--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). -------------------------
--- Data: 01/06/2016 ------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz José Maria Dias Azedo --------------------------------------------------------------------------
Processo nº 328/2016
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se:
“- Condenar o arguido A, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de detenção ilícita de arma proibida p.p. pelo art° 262° n° 1 do CP, em conjugação com o art° 1° n° 1 al. a) e art° 6° n° 1 al. a) do Decreto-Lei n° 77/99/M na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico com as penas aplicadas nestes autos e as penas aplicadas no processo CR4-14-0099-PCC vai o arguido A condenado na pena única de nove (9) anos e seis (6) meses de prisão efectiva.
(…)”; (cfr., fls. 369-v a 370 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, vem o Ministério Público recorrer.
Apresentou as conclusões seguintes:
“1. O acórdão recorrido julgou que o arguido A deteve a arma prevista no art.° 1.° n.° 1 al. a) do D. L. n.° 77/99/M.
2. A arma prevista no art.° 1.° n.° 1 al. a) do D.L. n.° 77/99/M não é a arma proibida prevista no art.° 6.° n.° 1 al. a) do mesmo D.L., nem outras armas proibidas.
3. Portanto, o acórdão recorrido condenou o arguido A pela prática de um crime de detenção ilícita de arma proibida p.p. pelo art.° 262.° n.° 1 do Código Penal, conjugado com o art.° 1.° n.° 1 al. a) e o art.° 6.° n.° 1 al. a) do D.L. n.° 77/99/M, o que é logicamente inaceitável.
4. Assim, o acórdão recorrido padeceu do erro notório na apreciação da prova a que se refere o art.° 400.° n.° 2 al. c) do Código de Processo Penal.
5. Ao mesmo tempo, o acórdão recorrido considerou o acto de detenção de arma não proibida como um crime de detenção ilícita de arma proibida, violando o princípio da legalidade.
6. De facto, o juízo colectivo julgou que o arguido A deteve uma arma prevista no art.° 1.° n.° 1 al. a) do D.L. n.° 77/99/M, logo, deverá julgar que esta arma é ou não a arma proibida com base no art.° 6.° n.° 1 al. b) do mesmo D.L., mas o juízo colectivo aplicou erradamente o disposto no art.° 6.° n.° 1 al. a). E nos termos do art.° 6.° n.° 1 al. b) do mesmo D.L., consideram-se armas proibidas as armas a que se refere as alíneas c) a f) do artigo 1.°, não al. a).
7. Além disso, o acórdão recorrido, por um lado, julgou que o autor A deteve uma arma (não proibida) prevista no art.° 1.° n.° 1 al. a) do D.L. n.° 77/99/M, por outro lado julgou que o arguido A sabia bem que deteve a “arma proibida”, constituindo a contradição entre os factos dados provados pelo Tribunal.
8. A aludida contradição enquadra-se na “contradição insanável da fundamentação” a que se refere o art.° 400.° n.° 2 al. b) do Código de Processo Penal.
9. Devido ao vício supracitado, o acórdão recorrido, que condenou o arguido A pela prática de um crime de detenção ilícita de arma proibida p.p. pelo art.° 262.° n.° 1 do Código Penal, conjugado com o art.° 1.° n.° 1 al. a) e o art.° 6.° n.° 1 al. a) do D.L. n.° 77/99/M, não tem fundamento de facto e enfermou o erro de aplicação errada do direito.
(…)”; (cfr., fls. 382 a 386-v).
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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“No presente recurso, em que o Ministério Público traz a escrutínio o acórdão condenatório de 03 de Fevereiro de 2016, do 4.° Juízo Criminal, no tocante à condenação do arguido A, vêm suscitadas as questões de erro notório na apreciação da prova, contradição insanável da fundamentação e erro na aplicação das normas relativas a armas proibidas, com a inerente ofensa do princípio da legalidade.
Para o que ora interessa, o acórdão recorrido condenou o arguido A, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 262.°, n.° 1, do Código Penal, em conjugação com os artigos 1.°, n.° 1, alínea a), e 6.°, n.° 1, alínea a), do DL 77/99/M, na pena de dois anos e seis meses de prisão, após ter dado como provada toda a matéria da acusação.
O Exm.° recorrente entende que, tendo o acórdão considerado que o arguido detinha uma arma que cai no âmbito de previsão do artigo 1.°, n.° 1, alínea a), do DL 77/99/M, a qual não é considerada proibida pelo artigo 6.°, n.° 1, alínea a), do mesmo diploma, tirou uma conclusão inaceitável ao considerar o arguido incurso num crime de detenção ilícita de arma proibida, com o que lhe imputa o referido erro notório na apreciação da prova. Por outro lado, pondera que, tendo o acórdão dado por assente que o arguido estava de posse de uma arma (não proibida), prevista no artigo 1.°, n.° 1, alínea a), do DL 77/99/M, viria a considerar também provado que o arguido bem sabia que detinha uma arma proibida, donde a tal contradição insanável da fundamentação.
Vejamos.
Pese embora o muito respeito que nos merece o argumentário usado na motivação do recurso, não se crê que esteja em causa qualquer vício relativo à apreciação da prova ou à fundamentação. O juízo extraído a partir da prova produzida é lógico, coerente, não ofende regras da experiência ou do senso comum, e confirma aliás o juízo indiciário em que previamente o Ministério Público sustentara a acusação. Também não se detecta que a fundamentação encerre contradição, muito menos insanável.
Estamos em crer que a questão que se coloca é apenas uma pura questão de interpretação de normas e subsunção dos factos apurados. E aqui parece-nos, salvo melhor juízo, que a douta alegação de recurso labora num equívoco, qual seja o de que a alínea a) do artigo 6.° do DL 77/99/M não prevê armas proibidas. Mas prevê, embora recorrendo à técnica de delimitação por exclusão. Com efeito, o artigo 1.° daquele Decreto-Lei consagra o conceito de arma, elencando, nas suas várias alíneas, as diferentes espécies de engenhos e instrumentos contidos na abrangência do conceito. Por sua vez, o artigo 6.° do mesmo diploma precisa quais, de entre as armas, aquelas que são proibidas. E logo no n.° 1, alínea a), diz que são proibidas todas as que não estão contempladas nos artigos 2.° a 5.°. Ou seja, com excepção das armas de defesa, de competição, de ornamentação e de valor estimativo, todas as demais são proibidas. Sendo que entre as demais estão nomeadamente as da alínea a) do n.° 1 do artigo 1.° do Decreto-Lei referido.
A partir da prova produzida, e com especial relevo para o exame pericial efectuado no Departamento de Ciências Forenses da Polícia Judiciária, não restam dúvidas de que o engenho detido pelo arguido A integra a espécie de arma prevista na alínea a) do n.° 1 do artigo 1.° do DL 77/99/M.
Como tal engenho não cabe em qualquer das hipóteses de previsão dos artigos 2.° a 5.° do aludido DL 77/99/M, ele é considerado arma proibida por força da norma do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), do mesmo Decreto-Lei.
Tendo sido este o entendimento que presidiu ao acórdão, na parte em que ora vem questionado, não vislumbramos que ele padeça de erro que justifique qualquer censura”; (cfr., fls. 436 a 437).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“ (Relativamente ao arguido A)
1°
Por volta do ano 2011, numa loja do centro comercial subterrâneo de Gongbei (Zhuhai), o arguido Aviu uma pistola prateada em forma de isqueiro e portanto perguntou ao funcionário da loja sobre o preço e a utilização deste objecto.
2°
Através da explicação do funcionário, o arguido Aficou ciente de que o aludido objecto podia acender e disparar “berlinde” como se fosse um isqueiro e arma.
3°
De seguida o arguido A comprou a pistola acima referida por RMB¥300 e o funcionário colocou a pistola numa caixa com três compartimentos e entregou-a ao arguido A. Assim sendo, o arguido A trouxe esta pistola para Macau.
4°
Após regressar para Macau, na sua residência sita na Rua Sul do Patane, Centro Comercial Wa Pou, XX° andar XX, o arguido embrulhou a parte externa e interna da supradita caixa com umas folhas com fotografias, a fim de ocultar o facto de que guardava uma pistola lá dentro, colocando-a numa gaveta do quarto.
5°
Posteriormente o arguido A exibiu ao arguido B a pistola em forma de isqueiro na residência acima mencionada, manifestando que havia capacidade para ser letal.
6°
Cerca das 15 horas de 25 de Fevereiro de 2014, após receberem informações, os agentes da Polícia Judiciária deslocaram-se à residência do arguido A, a qual sita em Macau, Rua Sul do Patane, Centro Comercial Wa Pou, XX° andar XX, para fazer a busca, pelo que encontraram a aludida pistola prateada em forma de isqueiro no quarto da residência, descobrindo o caso. (vide fls. 36 e 37 do auto)
7°
Confirmou através da perícia que a pistola em forma de isqueiro tinha calibre de 5mm, encontrava-se em bom estado de funcionamento, utilizava a pólvora como meio propulsor do projéctil, correspondendo à definição de arma de fogo constante na alínea a) do n° 1 do art° 1° do Decreto-Lei n° 77/99/M.
(Relativamente ao arguido B)
(…)
(Parte comum)
12°
Os dois arguidos não detinham nenhuma autorização nem licença legal respeitante às armas acima mencionadas.
13°
O arguido A sabia perfeitamente que a pistola em forma de isqueiro era uma arma proibida que havia capacidade para ser letal, todavia, ainda a comprou do Interior da China, trazendo-a para Macau para deixar guardada na sua casa. A sua conduta afectou a segurança dos cidadãos e o sossego da sociedade.
14°
O arguido B sabia perfeitamente que a soqueira era uma arma proibida, todavia, ainda a comprou do Interior da China, trazendo-a para Macau para deixar guardada na sua casa. A sua conduta afectou a segurança dos cidadãos e o sossego da sociedade.
15°
Os dois arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
- Mais se provou que:
16°
No âmbito dos autos CR2-13-0022-PSM, por sentença do TJB de 30.01.2013, o arguido A, pela prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art° 14° da Lei n° 17/2009, foi condenado numa pena de dois (2) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois (2) anos. Por despacho de 15.06.2015 foi revogada a suspensão.
17°
No âmbito dos autos CR4-14-0099-PCC, por sentença do TJB de 11.07.2014, o arguido A, foi condenado por um crime de tráfico ilícito de estupefaciente e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo n° 1 do art° 8° da Lei n° 17/2009 na pena de oito (8) anos e seis (6) meses de prisão, por um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art° 14° da Lei n° 17/2009 na pena de dois (2) meses de prisão e por um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento p. e p. pelo art° 15° da Lei 17/2009 na pena de dois (2) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado numa pena única de oito (8) anos e nove (9) meses de prisão efectiva. A sentença transitou em julgado em 12.05.2015.
18°
No âmbito dos autos CR3-12-0137-PCS, por sentença do TJB de 20.09.2012, o arguido B, pela prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art° 14° da Lei n° 17/2009, foi condenado numa pena de 45 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um (1) ano. Por despacho de 03.12.2014, foi declarada extinta a pena.
19°
No âmbito dos autos CR4-14-0198-PSM, por sentença do TJB de 24.09.2014, o arguido B, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas p. e p. pelo art° 90° n° 2 da Lei n° 3/2007, foi condenado numa pena de cinco (5) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois (2) anos e na inibição de condução pelo período de um (1) ano. A sentença transitou em julgado em 20.10.2014.
20°
O arguido B ainda foi acusado de furto qualificado no processo CR2-15-0127-PCC cujo julgamento foi realizado em 14.01.2016”; (cfr., fls. 362 a 365-v).
Do direito
3. Como se deixou relatado, vem o Ministério Público recorrer do Acórdão do T.J.B. que condenou o arguido A ou A pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de “detenção ilícita de arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 1 do C.P.M., em conjugação com o art. 1°, n.° 1, al. a) e art. 6°, n,° 1, al. a) do Decreto-Lei n.° 77/99/M, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico com as penas aplicadas no processo CR4-14-0099-PCC, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.
É de opinião que a dita decisão parece de vícios vários, pedindo, a final, a absolvição do arguido.
Porém, como – bem – se nota no Parecer que atrás se deixou transcrito, evidente é que o presente recurso não merece provimento, (afigurando-se-nos até que o mesmo assenta num equívoco ou mal entendido, até porque o Tribunal a quo limitou-se a dar como provada toda a matéria de facto constante da acusação, condenando também nos termos da incriminação aí efectuada).
Com efeito, e como nos parece claro, não se vislumbra nenhum “erro notório na apreciação da prova” nem “contradição insanável”, pois que o Colectivo a quo não violou nenhuma norma sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, apresentando-se a decisão recorrida lógica e clara no seu fundamento e decisão; (cfr., v.g., os Acs deste T.S.I. de 20.11.2014, Proc. n.° 494/2014, de 30.04.2015, Proc. n.° 302/2015 e Decisão Sumária de 06.10.2015, Proc. n.° 702/2015).
Por sua vez, quanto ao enquadramento jurídico penal efectuado (à factualidade dada como provada), de forma clara e cabal se demonstra no Parecer que se deixou transcrito que nenhuma censura merece, e daí, por ociosas nos parecerem outras considerações (e por uma questão de economia processual) se entende dar aqui o seu teor como reproduzido para efeitos de decisão a proferir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.
Sem tributação, (dada a isenção do Recorrente).
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 01 de Junho de 2016
José Maria Dias Azedo
Proc. 328/2016 Pág. 14
Proc. 328/2016 Pág. 15