deve esquecer que, mesmo sendo a fase anterior ao procedimento administrativo propriamente dito, a escolha da sociedade transmissária é essencial para a transmissão da concessão, que não pode ser vista isoladamente e faz parte de todo o desencadeamento administrativo no sentido mais amplo, na medida em que foi com tal escolha que o respectivo procedimento administrativo foi levado até ao fim.
Todos os actos posteriores foram praticados na sequência de tal escolha viciada pela prática do crime de corrupção, vício este que, naturalmente, não pode deixar de ter influência naqueles actos, contaminando todo o procedimento administrativo.
E ficou claramente provado que foi também devido à influência de B que a Comissão de Apreciação de Propostas chegou a propor, com base num alegado princípio de “aproveitamento dos actos já praticados”, adjudicar directamente a transmissão dos direitos resultantes da concessão dos terrenos à recorrente.
Não se pode acolher a afirmação da recorrente no sentido de não se verificar uma conexão causal relevante entre a prática dos factos criminosos e a prática dos actos declarados nulos pelo ato recorrido.

Quanto à interpretação e aplicação do disposto da al. c) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA, este Tribunal de Última Instância chegou a expor, nos casos semelhantes ao presente14, as seguintes considerações:
《8. Acto administrativo que tenha sido determinado por parecer motivado por acto de corrupção passiva para a prática de acto ilícito
Trata-se de saber se, para efeitos do disposto no artigo 122.º, n.º 2, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo, um acto administrativo que tenha sido determinado por parecer motivado por acto de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, é nulo para efeitos da mencionada norma.
Dispõe este artigo:
“Artigo 122.º
(Actos nulos)
1. São nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
2. São, designadamente, actos nulos:
a) ...
b)...
c) Os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime;
d) ...
e) ...
f)...
g) ...
h)...
i) ...”
O objecto do acto administrativo é a produção de efeitos jurídicos no caso concreto15, é o efeito jurídico criado ou declarado16.
No caso dos autos, o objecto do despacho de 6 de Julho de 2006 que, homologando parecer da Comissão de Terras, aprovou a troca do direito de propriedade de dois prédios pertencentes a AO e AP, na zona do Largo e Beco do Lilau, pela concessão para arrendamento, de terrenos pertencentes à Região Administrativa Especial de Macau, situados na Penha, não constitui qualquer crime, pelo que, em termos literais, poderia parecer não ter aqui aplicação a alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo.
Contudo, a doutrina tem feito uma interpretação extensiva da norma, que é totalmente justificável.
MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS17 sustentam que:
“A expressão «actos administrativos que impliquem a prática de um crime» tem que ser objecto de interpretação extensiva: não estão em causa apenas as situações em que o acto administrativo em si preenche um tipo penal, mas todas aquelas em que o acto administrativo envolva, na sua preparação ou execução, a prática de um crime.
Exemplos de actos administrativos que implicam a prática de crimes: um acto administrativo de conteúdo difamatório para o seu destinatário; um acto praticado sob extorsão; uma ordem dada por um superior a um subalterno para que exerça violência física injustificada sobre pessoas”.
E MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM18 escrevem:
“Consideramos abrangidos na parte final desta alínea c) – mesmo se parece estranho o facto do legislador se referir apenas ao «objecto» do acto administrativo – também aqueles que, não sendo crime por esse lado, o são pela sua motivação ou finalidade, quando esta seja relevante para a respectiva prática. Diríamos, portanto, serem nulos não apenas os actos cujo objecto (cujo conteúdo) constitua um crime, mas também aqueles cuja prática envolva a prática de um crime.
Estão nessas circunstâncias, por exemplo, os actos que se fundem em documentos administrativamente falsificados (actas ou convocatórias forjadas, etc) ou os actos que sejam praticados mediante suborno ou por corrupção”.
Pois bem, tendo-se o despacho de 6 de Julho de 2006 baseado em parecer, que foi obtido por acto de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, considera-se que ele estava, efectivamente, ferido de nulidade.》
Ora, a situação concreta verificada nos presentes autos é semelhante à vertida no Acórdão acabado de ser citado e é de manter o mesmo entendimento acima transcrito.
Na realidade, na fase anterior preparatória aos actos administrativos (selecção da sociedade transmissária) envolve-se a prática de um crime.
Mostrados assim viciados todos os actos posteriores, incluindo os actos autorizatórios do Chefe do Executivo para transmissão da concessão dos terrenos, por crimes de corrupção passiva cometido pelo ex-Secretário, que foram praticados na sequência e por causa do crime de corrupção, é de concluir pela nulidade desses mesmos actos.
Se ficou provado que na base dos actos administrativos estava a prática de um crime de corrupção, que inquinava irremediavelmente aqueles actos, não resta outra hipótese para a Administração a não ser declarar a nulidades do mesmos, declaração esta que constitui um acto vinculado para a Administração.
Improcede, pois, a argumentação da recorrente.

3.5. Erro nos pressupostos de facto e de direito quanto à alegada postergação do interesse público
O vício em causa foi invocado porque entendeu a recorrente que tanto o processo de selecção da sociedade transmissária como o procedimento administrativo de autorização da transmissão dos terrenos se nortearam, exclusiva e objectivamente, por critérios de legalidade e interesse público.
Na verdade, a selecção da recorrente como sociedade transmissária foi devida à influência de B, que recebeu o suborno pago como contraprestação, com subversão das regras jurídicas aplicáveis.
Pergunta-se, face a este circunstancialismo, revelador da prática do crime de corrupção, como é que se pode falar ainda no respeito por critérios de legalidade e interesse público?
Os actos praticados no procedimento administrativo de autorização da transmissão dos terrenos ficaram, desde o início, contaminados com o vício verificado na selecção da sociedade transmissária. Daí que os actos autorizatórios de transmissão da concessão não podiam deixar de padecer de tal vício, mesmo que, aparentemente, se nortearam por critérios de legalidade e interesse público.
Alega a recorrente que a sua proposta era a que melhor servia os interesses das sociedades transmitentes e da RAEM, como sua accionista maioritária e a forma como foi designada a sociedade transmissária é irrelevante para o teor e sentido das informações e pareceres da DSSOPT e da Comissão de Terras.
A verdade é que ficou provado que, como já tinha sido escolhida a sociedade recorrente, a DSSOPT elaborou a informação, propondo deferir o pedido de transmissão da concessão dos terrenos a favor da recorrente, autorizada depois por B, o que levou a Comissão de Terras a fazer deliberação no sentido de não se opor ao deferimento ao mesmo pedido.
Se o processo desencadeado com vista à transmissão da concessão foi viciado desde o início, com violação das regras jurídicas aplicáveis e desrespeito pelo critério da legalidade, como é que se pode ainda afirmar, tal como afirmou a recorrente, que o respectivo procedimento administrativo se norteou por critérios de legalidade e interesse público?
Foram efectivamente postos em crise a legalidade e interesse público, ainda que nos actos administrativos não se tenha detectado a intenção de não prosseguir o interesse público.
Não merece censura o Acórdão recorrido nesta parte.

3.6. Erro e défice de ponderação na interpretação e aplicação do art.º 123.º n.º 3 do CPA
Na óptica da recorrente, o Acórdão recorrido errou ao julgar improcedente a anulabilidade do acto recorrido por violação do art.º 123.º n.º 3 do CPA, na medida em que o acto recorrido não procedeu à devida ponderação dos interesses públicos e privados, em conflito, tendo decidido com base numa pretensa “vinculação absoluta” e, assim, violado a mencionada norma legal, bem como os princípios da boa fé, da confiança e da proporcionalidade.
Dispõe o art.º 123.º do CPA o seguinte:
“Artigo 123.º
(Regime da nulidade)
1. O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade.
2. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.
3. O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.”
Decorre do n.º 3 do art.º 123.º que, em certas circunstâncias, o legislador atribui alguns efeitos jurídicos aos actos nulos, que em princípio não produz quaisquer efeitos jurídicos.
São os chamados efeitos putativos dos actos nulos, sendo exemplo de escola e mais tratado pela doutrina e jurisprudência o caso dos “funcionários ou agentes putativos”.
A produção dos efeitos putativos depende do decurso do tempo, mas não só.
“O decurso do prazo não é suficiente para que o acto nulo venha a produzir efeitos jurídicos. Como a lei expressamente refere, tal só deve acontecer《de harmonia com os princípios gerais de direito》. Faz-se apelo a princípios como os da protecção da confiança, da boa fé, da igualdade, da imparcialidade, da proporcionalidade, da justiça, do não enriquecimento sem causa, da realização do interesse público. Estes princípios, que são vinculativos para a Administração, podem ser chamados a resolver situações de injustiça derivadas da nulidade dum acto administrativo.”19
E “os efeitos putativos considerados no preceito legal são apenas os derivados do decurso do tempo, ou seja, os que resultam da efectivação prática dos efeitos do acto nulo por um período prolongado de tempo – o que mostra quão falaciosa é, do ponto de vista jurídico-prático, a ideia de que o acto nulo não produz efeitos, independentemente da declaração da sua nulidade.
A verdade é que também aqui há (pode haver) efeitos putativos ligados a outros factores de estabilidade das relações sociais, como os da protecção da confiança, da boa-fé, do suum cuique tribuere, da igualdade, do não locupletamento, e até da realização do interesse público – princípios que podem, todos, ser chamados a colmatar situações de injustiça derivadas da aplicação estrita do princípio da legalidade e da ‘absolutividade’ do acto nulo.
Não pode, nunca, é assacar-se efeitos putativos favoráveis ao particular em cuja conduta se funda a nulidade do acto, como nos casos de coacção ou crime, ou até, simplesmente, de dolo ou má-fé do interessado.”20
No caso ora em apreciação, os actos administrativos foram declarados nulos pelo envolvimento do crime de corrupção passiva praticado pelo ex-Secretário.
Na óptica da recorrente, o vício gerador da nulidade dos actos administrativos em causa “seria imputável à Administração, mais concretamente aos factos criminosos praticados pelo ex-Secretário B”.
Trata-se duma afirmação com evidente ignorância, a propósito, da sua intervenção, também criminosa, no caso, sendo que foi por iniciativa de N e V, que decidiram adquiri os terrenos, que se começaram as negociações com o ex-Secretário, porque decidiram aproveitar os poderes e as influências deste a fim de conseguir, de forma ilegal, a transmissão da concessão dos terrenos, tendo chegado ao acordo com o ex-Secretário, prometendo pagar HKD$20.000.000,00 como retribuição, quantia esta que foi efectivamente paga. O que revela nitidamente a “contribuição” ilícita por parte da recorrente para a nulidade dos actos administrativos.
Daí que se nos afigura correcta estar perante uma situação em que a nulidade dos actos se funda nas condutas criminosas, não só do ex-Secretário, mas também da recorrente, pelo que não se deve atribuir efeitos putativos favoráveis à recorrente.
Mesmo admitindo a atribuição de certos efeitos jurídicos, tendo em consideração o decurso do tempo, a estabilidade das relações jurídicas e sociais bem como os interesses legítimos de terceiros de boa-fé, certo é que não resta à Administração outra hipótese a não ser declarar nulos os actos administrativos, tal como sucedeu, pois se trata duma decisão com natureza vinculativa.
Por outro lado, há sempre possibilidade de se acautelar os direitos e interesses legítimos da recorrente (se houver) e de terceiros por outras vias (até judiciais), que não a presente.
Não se vê a imputada violação do n.º 3 do art.º 123.º do CPA nem dos princípios da boa fé, da confiança e da proporcionalidade.
Acresce que, conforme a jurisprudência pacífica, no âmbito da actividade vinculada da Administração não são operantes os princípios em causa.

É de concluir pela sem razão da recorrente.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com a taxa de justiça fixada em 25 UC.

Macau, 22 de Junho de 2016

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

1 Vd. Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, fls. 603 a 618, de Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho.
2 Vd. Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, fls. 642, de Mário Esteves de Oliveira.
3 Direito Administrativo, Vol. II, p. 11 a 12.
4 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, p. 498 a 499.
5 Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, p. 978.
6 Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª edição, p. 851.
7 A necessidade da publicação deste diploma foi sentida no decorrer dos trabalhos de reestruturação do serviço do registo predial, levada a cabo a partir de Outubro de 1983. Só com muita dificuldade se poderia encontrar no instituto do arrendamento, utilizado como instrumento para a concessão de terrenos para construção, fundamento para a prática que vinha sendo seguida de hipotecar o direito resultante da concessão e da venda dos edifícios construidos, designadamente em propriedade horizontal. É que o direito de terras de Macau (incluindo a actual Lei de Terras, já então vigente) nunca especializou o direito de arrendamento de terrenos para construção, por forma a afastar o regime de benfeitorias que, no seio do arrendamento, se aplica às obras efectuadas pelo arrendatário, constituindo, por isso, objecto de direitos de crédito, e não de um direito real, a favor do arrendatário (v. por ex., art. 969.º do CCM, ou art. 1046.º do CCP). Definir que essas obras são objecto de um direito de propriedade do arrendatário concessionário foi o que fez o Dec.-Lei n.º 51/83/M, eliminando as dúvidas que se suscitavam sobre a possibilidade legal da transmissão da propriedade das construções e da constituição de hipoteca sobre o direito resultante da concessão por arrendamento.
8 Este diploma foi alterado pelo Dec.-Lei n.º 26/96/M, de 27/5, como se diz no respectivo preâmbulo, por se tornar “necessário alargar o regime fixado no referido diploma ao subarrendamento previsto no n.º 2 do art. 50.º da Lei de Terras”. Na verdade, não havia necessidade da qualquer alteração, porque, se o direito resultante de concessão por arrendamento pode ser subconcessionado (n.º 2 do art. 50.º da Lei de Terras), pode ser hipotecado e atribui poderes de construção e a propriedade das construções (art. 1.º do D.L. n.º 51/83/M), é este conteúdo que se transmite automaticamente no subarrendamento sempre que se autorize a subconcessão.
9 Lições de Direitos Reais ministradas ao 4.º ano jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, no ano lectivo de 1999/2000, p. 94 a 95, 183, 203 a 204 e 225 a 226.
10 Trata-se dum despacho do Chefe do Executivo que, homologando parecer da Comissão de Terras, deferiu pedido de revisão de concessão, por aforamento, de um terreno sito em Macau, na Rua dos Pescadores, n.os 15 a 17.
11 A. do TUI, de 25-7-2012, Proc. n.º 48/2012.
12 Cfr. Curso de Processo Penal, Tomo III, 3 Edição, 2009, p. 41 a 42.
13 Art. 153.º: «A condenação definitiva proferida na acção penal constituirá caso julgado quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas acções não penais em que se discutam direitos que dependam da existência da infracção.»
Art. 154.º: «A sentença absolutória, proferida em matéria penal e com trânsito em julgado, constituirá nas acções não penais simples presunção legal da inexistência dos factos que constituem a infracção, ou de que os arguidos a não praticaram, conforme o que se tenha julgado, presunção que pode ser ilidida por prova em contrário.»
14 Ac. do TUI, de 25 de Abril de 2012 e de 25 de Julho de 2012, Proc. n.º 11/2012 e 48/2012.
15 MARCELLO CAETANO, Manual..., I vol., p. 481.
16 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Lisboa, Almedina, 1980, p. 441.
17 MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito..., Tomo III, p. 162.
18 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 1997, p. 645.
19 Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, p. 724 a 725.
20 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, p. 655.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




106
Processo n.º 76/2015