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Processo nº 434/2015
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 07 de Julho de 2016

ASSUNTO:
- Articulados supervenientes
- Caducidade da concessão do terreno
- Falta de fundamentação
- Actividade administrativa vinculada

SUMÁRIO
- O nº 3 do artº 68º do CPAC estabelece de forma expressa que o recorrente pode alegar novos fundamentos do seu pedido, cujo conhecimento tenha sido superveniente, ou restringi-los expressamente nas alegações facultativas.
- Como o CPAC já prevê sede própria para alegação dos novos fundamentos do recurso supervenientes, nada se justifica o recurso à aplicação subsidiária do CPCM no sentido de admitir articulados supervenientes.
- Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
- O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
- Cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados” .
- A nova Lei de Terra prevê duas situações da caducidade da concessão dos terrenos urbanos, a saber:
1. A falta de aproveitamento dentro do prazo fixado (cfr. artº 166º da Lei nº 10/2013); e
2. O termo do prazo da concessão provisória sem que a concessão convertida em definitiva (cfr. artºs 48º, nº 1 e 52º, todos da Lei nº 10/2013).
- Para a primeira situação, a Lei de Terra permite, a requerimento do concessionário, a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno sob autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo (nº 5 do artº 104º da Lei nº 10/2013).
- O que já não acontece para a segunda situação, pois o legislador não prevê outra alternativa para além da caducidade da concessão provisória.
- Uma vez decorrido o prazo da concessão provisória do terreno sem esta ter sido convertida em definitiva, independentemente havendo ou não culpa do concessionário ou prévia declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado, verifica-se sempre a caducidade da concessão provisória.
- A al. 1) do nº 1 do artº 166º da nova Lei de Terra é clara no sentido de que a caducidade da concessão provisória por falta de aproveitamento no prazo fixado opera-se independentemente de ter sido aplicada ou não a multa, em lado algum da lei se prevê a necessidade da precedência da aplicação da multa para o efeito.
- O erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, bem como a violação dos princípios da boa-fé, da igualdade, da justiça, da tutela da confiança e da proporcionalidade, não são operantes na actividade administrativa vinculada.
O Relator,

Ho Wai Neng












Processo nº 434/2015
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 07 de Julho de 2016
Recorrente: Sinca – Sociedade de Indústrias Cerâmicas, Limitada
Entidade Recorrida: O Senhor Chefe do Executivo

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Sinca – Sociedade de Indústrias Cerâmicas, Limitada, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 30.03.2015, pelo qual se declarou a caducidade do contrato de concessão por arrendamento de um terreno com a área de 7.000m2, situada na Ilha da Taipa, no aterro de Pac On, lote “D”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 22.139, a fls. 118 do livro B111A, concluíndo que:
1. Por despacho de Sua Exa. o CHEFE DO EXECUTIVO, de 30.03.2015, exarado sobre o referido parecer do SOPT de 17.03.2015, que concordou com o proposto no processo n.º 53/2013, foi declarada a caducidade da concessão do terreno dos autos, ao abrigo da alínea 1) do n.° 1 do artigo 166.°, ex vi artigo 215.°, ambos da Nova Lei de Terras, e pelo facto de o prazo de arrendamento de 25 anos ter terminado em 26.10.2013 e a concessão ser ainda provisória, não podendo a mesma, alegadamente, ser renovada por não preencher os requisitos referidos no n.º 1 do artigo 49.° da Nova Lei de Terras.
2. A declaração de caducidade do contrato de concessão tem subjacente o entendimento de que a falta de aproveitamento do terreno nas condições definidas contratualmente é imputável à concessionária, apesar de lhe ter sido expressamente autorizada a prorrogação do prazo de aproveitamento por uma vez.
3. Sucede que tal entendimento depende de uma apreciação que a concedente terá feito dos factos constantes do processo instrutor, apreciação essa que é subjectiva e que, no entendimento da concessionária, padece de erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
4. A prorrogação do prazo de aproveitamento requerida em 29.11.1989, acompanhada do pedido de alteração da volumetria do edificio a construir, a mesma foi despoletada pelo atraso verificado na execução das infraestruturas do aterro do Pac-On, nomeadamente arruamentos, rede de água, esgotos e iluminação pública, da responsabilidade da Concedente, conforme ficou expresso no ponto 2. da exposição de motivos do referido Despacho n.º 43/SATOP/94, e teve em vista minorar os prejuízos da concessionária resultantes de tal atraso.
5. Foi porque a Administração considerou que eram justificadas as razões invocadas pela concessionária em 29.11.1989 que, pelo Despacho n.º 43/SATOP/94, a Administração autorizou a prorrogação do prazo de aproveitamento por 24 meses, até 11.05.1996.
6. Se o processo de revisão da concessão demorou praticamente 5 anos a estar concluído, uma vez que o 43/SATOP/94 apenas foi publicado no Boletim Oficial de Macau em 11.05.1994, certamente que essa demora não se deveu exclusivamente à concessionária, tampouco a Administração fez qualquer prova disso.
7. Apesar de ter sido imposta uma multa à concessionária resulta à saciedade que a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno e, indirectamente, a alteração da finalidade da concessão, não resultaram totalmente de factos imputáveis à concessionária, nos termos expostos.
8. Termos em que, até ao termo do prazo de aproveitamento tal como prorrogado pelo Despacho n.º 43/SATOP/94 - i.e. 11.05.1996 -, a Administração não poderá alegar que a falta de aproveitamento é imputável à concessionária ou que os motivos pela mesma apresentados não foram devidamente justificados e que não resultaram de factos relevantes cuja produção estava fora do controlo da mesma
9. Mesmo antes do termo do prazo de aproveitamento resultante do Despacho n.º 43/SATOP/94, logo em 17.10.1994, a concessionária deu conta de ter vindo a deparar-se com dificuldades várias derivadas da recessão económica que se vivia na altura no então Território de Macau, bem como da circunstância de que a demora na aprovação do ante-projecto vinha a impedir a concessionária de obter financiamento junto da banca.
10. Factos esses que foram expressamente reconhecidos pela Administração.
11. Em 10.04.1996, a concessionária apresentou novo requerimento à concedente a informar que, devido às tremendas dificuldades existentes no domínio da actividade imobiliária, o curso do projecto de aproveitamento do terreno concessionado tinha sofrido atraso.
12. Dificuldades essas que persistiram no domínio da actividade imobiliária e se agravaram pela política de reajustamento macro-económico adoptada pelo Governo Central a partir de 1995 e pela crise económica que assolou a Ásia em 1997, tal como se expôs no artigo 17.º supra, e que a Administração não podia ter desvalorizado como fez no caso da ora Recorrente.
13. Nestes termos, a Administração não pode argumentar que os factos impeditivos do aproveitamento do terreno, desde logo quanto ao período referido, não foram comunicados tempestivamente.
14. Por outro lado, fica demonstrado ser completamente desprovido de fundamento a afirmação de que se a concessionária tivesse diligenciado no sentido de concretizar o aproveitamento do terreno imediatamente depois da revisão da concessão e da concessão de novo prazo que terminou em Maio de 1996, as respectivas obras teriam ficado concluídas e não teriam sido afectadas pela crise financeira.
15. Neste contexto, o acto recorrido padece de VIOLAÇÃO DE LEI POR ERRO MANIFESTO ou TOTAL DESRAZOABILIDADE NO EXERCÍCIO DE PODERES DISCRICIONÁRIOS, que inquina a presente nos termos do artigo 21.º, n.º 1, al. d), do CPAC, devendo a mesma ser anulada nos termos legais, o que se requer a V. Exas..
16. Como a Administração bem sabe, antes da crise asiática de 1997 já a economia de Macau estava em crise, que a primeira apenas veio agravar, não fazendo qualquer sentido menosprezar factos que a própria Administração reconheceu como relevantes.
17. Salvo melhor opinião, também não colhem as considerações da concedente no sentido de que, se a concessionária tivesse procedido ao aproveitamento do terreno no prazo contratualmente previsto, poderia ter pedido a alteração da finalidade de acordo com as prescrições do novo plano urbanístico relativo à zona onde se insere o lote concedido.
18. Nestes termos, também por esta razão, o ACTO RECORRIDO padece de VIOLAÇÃO DE LEI POR ERRO MANIFESTO ou TOTAL DESRAZOABILIDADE NO EXERCÍCIO DE PODERES DISCRICIONÁRIOS, o que inquina a presente decisão nos termos do artigo 21.°, n.º 1, al. d), do CPAC
19. É facto público e notório que, na sequência da grande crise asiática de 1997, a economia de Macau, em particular, esteve mergulhada numa crise que se prolongou, pelo menos, até 2004, também em resultado da insegurança pública que se viveu até à "transição" e à epidemia de SARS que assolou a região em 2003.
20. Em qualquer caso, a concessionária informou a Administração do impacto que a crise estava a ter no processo de aproveitamento do terreno, tendo em 07.08.2003 requerido a prorrogação do prazo de aproveitamento por um período de 24 meses.
21. Do resultado da reunião entre a concessionária e um Técnico da Administração, em 17.09.2003, que se referiu no artigo 21.°, impõe-se concluir que a Administração aceitou os motivos invocados pela concessionária para, pelo menos até àquela data, não ter podido realizar o aproveitamento do terreno dos autos.
22. É verdade que a concessionária não apresentou de imediato o projecto de arquitectura que o Técnico da DSSOPT lhe disse que convinha apresentar de imediato, com vista à prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno.
23. Todavia, também é verdade que o referido Técnico não chegou a informar que o pedido de prorrogação feito só seria apreciado após a apresentação e aprovação do mesmo projecto, conforme tinha ficado combinado naquela reunião de 17.09.2003.
24. Tampouco a Administração deu seguimento ao pedido da concessionária por qualquer outra forma.
25. Pese embora a situação económica de Macau tenha em geral melhorado a partir de 2004 com a abertura da indústria dos Jogos de Fortuna e Azar a novos operadores, no que ao aproveitamento do terreno interessava, a situação não melhorou,
26. Uma vez que Macau tomou-se cada vez menos competitivo no contexto regional pelos motivos anteriormente expostos, o que determinou que a exploração industrial por parte da concessionária e a venda do 1 ao 5 piso a terceiros se tomassem cada vez mais inviáveis.
27. Foi, assim, comprovadamente por causa de factos cuja produção esteve notoriamente fora do controlo da concessionária que esta não pode proceder ao aproveitamento de terreno concessionado, pelo menos, até 2006.
28. A estes factos a Administração não pode ser indiferente, até porque o prémio da concessão no montante de MOP$14,671,150.00 foi integralmente pago!
29. A Administração também não pode ser indiferente à circunstância de que, a partir do momento de que, em 2006, se toma público que o Governo se preparar para alterar o Plano do Aterro do Pac On predominantemente para habitação e comércio, deixava de fazer sentido aproveitar o terreno concessionado para fins industriais.
30. A PAO do Lote A da zona do Pac On apresentava esse terreno com finalidade habitacional, como é uma realidade que o SOPT produziu declarações públicas, designadamente na Assembleia Legislativa, em Junho de 2007, que confirmavam que o Governo tinha, efectivamente, intenção de alterar o planeamento previsto para a zona do Pac-On
31. A Administração também não podia ter ignorado nem ser indiferente à circunstância de que o Plano Conceptual para o Desenvolvimento Urbano de Macau, posto à discussão pública em 2008, evidenciava que a zona onde se encontra o terreno concessionado seria destinada a uso comercial e residencial
32. A Administração também não podia ter sido indiferente ao facto de, pelo Oficio 00709/DPU/2008, de 23.07.2008, ter comunicado à concessionária que a PAO não podia ser emitida enquanto não fosse concluída a análise sobre o plano de urbanização do terreno concessionado.
33. A Administração também não podia ter sido indiferente à circunstância de que, pese embora ter trazido a público que o Plano do Aterro do Pac On seria alterado para finalidades de habitação e comércio, após a concessionária ter apresentado o seu requerimento T-4084, de 09.06.2008, a Administração limitou-se a emitir a PAO que indicava que a zona se destinava à finalidade industrial, nunca tendo apresentado resposta ao requerimento da concessionária ou qualquer solução viável à mesma, conforme lhe foi recomendado pelo GCDT.
34. A Administração reconheceu expressamente que nem sequer concluiu o procedimento iniciado, à luz do disposto no artigo 121º da Lei de Terras, submetendo o pedido de alteração da finalidade do aproveitamento à apreciação discricionária do Senhor Chefe do Executivo, conforme previsto na lei.
35. A Administração manteve a sua postura silente e inerte, não aprovando o novo Plano do Aterro do Pac On, nem respondendo às interpelações da concessionária, designadamente ao requerimento de 09.05.2011, em que a concessionária solicitou esclarecimentos sobre a situação do novo planeamento urbano para a zona do Pac-On.
36. Tampouco a Administração deu seguimento ao requerimento apresentado pela concessionária sob o n.º T-7084, de 17.07.2011, que incluía o estudo prévio para a construção de um edificio industrial de 6 pisos, em conformidade com o contrato de concessão, e requereu nova planta de alinhamento oficial do terreno concessionado.
37. No entanto, a Administração continuou a apresentar sinais contraditórios, como por exemplo quando comunicou à concessionária, através do Oficio n.º 0712/CAR/02.01.199/2748/2011, de 25.05.2011, que, antes de o novo Plano do Aterro do Pac On estar concluído e publicado, não convinha desenvolver o lote conforme ao plano original (finalidade industrial), a fim de não afectar a implementação do plano de saneamento, bem como não criar obstáculos ao novo plano.
38. Ao que se seguiu a notificação do Oficio n.º 393/6038.04/DSODEP/2011, no qual era comunicado à concessionária que, no respeita ao terreno concessionado, a mesma se encontrava "em situação de incumprimento quanto à finalidade e aproveitamento, bem como prazo de aproveitamento «cláusulas terceira e quinta», estando portanto sujeitos às penalizações previstas no contrato, como sejam multas «cláusula sétima» e declaração de caducidade «cláusula décima terceira» ou de rescisão «cláusula décima quarta» do contrato.
39. Ora, salvo melhor opinião, esta conduta revela uma contradição manifesta que culminou na declaração de caducidade do contrato de concessão, acto recorrido
40. Pelos motivos expostos, está a concessionária em crer que a decisão recorrida padece de VIOLAÇÃO DE LEI, POR ERRO MANIFESTO OU A TOTAL DESRAZOABILIDADE NO EXERCÍCIO DE PODERES DISCRICIONÁRIOS, o que se requer seja declarado por V. Exas
41. De igual modo e pelos mesmos motivos, a decisão recorrida VIOLA o PRINCÍPIO DA BOA FÉ, o PRINCÍPIO DA JUSTIÇA e o PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, ínsitos nos artigo 8.°, 7.° e 5° do CPA.
42. Sendo um facto que estava em curso a revisão do Plano do Aterro do Pac On, deve igualmente ter-se por justificada a opção da Recorrente de não dar imediato seguimento ao aproveitamento do terreno com a finalidade industrial, após a emissão de uma PAO em 29.07.2008, que continuava a evidenciar a finalidade industrial do mesmo.
43. Até porque a Administração não concluiu o procedimento iniciado, à luz do disposto no artigo 121º da Lei de Terras, submetendo o pedido de alteração da finalidade do aproveitamento à apreciação discricionária do Senhor Chefe do Executivo.
44. Na verdade, comunicações da Administração revelaram que esta entendia que, antes de o novo Plano do Aterro do Pac On estar concluído e publicado, não convinha desenvolver o lote conforme ao plano original (finalidade industrial), a fim de não afectar a implementação do plano de saneamento, bem como não criar obstáculos ao novo plano.
45. Tudo visto e ponderado, afigura-se, à concessionária que, salvo o devido respeito, a Entidade Recorrida andou mal ao considerar que os argumentos aduzidos pela concessionária não podem ser aceites como justificação para a não realização do aproveitamento do terreno, padecendo a decisão recorrida de violação de lei por ERRO MANIFESTO ou TOTAL DESRAZOABILIDADE NO EXERCÍCIO DE PODERES DISCRICIONÁRIOS, bem como de VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ, VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA e do PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, devendo, por isso, ser anulada nos termos legais, salvo melhor opinião.
46. Há diversos casos de terrenos concedidos que, apresentando similitudes muito significativas com o terreno dos autos, receberam um tratamento por parte da Administração muito mais justo e adequado, comparativamente com o tratamento dado ao terreno dos autos, conforme se demonstrou.
47. Analisados os casos identificados à luz dos critérios contemplados na Informação 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio de 2010, seriam todos eles associados a situações "graves" e "muito graves", uma vez que está em causa incumprimento dos prazos de aproveitamento, declaradamente resultante de factos imputáveis aos concessionários, tendo a Administração decidido, não obstante, prorrogar os respectivos prazos de aproveitamento, ou estão em causa prazos de concessão expirados sem que as concessões se tenham convertido em definitivas, decidindo-se, não obstante a declaração de caducidade, conceder os terrenos novamente aos mesmos concessionários, etc..
48. Atendendo ao disposto na alínea e) do número 1 do artigo 114.° do CPA, recaía sobre a Administração, salvo melhor entendimento, um dever especial de fundamentação, no sentido de justificar por que razão foi dado um tratamento diferente à concessão do terreno dos autos, uma vez que se decidiu de modo diferente da prática seguida na resolução dos casos agora descritos, em boa parte semelhantes ao dos autos, com base na interpretação e aplicação dos mesmos princípios e preceitos legais e contratuais e de razões coincidentes - pelo que, não o tendo feito, a decisão recorrida padece de VÍCIO DE FORMA por FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, devendo por isso ser anulada nos termos legais.
49. Por outro lado, nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo PRINCÍPIO DA IGUALDADE, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
50. Em diversos casos, tais como os referidos supra, em que o aproveitamento não foi concluído ou sequer iniciado, tem sido entendimento da Administração não declarar a caducidade do contrato e negociar com as concessionárias uma revisão do contrato de modo a permitir tal aproveitamento - o que fez a concessionária ter a confiança de que teria um tratamento por parte da concedente semelhante ao dado a outras concessionárias.
51. O que se verifica, portanto, é que a Administração tem dois pesos e duas medidas quando estão em causa questões manifestamente semelhantes.
52. Importaria que a Administração tratasse de forma igual o que é semelhante, conferindo, por isso, também à concessionária um prazo adicional para aproveitar o terreno concessionado, ou então alegar e provar, de forma objectiva, transparente e pública, que utilizou os mesmos critérios em todos os casos analisados e que, apesar disso, existiram razões válidas para tratá-los de forma diferente.
53. Não o tendo feito a Administração, o acto recorrido VIOLA O PRINCÍPIO DA IGUALDADE, ínsito no artigo 5.° do CPA, devendo, por conseguinte, ser anulado nos termos legais, salvo melhor opinião
54. Dispõe o n.º 1 al. a) da cláusula décima terceira do contrato de concessão que o contrato caducará findo o prazo de multa agravada, previsto na cláusula sétima.
55. O n.º 1 da cláusula sétima determina que "Salvo motivos especiais devidamente justificados, aceites pelo primeiro outorgante, pelo incumprimento dos prazos fixados na cláusula quinta, (...) o segundo outorgante fica sujeito a multa (...) por cada dia de atraso até sessenta dias; para além desse período e até ao máximo global de cento e vinte dias, fica sujeito a multa até ao dobro daquela importância"
56. Mais dispõe o n.° 2 da mesma cláusula que "O segundo outorgante fica exonerado da responsabilidade referida no número anterior em casos de força maior ou de outros factos relevantes, cuja produção esteja, comprovadamente, fora do seu controlo.
57. Ficou demonstrado supra que, nos termos contratuais, assistem à concessionária motivos justificados oportunamente e expressa e tacitamente aceites (que, fundamentalmente, correspondem a factos relevantes, cuja produção esteve, comprovadamente, fora do seu controlo) para não ter cumprido o prazo de aproveitamento do terreno.
58. Não podendo, por esse motivo, ser declarada a caducidade do contrato de concessão, por falta de fundamento legal e contratual.
59. O comportamento da Administração no relacionamento com a concessionária e com os seus representantes sempre indiciou que a Administração tinha aceite, implicitamente, os motivos especiais que levaram ao incumprimento dos prazos, a que se refere o n.° 1 da cláusula sétima do contrato de concessão, uma vez que nunca a concedente alertou concessionária do contrário, até 31.05.2011 - o que permite, desde já concluir, que ainda que, por hipótese, houvesse causa para declaração de caducidade com base nessa circunstância ela ter-se-ia sanado, sob pena de VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E DA TUTELA DA CONFIANÇA, constante do artigo 8.° do CPA.
60. O n.º 1 al. a) da cláusula décima terceira do contrato de concessão refere que o contrato caducará findo o prazo de multa agravada.
61. Todavia, à concessionária nunca foi aplicada qualquer multa, simples ou agravada, por incumprimento dos termos do contrato de concessão, tal como revisto pelo Despacho n.º 43/SATOP/94 - a qual é obrigatória e não facultativa para o efeito de ser declarada a caducidade do contrato, uma vez que tem a função de interpelação admonitória, sem a qual não chega a existir incumprimento definitivo, mas apenas mora do devedor, nos termos do artigo 797°, n.º 1 al. b) do Código Civil).
62. A Administração não pode alegar a perda do interesse na prestação, uma vez que esta é apreciada objectivamente (artigo 797°, n.º 1 al. a) e n.º 2) do Código Civil) e toda a sua conduta permite concluir, sem margem para dúvidas, que aquela manteve o interesse na prestação até 31.05.2011, data em que, em total contradição com o seu comportamento anterior, informa pretender declarar a caducidade do contrato de concessão.
63. O que implica, também por este motivo, que a Administração não possa, de um momento para o outro, declarar a caducidade do contrato de concessão, sob pena de VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ E DA TUTELA DA CONFIANÇA.
64. Pelo menos até 31.05.2011, nunca a Administração deu a entender que iria sancionar a concessionária pelo facto de esta não ter podido aproveitar o terreno nos termos contratualizados.
65. Como se viu, em diversos outros casos, nomeadamente nos que acima se referenciou, a Administração não considerou que a falta de aproveitamento dos terrenos concessionados nos prazos contratualmente fixados fossem desconformes ao Direito, certamente por saber que razões existiram para que o aproveitamento não tivesse sido realizado.
66. Com o devido respeito, o que parece resultar da conduta da Administração é que, desde pelo menos 2008, a Administração quer dar outro destino ao terreno dos autos, até porque já recebeu o prémio de valor de MOP$14,671,150.00, que supostamente pretende fazer seu, invocando por isso a caducidade da concessão, porque a situação anterior já não lhe interessa.
67. A Administração também actuou ilegalmente ao não exercer os seus poderes de controlo no que respeita ao cumprimento do contrato de concessão, contribuindo para criar a convicção da concessionária de que iria viabilizar o aproveitamento do terreno, diversamente do que agora pretende.
68. De igual modo, a Administração actuou ilegalmente, na sequência da apresentação pela concessionária do seu requerimento T-4084, de 09.06.2008 (Doc, n.º 15), no qual requereu a alteração da finalidade da concessão, uma vez que a Administração não concluiu o procedimento iniciado, à luz do disposto no artigo 121º da Lei de Terras, submetendo o pedido de alteração da finalidade do aproveitamento à apreciação discricionária do Senhor Chefe do Executivo.
69. A informação veiculada pela Administração publicamente criou expectativas legítimas na concessionária que vieram a ser totalmente contrariadas pela actuação concreta da Administração no relacionamento estabelecido com a concessionária.
70. tendo a Administração anunciado que se encontrava em curso a preparação de um novo Plano do Aterro do Pac On, passando de uma zona predominante industrial para uma zona predominantemente destinada à habitação, comércio e serviços, não era razoável que a Administração exigisse que o aproveitamento se fizesse conforme ao plano inicial.
71. Acresce ainda que, se a Administração iniciou o processo de revisão do novo Plano do Aterro do Pac On em 2006 ou 2007, a partir dessa data não pode imputar qualquer responsabilidade à concessionária por esta não aproveitar o terreno em função de uma finalidade desactualizada e totalmente desfasada desse plano em elaboração.
72. A partir do momento em que a Administração iniciou o processo de revisão do novo Plano do Aterro do Pac On em 2006 ou 2007, no limite, o prazo da concessão do terreno dos autos devia ser suspenso até ser aprovado o novo Plano.
73. Se a Administração não terminou, por qualquer motivo, a revisão do novo Plano do Aterro do Pac On, tal deve-se apenas à sua inércia e ineficácia, uma vez que já se passaram praticamente dez anos desde que o processo foi alegadamente iniciado, não podendo, também por isso, assacar qualquer responsabilidade à concessionária pelo não aproveitamento do terreno.
74. Na sequência do pedido de alteração da finalidade requerido pela concessionária em 2008, é a própria Administração que informa que, enquanto não for definido o Plano do Aterro do Pac On, não se pode alterar a finalidade do terreno dos autos, devendo aguardar-se pela conclusão do processo de revisão daquele Plano para, se o projecto da concessionária cumprir com os requisitos definidos, poder aprovar-se a alteração de finalidade.
75. Caso a Administração tivesse concluído o novo Plano do Pac On atempadamente e dado o seguimento adequado ao pedido de alteração da finalidade formulado em 2008, o prazo de 24 meses para o aproveitamento do terreno poderia ser cumprido antes do termo do prazo inicial da concessão que apenas terminaria em 27.10.2013.
76. Na sequência da apresentação do requerimento T-7084, de 17.07.2011, através do qual a concessionária requereu a aprovação de estudo prévio para aproveitamento do terreno de acordo com a finalidade industrial do mesmo, a Administração teve um comportamento errático que culminou na declaração de caducidade da concessão.
77. Caso a Administração tivesse dado o seguimento adequado a esta pretensão da concessionária, o prazo de 24 meses para o aproveitamento do terreno poderia ser cumprido antes do termo do prazo inicial da concessão que apenas terminaria em 27.10.2013.
78. Por todos estes motivos a decisão recorrida VIOLA O PRINCÍPIO DA BOA FÉ E DA TUTELA DA CONFIANÇA POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO.
79. Ao caso dos autos deve ter-se por aplicável a Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho de 1980 (Antiga Lei de Terras), nos termos do número 1 do artigo 11.° do Código Civil, uma vez que os factos tidos por relevantes para efeitos do acto recorrido verificaram-se todos antes da entrada em vigor da Nova Lei de Terras.
80. Seja como for, caso se entenda que se aplica a Antiga Lei de Terras, o acto recorrido viola a alínea a) do n.º 1 do artigo 166.° da mesma, caso se entenda que se aplica a Nova Lei de Terras, o acto recorrido viola a alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.° da mesma.
81. Com efeito, quer se entenda que se aplica o primeiro ou o segundo dispositivo legal, o acto recorrivo viola as referidas normas, uma vez que ambas remetem para os prazos e termos contratuais, que não estão omissos no contrato, e que, como se viu, determinam a necessidade de imposição de multas como pressuposto interpelatório, para que a mora se converta em incumprimento multas essas que nunca chegaram a ser aplicadas.
82. Tampouco a Administração interpelou a concessionária para cumprir por qualquer outra forma.
83. Nestes termos, o ACTO RECORRIDO VIOLA A ALÍNEA A) DO N.º 1 DO ARTIGO 166.° DA ANTIGA LEI DE TERRAS.
84. Caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas admite para efeitos do presente raciocínio, o acto recorrido VIOLA A ALÍNEA 1) DO N.º 1 DO ARTIGO 166.° DA NOVA LEI DE TERRAS.
85. O ACTO RECORRIDO VIOLA AINDA A INSTRUÇÃO N.º 095/DSODEP/2010, uma vez que existindo justificação razoável para o não aproveitamento do terreno, não poderia ter sido declarada a caducidade da concessão, mas antes concedido um prazo adicional para que o aproveitamento fosse concluído, conforme se prescreve na referida Informação.
86. Diversamente do que possa depreender do Relatório n.º 361/DSODEP/2011, de 28.12.2011, não faz qualquer sentido associar a situação do terreno dos autos na classificação 4) ("prazo restante da concessão com menos de 5 anos"), nem para efeitos de referência (vide coluna "observações" na tabela descritiva da situação do caso dos autos constante do referido Relatório).
87. Com efeito, uma vez que o prazo de aproveitamento do terreno dos autos era de 24 meses, não faz sentido a referência ao prazo de 5 anos, uma vez que este apenas é relevante para efeitos de aferir situações de incumprimento de projectos de grande escala (cfr. campo 4) da tabela constante da pagina 7 da Informação n.º 095/DSODEP/2010 constante do processo instrutor) - para os quais necessariamente estão contratualmente previstos prazos de aproveitamento superiores a 24 meses.
88. Salvo melhor opinião, não faz qualquer sentido aferir quando terminariam os 24 meses para aproveitamento do terreno em função da data daquele Relatório n.º 361/DSODEP/2011, de 28.12.2011.
89. Se os critérios para aferir da gravidade do incumprimento resultam da Informação 095/DSODEP/2010, de 12.05.2010, deveria ser, evidentemente, a partir da data dessa informação que o prazo de 24 meses deveria ser contado!
90. O que significa que aquele prazo de 24 meses, contado nos termos devidos, isto é a partir de 12.05.2010, terminaria em 12.05.2012, data em que o prazo inicial da concessão de 25 anos (i.e., 27.10.2013) ainda não tinha terminado.
91. Uma vez que no termo do prazo de 24 meses, contado da data da Informação n.º 095/DSODEP/2010, de 12.05.2010, o prazo inicial da concessão ainda não tinha terminado, não se verifica a situação 3) alegada no Relatório n.º 361/DSODEP/2011, restando apenas a situação 7) que, nos termos daquela informação, é uma infracção "menos grave", pelo que deveria ter sido concedido um "período razoável" para conclusão da obra.
92. Em alternativa, deveriam ter sido iniciadas negociações amigáveis com a concessionária com vista a encontrar uma solução JUSTA e PROPORCIONAL, assim se respeitando as vertentes da adequação, necessidade e equilíbrio em que se desdobra o princípio da PROPORCIONALIDADE.
93. Apenas se a concessionária não cumprisse o período razoável adicional que lhe fosse fixado é que poderia ser iniciado imediatamente o processo de devolução do terreno à Administração, nos termos da Informação n.º 095/DSODEP/2010, de 12.05.2010.
94. Nunca se teria chegado a verificar a propalada situação "muito grave" 3) caso a Administração tivesse dado um seguimento adequado quer ao pedido de alteração de finalidade formulado pela concessionária em 2008, quer ao estudo prévio apresentado sob o n.º T-7084, de 17.07.2011.
95. Em ambos os casos, se a Administração tivesse dado o seguimento adequado aos requerimentos da concessionária, o prazo de 24 meses para o aproveitamento do terreno poderia ser cumprido antes do termo do prazo inicial da concessão que apenas terminaria em 27.10.2013.
96. Assim não tendo procedido a Administração, O ACTO RECORRIDO VIOLA A INFORMAÇÃO N.º 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio de 2010, bem como os PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA e PROPORCIONALIDADE, devendo, por isso, ser anulado, salvo melhor opinião.
97. À luz do Parecer n.º 108/2014 da Comissão de Terras, poderá ainda a Administração pretender apropriar-se da totalidade das prestações do prémio e respectivos juros (num valor total de $14.671.150,00) patacas já pagas, invocadamente ao abrigo do artigo 13° do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, bem como que, nos termos do n.° 3 da cláusula décima terceira do respectivo contrato.
98. Uma vez que a perda do prémio pago não vem declarada expressamente no acto recorrido, a decisão recorrida não pode ter esse efeito, salvo melhor opinião.
99. Caso assim não se entenda, dever-se-á considerar, porém, que o teor no artigo 13° do Regulamento Administrativo n.º 16/2004 é ilegal, não podendo produzir efeitos na ordem jurídica, uma vez que o disposto nesse artigo implica uma restrição ao direito de propriedade o qual, como direito fundamental que é, apenas pode ser normativizado através de Lei em sentido formal, nos termos do artigo 6°, al. 1) da Lei n.º 13/2009, referente ao regime jurídico de enquadramento das fontes normativas internas e do artigo 40° da Lei Básica de Macau, termos em que deverá o acto recorrido ser anulado também nesta parte, salvo melhor opinião
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 230 a 295 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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Tanto a Recorrente como a Entidade Recorrida apresentaram as alegações facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas.
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O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“Na petição inicial e nas alegações facultativas de fls.971 a 1056 dos autos, a recorrente «SINC – Sociedade de Indústria Cerâmicas, Limitada» assacou sucessivamente os seguintes dez vícios ao despacho objecto do presente recurso (vide. fls.732 do P.A. apenso):
a)- violação de lei por erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários;
b)- violação do princípio da boa fé, do da justiça e do da proporcionalidade inseridos nos arts.8º, 7º e 5º do CPA;
c)- vício de forma por falta de fundamentação;
d)- violação do princípio da igualdade inserido no art.5º do CPA;
e)- violação do princípio da boa fé do princípio da Tutela da Confiança por parte da Administração inserido no art.8º do CPA;
f)- violação da alínea a) do n.º1 do art.166º da Antiga Lei de Terra ou da alínea 1) do n.º1 do art.166º da Nova Lei de Terra;
g)- violação da Instrução n.º095/DSODEP/2010 de 12.05.2010;
i)- violação do princípio da justiça e do princípio da proporcionalidade inserido no art.7º do CPA; e
j)- Ilegalidade da decisão da perda do montante do prémio já pago.
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1. Antes de mais, impõe-se, desde logo, acentuar que sendo titular do terreno concedido e sem investir uma pataca nesse terreno, a recorrente nunca iniciou o aproveitamento durante todo o período do prazo de concessão de 25 anos contados a partir de 27/10/1988 – data da publicação do Despacho n.º88/SAOPH/88 (art.1º da petição).
Sendo assim, e por força do disposto nos art.49º da Lei n.º6/80/M e art.44º da Lei n.º10/2013, tem de ser sempre e forçadamente provisória a concessão incorporada no Despacho n.º88/SAOPH/88 e revista pelo Despacho n.º43/SATOP/94 de 11/05/1994 (art.11º da petição).
Ressalvado o elevado respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que embora o prazo de aproveitamento e o da própria concessão ficassem já expirados andes de 01/03/2014 – data em que entrou em vigor a Lei n.º10/2013 (art.223º desta Lei), é ela que rege tal concessão, por força do seu art.215º e ainda em virtude de que a dita concessão tinha sido sempre provisória durante o prazo de 25 anos.
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2. Bem, é flagrante que encontrava irremediavelmente decorrido e findo o prazo de aproveitamento de 2 anos generosamente estabelecido no Despacho n.º43/SATOP/94 de 11/5/1994 a requerimento da recorrente que, de facto, nunca apresentou o projecto de arquitectura que o técnico da DSSOPT advertira que o qual seria condição sina qua non do requerimento da prorrogação do prazo de aproveitamento (arts.21º, 90º e 91º da petição).
Ocorrendo em 19/07/2011 e 27/07/2011 (docs. de fls.124 a 126 e 127 a 131 dos autos), as apresentações respectivamente do estudo prévio e da exposição referidos nos arts.48º e 49º da petição ficaram fora do prazo de 30 dias que lhe tinha sido designado no ofício n.º393/6038.04/DSODEP/2011 datado de 31/05/2011 (doc. de fls.122 a 123 dos autos, e art.46º da petição).
Estes factos tornam claro e indubitável que nunca emergiu o dever de decisão à Administração no que respeite à pretensão da prorrogação do prazo de aproveitamento, por um período de 24 meses, apresentada pela recorrente em 07/08/2003 (doc. de fls.102 a 103-A dos autos, e art.19º da petição).
Apresentado em 09/06/2008 (doc. de fls.112 a 113 dos autos), o requerimento de alteração da finalidade e desleal projecto de arquitectura aludidos nos arts.33º a 35º da petição não só infringem ostensivamente a Planta de Alinhamento Oficial (PAO) então em vigor para o terreno concedido, mas também configuram uma grosseira e censurável traição ao interesse público que determinara a dispensa do concurso público.
De facto, a recorrente confessou que tinha tomado conhecimento da posição da Administração (art.37º da petição e docs. de fls.117 e 118 dos autos). Seja como for, ela não lançou reacção contra tal posição da Administração consubstanciada no indeferimento do requerimento supra mencionado.
A planta de alinhamento oficial emitida à recorrente em 29/07/2008 com a informação referida no art.40º da petição demonstra, sem margem para dúvida, que a Administração indeferira firmemente o requerimento de alteração da finalidade da concessão (arts.33º a 35º da petição).
Assim, a DSSOPT não carecia de submete-lo à apreciação do Chefe do Executivo, visto o qual contrariar a PAO então em vigor e atraiçoar o interesse público, e em consequência, uma tal submissão é flagrantemente dilatória e contender com o princípio da economia processual.
Tuto isto assegura, com certeza, que o despacho sob impugnação não contém indeferimento tácito de qualquer pretensão (da recorrente) de prorrogação do prazo de aproveitamento, não tem a ver com o prazo de aproveitamento que acabou muito anteriormente, consistindo apenas em declarar a caducidade do contrato de concessão.
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3. Ora bem, o n.º1 do art.55º da Lei n.º6/80/M contemplava apenas a renovação de concessão definitiva, e o n.º1 do art.48º da Lei n.º10/2013 proíbe peremptoriamente a renovação da concessão provisória (repare-se que não há dúvida alguma de não ser aplicável ao caso sub iudice a única excepção consignada no n.º2 deste art.48º).
Por sua vez, o art.103º da Lei n.º6/80/M determina com toda a firmeza e clareza: Durante o período da concessão provisória, o concessionário deve cumprir as prescrições legais e contratuais concernentes ao aproveitamento do terreno. Sucede que o art.103º da Lei n.º10/2013 reproduz literalmente tal disposição, consagrando o dever de aproveitamento.
Percorrendo as Leis n.º6/80/M e n.º10/2013 bem como o texto integral do referido contrato de concessão, colhemos a impressão firme de que nenhuma disposição legal ou cláusula contratual admite a suspensão ou prorrogação do prazo da concessão; nos termos do n.º5 do art.104º da Lei n.º10/2013, só o prazo de aproveitamento é susceptível de suspensão ou prorrogação quando se verificar motivo imputável a concessionário e considerado justificativo por Chefe do Executivo.
Ao abrigo das disposições no n.º1 do art.166º da Lei n.º10/2013 e no art.320º do Código Civil, entendemos que o prazo da concessão em si mesmo não pode ser suspenso ou prorrogado. Quer dizer que não se pode suspender ou prorrogar o próprio prazo da concessão.
À luz do disposto no n.º1 do art.166º da Lei n.º10/2013 e no n.º2 do art.166º da Lei n.º6/80/M, afigura-se-nos que o legislador estabelece a regra de ser obrigatória e inevitável a caducidade de qualquer concessão provisória por arrendamento, quando o respectivo aproveitamento não se concluir no prazo da concessão, que não pode exceder a 25 anos (n.º1 do art.47º da Lei n.º10/2013 e n.º1 do art.54º da Lei n.º6/80/M).
Nesta medida, parece-nos incontroverso que é vinculado o poder conferido pelo art.167º ao Chefe do Executivo para declarar a caducidade desde que se verifique o objectivo facto de o aproveitamento não concluir dentro do prazo da própria concessão.
Porém, tudo isto não significa que as Leis n.º6/80/M e n.º10/2013 se olvidem do princípio da culpa (imputabilidade), ou sejam indiferentes aos princípio da boa fé – sendo este um princípio que penetra e orienta todo o ordenamento jurídico de Macau.
Com efeito, o preceito no art.66º, na 1) do n.º1 do art.75º e no n.º5 do art.104º da Lei n.º10/2013 manda que se atenda ao «motivo não imputável» ao concessionário, e confere o poder discricionário ao Chefe do Executivo para avaliar e determinar se seja ou não justificativo o motivo alegado por concessionário.
Interpretando o n.º1 do art.166º em coerência com o preceito nos n.ºs 4 e 5 do art.104º e no art.139º da Lei n.º10/2013, e sob orientação dos princípios gerais consagrados nos arts.3º a 5º e 7º a 8º do CPA, parece-nos que o que porventura é atendível como excepção à apontada regra consiste na hipótese de o motivo alegado por concessionário ter já sido aceite como justificativo por Chefe do Executivo nos termos e para efeitos no n.º4 do art.104º e vir ultrapassar ao prazo da concessão.
Pois bem, afigura-se-nos que sob pena de cair na lamentável ruptura da coerência do sistema jurídico, não deve ser admissível a opinião de que o prazo da concessão expirará anteriormente ao prazo do aproveitamento já suspenso ou prorrogado de acordo com o n.º4 do art.104º.
Seja como for, não resta dúvida de que para todos os casos em que a suspensão ou prorrogação autorizada ao abrigo do n.º5 do art.104º não ultrapassar ao prazo da concessão, ou em que tenha já consolidado o despacho de indeferir requerimento de suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento, é obrigatória e unicamente legal a declaração da caducidade da concessão se o respectivo aproveitamento não houver sido concluído dentro do prazo da concessão.
Em síntese, a não conclusão do aproveitamento de terreno no prazo de concessão só por si conduz à inevitável caducidade de concessão, a não ser que se verifique a apontada excepção à regra (é obrigatória e inevitável a caducidade de qualquer concessão provisória por arrendamento, quando o seu aproveitamento não se concluir no prazo da concessão)
De qualquer modo, a discricionariedade do poder conferido ao Chefe do Executivo para determinar se for ou não justificativo nos termos do n.º5 do art.104º não tange a natureza de ser vinculado o poder de declarar caducidade consagrada no n.º1 do art.166º da Lei n.º10/2013.
Nesta linha de vista, e voltando ao caso sub iudice, não descortinamos dúvida de que consistente em declarar a caducidade da concessão de que era titular a recorrente, o despacho recorrido não deriva do exercício do poder discricionário – tratando-se de um acto vinculado, no sentido de que a declaração da caducidade representa a única solução legal.
Daqui decorre que tem de ser incontestavelmente insubsistente o 1º argumento da recorrente, traduzido em assacar a violação de lei por erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poder discricionário.
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4. No ordenamento jurídico de Macau, é adquirida a doutrina no que diz respeito ao alcance e significado dos princípios da boa fé, da justiça, da proporcionalidade, da igualdade e da tutela da confiança. (a título exemplificativo, vide. Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp.82 e ss.)
E encontra-se consolidada e assente que todos estes princípios se aplicam apenas ao exercício do poder discricionário, mas não aos actos vinculados (autores, ob. e lugar citados), anda neste sentido o Acórdão decretado pelo Venerando TUI no Processo n.º54/2011, que ensina: Não dispondo a Administração, face ao tipo legal do acto, de margem de discricionariedade ou liberdade decisória, é inoperante a alegação de violação dos princípios da boa-fé, da igualdade, proporcionalidade ou justiça.
Em esteira, e em virtude de o despacho recorrido ter a natureza de acto vinculado, entendemos que o qual não infringe, de todo em todo lado, os princípios da boa fé, da justiça, da proporcionalidade, da igualdade e da tutela da confiança, sendo juridicamente impossível infringe-los.
Em relação à arguição da violação do princípio da igualdade pelo despacho em sindicância, acresce-se que:
- Se as situações arrogadas na petição e nas alegações são desiguais à da recorrente, não se justifica a aplicação deste princípio;
- No caso contrário, sendo realmente iguais, então têm de ser ilegais as decisões administrativas de não declarar a caducidade, e deste modo, é ilegítimo à recorrente reclamar a igualdade da ilegalidade.
É o que ensina o douto Acórdão do venerando TUI no Processo n.º7/2007: A violação do princípio da igualdade não releva no exercício de poderes vinculados, já que não existe um direito à igualdade na ilegalidade. O princípio da igualdade não pode ser invocado contra o princípio da legalidade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de situações iguais.
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5. Para além disso, sufragando inteiramente a muito douta contestação, não nos resta dúvida de que de cabo a nabo, a recorrente nunca agia com boa fé. Vejam-se os comportamentos dela:
5.1- Sem iniciar qualquer aproveitamento durante um ano e tal, o que a recorrente fez, antes de tudo, consiste em pedir, em 29/11/1989, a revisão do contrato de concessão, para aumentar a volumetria do edifício a construir de um piso a seis pisos (art.8º da petição),
5.2- Em 16/02/1993, a recorrente veio reconhecer que ela própria se esqueceu de fornecer uns elementos no processo destinado à apontada revisão (arts.34º e 40º da contestação): Um atraso de 3 anos e tal, sem justificação,
5.3- O ofício de 02/09/1994 solicitou à recorrente a rectificação do projecto de arquitectura, foi em 10/04/1996 é que ela respondeu com a informação de ir apresentar novo projecto de arquitectura (arts.58º, 69º e 40º da contestação): Uma inércia de quase 20 meses sem justificação,
5.4- Em 05/12/1995, 04/01/1996 e 15/03/1996, a Administração enviou incansavelmente 3 ofícios à recorrente, a propósito de sensibilizá-la para o cumprimento do prazo de aproveitamento (arts.64º, 66º e 68º da contesta-ção). A devolução dos 1º e 2º ofícios implica que a recorrente ou ignorou a obrigação de comunicar à Administração a mudança do seu endereço, ou não levantou dolosamente estes dois ofícios,
5.5- Em 03/06/1996 a Administração notificou-a do termo do prazo de aproveitamento em 11/05/1996 e, ao mesmo tempo, solicitou-lhe que apresentaria requerimento para pedir nova prorrogação do prazo com o tempo necessário para a conclusão da obra (art.75º da contestação). A resposta a este ofício só teve lugar em 07/08/2003 (art.81º da contestação): Uma inércia de 7 anos e tal sem justificação,
5.6- Havendo de reconhecer não ter apresentado projecto de arquitectura claramente sugerido por técnico da DSSOPT na reunião realizada em 17/09/2003, a recorrente tentou imputar a sua culpa ao técnico, mordendo-o por maneira descrita na conclusão 23 da petição.
5.7- As condutas da Administração referidas nos pontos 5.4 a 5.6 supra constatam seguramente que a acusação na conclusão 67 da petição é indubitavelmente infundada e irracional,
5.8- Desde 17/09/2003 até 09/06/2008 – data em que apresentou o projecto referido no art.98º e impugnado nos arts.99º a 135º da contestação, a recorrente não fazia nada: Uma inércia durante quase 5 anos sem causa justa,
5.9- A partir da emissão da PAO em 29/07/2008 (art.111º da petição), e até a enviar o ofício n.º393/6038.04/DSODEP/2011 em 31/05/2011 (art.253º da contestação), a recorrente não fazia nada: Uma inércia de quase 3 anos sem justificação,
5.10- Ora, a emissão da PAO à recorrente em 29/07/2008 determina que a matéria arrogada nas conclusões 69 a 75 da petição inicial tenha de ser falida e desprovida de qualquer razão e ilusória,
5.11- A resposta a esse ofício n.º393/6038.04/DSODEP/2011 ficou fora do prazo de 30 dias que lhe tinha sido indicado pela Administração (art.254º da contestação), não sendo apresentada nenhuma justificação,
5.12- Tentando legitimar a intenção especulativa e inércias injustificadas, a recorrente lançou consciente e fraudulentamente uma série de acusações infundadas que vêem cabalmente impugnadas pela entidade recorrida na criteriosa contestação,
5.13- Sem investir um avo no terreno concedido durante 25 anos, a recorrente traiu o interesse público subjacente à concessão com dispensa da hasta pública, traduzido em gerar novos postos de trabalho, substituir importações e aumentar exportações.
Em conclusão, tudo isto torna patente e incontestável que no prazo de concessão, a recorrente não só não prestou boa fé, mas também não disponibilizou diligência ou lealdade normais para o aproveitamento do terreno concedido, verificando-se grosseiras inércias e infidelidades no comportamento dela desde logo o início da concessão.
Ponderando os comportamentos da recorrente à luz da doutrina e jurisprudência mais autorizadas (Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho: ob. e lugar citados, a título exemplificativo, Acórdãos do TSI nos Processos n.º693/2010, n.º762/2013, n.º598/2014 e n.º813/2014), não temos nenhuma dúvida de não fazer sentido que ela argua a violação os princípios da boa fé, da justiça, da proporcionalidade, da igualdade e da tutela da confiança.
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6. Exarado no Parecer do Exmo. Senhor STOP de 12/03/2015, o despacho recorrido reza só «同意/Concordo» (vide. fls.732 do P.A.). Nos termos do n.º1 do art.115º do CPA, esse despacho acolhe e faz seus todos os fundamentos de factos e direito constantes daquele Parecer.
Atendendo ao teor desse Parecer bem como às informações e ao Parecer da Comissão de Terras aludidos pelo Exmo. Sr. STOP (doc. de fls.732 a 736 do P.A.), entendemos tranquilamente que o despacho recorrido permite e assegura à ora recorrente conhecer dos seus fundamentos de facto e de direito, e apreender o itinerário cognoscitivo do órgão decisor.
Com efeito, o aduzido nos arts.116º a 156º da petição revela que a recorrente não nega a sua compreensão das razões de facto e de direito do despacho em causa, arrogando que a falta de fundamentação reside em a Administração não lhe ter explicado as razões pelas quais não são declaradas caducas as concessões aparentemente similares à sua.
Antes, perfilhamos a sensata jurisprudência que assevera (Ac. do STA de 10/03/1999, no processo n.º44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Pois, na nossa modesta opinião, não há disposição legal, doutrina ou jurisprudência segundo a qual o cumprimento do dever de fundamentação exige à Administração explanar as diferenças entre duas ou mais situações que, não obstante aparentemente similares, são reciprocamente isoladas e independentes, e pertencentes a diferentes sujeitos.
Nos termos do n.º1 do art.115º do CPA, é sem dúvida que o dever de fundamentação não impõe à Administração a obrigação de revelar e explanar, a uma qualquer pessoa, as razões determinantes da solução dada ao caso de outrem, mesmo sendo aparentemente afins as situações.
E parece-nos que semelhante ao direito à informação, o dever de fundamentação não é concebido no instrumento de satisfazer ou agradar ao voyelismo ou curiosidade de quem quer seja (Mário Esteves de Oliveira, Costa Gonçalves e Pacheco Amorim: Código do Procedimento Administração – Anotado, 2ª ed., pp.328 e 340).
De tudo isto decorre necessariamente que não se verifica in casu a assacada falta de fundamentação.
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7. Previa a alínea a) do n.º1 do art.166º da Lei n.º6/80/M (antiga Lei de Terras), a falta do aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo do pagamento da multa agravada previsto no n.º3 do art.105º determina a caducidade da concessão provisória por aforamento.
Por sua vez, a alínea 1) do n.º1 do art.166º da Lei n.º10/2013 (actual Lei de Terras), a não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º3 do art.104º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa, conduz obrigatoriamente à caducidade da concessão, consoante, provisória ou definitiva.
No caso sub iudice, a alínea a) do n.º1 da Cláusula décima terceira do Despacho n.º88/SAOPH/88 estipula que o contrato de concessão por si titulada caduca quando for findo o prazo da multa agravada previsto na cláusula sétima, sem exigir a efectiva aplicação da multa agravada.
Pois bem, nem disposição legal nem cláusula contratual prevê que a efectiva aplicação da multa agravada constitua condição sina qua non da declaração da caducidade da concessão, daí a tolerância e bondade da Administração de não aplicar a multa agravada não a impede de declarar a caducidade, pelo que faleceu as conclusões 61 e 81 da petição.
O facto de a recorrente nunca iniciar o aproveitamento durante 25 anos, bem como as suas inércias, ignorâncias e intenção especulativa convincentemente referidas na contestação asseguram que é flagrantemente insubsistente e irracionável a arguição da violação, pelo despacho em crise, das duas disposições legais supra citadas.
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8. Em 31/05/2010, o Exmo. Sr. Chefe do Executivo lanço despacho de «批准/Autorizo» na Informação n.º095/DSODEP/2010 (doc. de fls.353 a 358v. do P.A.), informação que se destina a estabelecer critérios e parâmetros para resolver os terrenos concedidos que não foram aproveitados.
Por força do princípio da legalidade, e sob pena de infringirem o preceito no art.166º da Lei n.º6/80/M, os critérios constantes da dita Informação e autorizados pelo despacho aí exarado regem apenas às concessões ainda caducas à data do tal despacho, e não se aplica à concessão da recorrente, por ter caduco nos termos da Cláusula décima terceira do contrato.
De outro lado, quer seja de acto plural, quer seja normativo, o despacho de «批准/Autorizo» caiu na caducidade a partir de entrar em vigor a Lei n.º10/2013 em 01/03/2014 (art.223º desta Lei), em virtude de ser elaborada ao abrigo da Lei n.º6/80/M a Informação por si autorizada.
Tudo isto implica que não faz sentido algum invocar a violação pelo despacho recorrido do de «批准/Autorizo» lançado na Informação n.º095/DSODEP/2010, e a eventual desconformidade entre os quais é decerto irrelevante e inoperante para invalidar o despacho em causa.
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9. Nos termos do n.º1 do art.168º da Lei n.º10/2013, a reversão para a RAEM dos prémios pagos e das benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno é legalmente inerente à declaração da caducidade da concessão, não tendo a Administração nenhuma discricionariedade.
Do seu lado, o n.º3 da referida Cláusula décima terceira do Despacho n.º88/SAOPH/88 estipula «A caducidade do contrato determinará a reversão do terreno à posse do primeiro outorgante, com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização ……».
Sendo assim, e por maioria da razão, da declaração da caducidade da concessão não resulta para a recorrente direito à restituição do prémio pago que é, por definição na Cláusula nona, contraprestação do contrato de concessão que viu caduco por inexistência do aproveitamento.
Nesta medida, temos a certeza de ser inócua e ilusória a arguição da ilegalidade da decisão de perda do montante do prémio já pago pela recorrente.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do pedido de recurso contencioso em apreço”.
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  Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
É assente a seguinte factualidade relevante com base nas provas testemunhal e documental existentes nos autos e no respectivo PA:
1) Através do Despacho n.º 88/SAOPH/88, publicado no 2.° Suplemento do Boletim Oficial de Macau n.º 43, de 27.10.1988, foi deferido o pedido de concessão por arrendamento, com dispensa de hasta pública, de um terreno sito na Taipa, no aterro do Pac On, Lote D, com a área de 7.000 (sete mil) metros quadrados (doravante designado apenas como "o terreno concessionado"), a favor de Cristina Neto Valente, em representação de uma sociedade de responsabilidade limitada a constituir em Macau, da qual seria sócia juntamente com Chong Kon Kit.
2) Nos termos da cláusula segunda do que viria a ser o contrato de concessão, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública que titula o respectivo contrato.
3) Não tendo a referida escritura pública sido celebrada, o contrato ficou titulado pelo Despacho n.º 88/SAOPH/88, nos termos do artigo 127.° da Lei 6/80/M, de 05.07.1980 (Antiga Lei de Terras), na redação que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 8/91/M, de 29.07.1991 - o que significa que o termo do prazo do arrendamento ficou fixado em 27.10.2013, sem prejuízo de poder ser renovado nos termos legais.
4) Nos termos da cláusula terceira do contrato (doravante designado como o "contrato de concessão"), o terreno concessionado seria aproveitado com a construção de um edificio térreo com mezanine, afecto à indústria de fabrico de pavimentos e revestimentos cerâmicos, a explorar directamente pela concessionária.
5) Nos termos do n.º 1 da cláusula quinta do contrato de concessão, o aproveitamento do terreno deveria operar-se no prazo global de 18 meses, contados a partir da publicação no Boletim Oficial do despacho que autorizou o contrato.
6) Em execução de termo de compromisso de 07.05.1988, os requerentes da concessão constituíram entre si a sociedade comercial "Sinca - Sociedade de Indústrias Cerâmicas, Limitada", ora Recorrente, a qual substituiu no procedimento Cristina Neto Valente e Chong Kon Kit, passando a ocupar a posição de concessionária.
7) O prémio do contrato no valor de MOP$1.551.000 (um milhão quinhentas e cinquenta e uma mil patacas) foi integralmente pago pela concessionária à Administração, nos termos do disposto na cláusula nona do contrato de concessão.
8) Em 29.11.1989, a concessionária requereu ao Governo de Macau a revisão da concessão ora em análise, no sentido de ser alterada a volumetria do edifício a construir, de um piso para seis pisos, com inerente alteração da área de construção, mantendo-se a finalidade industrial da concessão, mas destinando-se os cinco pisos adicionais a serem comercializados, bem como a prorrogação do prazo do aproveitamento do terreno.
9) Por Despacho n.º 43/SATOP/94, publicado no BO em 11.05.1994, o pedido da concessionária foi autorizado mediante pagamento duma multa, tendo o prazo de aproveitamento do terreno sido prorrogado por 24 meses, até 11.05.1996.
10) Houve uma crise económica conjuntural em Macau no período entre 1994 a 2004.
11) O Plano Conceptual para o Desenvolvimento Urbano de Macau, posto à discussão pública em 2008, evidenciava que a zona onde se encontra o terreno concessionado seria destinada a uso comercial e residencial.
12) Por requerimento de 09.06.2008, a concessionaria solicitou a alteração da finalidade da concessão, de indústria para habitação, juntando um estudo prévio relativo para um edifício da classe MA, com 58 andares e área bruta de construção de 113,784.70m2, para fins de comércio, estacionamento e habitação, nos termos e com os fundamentos constantes do processo instrutor.
13) A concessionária apresentou pedido e nova PAO em separado, conforme declarou no requerimento apresentado sob o n.º T-4084, de 09.06.2008, tendo sido informada através do Oficio 00709/DPU/2008, de 23.07.2008, de que a PAO não podia ser emitida enquanto não fosse concluída a análise sobre o plano de urbanização do terreno concessionado.
14) Posteriormente, em 23.11.2012, a DSSOPT, através do oficio n.º 842/6038.02/DSODEP/2012, de 23.11.2012, notificou a concessionária de que após análise do requerimento da concessionária de 27.07.2011, concluiu aquela DSSOPT que a responsabilidade pelo não aproveitamento do terreno era imputável à concessionária, mais informando que a RAEM pretendia declarar a caducidade do contrato, revertendo para a RAEM o prémio pago no montante de MOP$14,671,150.00, bem como quaisquer benfeitorias incorporadas no terreno, sem direito a qualquer indemnização.
15) Nos termos do referido oficio, mais foi notificada a concessionária para, querendo, pronunciar-se no prazo de 10 dias sobre a intenção da Administração, em sede de audiência prévia, nos termos do artigo 93.° do Código de Procedimento Administrativo, tendo a Recorrente apresentado a sua resposta em 06.12.2012, nos termos que constam do processo administrativo instrutor e que aqui se dão por reproduzidos.
16) Cumprida a demais tramitação, foi o processo enviado à Comissão de Terras que, invocando as informações n.ºs 361/DSODEP/2011, de 28.12.2011, 37/DJUDEP/2012, de 31.07.2012, 31/GT/20l2, de 08.08.2012, 277/DSODEP/2012, de 08.10.2012, 32/DSODEP/2013, de 22.02.2013, 17/DJUDEP/2013, de 10.04.2013, e a proposta n.º 279/DSODEP/2013 , de 03.10.2013, os pareceres nelas emitidos, bem como o Despacho exarado em 09.11.2012 pelo SOPT na informação n.º 277/DSODEP/2012 e o despacho exarado em 13.11.2012 na mesma informação, pela entidade Recorrida, Sua Exa. o Chefe do Executivo, foi de parecer que se devia declarar a caducidade da concessão dos autos, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 da cláusula décima terceira do contrato que rege a revisão da concessão do terreno, bem como o disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.° da Nova Lei de Terras (Parecer da Comissão de Terras n.º 108/2014, constante do processo instrutor, proferido no âmbito do Processo n.º 53/2013 da mesma Comissão de Terras).
17) A Comissão de Terras concordou também com o entendimento segundo o qual, nos termos do artigo 13.° do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, a concessionária deverá perder, a favor da RAEM, a totalidade das prestações do prémio e dos respectivos juros já pagos (no valor global de MOP$14.671.150,00 patacas), e concordou também com o entendimento segundo o qual, declarada a caducidade da concessão, revertem para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo a concessionária direito a qualquer indemnização, nos termos do disposto no n.º 3 da cláusula décima terceira do contrato e do n.º 1 do artigo 168.° da Nova Lei de Terras.
18) A Comissão de Terras entendeu ainda que, uma vez que o prazo de arrendamento de 25 anos estipulado no contrato terminou em 26.10.2013 e a concessão era ainda provisória nessa data não estão preenchidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 49.° da Nova Lei de Terras.
19) Consultado o Processo n.º 53/2013 da Comissão de Terras, o SOPT elaborou parecer de 17.03.2015, constante do processo instrutor, nos termos do qual, concordando com o que vem exposto no referido processo, conclui solicitando à Entidade Recorrida declare a caducidade da concessão do terreno dos autos.
20) Finalmente, por despacho da entidade Recorrida, Sua Exa. o CHEFE DO EXECUTIVO, de 30.03.2015, exarado sobre o referido parecer do SOPT de 17.03.2015, que concordou com o proposto no processo n.º 53/2013, foi declarada a caducidade da concessão do terreno dos autos, ao abrigo da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.°, ex vi artigo 215.°, ambos da Nova Lei de Terras, e pelo facto de o prazo de arrendamento de 25 anos ter terminado em 26.10.2013 e a concessão ser ainda provisória, não podendo a mesma, alegadamente, ser renovada por não preencher os requisitos referidos no n.º 1 do artigo 49.° da Nova Lei de Terras.
21) Mais se determinando que, em consequência da caducidade declarada, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livres de quaisquer ónus ou encargos, para a RAEM, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária, destinandose o terreno a integrar o domínio privado do Estado.
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III – Fundamentação:
A. Questão prévia: a admissibilidade ou não do articulado superveniente e dos documentos em anexo:
A Recorrente apresentou, sob o título de articulado superveniente, os expedientes constantes de fls. 301 a 314 e 893 a 895 dos autos, imputando ao acto recorrido o vício da falta de fundamentação e a violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa fé.
Mais tarde, em 15.01.2016, requereu a junção dos documentos de fls. 899 a 961 dos autos, a fim de provar o acto recorrido padecer dos vícios por si alegados nos “articulados supervenientes”.
Devidamente notificada, a Entidade Recorrida manifestou a sua oposição à apresentação dos articulados supervenientes.
Cumpre agora decidir.
Num primeiro momento, parece que o CPAC não preveja a admissibilidade ou não do articulado superveniente.
No entanto, melhor analisados todos os preceitos do CPAC respeitantes à tramitação processual do recurso contencioso, a resposta já deixa de ser tão linear.
Vejamos.
Em primeiro lugar, o CPAC não prevê mais articulados depois da contestação. Caso a entidade recorrida ou o Mº Pº suscitar algumas questões que obstem ao conhecimento do recurso na contestação ou na Vista inicial, o recorrente é simplesmente ouvido sobre estas questões no prazo fixado pelo juíz ou relator em homenagem ao princípio do contraditório.
Isto evidencia que o legislador do CPAC pretende simplificar a tramitação processual do recurso contencioso, afastando as regras gerais da acção ordinária do processo civil.
Em segundo lugar, o nº 3 do artº 68º do CPAC estabelece de forma expressa que o recorrente pode alegar novos fundamentos do seu pedido, cujo conhecimento tenha sido superveniente, ou restringi-los expressamente nas alegações facultativas.
Como o CPAC já prevê sede própria para alegação dos novos fundamentos do recurso supervenientes, nada se justifica o recurso à aplicação subsidiária do CPCM.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão do TSI, de 16.11.2015, proferido no Proc. nº 499/2015.
Face ao exposto, é de concluir-se pela inadmissibilidade processual de articulado superveniente apresentado e dos documentos em anexo.
Em consequência, se determinam o desentranhamento dos mesmos e a respectiva restituição.
Custa do desentranhamento pela Recorrente com 1UC de taxa de justiça.
Notifique e D.N.
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B. Do recurso contencioso propriamente dito:
O presente recurso contencioso consiste em apreciar a eventual legalidade/ilegalidade do acto recorrido, pelo qual se declarou a caducidade da concessão do terreno em questão.
A primeira questão que se coloca é a de saber qual a lei aplicável ao caso sub justice, será a nova Lei de Terra (Lei nº 10/2013) ou a antiga Lei de Terra (Lei nº 6/80/M)?
Encontramos a resposta directa na disposição do artº 215º da nova Lei de Terra, nos termos qual esta aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, com as seguintes ressalvas:
1) Quando esteja a correr um prazo fixado por legislação anterior e a presente lei o tiver modificado, é aplicado o prazo mais longo;
2) Os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados pela presente lei, sem prejuízo do convencionado nos respectivos contratos;
3) Quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º
Aplica-se, portanto e sem qualquer margem de dúvida, ao caso em apreço, a nova Lei de Terra.
Resolvida a questão da aplicação da lei no tempo, cumpre-se agora analisar a natureza do acto da declaração da caducidade.
A nova Lei de Terra prevê duas situações da caducidade da concessão dos terrenos urbanos, a saber:
1- A falta de aproveitamento dentro do prazo fixado (cfr. artº 166º da Lei nº 10/2013); e
2- O termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva (cfr. artºs 48º, nº 1 e 52º, todos da Lei nº 10/2013).
Para a primeira situação, a Lei de Terra permite, a requerimento do concessionário, a suspensão ou prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno sob autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo (nº 5 do artº 104º da Lei nº 10/2013).
O que já não acontece para a segunda situação, pois o legislador não prevê outra alternativa para além da caducidade da concessão provisória.
Ou seja, uma vez decorrido o prazo da concessão provisória do terreno sem esta ter sido convertida em definitiva, independentemente havendo ou não culpa do concessionário ou prévia declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado, verifica-se sempre a caducidade da concessão provisória.
É a chamada caducidade-preclusão (ou caducidade preclusiva), que depende somente dum facto objectivo simples, que é justamente o decurso do prazo legal ou contratualmente estabelecido.
No mesmo sentido, veja-se o acórdão deste Tribunal, de 08.06.2016, proferido no Proc. nº 179/2016/A.
Como a lei se impõe, sem qualquer alternativa, a verificação da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, a respectiva declaração da caducidade constitui uma actividade administrativa vinculada.
Feito o estudo preliminar da natureza do acto da declaração da caducidade para os casos do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva, voltamos então ao caso dos autos.
Para a Recorrente, o acto recorrido padece dos seguintes vícios:
a) violação de lei por erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários;
b) violação do princípio da boa fé, do da justiça e do da proporcionalidade inseridos nos artºs 8º, 7º e 5º do CPA;
c) vício de forma por falta de fundamentação;
d) violação do princípio da igualdade inserido no artº 5º do CPA;
e) violação do princípio da boa fé e do princípio da Tutela da Confiança por parte da Administração inserido no art. 8º do CPA;
f) violação da al. a) do n.º 1 do artº 166º da Antiga Lei de Terra ou da al. 1) do n.º 1 do artº 166º da Nova Lei de Terra;
g) violação da Instrução n.º 095/DSODEP/2010, de 12.05.2010;
h) violação do princípio da justiça e do princípio da proporcionalidade inserido no artº 7º do CPA; e
i) Ilegalidade da decisão da perda do montante do prémio já pago.
Vamos analisar se lhe assiste razão.
1. Da falta de fundamentação:
Nos termos do artº 114º do CPA, os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
E a fundamentação consiste na exposição explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto, que deve ser expressa, podendo no entanto consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto (artº 115º, nº 1 do CPA), que é o caso.
O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais.
Contudo, não se deve confundir fundamentação com fundamentos, a primeira refere-se à forma do acto e a segunda refere-se ao seu conteúdo.
Assim, o dever de fundamentação cumpre-se desde que exista “uma exposição das razões de facto e de direito que determinaram a prática do acto, independentemente da exactidão ou correcção dos fundamentos invocados” .
No mesmo sentido, veja-se Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, anotação do artº 106º, pág. 619 a 621.
Voltando ao caso concreto, será que um destinatário de diligência normal não consegue compreender quais os pressupostos e motivos que estiveram na base da decisão ora recorrida?
Ora, face ao teor do acto recorrido e do parecer integrante, na nossa opinião, o mesmo não só é suficientemente claro no seu texto para dar a conhecer o discurso justificativo da decisão tomada como tem capacidade para esclarecer as razões determinantes do acto, é ainda congruente e suficiente. Dele resulta que foi declarada a caducidade da concessão provisória do terreno pela falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado e pelo termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva.
A questão de saber se os fundamentos do acto recorrido estão correctos ou não, já é uma questão de fundo.
Conclui-se assim pela improcedência do vício da forma, por falta de fundamentação.
2. Do erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários e da violação dos princípios da boa-fé, da igualdade, da justiça, da tutela da confiança e da proporcionalidade:
Os vícios supra identificados só existem nas actividades administrativas discricionárias.
Ora, sendo a declaração da caducidade com base no termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva uma actividade administrativa vinculada, os alegados vícios nunca são operantes.
No mesmo sentido, vejam-se os acórdãos do TUI, de 08.06.2016 e 22.06.2016, proferidos, respectivamente, nos Proc. nº 9/2016 e 32/2016.
Como o termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida definitiva só per si determina inevitavelmente a caducidade da concessão provisória, torna-se inútil apreciar se tais alegados vícios subsistem ou não na declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, já que ainda que os mesmos procedessem, nada poderiam alterar o sentido da decisão do acto recorrido.
Improcedem, assim, estes fundamentos do recurso.
3. Da violação da al. a) do n.º 1 do artº 166º da Antiga Lei de Terra ou da al. 1) do n.º 1 do artº 166º da Nova Lei de Terra:
Já decidimos no início que ao caso se aplica a nova Lei de Terra, pelo que a antiga Lei de Terra não é analisada para o efeito.
Na óptica da Recorrente, a al. 1) do nº 1 do artº 166º da nova Lei de Terra exige, para a declaração da caducidade com fundamento na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, a precedência necessária da aplicação da multa, cuja falta determina a ilegalidade do acto da declaração da caducidade com base naquele fundamento.
No caso em apreço, a caducidade da concessão provisória do terreno em causa também foi feita com fundamento no termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva.
Já supra referimos que estamos perante uma caducidade-preclusão (ou caducidade preclusiva), cuja verificação depende somente do decurso do prazo legal ou contratualmente estabelecido, independentemente de outros pressupostos.
Neste contexto, uma vez que o termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva só per si determina inevitavelmente a caducidade da concessão provisória, pelo que ainda que existisse, por mera hipótese, alguma irregularidade ou ilegalidade na declaração da caducidade com base na falta de aproveitamento do terreno no prazo fixado, nada poderia afectar o sentido da decisão do acto recorrido.
De qualquer forma, a al. 1) do nº 1 do artº 166º da nova Lei de Terra é clara no sentido de que a caducidade da concessão provisória por falta de aproveitamento no prazo fixado opera-se independentemente de ter sido aplicada ou não a multa, em lado algum se prevê a necessidade da precedência da aplicação da multa para o efeito.
4. Da violação da Instrução nº 095/DSODEP/2010, de 12.05.2010:
Para a Recorrente, uma vez que existindo justificação razoável para o não aproveitamento do terreno, não poderia ter sido declarada a caducidade da concessão, mas antes concedido um prazo adicional para que o aproveitamento fosse concluído, conforme se prescreve na Instrução supra em referência.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão.
Em primeiro lugar, a Instrução em causa não tem força vinculativa.
Em segundo lugar, já vimos que o legislador da nova Lei de Terra impõe, sem qualquer alternativa, a verificação da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva.
Nesta conformidade, a prorrogação do prazo do aproveitamento do terreno com causa justificativa só é possível quando ainda não se verifica o termo do prazo da concessão provisória, que não é o caso.
5. Da ilegalidade da decisão da perda do prémio já pago:
Este fundamento de recurso também não deixa de se julgar improcedente, já que como a própria Recorrente reconhece, do acto recorrido não consta a decisão em causa.
Ora, não tendo constado no acto recorrido tal decisão, como é que a Recorrente pode imputar uma decisão inexistente ser ilegal?
De qualquer forma, nada é de ilegal caso a Administração vier a decidir a perda do prémio pago, face ao disposto do nº 1 do artº 168º da nova Lei de Terra, nos termos do qual “declarada a caducidade da concessão, revertem para a RAEM os prémios pagos e as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, não tendo o concessionário direito a ser indemnizado ou compensado”.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão:
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, confirmando o acto recorrido.
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Custas pela Recorrente com 10 UC de taxa de justiça
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 07 de Julho de 2016.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

     Fui presente
     Mai Man Ieng

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434/2015