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Processo n.º 26/2016
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrentes: A
B
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
Data da conferência: 6 de Julho de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Alienação de moradias da RAEM
     - Funcionários dos quadros próprios da Administração
     - Lei n.º 4/83/M
     
SUMÁRIO
1. Da interpretação conjunta das normas contidas no art.º 37.º, al. b) do DL n.º 31/96/M, nos art.ºs 1.º n.º 1 e 2.º da Lei n.º 4/83/M decorre que só os trabalhadores dos quadros próprios da RAEM que habitem moradias arrendadas por esta têm os direitos adquiridos (de candidatar-se à sua aquisição) legalmente conferidos.
2. Ao abrigo do art.º 6 n.º 2 do DL n.º 31/96/M, ao concurso público para atribuição de moradias podem ser candidatos os funcionários providos por nomeação definitiva em lugares dos quadros dos serviços ou organismos públicos.
3. Uma vez que só os arrendatários podem comprar as moradias de propriedade da RAEM, é necessário que os funcionários sejam providos por nomeação definitiva em lugares dos quadros dos serviços ou organismos públicos para que possam adquirir moradias.
4. Com a entrada em vigor do DL n.º 31/96/M, a expressão “funcionários dos seus quadros próprios”contida no n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 4/83/M deve ser interpretada no sentido de abranger só os funcionários dos quadros providos por nomeação definitiva.
5. Conforme a disposição nos art.ºs 2.º n.ºs 1 e 2 e 20.º n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, o provimento por nomeação definitiva ou em comissão de serviço confere a qualidade de funcionário, sendo que a nomeação é a forma de provimento do pessoal do quadro e pode revestir as modalidades de: provisória ou definitiva, em comissão de serviço e interina.
6. Daí decorre que só com o provimento por nomeação definitiva ou em comissão de serviço é que se confere a qualidade de funcionário do quadro, ou seja, esta qualidade adquire-se apenas com o provimento por nomeação definitiva ou em comissão de serviço.
7. Mesmo admitindo que a norma legal (n.º 1 do art.º 23.º da Lei n.º 4/83/M) faz estender a aplicação do regime de alienação de moradias aos funcionários que, pertencendo aos quadros dos órgãos de soberania de Portugal, prestem serviço em Macau por tempo determinado, fazendo com que eles possam adquirir habitações arrendadas, certo é que tal direito deve ser exercido pelos funcionários, enquanto ainda possuem o estatuto de recrutado ao exterior.
8. Com o estabelecimento da RAEM, a disposição no art.º 23.º da Lei n.º 4/83/M deixou de ter, naturalmente, aplicação, face ao disposto na al. 7) do n.º 1 do art.º 4.º da Lei de Reunificação e no art.º 99.º da Lei Básica da RAEM.

A Relatora,
Song Man Lei
   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
1. Relatório
C, melhor identificada nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 24 de Outubro de 2013, que indeferiu o seu pedido de aquisição da moradia sita em Macau, na [Endereço(1)], da qual é arrendatária desde 9 de Novembro de 1989.
Por Acórdão proferido em 3 de Dezembro de 2015, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso.
Inconformadas com o Acórdão, e na qualidade de sucessoras de C, vêm A e B recorrer para este Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) O Tribunal a quo julgou improcedente o recurso contencioso interposto pela Recorrente Sucedida, que tinha como objecto o despacho do Exmo. Sr. Secretário para a Economia e Finanças que lhe negou o direito a adquirir a moradia arrendada à RAEM desde 9 de Novembro de 1989;
b) Porém, o acórdão recorrido ignorou direitos adquiridos da Recorrente Sucedida, não valorou elementos de prova trazidos aos autos e interpretou erradamente normas legais aplicáveis à situação daquela;
c) Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, e do artigo 2.º da Lei n.º 4/83/M, de 11 de Julho, as “habitações arrendadas pelo Território a funcionários dos seus quadros próprios, no activo ou aposentados, podem ser vendidas” “aos respectivos arrendatários”;
d) A Recorrente Sucedida foi admitida a concurso de atribuição de moradia da RAEM quando esse concurso estava limitado a funcionários públicos;
e) A Administração da RAEM confirmou (e cerca de dez anos mais tarde reiterou essa confirmação) que a Recorrente Sucedida era funcionária pública;
f) Ou seja, a situação jurídico-profissional da Recorrente Sucedida encontra-se já fixada e estabilizada relativamente ao objecto do concurso em questão: a moradia que arrendou;
g) A revogação do Decreto-Lei n.º 46/80/M, de 27 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 31/96/M, de 17 de Junho, teve a virtude de não colocar em causa os direitos adquiridos pelos trabalhadores que antes da entrada em vigor deste último diploma já habitavam as suas respectivas moradias;
h) Podendo estes, assim, candidatar-se à aquisição das respectivas moradias;
i) O Tribunal a quo decidiu inovar e separar o direito ao arrendamento do direito à aquisição de moradia;
j) Separando aquilo que a lei não separa;
k) Para além dos seus direitos adquiridos (e até 1999 plenamente reconhecidos pela Administração da RAEM) há que acrescentar que a relação funcional entre a Recorrente Sucedida e a RAEM nunca sofreu qualquer interrupção, ou seja, aquela foi funcionária da RAEM de modo contínuo durante cerca de trinta anos;
l) O IPM é uma pessoa colectiva de direito público que pertence à Administração Autónoma da RAEM, tem poderes estatutários e regulamentar, sob a tutela do Governo;
m) O Estatuto de Pessoal Docente do IPM é omisso quanto à existência de quadro de pessoal mas foi junta aos autos recorridos uma declaração do IPM que confirma que a Recorrente Sucedida está afecta ao quadro de pessoal deste Instituto Superior, em conformidade com o despacho do Exmo. Sr. Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, de 2 de Março de 2012;
n) O valor dessa declaração foi ostensivamente descurado pelo Tribunal a quo que se socorreu da letra dos Estatutos de Pessoal Docente do IPM e que perante o silêncio deste em relação ao quadro de pessoal, concluiu que a Recorrente Sucedida não está afecta a qualquer quadro de pessoal;
o) A Informação n.º XXXXX/DGP/13, de 22 de Outubro de 2013, cujo conteúdo foi apropriado pelo despacho ora recorrido e passou a constituir os fundamentos deste, em resposta à pretensão da Recorrente, concluiu que o peticionado pela Recorrente “não é legalmente possível”, uma vez que apenas “os funcionários dos quadros próprios da Administração, no activo ou aposentados” são titulares do direito à aquisição de moradia da RAEM.
p) O Tribunal a quo sentenciou também que como a Recorrente Sucedida não preenchia o n.º 2 do artigo 2.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, que classifica como funcionários públicos apenas os trabalhadores da RAEM que tenham sido providos por nomeação definitiva ou em comissão de serviço, aquela não podia ser reconhecida como funcionária pública;
q) Confundindo, deste modo, regras de aplicação geral com normas de natureza especial, que são próprias do pessoal afecto à Administração autónoma (como é o caso concreto do IPM), e que prevalecem sobre as primeiras;
r) No IPM o provimento na docência opera por contrato individual de trabalho;
s) Tal decorre da autonomia conferida ao IPM para fixar os critérios e condições de provimento de pessoal, não significando que este Instituto não tenha qualquer funcionário público nos seus quadros;
t) Por fim, o Tribunal a quo entende que a Recorrente Sucedida perdeu igualmente o direito à aquisição da moradia que arrendou pela extinção do seu estatuto de recrutada ao exterior com a consequente assinatura de contratos de trabalho com a DSEJ, em primeiro lugar, e mais tarde com o IPM;
u) O artigo 23.º, n.º 1, da já citada Lei n.º 4/83/M, dispunha: “O regime definido por este diploma é aplicável, [...], aos funcionários que, pertencendo aos quadros dos órgãos de soberania da Republica, prestem serviço no Território por tempo determinado.”
v) A Recorrente Sucedida preenchia a previsão normativa à data em que celebrou o arrendamento, isto é, pertencia aos quadros dos órgãos de soberania da República Portuguesa, na sua qualidade de funcionária do Ministério da Educação, estava recrutada pela Administração de Macau para trabalhar aqui sem perda do vínculo ao referido Ministério e tinha um contrato de trabalho local por tempo determinado;
w) Deste modo, a Recorrente Sucedida passou a ter o direito de adquirir a moradia de que foi inquilina assim que celebrou o respectivo contrato de arrendamento;
x) A Recorrente foi, portanto, uma técnica oriunda da República Portuguesa que prestou o seu trabalho à Administração da RAEM durante cerca de trinta anos, sempre na moradia arrendada e que depois pretendeu adquirir, dispôs durante cerca de dez anos, (mais precisamente, entre 1989, quando tomou o arrendamento, e 1999, quando se desligou do serviço activo em Portugal) do direito de adquirir essa moradia por aplicação directa da norma do artigo 23.º, n.º 1, da Lei n.º 4/83/M, e só deixou de estar abrangida por essa norma – na sua interpretação literal e aplicação estrita – por imposição das vicissitudes políticas que Macau sofreu em 1999;
y) Estas considerações demandam uma interpretação extensiva do artigo 23.º, n.º 1, da Lei n.º 4/83/M, ou, se se entender que a sua letra não o comporta, a integração de uma lacuna da lei por forma a regular a situação das pessoas que, tal como a Requerente:
a. são arrendatárias de moradia da RAEM;
b. dispuseram do direito a adquirir essa moradia ao abrigo do referido artigo 23.º, n.º 1;
c. perderam-no, não por escolha voluntária, mas porque o estatuto político de Macau se alterou, e Macau deixou de ter qualquer dependência política ou administrativa relativamente a Portugal;
d. mas continuaram desde então a trabalhar ininterruptamente para a Administração local.
z) De uma maneira ou de outra, ou seja, ou fazendo uma interpretação extensiva da norma ou integrando uma lacuna da lei, deve reconhecer-se a essas pessoas o direito a adquirir a moradia de que são arrendatárias.

Não contra-alegou a entidade recorrida.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, no sentido de negar provimento ao recurso jurisdicional.
Foram corridos os vistos.

2. Factos Provados
Nos autos foram considerados provados os seguintes factos com pertinência para a decisão da causa:
A recorrente sucedida iniciou funções no então Território de Macau em 1982, na altura em comissão de serviço na, hoje, Direcção dos Serviços de Educação e Juventude. (fls. 46 do P.A.)
Em 1983, a recorrente sucedida requereu a atribuição por arrendamento de uma moradia por concurso, conforme anúncio publicado no B.O. nº 50, de 11.12.1982. (fls. 46 do P.A.)
Em consequência, por despacho de 7.8.1987 do Director dos Serviços de Finanças, foi-lhe concedida uma moradia, por arrendamento, sita em Macau, na [Endereço(2)], e cujo contrato de arrendamento foi assinado a 8.8.1987. (fls. 67 e 68 do P.A.)
Por despacho do Director dos Serviços de Finanças, de 8.11.1989, foi a recorrente sucedida autorizada a mudar para a moradia sita em Macau, na [Endereço(1)], tendo sido celebrado novo contrato de arrendamento em 9.11.1989. (fls. 57 e 61 do P.A.)
A recorrente sucedida manteve a relação de trabalho na DSEJ com o estatuto de recrutada no exterior até 31.8.1999. (fls. 53 e 54 do P.A.)
Em 25.8.1999, a recorrente sucedida celebrou com a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude contrato além do quadro, para exercer funções de docente, com efeitos a partir de 1.9.1999 até 31.8.2000. (fls. 40 e 41 do P.A.)
Entretanto, a recorrente sucedida denunciou o seu contrato com a DSEJ com efeitos a partir de 1.10.1999, a partir de então passou a encetar nova relação de trabalho com o Instituto Politécnico de Macau até a presente data. (fls. 30 a 33 do P.A.)
Uma vez cessadas as funções como recrutada no exterior, foi solicitada à recorrente sucedida a devolução da moradia onde habitava.
A 3.9.1999, a recorrente sucedida apresentou um pedido de manutenção do contrato de arrendamento, argumentando com o facto de não ter direito à habitação por efeito do recrutamento no exterior, mas sim por um contrato de arrendamento, após concurso público, daí que, no seu entender, não se verificava nenhuma das condições legais para cessar a vigência do seu contrato de arrendamento. (fls. 34 a 36 do P.A.)
Por despacho do Director dos Serviços de Finanças, de 18.11.1999, foi autorizada a manutenção do direito da recorrente sucedida a ocupar a moradia por arrendamento. (fls. 22 a 29 do P.A.)
A recorrente sucedida apresentou, no dia 4.7.2013, na Direcção dos Serviços de Finanças, um requerimento dirigido a Sua Ex.ª o Chefe do Executivo, pedindo que lhe fosse concedida autorização necessária à alienação a seu favor da moradia sita em Macau, na [Endereço(1)]. (fls. 11 do P.A.)
Foi elaborada pelos técnicos da Direcção dos Serviços de Finanças a Proposta nº XXXXX/DGP/13, de 22.10.2013, que a seguir se transcreve:
“Assunto: Pedido de compra de moradia Proposta N.º: XXXXX/DGP/13
da RAEM – C Data: 22/10/2013
Por requerimento dado entrada nesta Direcção dos Serviços a 04/07/13, C, residente na [Endereço(1)], vem, nos termos da Lei n.º 4/83/M, de 11 de Julho, expor e requerer a sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo o seguinte:
- A requerente é arrendatária da fracção sita em Macau, na [Endereço(1)];
- O arrendamento foi contratualizado com a RAEM em 9 de Novembro de 1989, e mantém-se em vigor à presente data, uma vez que foi celebrado de acordo com o DL n.º 46/80/M, de 27 de Dezembro, diploma que regulava a atribuição de alojamento em moradias que fossem da propriedade da RAEM, entretanto revogado e substituído pelo Decreto-Lei n.º 37/95/M, de 7 de Agosto, que, no entanto, salvaguardou os direitos adquiridos pelos arrendatários à luz do diploma revogado, conforme previsto no seu artigo 37º, alíneas a) e b), e;
- Que em absoluto respeito pelo disposto no n.º 1 do artigo 1º e no artigo 3º da Lei n.º 4/83/M, de 11 de Julho, e uma vez que a fracção de que a requerente é arrendatária não se enquadra em nenhuma das excepções previstas no n.º 3 do artigo 1º do referido diploma, vem solicitar que lhe seja concedida autorização para a alienação da fracção supra referida, e do direito do uso do lugar n.º 35 afecto a esta fracção e sito no mesmo edifício.
Relativamente ao DL n.º 37/95/M, de 7 de Agosto, mencionado no requerimento, julgamos que a requerente, por lapso, queria na realidade referir o DL n.º 31/96/M, de 17 de Junho.
Dos documentos constantes neste Departamento, cumpre informar o seguinte:
- A requerente foi recrutada ao exterior nos termos do DL n.º 60/92/M, de 24 de Agosto, para exercer funções no território como professora do ensino primário na DSEJ. Entretanto, em 30.08.1999, cessou funções ao abrigo daquele diploma e a partir daquela data passou a exercer funções na DSEJ, através de contrato de trabalho.
- Posteriormente, rescindiu o contrato com estes serviços e veio a celebrar contrato com o Instituto Politécnico de Macau. Instituto este, no qual exerce actualmente funções de docente por contrato de trabalho celebrado com aquele Instituto com efeitos entre 01.09.2011 e válido até 31.08.2013.
- Tendo a requerente terminado o seu recrutamento à República Portuguesa em 30.08.1999, pelo ofício n.º XXXX/DACE-DGP/99, de 27.08, desta DSF, foi-lhe solicitada a entrega da moradia em que residia.
- Como a requerente havia adquirido o direito ao arrendamento da moradia através de concurso público pelo requerimento de 03.09.1999, veio solicitar autorização para permanecer na moradia, ao abrigo do contrato de arrendamento feito nos termos do DL n.º 46/80/M, de 27 de Dezembro. Tendo a situação da manutenção do arrendamento da moradia da RAEM, sido objecto de análise jurídica na Informação n.º XXX/NAJ/CA/99, de 08.11.99, junta ao processo e;
- Por despacho de 18.11.99, do Exmo. Senhor Director dos Serviços de Finanças, exarado na referida informação, foi autorizada à requerente a manutenção do direito de alojamento da moradia supra referida.
O regime de alienação de fogos da RAEM
O Regime de alienação de fogos da RAEM aos seus arrendatários encontra-se delineado na Lei n.º 4/83/M de 11/07 e no DL n.º 56/83/M de 30/12, que regulamenta as normas indispensáveis à execução da lei.
Nos termos da citada lei, são titulares do direito à aquisição de moradia da RAEM:
- Os funcionários dos quadros próprios da Administração, no activo ou aposentados, ou quando o arrendamento haja sido legalmente transmitido ao cônjuge sobrevivo ou aos descendentes menores do funcionário (n.º 1 e n.º 2 do artigo 1º) e;
- Ser arrendatário da moradia da Administração pretendida a adquirir (artigo 2º).
Do exposto resulta que a requerente não é titular do direito à aquisição de moradia da RAEM, por não pertencer aos quadros da Administração da RAEM, logo não se encontra abrangida pelo n.º 1 do art.º 1 da Lei n.º 4/83/M, de 11 de Junho.
Nestes termos face à legislação em vigor, julgamos, que não é legalmente possível a pretensão apresentada pela ora requerente.
Quanto ao pedido do direito do uso do parque de estacionamento n.º 35 afecto à citada fracção, informa-se que este parque é utilizado pela ora requerente.
Pelo ofício n.º XXXXX/DGP/13, de 04.09.2013, notificou-se a requerente para que, querendo, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo n.º 93º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, se pronunciar, no prazo de 10 dias quanto ao conteúdo da informação n.º XXXXX/DGP/13, de 30.08.2013, que se pronunciava pelo indeferimento da sua pretensão pelos motivos de facto e direito acima exposto.
Após a recepção do ofício, conforme aviso de recepção, a requerente, decorrido o prazo fixado, nada veio dizer ou requerer.
Pelo exposto, não sendo legalmente possível a alienação da moradia em causa, julgo ser de submeter a presente informação à consideração superior do Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças, propondo-se o indeferimento da pretensão.
Porém, V. Exa melhor decidirá.”
Sobre essa proposta recaiu o seguinte despacho da Directora dos Serviços de Finanças:
“Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças:
Concordo com a proposta no sentido de indeferir o pedido da requerente, por falta de fundamento legal. À consideração de V. Ex.ª.”
A 24.10.2013, sobre a mesma proposta recaiu o seguinte despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças:
“Concordo com o parecer. Indefiro o respectivo pedido.”

3. Direito
Alegam as recorrentes que o Acórdão recorrido ignorou direitos adquiridos da recorrente sucedida, não valorou elementos de prova trazidos aos autos e interpretou erradamente normas legais aplicáveis à situação daquela.
Pretendem a aquisição da moradia arrendada pela recorrente sucedida à RAEM, pretensão esta com a qual se prende a imputação de todos os vícios.
Vejamos se lhes assiste razão.

Antes de mais, convém fazer uma breve abordagem sobre o regime de alienação de moradias de propriedade da RAEM.
Nos termos do art.º 37.º, al. b) do DL n.º 31/96/M, de 17 de Junho, que regula a atribuição de alojamento em moradias que sejam propriedade da RAEM, os trabalhadores que habitem estas moradias podem “candidatar-se à sua aquisição, desde que, à data da entrada em vigor do presente diploma, reúnam os requisitos exigidos para o efeito na legislação vigente”.
E quanto à alienação de prédios pertencentes à RAEM, encontra-se como diploma regulador a Lei n.º 4/83/M, de 11 de Julho, vigente à data da entrada em vigor do DL n.º 31/96/M (1 de Julho de 1996) e continua a vigorar até agora.
Resulta do disposto no n.º 1 do art.º 1.º e no art.º 2.º da Lei n.º 4/83/M que “as habitações arrendadas pelo Território a funcionários dos seus quadros próprios, no activo ou aposentados, podem ser vendidas nos termos desta lei”, sendo que “as habitações só podem ser vendidas aos respectivos arrendatários”.
Da interpretação conjunta destas normas decorre que só os trabalhadores dos quadros próprios da RAEM que habitem moradias arrendadas por esta têm os direitos adquiridos (de candidatar-se à sua aquisição) legalmente conferidos.
Para aqueles trabalhadores não pertencentes aos quadros próprios da Administração, não podem exercer tal direito, ainda que habitem moradias de propriedade da RAEM.
Por outras palavras, para que o arrendatário possa adquirir a moradia que está a habitar, é necessário que ele seja funcionário dos quadros próprios da Administração Pública de Macau.
Ao contrário à afirmação das recorrentes, é a própria lei que distingue o direito ao arrendamento de moradia do direito à aquisição de moradia arrendada, ao condicionar este direito aos requisitos exigidos para o efeito na legislação vigente.
Não tem o legislador a intenção de assegurar a todos os arrendatários de moradias da RAEM o direito de aquisição.
Por outro lado, os regimes de arrendamento e alienação de moradias da RAEM têm âmbitos de aplicação diferentes, não tendo os mesmos destinatários.
Ora, resulta dos art.ºs 2.º e 17.º do DL n.º 46/80/M, de 27 de Dezembro, diploma vigente na altura em que a recorrente sucedida começou a estabelecer a relação de arrendamento com a então Administração de Macau, que as moradias seriam distribuídas aos servidores de Macau, bem como aos aposentados e desligados do serviço aguardando aposentação e podiam concorrer ao concurso público para efeito de distribuição de moradias os funcionários e agentes públicos ao serviço de Macau, não se exigindo a sua pertença aos quadros próprios da Administração.
Só que tal diploma foi revogado pelo DL n.º 31/96/M, cujo art.º 6 n.º 2 estipula que ao concurso público para atribuição de moradias podem ser candidatos os funcionários providos por nomeação definitiva em lugares dos quadros dos serviços ou organismos públicos.
Fica assim restringido o âmbito de aplicação do DL n.º 31/96/M, na medida em que só “os funcionários providos por nomeação definitiva” podem arrendar moradias de propriedade de Macau.
Daí ressalta que, uma vez que só os arrendatários podem comprar as moradias arrendadas, é necessário que os funcionários sejam providos por nomeação definitiva em lugares dos quadros dos serviços ou organismos públicos para que possam adquirir moradias.
Tal interpretação resulta claramente das normas acima citadas, reforçada ainda pela disposição nos art.ºs 21.º e 22.º n.º 1, al. c) do DL n.º 31/96/M, que exigem a qualidade de “funcionário de nomeação definitiva ou aposentado” para a transmissão da posição do arrendatário ao ex-cônjuge ou cônjuge separado judicialmente (transmissão por divórcio) ou a descendentes que não confiram direito a subsídio de família (transmissão por morte).
Com a entrada em vigor do DL n.º 31/96/M, a expressão “funcionários dos seus quadros próprios”contida no n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 4/83/M deve ser interpretada no sentido de abranger só os funcionários dos quadros providos por nomeação definitiva.

Passamos agora para o presente caso concreto.
Na óptica das recorrentes, a recorrente sucedida foi admitida a concurso de atribuição de moradia da RAEM e a Administração da RAEM confirmou que ela era funcionária pública, encontrando-se assim a sua situação jurídico-profissional já fixada e estabilizada relativamente ao objecto do concurso em questão: a moradia que arrendou, pelo que pode candidatar-se à aquisição da respectiva moradia.
Ora, resulta da factualidade provada que, desde 1987, a recorrente sucedida era arrendatária duma moradia do território e apresentou, no dia 4.7.2013, um requerimento dirigido ao Senhor Chefe do Executivo, pedindo que lhe fosse concedida autorização necessária à alienação a seu favor dessa moradia.
Quanto à sua situação funcional, manteve a relação de trabalho com a Administração de Macau, inicialmente na Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, com o estatuto de recrutada no exterior até 31.8.1999 e por contrato além do quadro até 30.9.1999, e depois passou a encetar nova relação de trabalho com o Instituto Politécnico de Macau, por contrato de trabalho.
Não está em discussão a qualidade de arrendatária de moradia da RAEM.
Resta ver se a recorrente sucedida detinha o estatuto de funcionário dos quadros próprios da Administração Pública provido por nomeação definitiva, necessário para poder candidatar-se à aquisição da moradia da RAEM.
A este propósito, e conforme a disposição no n.ºs 1 e 2 do art.º 2.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, os trabalhadores da Administração Pública abrangem os funcionários, agentes e pessoal assalariado (que passaram a incluir apenas funcionários e agentes, com a alteração feita pela Lei n.º 12/2015, de 17 de Agosto, vigente desde 1 de Novembro de 2015) e “o provimento por nomeação definitiva ou em comissão de serviço confere a qualidade de funcionário”, enquanto o provimento por nomeação provisória ou em regime de contrato confere a qualidade de agente.
Por sua vez, o n.º 1 do art.º 20.º do ETAPM prevê expressamente a forma e as modalidades de provimento do pessoal do quadro, segundo o qual a nomeação é a forma de provimento do pessoal do quadro e pode revestir as modalidades de: provisória ou definitiva, em comissão de serviço e interina.
Daí decorre que só com o provimento por nomeação definitiva ou em comissão de serviço é que se confere a qualidade de funcionário do quadro, ou seja, esta qualidade adquire-se apenas com o provimento por nomeação definitiva ou em comissão de serviço.
E só os funcionários dos quadros providos por nomeação definitiva podem comprar moradias de propriedade da RAEM, repetindo.
No caso ora em apreciação, constata-se que a recorrente sucedida manteve a relação de trabalho com a Administração de Macau, ou com o estatuto de recrutada no exterior, ou por contrato além do quadro ou ainda por contrato de trabalho.
Na verdade, nunca foi ela provida por nomeação definitiva (nem em comissão de serviço), pelo que não detinha a qualidade de funcionário do quadro.
Conforme o n.º 2 do art.º 1.º do Estatuto do Pessoal Docente do IPM, aprovado pelo Despacho n.º 29/SAAEJ/99, publicado em 23 de Agosto de 1999 no Boletim Oficial n.º 34, o pessoal docente deste Instituto é contratado, em regra, a prazo, por período igual ou inferior a 2 anos eventualmente renovável, podendo sê-lo também por período indeterminado, nas categorias de professor coordenador e de professor adjunto, que não é o caso da recorrente sucedida.
A relação funcional da recorrente sucedida com o Instituto Politécnico de Macau mantinha-se com o contrato de trabalho a prazo celebrado entre ambas as partes, para exercer funções docentes.
O que afasta, evidentemente, a hipótese de considerá-la como funcionária do quadro.
Quanto à declaração emitida pelo IPM, que afirma que a recorrente sucedida pertence ao “quadro de pessoal” do Instituto, não se nos afigura pertinente no sentido de atribui-la a qualidade de funcionária do quadro, para além de tal qualificação nem vincular os tribunais.
Sem intenção de ignorar a natureza do IPM que é uma pessoa colectiva de direito público que pertence à Administração Autónoma da RAEM, tem poderes estatutários e regulamentar, sob a tutela do Governo, tal como afirmam as recorrentes, certo é que nem por isso ao seu pessoal é inaplicável o regime estabelecido no ETAPM, por força do n.º 1 do art.º 1.º, segundo o qual este diploma “aplica-se ao pessoal dos serviços públicos da Administração de Macau, incluindo os serviços e fundos autónomos”.
E a alegação sobre a inalteração das funções de docente e do vínculo profissional com a Administração Pública de Macau durante longo tempo não se mostra pertinente para a pretensão das recorrentes, na medida em que não lhe confere a qualidade de funcionária do quadro.
A recorrente sucedida adquiriu o direito ao alojamento em moradia do Território por concurso público ao qual foi admitida nos termos do n.º 1 do art.º 17.º do DL n.º 46/80/M, com estatuto de recrutada ao exterior.
E quando cessado tal estatuto, foi autorizada a manutenção do seu direito a ocupar a moradia por arrendamento.
No entanto, a vicissitude em causa não pode assumir, obviamente a nosso ver, relevância pretendida pelas recorrentes, de atribuir a qualidade de funcionária do quadro próprio da Administração Pública.
A admissão da recorrente sucedida ao concurso público para atribuição de moradias, bem ou mal, no momento em que não foi exigida a qualidade de funcionário dos quadros próprios da Administração de Macau, bem como a autorização de manutenção do seu direito a ocupar a moradia não lhe conferem, evidentemente, o estatuto necessário para a aquisição de moradia
O reconhecimento do direito ao arrendamento só produz efeitos restritos à atribuição e arrendamento de moradias, não se estendendo ao âmbito de aquisição de moradia arrendada.
É de lembrar ainda que, conforme a disposição no n.º 2 do art.º 1.º do DL n.º 31/96/M, tal diploma não se aplica a pessoal recrutado no exterior, já que a atribuição de alojamento aos recrutados é regulada em legislação própria.
Concluindo, não se vê como foram ignorados os alegados “direitos adquiridos” nem elementos de prova trazidos aos autos.

No que respeita ao imputado erro na interpretação de normas legais, chamam as recorrentes à colação a disposição contida no n.º 2 do art.º 2.º do ETAPM, que já foi objecto da nossa apreciação, bem como no n.º 1 do art.º 23.º da Lei n.º 4/83/M, que faz estender a aplicação do regime de alienação de moradias de Macau definido no diploma aos funcionários que, pertencendo aos quadros dos órgãos de soberania de Portugal, prestem serviço em Macau por tempo determinado.
Ficava assim permitida a aquisição de moradias pelos funcionários que, embora não pertençam aos quadros da Administração Pública de Macau, aqui prestem serviço.
É de dizer que a recorrente sucedida, enquanto no estatuto de recrutada no exterior, tinha o direito de candidatar-se à aquisição de moradia por si arrendada, que não chegou a ser exercido.
Será que continua a beneficiar de tal direito depois de cessar aquele estatuto que possuía até 31 de Agosto de 1999?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Desde logo, é de salientar que, com o estabelecimento da RAEM, a disposição no art.º 23.º da Lei n.º 4/83/M deixou de ter, naturalmente, aplicação, face ao disposto na al. 7) do n.º 1 do art.º 4.º da Lei de Reunificação e no art.º 99.º da Lei Básica da RAEM.
Mesmo que assim não se entender, certo é que as letras da lei são muito claras: a aquisição de moradia nos termos do art.º 23.º da Lei n.º 4/83/M pressupõe que o comprador pertence aos quadros dos órgãos de soberania de Portugal, mas presta serviço em Macau.
Daí que, com a cessação das suas funções como recrutada no exterior, à recorrente sucedida deixou de ser aplicada a norma em causa.
Se a recorrente sucedida queria comprar a habitação arrendada, devia ter de satisfazer os requisitos legalmente exigidos para o efeito, incluindo previstos no n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 4/83/M, referente à qualidade de funcionários dos quadros próprios de Macau, providos por nomeação definitiva, o que não sucedeu, como já vimos.
Na tese das recorrentes, tendo em consideração as vicissitudes políticas que Macau sofreu em 1999, deve fazer-se uma interpretação extensiva do art.º 23.º n.º 1 da Lei n.º 4/83/M ou operar-se a integração de uma lacuna da lei por forma a regular a situação em que se encontra a recorrente sucedida e ainda outras pessoas, que perderam o direito a adquirir moradias arrendadas, não por escolha voluntária, mas por alteração do estatuto político de Macau, que deixou de ter qualquer dependência política ou administrativa relativamente a Portugal.
Não se nos afigura assistir razão às recorrentes, pois não se vê em que termos e com que fundamento é acolhível a sua pretensão.
Como se sabe, há interpretação extensiva quando o intérprete concluir que o legislador queria dizer uma coisa e as palavras traíam-no, levando-o a exprimir realidade diversa, ou seja, o sentido não cabe dentro do texto legal. Se o sentido ultrapassa o que resultaria estritamente da letra, faz-se interpretação extensiva.1
Ora, quando o legislador confere o direito à aquisição de moradias aos funcionários pertencentes aos quadros dos órgãos de soberania de Portugal, intenciona claramente incentivá-los a prestar serviço em Macau durante certo período do tempo, pelo menos por 5 anos, pois se cessar a prestação de serviço antes do termo do ónus de inalienabilidade de moradia, que é de 5 anos, a entidade vendedora vai resolver o contrato, reavendo a habitação pelo preço por que alienou (art.º 23.º, conjugado com o art.º 10.º n.º 1 da Lei n.º 4/83/M).
Se o funcionário deixar de pertencer aos quadros de Portugal, passando a ser trabalhador da Administração de Macau, sem que tenha exercido oportunamente o direito legalmente conferido, não se vislumbra qual a razão e fundamento que justifique a manutenção de tal direito na sua esfera jurídica e a que título é que há de fazer uma interpretação extensiva da norma apenas porque o interessado pretende agora ou mais tarde comprar a moradia por si arrendada de propriedade da RAEM.
Por outro lado, nos temos do art.º 9.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil de Macau, as lacunas são casos que a lei não preveja e há a analogia, que é a forma de integração das lacunas da lei, sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
E considera-se a lacuna como uma fatalidade, uma incompleição do sistema normativo que contraia o plano deste. A lacuna pode ser de previsão ou de estatuição, sendo que no primeiro caso falha a previsão de um caso que deve ser juridicamente regulado, enquanto no segundo, há previsão mas não se estatuíram os efeitos jurídicos correspondentes, situação esta em que não há que distinguir se juridicamente há ou não lacuna uma vez que, ao prever a situação, a lei já se pronunciou pela sua natureza jurídica.
E a própria afirmação da existência de lacunas resulta de uma tarefa de valoração. “Só valorando se conclui se determinada ausência de disciplina contraria ou não o plano ou a concepção do sistema jurídico”.2
Daí que, para indagar se há lacuna em determinada matéria, há de apurar se no caso concreto a respectiva regulamentação decorre da exigência do sistema normativo e se a sua falta contraria o plano ou a concepção do sistema jurídico.
Neste contexto das considerações, e tomando em consideração todo o regime de alienação de moradias de propriedade da RAEM bem como o objectivo a alcançar com a sua aplicação aos funcionários dos quadros de Portugal, cremos que andou bem o Tribunal recorrido ao entender não existente qualquer lacuna no domínio particular que nos ocupa no presente recurso, não se compreendendo em que termos e com que fundamento pretendem as recorrentes a integração de lacuna relativa à disposição legal em causa.
Na realidade, não se demonstra contrariado o plano ou a concepção do sistema jurídico, com a falta de disciplina sobre a situação ora em apreciação, e nem as próprias recorrentes chegaram a invocar.
Improcede a argumentação das recorrentes.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
Custas pelas recorrentes, com taxa de justiça fixada em 6 UC.

    Macau, 6 de Julho de 2016
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
   
1 José de Oliveira Ascensão, O direito, Introdução e Teoria Geral, 13.ª Edição Refundida, p. 423.
2 José de Oliveira Ascensão, O direito, Introdução e Teoria Geral, 13.ª Edição Refundida, p. 383, 435 e 436.
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Processo n.º 26/2016