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Processo n.º 36/2016
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
Data da conferência: 29 de Junho de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Suspensão de eficácia de acto administrativo
- Insusceptibilidade de suspensão de eficácia
- Fundamento principal

SUMÁRIO
Se, tendo o Tribunal proferido a decisão, fundamentando-a com a razão principal e a subsidiária, a recorrente impugnou apenas o fundamento subsidiário (que se relaciona com a não verificação dos requisitos da suspensão de eficácia), sem ter questionado o principal (que se prende com a insusceptibilidade de suspensão de eficácia do acto administrativo), é de julgar improcedente o seu recurso, a não ser se tratar de questão de conhecimento oficioso.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
A, melhor identificada nos autos, requereu junto ao Tribunal de Segunda Instância e nos termos dos art.ºs 120.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo Contencioso o procedimento de suspensão de eficácia do despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Fevereiro de 2016, que ordenou a desocupação, no prazo de 60 dias a contar da respectiva notificação, do terreno com a área de 2637 m2, situado na Ilha de Taipa, na Zona de Aterro do Pac-On, designado por lote “V2”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22491, a fls. 79 do livro B35K.
Por Acórdão proferido em 14 de Abril de 2016, o Tribunal de Segunda Instância decidiu indeferir o pedido de suspensão de eficácia.
Inconformada com o Acórdão, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A recorrente não concorda com a fundamentação feita pelo TSI em face da alínea a) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, já que esta considera que o acordo celebrado com B e C também deve ser protegido juridicamente.
2. Pela Informação n.º XXX/DSODEP/2008, constante do Processo Administrativo, a recorrente esteve convicta de que seria autorizado o requerimento de alteração da finalidade do terreno concedido e, em consequência, esta prometeu a C e B que lhes permitiria usar o terreno em causa para estacionamento dos seus veículos.
3. Todavia, a autoridade administrativa suspendeu o procedimento administrativo de apreciação do pedido de alteração da finalidade do terreno concedido. O acto em apreço violou o princípio de boa fé devidamente observado pela autoridade administrativa, bem como causou frustração de expectativa razoável à recorrente sobre a autorização do requerimento de alteração da finalidade do terreno concedido. Os interesses da recorrente devem ser juridicamente protegidos.
4. A par disso, mesmo que, após a conclusão do recurso contencioso, a recorrente consiga obter, tanto por meio judicial como por meio extrajudicial, a indemnização paga pela autoridade administrativa, isto não significa que a indemnização produza o efeito da reconstituição natural.
5. Tendo-se em conta que C é uma das concessionárias da concessão do serviço público de transportes colectivos rodoviários de passageiros de Macau, assumindo responsabilidade social relativamente à manutenção do normal funcionamento dos autocarros públicos em Macau.
6. A execução do acto recorrido causará necessariamente impactos negativos ao funcionamento quotidiano dos autocarros e à circulação dos cidadãos e turistas, bem como danificará a imagem dos transportes terrestres de Macau, trazendo consequências dificilmente estimadas.
7. Tais impactos negativos emergentes da execução do acto recorrido são irreparáveis só pela indemnização pecuniária.
8. Por outro lado, como é sabido, a recorrente foi intimada para desocupação do terreno em causa, visto que o Chefe do Executivo apontou que a mesma desobedeceu à alínea a) do n.º 1 do art.º 14.º do contrato de concessão e violou o disposto na alínea 1) do n.º 1 do art.º 166.º da Lei n.º 10/2013 – “Lei de terras”, ou seja, foi declarada caducada a concessão do terreno em causa por não ter sido aproveitado o terreno no prazo de aproveitamento fixado no contrato de concessão do terreno, por conseguinte, a entidade recorrida executou o procedimento de despejo ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do art.º 170.º (sic) da Lei n.º 10/2013 – “Lei de terras”.
9. A recorrente entende que a não suspensão de eficácia do acto administrativo recorrido causará um outro tipo de prejuízo de difícil reparação.
10. Porque a não suspensão de eficácia do acto administrativo recorrido implica que a recorrente terá de desocupar imediatamente o terreno em causa e não poderá continuar a aproveitá-lo.
11. Se fosse assim, mesmo que, posteriormente, seja concedido provimento ao recurso interposto pela recorrente, sendo, portanto, anulada a decisão do acto recorrido, provavelmente, à recorrente será novamente exigida a desocupação do terreno em causa por outras razões quaisquer.
12. A primeira razão possível: a respectiva entidade reconhece que neste caso se trata da situação de suspensão ou interrupção do aproveitamento do terreno, prevista na alínea 2) do n.º 1 do art.º 166.º da Lei n.º 10/2013 – “Lei de terras” e na alínea c) do n.º 1 do art.º 14.º do contrato de concessão.
13. A segunda razão possível: suscita-se a situação indicada na primeira parte do n.º 1 do art.º 48.º da Lei n.º 10/2013, ou seja, caduca-se o contrato pelo término do prazo de arrendamento da concessão provisória. Assim, a entidade recorrida também necessita de executar o despejo ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do art.º 170.º.
14. Nesta conformidade, se o Tribunal não atribuir efeito suspensivo ao acto recorrido, mesmo que seja concedido provimento ao recurso contencioso interposto no âmbito do processo n.º 232/2016, dificilmente será a recuperação do direito de arrendamento sobre o terreno pela recorrente, depois de ser despejada do terreno.
15. O prejuízo em apreço não só não deve ser sofrido pela recorrente, mas também não pode ser avaliado por dinheiro.
16. Como é sabido, devido à escassez dos solos em Macau, o poder de concessão e arrendamento está na mão da entidade concedente. Não importa a quantia que se paga, a entidade concedente pode não conceder o respectivo terreno.
17. Pelo exposto, o prejuízo alegado pela recorrente deve ser considerado como prejuízo de difícil reparação.

Contra-alegou a entidade recorrida, entendendo que não merece qualquer censura o Acórdão recorrido ao considerar não verificado o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, opinando pelo não provimento do recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Os Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera provados os seguintes factos com relevância à decisão:
- Por despacho de Sua Excelência o Chefe do Executivo, de 30.9.2015, foi declarara a caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno com a área de 2637 m2, situado na Ilha da Taipa, na Zona de Aterro do Pac-On, designado por lote “V2”, descrito na CRP sob o n.º 22491 a fls. 79 do livro B35K.
- Desse despacho recorreu contenciosamente a requerente para o Tribunal de Segunda Instância, tendo o Processo sido autuado com o n.º 1021/2015.
- Por despacho do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3.2.2016, foi ordenada a desocupação de tal terreno pela requerente, no prazo de 60 dias a contar da recepção da notificação.
- Inconformada, dele interpôs a requerente recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, tendo o Processo sido autuado com o n.º 232/2016.
- Foi instaurado o presente procedimento de suspensão de eficácia que corre por apenso ao Processo n.º 232/2016, tendo por objecto a ordem de despejo do Exmº Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3.2.2016.

3. Direito
Nas suas alegações, a recorrente suscitou a única questão, que se prende com a verificação, ou não, do requisito para a suspensão de eficácia previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
No entanto, é de salientar que, tal com se consta claramente no Acórdão recorrido, o Tribunal de Segunda Instância decidiu indeferir a providência de suspensão de eficácia, fundamentando a sua decisão por duas razões:
- O título principal, não tendo o conteúdo autónomo, o acto que ordenou a desocupação do terreno não é susceptível de suspender a sua eficácia;
- Subsidiariamente, ainda que se entenda suspensível a eficácia do acto em apreço, não se verifica o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
Nos termos do art.º 120.º do CPAC, “a eficácia de acto administrativos pode ser suspensa quando os actos:
a) Tenham conteúdo positivo;
b) Tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Ora, antes de entrar na análise sobre a verificação ou não dos requisitos previstos no art.º 121.º do CPAC para a suspensão de eficácia, há que ver, em antemão, se o acto administrativo é susceptível de suspensão de eficácia.
Se se concluir pela insusceptibilidade de suspensão de eficácia do acto administrativo, fica logo naufragada a providência requerida.
Nos presentes autos, sobre a questão de susceptibilidade de suspensão de eficácia, o Tribunal recorrido fez consignar o seguinte:
“Impugnabilidade do acto suspendendo e suspensibilidade de sua eficácia
Defende a entidade requerida que a ordem de desocupação por si prolatada em 3.2.2016, mais não é do que uma mera consequência do acto de Sua Ex.ª o Chefe do Executivo que declarou a caducidade da concessão, na medida em que a produção dos efeitos jurídicos externos na esfera jurídica da requerente teve lugar não por via do acto da entidade requerida que ordenou a desocupação do terreno, mas sim por efeito do acto que declarou a caducidade da concessão, daí que entende que só aquele acto anterior, praticado por Sua Ex.ª o Chefe do Executivo é lesivo de direitos e interesses protegidos da requerente, portanto, contenciosamente impugnável e, em consequência, suspensível a sua eficácia, e não o é o acto suspendendo.
Ora, o que se passa nos presentes autos é que, na sequência do despacho de Sua Ex.ª o Chefe do Executivo, que declarou a caducidade do contrato de concessão do terreno, foi prolatado pela entidade requerida despacho no sentido de ordenar à requerente a desocupação do terreno.
Inconformado, dele interpôs recurso contencioso, e não obstante considerar a ordem de desocupação como um mero acto de execução do acto de declaração de caducidade do contrato de concessão, a requerente não se coibiu de invocar ilegalidades próprias do acto (respeitante à ordem de desocupação).
A nosso ver, sendo a ordem de desocupação qualificável como acto de execução em relação ao acto de declaração de caducidade do contrato de concessão, mas atentas as invalidades suscitadas e imputadas àquele acto, somos a entender que tal acto não deixa de ser contenciosamente recorrível.
No entanto, como o objectivo que a requerente pretende agora ver atingido é evitar a desocupação do terreno, e isso, salvo o devido respeito por melhor opinião, é uma consequência que resulta do próprio acto de declaração da caducidade, mais precisamente, a produção de efeitos externos na esfera jurídica da requerente teve lugar não por via do acto que ordena a desocupação do terreno, mas sim por efeito do acto que declarou a caducidade da concessão, daí que se nos afigura ser apenas suspensível a eficácia desse último acto e não a do seu acto de execução, por este não ter um conteúdo autónomo.
De qualquer modo, ainda que se entenda suspensível a eficácia do acto do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, somos a entender que o pedido da requerente também não pode proceder, por não se verificarem cumulativamente todos os seus pressupostos.”
Repare-se que tal fundamentação principal não foi posta em crise pela recorrente, daí que o seu recurso deve ser condenado a insucesso.
Se, tendo o Tribunal proferido a decisão, fundamentando-a com a razão principal e a subsidiária, a recorrente impugnou apenas o fundamento subsidiário (que se relaciona com a não verificação dos requisitos da suspensão de eficácia), sem ter questionado o principal (que se prende com a insusceptibilidade de suspensão de eficácia do acto administrativo), é de julgar improcedente o seu recurso, a não ser se tratar de questão de conhecimento oficioso, que não é o nosso caso.
Fica prejudicado o conhecimento da questão colocada pela recorrente, de saber se está verificado o requisito referido na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC, pois o recurso é sempre de naufragar, independentemente da discussão sobre tal questão.
Improcede o recurso interposto pela recorrente.

4. Decisão
Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 3 UC.

                 Macau, 29 de Junho de 2016
                 
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
                 




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