打印全文
Processo n.º 124/2014
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorridos: Chefe do Executivo da RAEM e Consórcio formado entre B, C e D
Data da conferência: 22 de Junho de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Prosseguimento do recurso contra o acto revogatório
- Revogação do acto administrativo
- Substituição do acto administrativo
- Extinção da instância por inutilidade superveniente da lide

SUMÁRIO
1. A aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 79.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, que admite o prosseguimento do recurso contencioso contra o novo acto administrativo, pressupõe a prática, na pendência do recurso, de acto revogatório do acto recorrido com efeitos retroactivos ou quando o acto recorrido seja modificado ou substituído por outro com os mesmos efeitos.
2. No que respeita à revogação do acto administrativo, a regra é que os actos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis, excepto nos casos expressamente previstos no n.º 1 do art.º 129.º do Código do Procedimento Administrativo, enquanto não são susceptíveis de revogação os actos nulos, os actos anulados contenciosamente e os actos revogados com eficácia retroactiva – art.ºs 128.º e 129.º do CPA.
3. A revogação é o acto administrativo que se destina a extinguir os efeitos de um acto anterior, constituindo o seu conteúdo a extinção dos efeitos jurídicos produzidos pelo acto revogado.
4. Da revogação há que distinguir certas figuras afins, não se devendo confundi-la com os casos em que a Administração declara a inexistência ou a nulidade de um acto administrativo anterior; é impossível a revogação de actos inexistentes ou de actos nulos, porque estes actos não estão em condições de produzir quaisquer efeitos.
5. A substituição do acto, administrativo traduz na prática de um novo acto distinto do anterior, extinguindo-o. E o acto novo tem um conteúdo diferente (com uma diferente carga substantiva e dispositiva) e, porventura, até oposto ao primitivo, mas com os mesmos efeitos.
6. Se não se descortina no caso concreto a revogação, nem modificação ou substituição do acto administrativo anteriormente praticado, não havendo lugar à aplicação do art.º 79.º do CPAC, é de declarar extinta a instância do recurso contencioso por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto na al. e) do art.º 84.º do CPAC.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, sociedade melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo, de 5 de Agosto de 2011 que adjudicou a obra relativa ao Concurso Público Internacional para a Modernização, operação e Manutenção da estação de tratamento de Águas Residuais da Península de Macau a favor do Consórcio formado entre B, C e D
Na pendência do recurso, a entidade recorrida requereu ao Tribunal de Segunda Instância para declarar a extinção da instância do recurso contencioso por inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do art.º 84.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, uma vez que, por despacho de 2 de Agosto de 2012 do Chefe do Executivo, tinha sido declarada nula a adjudicação anterior e, ao mesmo tempo, efectuada a nova adjudicação a favor do Consórcio formado entre B, C e D
Devidamente notificada, veio a recorrente A pedir o prosseguimento do recurso contencioso, tendo por objecto o novo acto de adjudicação, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 79.º do CPAC.
Por Acórdão proferido em 25 de Setembro de 2014, o Tribunal de Segunda Instância decidiu indeferir o pedido da recorrente, declarando extinta a instância recursória.
Inconformada com a decisão, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1 - O Tribunal a quo deixou de aplicar norma que devia aplicar, nomeadamente o disposto no artigo 79.º n.º 1 e 2 do CPAC.
2 - Não cuidou de averiguar se a declaração de nulidade pela recorrida não consubstancia antes, nas circunstâncias de facto e de direito em que foi proferida, uma revogação anulatória com efeitos retroactivos do primeiro acto de adjudicação e substituição pelo segundo.
3 - A recorrida sustenta a sua declaração de nulidade no facto do 1.º acto de adjudicação ser um acto consequente do acto de exclusão ilegal por si praticado no Concurso Público Internacional para a Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau, excluindo ilegalmente concorrentes, onde se inclui a ora recorrente.
4 - O acórdão recorrido deveria ter indagado face aos actos em presença que a declaração de nulidade do primitivo acto de adjudicação, fora do âmbito de execução dos acórdãos anulatórios a que estava adstrita a cumprir, proferidos por este V. TUI pela recorrida, representa um erro e abuso de qualificação por parte da administração do vício de nulidade de que pretensamente padecia o acto de adjudicação de 5 de Agosto de 2011.
5 - Erro de qualificação por parte da recorrida, pois a lei exige para ser declarada a nulidade dos actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados que não existam contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente, artigo 122.º n.º 2 alínea i) CPA; que in casu era o consórcio concorrente e vencedor do concurso e também adjudicatário do contrato que estavam a executar.
6 - Qualificação abusiva que teve por fim útil lesar os interesses processuais da recorrente de modo a inviabilizar a aplicação de princípios fundamentais do processo administrativo contencioso consagrados na lei processual administrativa da RAEM, maxime nos artigos 79.º e seguintes do CPAC, a saber princípio pro actione, princípio da economia processual e da tutela jurisdicional efectiva.
7 - Assim, na sentença recorrida, o Tribunal a quo devia ter qualificado como revogação anulatória com efeitos retroactivos a pretensa declaração de nulidade da recorrida em relação ao 1.º acto de adjudicação, não seguindo acriticamente a natureza do vício e o nomine usado pela recorrida para o qualificar.
8 - Na verdade, sendo o 1.º acto de adjudicação de 5 de Agosto de 2011 declarado nulo, a RAEM e a adjudicatária ficavam à data da prolação do 2.º acto de adjudicação, 2 de Agosto de 2012, sem título jurídico para transferir a posse e operar um equipamento público da RAEM entre 1 de Outubro de 2011 e 2 de Agosto de 2012, o que atentaria contra o mais elementar princípio da legalidade, em matéria financeira e da contratação pública.
9 - E isto porque o 2.º acto de adjudicação não poderia produzir efeitos retroactivos, pois um acto de adjudicação resultante de um processo concursal público internacional não pode ter efeitos retroactivos, excepto se revogar e substituir anterior acto de adjudicação.
10 - E o consórcio ganhador, não podia ser adjudicatário e concorrente do concurso extinto pela adjudicação.
11 - Estar nas duas posições simultaneamente é do senso comum que não pode estar de acordo com o direito vigente na RAEM nem com as regras internacionais da contratação de serviços – no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) de que Macau é parte contratante.
12 - Aqui chegados verifica-se que a recorrida só poderia ter revogado o 1.º acto de adjudicação por ser ilegal por resultar de um processo concursal com 2 candidatos ilegalmente excluídos.
13 - A recorrida no mínimo para fazer valer na ordem jurídica o segundo acto de adjudicação e dar-lhe força retroactiva, independentemente dos vícios de que este ainda possa estar enfermado, tinha que proceder à revogação anulatória com efeitos retroactivos, fazendo o segundo acto de adjudicação substituir o primeiro.
14 - De facto a declaração tardia da nulidade do 1.º acto de adjudicação pela recorrida, como sendo uma nulidade consequente da anulação judicial da exclusão da recorrente não pode operar face ao disposto no artigo 122.º, n.º 2 alínea i) do CPA.
15 - A recorrida e a sentença a quo esqueceu-se que a nulidade dos actos consequentes neste caso só opera ope legis se não existirem contra interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente, cf. art CPA 122º nº 2, alínea i), o que não é o caso pois a adjudicatária / concorrente era contra-interessada no processo concursal e no processo contencioso administrativo e tinha interesse na manutenção do acto, que lhe era favorável e lhe adjudicava um contrato de 5 anos.
16 - Ou seja, a recorrida não podia declarar a nulidade da adjudicação havendo um contra-interessado, adjudicatário que tinha iniciado a execução do contrato, e como tal tinha interesse na manutenção do acto de adjudicação.
17 - A declaração de nulidade do acto de adjudicação existindo concorrente contra-interessado na manutenção do acto, nos termos do artigo 122º, nº 2 i) do CPA, não produz quaisquer efeitos jurídicos.
18 - O acto de adjudicação de 2 de Agosto de 2012, 2º acto de adjudicação, não pode retroagir a 1 de Outubro de 2011, pois nessa data os pressupostos deste acto de adjudicação não existiam.
19 - Só se o 2º acto vier a substituir por revogação anulatória o 1º acto de adjudicação, por este ser ilegal, é possível conferir efeitos retroactivos ao 2º.
20 - Para substituir o 1º acto de adjudicação não pode ser usada a via da nulidade do primeiro acto de adjudicação, mas sim a sua revogação anulatória com efeitos retroactivos, com substituição do primeiro pelo segundo acto.
21 - De facto, o 2º acto de adjudicação não pode retroagir à data do início da execução do primeiro declarado nulo pois não existiam os pressupostos do acto de adjudicação do processo concursal que permitisse ao acto de adjudicação de 2 de Agosto de 2012 produzir efeitos jurídicos a 1 de Outubro de 2011.
22 - Pelo exposto a declaração da recorrida de nulidade do 1º acto de adjudicação é ilegal e ineficaz por existir contra-interessado com interesse na manutenção do acto.
23 - E se assim se não entender a recorrente continua a ter interesse, em matéria indemnizatória, porque ilegalmente excluída do 1º acto de adjudicação, pugnar pela declaração judicial da invalidade daquele acto, nos termos do artigo 123º, nº 2 do CPA e 25º nº 1 do CPAC, ou de acto que o tenha substituído (2º acto).
24 - Por outro lado, o 2º acto de adjudicação proferido a 2 de Agosto de 2012 não pode ter efeitos retroactivos, por não existirem os pressupostos jurídicos da adjudicação em data anterior ao fim do concurso e do acto final de adjudicação.
25 - Ora, o acto de declaração de nulidade que o Tribunal a quo considerou ser causa directa da inutilidade superveniente da lide, originando a falta de objecto do recurso contencioso, é um acto que não é apto a declarar a nulidade, só podendo revogar o primitivo acto de adjudicação, o qual vigorou até à substituição pelo segundo acto de adjudicação.
26 - O que a recorrida fez foi uma substituição do primeiro acto de adjudicação pelo segundo, sendo que o segundo teve efeitos retroactivos à data do início da operação. A situação jurídica material dos actos da recorrida corresponde à revogação retroactiva, revogação anulatória com substituição do 1º acto de adjudicação pelo 2º acto de adjudicação.
27 - O Tribunal a quo, no seu douto acórdão não aplicou as normas do CPA relativas à nulidade dos actos consequentes de actos anulados, quando existem contra-interessados com interesse na manutenção do acto, não averiguou o regime jurídico material que enformou o acto da recorrida de declaração de nulidade e que simultaneamente declarou efeitos retroactivos do novo acto de adjudicação à data do início da operação do contrato da ETAR de Macau pela concorrente e adjudicatária em 1 de Outubro de 2011.
28 - No caso sub judice, a natureza jurídica do acto que pretensamente declara a nulidade do 1º acto de adjudicação emitido pela recorrida em 2 de Agosto de 2012, face à situação fáctica descrita supra, não é uma declaração de nulidade, porque não poderia ser declarada sem audição da contra-interessada vencedora do concurso.
29 - A pretensa declaração de nulidade, ineficaz do ponto vista legal, nos termos e no momento em que foi feita, contra o disposto no artigo 122º nº 2 alínea i), configura do ponto de visto do direito administrativo uma substituição revogatória do 1º acto de adjudicação, conferindo efeitos retroactivos ao 2º acto de adjudicação, proferida pela recorrida no prazo legal de um ano.
30 - O acórdão em crise não decidiu conforme a lei, não logrou proteger a ora recorrente contra o erro e abuso da recorrida na qualificação administrativa do vício de nulidade do 1º acto de adjudicação quando se verificava pelo compulsar dos 2 actos de adjudicação, documentados nos autos, que a recorrida emitiu um 2º acto de adjudicação que substituiu integralmente o primeiro, com os mesmos sujeitos, objecto e efeitos jurídicos.
31 - O Tribunal a quo devia ter averiguado a natureza jurídica substantiva da declaração de nulidade da recorrida, no contexto da prolação do 2º acto de adjudicação, de modo a produzir uma declaração de inutilidade superveniente da lide jurídica e não meramente material, como fez.
32 - A declaração de inutilidade superveniente da lide trata-se de uma inutilidade jurídica e não meramente material, conforme jurisprudência corrente nomeadamente do STA de Portugal, Cf. www.dgsi.pt, Acórdão do STA de 12/04/2012, Proc.º 0992/12.
33 - O tribunal a quo teria igualmente que averiguar da existência possibilidade de obtenção de efeitos úteis para a recorrente, nomeadamente em matéria de indemnização pelos danos causados pela exclusão ilegal do concurso pelo 1º acto de adjudicação e averiguar se a recorrente mantinha um interesse atendível naquele recurso contencioso, quer em relação ao primeiro acto de adjudicação, na qual deixou de ser classificada por exclusão ilegal, podendo ser potencial vencedora, quer no 2º que substitui o 1º.
34 - Na verdade, a recorrente requereu, em 12 de Setembro de 2012 ao Tribunal a quo, tão somente o direito processual de prosseguir o processo de recurso contencioso contra o novo acto, nos termos do artigo 79º nº 1 e 2 do CPCA.
35 - Respondendo 2 anos depois, o Tribunal a quo, não aplicou o disposto no artigo 79º nº 1 e nem se debruçou sobre o disposto no nº 2 do mesmo normativo, que em nossa opinião, e seguindo o Parecer do Ministério Público de 1 de Novembro de 2012 nos presentes autos, permitiria de imediato fazer seguir o processo contra o novo acto de adjudicação.
36 - Tratava-se jurídica e materialmente de uma substituição de um acto por outro, que o Tribunal a quo não podia deixar de conhecer, mas não conheceu.
37 - Razão porque o arresto em crise viola a lei e os princípios da tutela jurisdicional efectiva, da economia processual e pro actione, princípios contidos nos artigos 79º e seguintes do CPAC, que fundamentam o pedido da recorrente de prosseguimento do recurso contencioso contra o novo acto de adjudicação.

Contra-alegou a entidade recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
1 - A entidade ora Recorrida apoia e adere à decisão do Tribunal a quo, que negou provimento ao pedido de prosseguimento do recurso contencioso contra o despacho de 02/08/2012 do Chefe do Executivo, requerido pela empresa A, e declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 84.º do CPAC, pelas razões que, de modo claro e escorreito, se encontram vertidas no Douto Acórdão recorrido.
2 - Em face da inegável bondade, clareza e serenidade do Douto Acórdão, toda a tese sustentada pela ora Recorrente encontra-se nele cabal e suficientemente rebatida, e inelutavelmente contrariada, sem margem para a mais ténue dúvida sobre a correcta decisão no caso sub judice, apesar de todas as infundadas alegações que aquela profere neste recurso jurisdicional.
3 - Pelo que, a entidade Recorrida não pode deixar de apoiar e louvar a Douta decisão do Venerando Tribunal de Segunda Instância ao indeferir o pedido da Recorrente e declarar extinta a instância, por legalmente fundada perante a factualidade aí dada por assente e atendendo ao Direito aplicável e, logo, imune a qualquer ilegalidade alegada pela Recorrente.
4 - Nos termos do artigo 152.º do CPAC “O recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância apenas pode ter por fundamento a violação ou errada aplicação da lei substantiva ou processual ou a nulidade da decisão impugnada”, não conseguindo a Recorrente provar que tenha havido, por parte do Acórdão recorrido, violação de qualquer dos pressupostos que permitam que o recurso jurisdicional venha a ter provimento, nomeadamente os previstos no citado preceito legal.
5 - Lavrando em erro sobre a factualidade e o Direito aplicável, a Recorrente alega que “O Tribunal a quo não aplicou o normativo legal que ao caso cabia aplicar, a saber, o artigo 79.º n.º 1 e 2 do CPAC”, porquanto sustenta, erroneamente, que o Tribunal “não cuidou de averiguar se a declaração de nulidade pela recorrida não consubstanciou antes, nas circunstâncias de facto e de direito em que foi proferida, uma revogação anulatória do primeiro acto de adjudicação, com substituição do primeiro acto pelo segundo, com efeitos retroactivos, entre os mesmos sujeitos, com o mesmo objecto e produzindo integralmente os mesmo efeitos jurídico”.
6 - Mas mais, atreve-se a afirmar que “da banda do acórdão ora em crise existe denegação de justiça pelo Tribunal a quo de aplicação da lei e de princípios fundamentais do processo administrativo contencioso consagrados na lei processual administrativa da RAEM, máxime, nos artigos 79.º n.º 1 e 2 do CPAC, a saber o princípio pro actione, o princípio da economia processual e da tutela jurisdicional efectiva”, porquanto, do seu ponto de vista, e será este o fundamento maior de toda a sua argumentação, existiria “erro de qualificação porque a lei exige para ser declarada a nulidade dos actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados que não existam contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente, cf. Artigo 122.º n.º 2 alínea i) do CPA”.
7 - Só que, desta última afirmação da Recorrente, que repete ao longo da peça, e que a leva a defender a aplicabilidade do artigo 79.º do CPAC ao caso de que se trata e a insurgir-se contra o Acórdão ora recorrido resulta, claramente, de não se ter apercebido ou não lhe convir que, no caso em concreto, não existem contra-interessados para efeitos do disposto no artigo 122.º, n.º 2, alínea i) do CPA e, que neste aspecto, a doutrina e a jurisprudência já se encontram serenamente fixadas.
8 - Explica a este respeito o Ilustre Sr. Dr. José Cândido de Pinho, in Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, Edição do Centro de Formação Jurídica e Judiciária – 2013, a páginas 388 e seguintes, o que se deve entender por contra-interessados para efeitos da referida norma, citando diversos e consagrados autores e concluindo a páginas 397 que, “a ressalva da referida alínea (i), do n.º 2, do art. 122.º do CPA apenas se deve considerar operável nas situações em que o contra-interessado esteve alheio à disputa sobre o acto principal, o que deve ser entendido como aplicável aos casos em que ele (contra-interessado) não tenha participado no respectivo processo325, apesar de ter tido a oportunidade de participar326”.
9 - Pelo que, sendo nulo o acto relativo à primeira adjudicação, por ser um acto consequente do acto anulado pelo acórdão de 12/0utubro/2011 do Venerando Tribunal de Última Instância, tirado no processo n.º 45/2011, tal acto não produz quaisquer efeitos jurídicos desde essa data, independentemente da declaração de nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 123.º do CPA, não sendo de operar, relativamente a tal acto, a ressalva referida na segunda parte da alínea i), do n.º 2, do artigo 122.º do mesmo CPA, pelas razões acima aduzidas, ou seja, por não haver contra-interessado para efeitos deste preceito legal.
10 - E em abono deste posto de vista (se é que necessário se torna reforçar), cita-se um trecho da sentença proferida nos Autos de Execução para Prestação de um Facto n.º 17/2011/B, que correu os seus termos no Venerando TSI, dizendo a propósito dos actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados que deles resulta:
“Nulidade que é automática, ope legis ou ipso iure, e que, segundo alguns, nem sequer carece de pronúncia declarativa do tribunal nesse sentido. Como diz Vieira de Andrade, ainda que reportado a uma situação concursal de provimento, “... seria excessivo (ilógico e violento) para o funcionário demitido o encargo da impugnação sucessiva da nomeação de outro funcionário para a vaga aberta ...”.
Freitas do Amaral, a este propósito, chegou mesmo a opinar que, operando a nulidade ipso iure, a Administração nem precisava sequer de destruir os actos consequentes em execução de sentença.
Aroso de Almeida, por seu turno, compreende a afirmação de que a nulidade dos actos consequentes – o reconhecimento dessa nulidade, mediante a remoção da situação por eles criada – deve ser tarefa a realizar pela Administração em execução de sentença de anulação do acto antecedente, sobretudo nos casos em que não estejam em causa posições de terceiros já constituídas no quadro da alínea i) acima citada. Esta segunda posição é a que vem ganhando mais adeptos.
Portanto, se a Administração não tiver, ela mesma, procedido à declaração de nulidade do acto consequente, ao tribunal cumpre declará-lo no âmbito do processo executivo”.
11 - No caso, não tendo o Venerando Tribunal declarado a nulidade da adjudicação objecto do recurso contencioso, tal como a Recorrente havia requerido, com a consequente declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, e sendo necessário tomar uma decisão final sobre o processo do concurso, na sequência do reatamento do procedimento do concurso e da nova avaliação de propostas, viu-se a Administração na necessidade de, previamente à prática do novo acto adjudicatório e para que não restassem dúvidas, declarar a nulidade da adjudicação anterior, se bem que a tal não estivesse obrigada, dado que a nulidade daquele acto decorre ope legis ou ipso iure do supracitado Acórdão do TUI (processo n.º 45/2011) e opera de forma imediata e automática.
12 - É incontestável que o novo acto de adjudicação surge na sequência de uma nova avaliação das propostas decorrente da execução daquele Acórdão, nada tendo a ver com o acto adjudicatório anterior, tornado nulo na sequência do citado Acórdão do TUI, e apenas declarado nulo pela Administração pelos motivos indicados, não o modificando nem o substituindo e nem sequer tem efeitos retroactivos ao acto nulo, porque não se trata de revogação anulatória nem de acto substitutivo ou modificativo do acto anterior (não é possível anular, substituir ou modificar um acto nulo), pese embora produza efeitos a uma data anterior, nos termos e ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 118.º do CPA, como já se explicou.
13 - Em rigor, o despacho de 2 de Agosto de 2012 do Chefe do Executivo, exarado na informação n.º 267/CGIA/2012, de 06/07/2012, consubstancia-se, não apenas naquele, mas em dois actos contextuais, distintos e preordenados:
a) Primeiro, uma mera declaração de declaração de ciência (declaração de nulidade de um acto anterior), que poderia ter sido efectuada pela Administração logo em momento seguinte ao Acórdão do TUI de 12/10/2011, assim como poderia não o ter sido, e não foi, face ao regime legal aplicável à nulidade dos actos, ou mesmo poderia, eventualmente, ter sido decretada pelo Tribunal;
b) Depois, um acto de adjudicação de um concurso público no termo de um renovado procedimento administrativo, embora com efeitos retroactivos a uma determinada realidade, isto é, a 1/10/2011 (permitida nos termos do artigo 118.º do CPA em vigor), mas não à data do acto adjudicatório anterior (5/8/2011) entretanto tornado nulo, ope legis ou ipso iuris, por força de decisão judicial anterior.
14 - Temos, assim, dois actos distintos e preordenados, apesar de contextuais, sendo o primeiro a declaração de nulidade de um acto administrativo, declaração de nulidade que não assume as vestes de acto administrativo (nela não se contém uma decisão nem a produção de efeitos – vide sobre esta matéria, Rogério E. Soares, Direito Administrativo, Coimbra 1978, a págs. 76 e seguintes e págs. 133 e seguintes), nem muito menos as vestes de acto revogatório de acto administrativo, tanto mais que os actos nulos são insusceptíveis de revogação; e, o segundo, um acto administrativo adjudicatório praticado na sequência de todo um novo procedimento administrativo iniciado com o processo de admissão de propostas de outros dois concorrentes (entre elas a da ora Recorrente) e concluído com um novo despacho de adjudicação após a avaliação de quatro propostas (e não apenas de duas como no caso da adjudicação anterior).
15 - Ora, de acordo com o regime da nulidade, os actos nulos não produzem quaisquer efeitos, independentemente da declaração de nulidade, o que é pacífico na lei, na doutrina e na jurisprudência, pelo que nunca, no presente caso, se poderia considerar existir uma revogação por substituição, porque, simplesmente, não existiu a prática de qualquer acto administrativo revogatório de acto anterior.
16 - Todavia, sendo o primeiro acto de adjudicação nulo por ser acto consequente de acto judicialmente anulado, poderia desde logo a instância ter sido declarada extinta por inutilidade superveniente da lide, a partir do trânsito em julgado do supramencionado Acórdão do Venerando TUI.
17 - De onde se concluiu que, pretendendo a Recorrente que o recurso contencioso prossiga contra o novo acto de adjudicação, tendo por alegado fundamento uma anulação que não se verificou, ou (inexistentes) actos modificativos ou substitutivos é, na verdade, não saber ou não querer interpretar correctamente o disposto na alínea i), do n.º 2, do artigo 122.º do mesmo CPA, bem como o disposto no artigo 79.º do CPAC, o qual só se aplica à revogação do acto recorrido, à sua modificação ou substituição por outro com os mesmos efeitos, o que não é manifestamente o caso.
18 - E isto é assim porque os actos nulos não são susceptíveis de revogação (art.º 128, n.º 1 alínea a) do CPA) e não podem ser modificados ou substituídos por outros com os mesmos efeitos (art.º 126.º, n.º 1 do CPA), porque continuariam a ser actos nulos e nulo seria o acto que o determinasse, sabendo-se também que, por maioria de razão, nulos são os actos consequentes de actos administrativos nulos.
19 - Deste modo, nem para efeitos do disposto no artigo 79.º do CPAC, como pretenderia a Recorrente, se pode confundir um acto nulo (ou a mera declaração da sua nulidade, consequente a decisão jurisdicional anterior) com um acto anulável, porquanto fazê-lo seria estar-se a pôr em causa a unidade do sistema jurídico.
20 - Aceita-se que do disposto do n.º 1 e n.º 2 do artigo 79.º do CPAC transparece uma manifestação do princípio pro actione e de economia processual (mas a sua aplicação ao caso de que se trata obrigaria a estivessem preenchidas as suas previsões, o que não acontece) e que tal artigo, bem como os dois seguintes, deve ser interpretado em conformidade com o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
21 - Todavia, a Recorrente não estava em caso algum impedida de impugnar o novo acto de adjudicação em recurso autónomo, pelo que o princípio da tutela jurisdicional efectiva nunca sairia (e não sai) minimamente beliscado se o recurso contencioso não pode prosseguir contra o novo acto adjudicatório e a instância viesse a ser declarada extinta, como, aliás, assim bem o decidiu o Venerando TSI no Acórdão ora posto em crise.
22 - Em todo o caso, não pode a Recorrente deixar de ter visto satisfeita a sua pretensão inicial, porquanto o acto impugnado havia já desaparecido da ordem jurídica, mesmo antes que se tivesse decidido o recurso contencioso que intentou contra o primeiro acto de adjudicação, por efeito do Acórdão do TUI tirado no processo n.º 45/2011.
23 - Condensando, se o acto de adjudicação anterior, sendo acto consequente do acto anulado pelo supracitado Acórdão do TUI tirado no processo n.º 45/2011, se tornou nulo ope legis ou ipso iure, nos termos do artigo 122.º, n.º 2, alínea i) do CPA (aliás, o Venerando TUI já se pronunciou sobre este tipo de actos no processo n.º 11/2007), a consequência a retirar do facto seria a de, no processo de recurso contencioso e no seguimento daquele aresto, ser decretada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o que, consequentemente, veio a acontecer.
24 - Concluindo, por todas as razões acima expostas, com apoio na letra e no espírito da lei, na Doutrina e na Jurisprudência, é nosso entendimento que o disposto no citado artigo 79.º do CPAC (bem como os artigos 80.º e 81.º) não é aplicável ao presente caso, devendo, em consequência, como aliás serenamente o foi no Douto Acórdão ora posto em crise, ser decretada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
25 - Pelo que não pode deixar de ser considerada como verificada a total ausência de fundamento na alegada violação ou errada aplicação da lei substantiva ou processual ou a ilegalidade da decisão impugnada, imputadas pela Recorrente ao Douto Acórdão recorrido, com todas as consequências legais daí decorrentes.
26 - E se assim é, e se é insofismável que também não houve qualquer erro nos pressupostos de facto ou de Direito por parte do Douto Acórdão recorrido, forçoso é concluir que o mesmo não merece reparo.
27 - No mais, acompanhando o Douto Acórdão recorrido, a entidade Recorrida oferece o merecimento dos autos.

E o Consórcio formado entre B, C e D também apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:
1. Os actos nulos não são susceptíveis de revogação e não podem ser modificados ou substituídos por outros, sob pena de estes sofrerem do mesmo vício, cfr. resulta dos artigos 128.º, n.º 1 al. a) e 126.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo;
2. O acto recorrido nos presentes autos não foi revogado, substituído ou modificado pelo acto de adjudicação de 2 de Agosto de 2012, pelo que não há lugar à aplicação do n.º 2 do artigo 79.º do Código de Processo Administrativo Contencioso;
3. Teria a Recorrente legitimidade para colocar em causa o douto Acórdão ora recorrido, nos termos em que o faz, se a Administração não tivesse reconstituído o procedimento e procedido a um novo processo de selecção;
4. Contudo, a proposta da Recorrente foi admitida, tal como também sucedeu com a do consórcio E e F, e avaliada conjuntamente com as restantes, pelo que o acto de adjudicação de 2 de Agosto de 2012 traduz a prática de um novo acto assente numa nova avaliação de propostas;
5. Como diz a entidade recorrida, se tivesse sido outro o resultado da nova avaliação de propostas, que incluiu as proposta da Recorrente e da E e F a solução financeira e jurídica para a situação de facto existente teria de ser outra;
6. A Administração pode declarar que certo acto é nulo, mas se pretender revogar um desses actos, a revogação carece de pressuposto e conteúdo e, por conseguinte, é também nula;
7. Não merece reparo a decisão recorrida no segmento em que julga extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 84.º, al. e) do Código de Processo Administrativo Contencioso.

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo não merecer provimento o presente recurso.
Foram corridos os vistos.

2. Factos Provados
Nos autos foram apurados os seguintes factos com pertinência para a decisão:
- A recorrente apresentou-se ao Concurso Público Internacional destinado à obra de Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau, declarado aberto por anúncio publicado no Boletim Oficial nº 13, II Série, de 31.3.2010.
- Por deliberação da Comissão de Abertura das Propostas do Concurso, de 25.6.2010, a proposta da recorrente não foi admitida. (cfr. fls. 16 da pasta 1 dos cadernos de encargos)
- Dessa deliberação foi apresentada, pela recorrente, reclamação para aquela Comissão e, posteriormente, o competente recurso hierárquico junto do Exm.º Chefe do Executivo, tendo este sido indeferido por seu despacho de 4.11.2010. (cfr. fls. 25 e seguintes da pasta 4 dos cadernos de encargos)
- Do despacho foi interposto recurso contencioso para o TSI, e por Acórdão de 28.7.2011, foi negado provimento ao recurso.
- Por despacho do Exm.º Chefe do Executivo, de 5.8.2011, foi adjudicada à contra-interessada (Consórcio formado entre B, C e D) a obra de Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau. (cfr. fls. 1 e seguintes da pasta “Avaliação de propostas” com o nº 1/4)
- Inconformada com a decisão proferida pelo TSI, dela recorreu para o TUI, e por Acórdão de 12.10.2011, no âmbito do Processo nº 45/2011, foi anulada a deliberação da Comissão de Abertura das Propostas na parte em que não admitiu a proposta da recorrente. (cfr. fls. 185 e seguintes dos autos de recurso)
- Em 20.10.2011, a recorrente interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exm.º Chefe do Executivo, de 5.8.2011, que adjudicou a referida obra de Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau, ora decisão recorrida. (cfr. fls. 2 e seguintes dos autos de recurso)
- Em execução da decisão judicial proferida pelo TUI no âmbito do Processo nº 45/2011, a Administração procedeu-se à reabertura do Concurso, admitindo a proposta da recorrente, nos termos da deliberação tomada em 25.11.2011. (cfr. fls. 735 e seguintes da pasta “Informação” com o nº 4/4)
- Em 7.9.2012, o Exm.º Chefe do Executivo veio informar este TSI que por seu despacho de 2.8.2012, declarou nula a adjudicação efectuada por despacho de 5.8.2011, pedindo, em consequência, que seja declarada extinta a instância do recurso contencioso em curso, por inutilidade superveniente da lide. (cfr. fls. 540 e seguintes dos autos de recurso)
- Nesse mesmo despacho de 2.8.2012, a entidade recorrida adjudicou a obra relativa ao Concurso Público Internacional para a Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau a favor do Consórcio formado entre B, C e D (cfr. fls. 540 e seguintes dos autos de recurso)
- Tendo sido notificada dessa informação, a recorrente requereu, em 24.9.2012, o prosseguimento do recurso contencioso tendo por objecto o “novo” acto de adjudicação. (cfr. fls. 552 dos autos de recurso)

3. Direito
A questão fundamental colocada no presente recurso prende-se com a interpretação e aplicação do disposto no art.º 79.º do CPAC.
No Acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância decide indeferir o pedido formulado pela recorrente no sentido de prosseguir o recurso contencioso contra o novo acto de adjudicação, declarando extinta a instância recursória, pois não se vislumbra a prática de qualquer acto revogatório de acto anterior nem se descortina a sua modificação ou substituição por outro com os mesmos efeitos, pelo que, não estando preenchidos os requisitos previstos no art.º 79.º do CPAC, não pode haver lugar ao prosseguimento do recurso contencioso contra o novo acto de adjudicação.
Na tese da recorrente o Tribunal a quo não aplicou o normativo legal que ao caso cabia aplicar, ou seja, o art.º 79.º do CPAC, não tendo cuidado de averiguar se a declaração de nulidade pela entidade recorrida não consubstanciou antes, nas circunstâncias de facto e de direito em que foi proferida, uma revogação anulatória do primeiro acto de adjudicação, com substituição do primeiro acto pelo segundo, com efeitos retro activos, entre os mesmos sujeitos, com o mesmo objecto e produzindo integralmente os mesmos efeitos jurídicos.
Foi imputada ao Acórdão recorrido a violação da lei e dos princípios da tutela jurisdicional efectiva, da economia processual e pro actione, princípios contidos nos art.º s 79.º e seguintes do CPAC.
Vejamos.

A norma legal em causa estabelece o seguinte:
“Artigo 79.º
(Revogação do acto recorrido com efeitos retroactivos)
1. Quando seja praticado, na pendência do recurso, acto revogatório do acto recorrido, com efeitos retroactivos, acompanhado de nova regulamentação da situação, pode o recorrente requerer que o recurso prossiga tendo por objecto o acto revogatório, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e de oferecimento de diferentes meios de prova, sempre que:
a) O requerimento seja apresentado no prazo para interposição do recurso do acto revogatório e antes do trânsito em julgado da decisão que julgue extinta a instância; e
b) O tribunal seja competente para o conhecimento do recurso do acto revogatório.
2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável quando o acto recorrido seja modificado ou substituído por outro com os mesmos efeitos.
3. O trânsito em julgado da decisão que julgue extinta a instância não prejudica a recorribilidade contenciosa do acto revogatório, nos termos gerais.”
Estipula-se nesta norma (e também nas seguintes) o regime de modificação objectiva da instância, que pretende regular, no plano processual, as consequências da emissão, na pendência do processo impugnatório, de um acto revogatório, contemplando o caso da revogação anulatória, ou seja, da revogação fundada na anulabilidade do acto, que opera ex tunc, fazendo retroagir os seus efeitos jurídicos ao momento da prática do acto revogado.1
Para que haja lugar à aplicação do disposto no art.º 79.º, o essencial é que foi praticado, na pendência do recurso, acto revogatório do acto recorrido, com efeitos retroactivos, ou o acto recorrido foi modificado ou substituído por outro com os mesmos efeitos.
No caso ora em apreciação, a recorrente apresentou-se ao Concurso Público Internacional destinado à obra de Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau, em que não foi admitida a proposta da recorrente, e a obra foi adjudicada à contra-interessada (Consórcio formado entre B, C e D), por despacho do Chefe do Executivo, de 5 de Agosto de 2011.
Em consequência do recurso interposto pela ora recorrente e por Acórdão do Tribunal de Última Instância, proferido em 12 de Outubro de 2011 e no âmbito do Processo n.º 45/2011, foi anulada a deliberação da Comissão de Abertura das Propostas na parte em que não admitiu a proposta da recorrente.
Em execução desta decisão judicial do TUI, a Administração procedeu-se à reabertura do Concurso, admitindo a proposta da recorrente.
E na pendência dos presentes autos, o Tribunal de Segunda Instância foi informado que por despacho do Chefe do Executivo de 2 de Agosto de 2012, foi declarada nula a adjudicação efectuada por seu despacho de 5 de Agosto de 2011.
Nesse mesmo despacho de 2 de Agosto de 2012, a entidade recorrida adjudicou a obra relativa ao Concurso Público Internacional para a Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau a favor do Consórcio formado entre B, C e D.

Desde logo, importa saber se está em causa um acto revogatório do acto recorrido, isto é, se o segundo despacho do Chefe do Executivo revogou, ou não, o acto anterior de adjudicação.
No que respeita à revogação do acto administrativo, a regra é que os actos administrativos que sejam válidos são livremente revogáveis, excepto nos casos expressamente previstos no n.º 1 do art.º 129.º do Código do Procedimento Administrativo, enquanto não são susceptíveis de revogação os actos nulos, os actos anulados contenciosamente e os actos revogados com eficácia retroactiva – art.ºs 128.º e 129.º do CPA.
Ora, na definição dada por Freitas do Amaral, a revogação é o acto administrativo que se destina a extinguir os efeitos de um acto anterior, constituindo o seu conteúdo a extinção dos efeitos jurídicos produzidos pelo acto revogado. E da revogação há que distinguir certas figuras afins, não se devendo confundi-la com os casos em que a Administração declara a inexistência ou a nulidade de um acto administrativo anterior; é impossível a revogação de actos inexistentes ou de actos nulos, porque estes actos não estão em condições de produzir quaisquer efeitos.2
Por seu turno, a nulidade é equiparada nos seus efeitos à inexistência jurídica do acto; só que essa inexistência não resulta da natureza das coisas e sim de cominação de lei que fulmina a conduta da Administração como nula e de nenhum efeito. E sempre que a lei não comine outra sanção ou a inexistência não seja a necessária consequência da falta de algum dos elementos essenciais, a regra é a de que o acto viciado é simplesmente anulável, que produz efeitos até à anulação feita pelos tribunais mediante recurso contencioso interposto dentro do prazo legal.3
E não são susceptíveis de revogação os actos nulos e os actos anulados contenciosamente, repete-se.
No caso dos autos, a Administração declarou nula a adjudicação feita por despacho do Chefe do Executivo de 5 de Agosto de 2011. Ao mesmo tempo, efectuou a nova adjudicação (embora a favor do mesmo concorrente), após um novo procedimento administrativo concursal, com reabertura do concurso, com admissão da proposta da ora recorrente e ainda com avaliação das propostas.
A nulidade foi declarada nos termos da al. i) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA, segundo a qual são nulos “os actos consequentes de actos administrativos anteriormente anulados ou revogados, desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente”.
Temos no caso presente um acto consequente (que declarou nula a primeira adjudicação) do acto administrativo anteriormente anulado (não admissão da proposta da recorrente).
Sobre tal norma, e exactamente dando por exemplo o caso de adjudicação, em que alguns concorrentes foram excluídos na fase de admissão das propostas, entende o Dr. José Cândido de Pinho que “a prática e o conteúdo desse acto de adjudicação foram determinados pelo anulado acto de exclusão, o que significa que aquele é consequente deste. O acto de adjudicação só teve lugar porque o procedimento prosseguiu até ao seu termo deixando para trás alguns concorrentes que a ele não puderem aceder; melhor dizendo, que não tiveram hipótese de lutar por ele”, sendo que o acto de exclusão, mesmo atendendo à fase procedimental em que é praticado, se deve considerar antecedente (acto-causa ou acto-pressuposto) e que o acto de adjudicação do concurso público se deve considerar consequente.
E quanto à salvaguarda do mesmo preceito legal (desde que não haja contra-interessados com interesse legítimo na manutenção do acto consequente), com referência e citação de vários autores, diz que tal ressalva “apenas se deve considerar operável nas situações em que o contra-interessado esteve alheio à disputa sobre o acto principal, o que deve ser entendido como aplicável aos casos em que ele (contra-interessado) não tenha participado no respectivo processo, apesar de ter tido a oportunidade de participar,4 o que não é, evidentemente, o nosso caso.
Após esta breve passagem, é de concluir que não há obstáculo para considerar aplicável o disposto na al. i) do n.º 2 do art.º 122.º do CPA, não merecendo censura a decisão administrativa que declarou nula a adjudicação efectuada em 5 de Agosto de 2011.
Padece da razão a imputação da recorrente quanto ao erro e abuso de qualificação do acto administrativo.
Tratando-se dum acto nulo (acto primitivo de adjudicação), não é susceptível de revogação, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do art.º 128.º do CPA.
Assim sendo, porque não está em causa um “acto revogatório do acto recorrido”, não há lugar à aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 79.º do CPAC.

Resta ver se o acto recorrido foi modificado ou substituído por outro com os mesmos efeitos; e no caso positivo, seria de aplicar a norma legal contida no n.º 1 do art.º 79.º do CPAC, conforme o comando do n.º 2 do mesmo artigo.
Na óptica da recorrente, o que a entidade fez com o segundo acto de adjudicação foi uma substituição do primeiro e a situação jurídica material dos actos da entidade recorrida corresponde à revogação retroactiva, revogação anulatória com substituição do primeiro acto de adjudicação pelo segundo acto de adjudicação.
Já vimos que não houve acto revogatório do primitivo acto de adjudicação.
Também não se descortina aqui, evidentemente, a modificação do acto anterior, pois a modificação ou alteração do acto implica uma acto novo que incide sobre um acto anterior, alterando o seu conteúdo, modificando o seu objecto ou alguns dos seus requisitos e constitui uma parte nova que pode consistir no aditamento ou na alteração de parte do seu conteúdo.
Quanto à substituição do acto, esta traduz na prática de um novo acto distinto do anterior, extinguindo-o. E o acto novo tem um conteúdo diferente (com uma diferente carga substantiva e dispositiva) e, porventura, até oposto ao primitivo, mas com os mesmos efeitos. 5
Tal como se constata na factualidade assente, foi em execução da decisão judicial proferida pelo TUI, que anulou a deliberação da Comissão de Abertura das Propostas na parte em que não admitiu a proposta da recorrente, que a Administração procedeu à reabertura do Concurso Público, admitindo a proposta da recorrente.
E depois procedeu-se de novo à avaliação de todas as propostas admitidas, incluindo a da ora recorrente, tendo terminado o procedimento administrativo concursal com a adjudicação da respectiva obra.
Ora, trata-se dum procedimento administrativo concursal novo, em consequência do qual foi efectuada a nova adjudicação, embora a favor do mesmo concorrente.
A nova adjudicação surgiu na sequência de um concurso cuja reabertura com admissão da proposta da recorrente decorreu necessariamente da execução da decisão judicial, pois tem a Administração a obrigação de dar execução àquela decisão, e que percorreu todo o seu processo até à nova adjudicação, pelo que se deve dizer, em bom rigor, que a adjudicação novamente efectuada não tem a ver com o procedimento administrativo concursal anterior que tinha sido levado ao cabo com a adjudicação primitiva nem pretende substituir esta adjudicação.
Para Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “a modificação da instância consignada neste artigo opera, pois, quando o acto revogatório apresente uma nova disciplina conformadora do caso, com alteração do sentido da decisão anterior, ou se limite a alterar ou substituir total ou parcialmente o acto revogado, mantendo os seus efeitos de direito”.6
Nesta conformidade, não se nos afigura que está em causa a modificação nem substituição do acto administrativo anterior.

Concluindo, não estão preenchidos os requisitos legais para que seja determinado o prosseguimento do recurso contencioso contra o novo acto de adjudicação, não havendo lugar à aplicação do disposto nos n.º s 1 e 2 do art.º 79.º do CPAC.
Não merece censura a decisão recorrida que julgou extinta a instância do recurso contencioso, ao abrigo do disposto na al. e) do art.º 84.º do CPAC.
Não se vê como foi violada a norma legal do art.º 79.º do CPAC nem os princípios da tutela jurisdicional efectiva, da economia processual e pro actione, indicados pela recorrente.
Acrescentando, é de reafirmar, tal como afirmou o Tribunal recorrido, que a recorrente nem por isso fica impedida de recorrer contenciosamente do novo acto de adjudicação, por interposição autónoma de recurso contencioso, nos termos gerais.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 4 UC.

Macau, 22 de Junho de 2016

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa




1 Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2010, p. 427.
2 Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, p. 351 a 357 e 365.
3 Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10.ª edição, p. 516 e 518.
4 Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2ª edição, Centro de Formação Jurídica e Judiciário, 2015, p. 406 a 416.
5 José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2ª edição, Centro de Formação Jurídica e Judiciário, 2015, p. 189.
6 Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2010, p. 430.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Processo n.º 124/2014