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Processo nº 353/2016
(Autos de recurso laboral)

Data: 23/Junho/2016

Assunto: A
Contrato a favor de terceiro
Compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal

SUMÁRIO
      - Tendo a Ré ora recorrente prometido perante uma Sociedade fornecedora de mão-de-obra não residente proporcionar condições remuneratórias mínimas e outras regalias aos trabalhadores a contratar, e sendo o Autor ora recorrido um dos trabalhadores contratados nessas circunstâncias, não deixaria de ser ele o terceiro beneficiário na relação estabelecida entre a recorrente e a Sociedade, e por conseguinte, passando a ter direito a uma prestação, independentemente de aceitação, nos termos estipulados no artigo 438º, nº 1 do Código Civil.
      - Nos termos do artigo 17º, nº 6 do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dia de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo e do dia de descanso compensatório.
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 353/2016
(Autos de recurso laboral)

Data: 23/Junho/2016

Recorrentes:
- B (Autor)

- A (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd (Ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM a presente acção declarativa de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$378.063,00, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$258.803,00, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da data da sentença até efectivo e integral pagamento.
Inconformado com a sentença, dela interpôs o Autor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado.
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2).
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$126.876,00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$63.438,00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer, devendo manter-se a douta decisão no que diz respeito à quantia devida a título de falta de gozo de dia de descanso compensatório.
Conclui, pedindo a revogação da sentença e substituída por outra que atenda ao pedido formulado pelo recorrente.
Devidamente notificada, contra-alegou a parte contrária, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
*
Também a Ré vem recorrer da sentença, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços.
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente.
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador.
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho.
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho.
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3º e 9º.
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil.
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta.
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como “contratos de prestação de serviços”.
j) Deles é possível extrair que a Sociedade “contratou” trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros.
l) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro.
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações.
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro.
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro.
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços.
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro.
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário.
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, nº 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest).
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal.
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse.
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro.
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos.
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, n.º 2 e 437º do Código Civil.
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer “condições mais favoráveis” emergentes destes contratos.
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais.
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário.
bb) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A. qualquer direito a título de subsídio de alimentação.
cc) Por outro lado, não se provou nos autos qual o número de dias de trabalho efectivo prestados pelo A. à R.
dd) Ao decidir no sentido em que o fez, o Tribunal recorrido incorreu em errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228º, n.º 1 do Código Civil.
ee) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade.
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.
Notificado o Autor, nada se pronunciou.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
Desde 1992, a Ré celebrou com a C Lda., entre outros, os «contratos de prestação de serviços»: n.º 02/94, de 03/01/1994; n.º 29/94, de 11/05/1994; n.º 45/94, de 27/12/1994. (C)
Os «contratos de prestação de serviço» supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de «recrutamento e cedência de trabalhadores»; de «despesas relativas à admissão dos trabalhadores»; à «remuneração dos trabalhadores»; ao «horário de trabalho e alojamento»; aos deveres de «assistência»; aos «deveres dos trabalhadores»; às «causas de cessação do contrato e repatriamento»; a «outras obrigações da Ré»; à «provisoriedade»; ao «repatriamento»; ao «prazo do contrato» e às «disposições finais», dos trabalhadores recrutados pela C Lda., e posteriormente cedidos à Ré. (D)
Entre 01/04/1995 e 31/10/2000 e, posteriormente, entre 18/12/2004 a 03/10/2006, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (E)
Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (F)
Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (G)
Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (H)
O Autor foi recrutado pela C Lda., e exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 40/94, (cfr. fls. 28 a 33, que contém a lista nominativa anexa ao Contrato de prestação de serviços n.º 40/94, que se junta sob o fls. 34 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais). (I)
Posteriormente, até 31/10/2000, o Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º 1/96, (cfr. fls. 35 a 54 que se junta e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais). (J)
Resulta do conteúdo dos «Contrato de Prestação de Serviço» n.º 40/94 e n.º 1/96, resulta que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, teria o direito a auferir, no mínimo, MOP$109,00 diárias. (K)
Resulta dos Contratos de Prestação de Serviço n.º 40/94 e 1/96 que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam o direito a auferir a quantia de MOP$15,00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (L)
Resulta dos Contratos de Prestação de Serviço n.º 40/94 e 1/96 que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade «igual ao salário de quatro dias», sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (M)
Sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias. (N)
E o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (O)
Os referidos contratos de prestação de serviço foram sempre objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE). (P)
Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários contratos individuais de trabalho que foram assinados pelo Autor. (Q)
Entre Abril de 1994 e 30 de Junho de 1997, a Ré remunerou as horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$8,00, por hora. (R)
Entre Julho de 1997 e 30 de Outubro de 2000, a Ré remunerou as horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$9,30, por hora. (S)
Durante todo o período da relação laboral, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (T)
Durante todo o período da relação de trabalho (isto é, entre 01/04/1995 e 31/10/2000 e, posteriormente, entre 18/12/2004 a 03/10/2006), o Autor auferiu da Ré, a título de rendimento anual e de rendimento médio diário, as quantias que abaixo se discrimina (cfr. fls. 55, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):
Ano
Rendimento anual
Rendimento médio diário (A)
1995
39563
147
1996
52747
147
1997
62409
173
1998
67662
188
1999
59891
166
2000
44954
150
2004
1069
71
2005
45859
127
2006
51113
170
(U)
Para além das referidas quantias, o Autor não auferiu quaisquer outras quantias por parte da Ré, ou de qualquer outra entidade patronal. (V)
Entre Abril de 1995 e 30 de Setembro de 1995 a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1.500,00 mensais. (1º)
Entre 1 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1.700,00, mensais. (2º)
Entre 1 de Julho de 1997 e 31 de Março de 1998, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$1.800,00, mensais. (3º)
Entre Abril de 1998 e Outubro de 2000, a Ré pagou ao Autor, a título de salário de base, a quantia de MOP$2.000,00, mensais. (4º)
Entre Abril de 1994 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (5º)
Entre Julho de 1997 e 30 de Outubro de 2000, o Autor trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (6º)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca a Ré pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (7º)
Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho. (8º)
Porém, durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de «subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias. (9º)
Durante todo o período da relação laboral, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (11º)
Durante todo o período da relação laboral, a Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (12º)
O trabalho que o A. efectivamente prestou em dias de descanso semanal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (17º)
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Comecemos pelo,
Recurso final da Ré
Da aplicação do direito
A propósito da questão questionada pela recorrente A, este TSI já teve oportunidade de se pronunciar, de forma unânime, em vários processos congéneres, sobre o tipo de relação estabelecida entre a recorrente e a Administração e a natureza jurídica do negócio celebrado entre a recorrente e a C, Limitada, citando-se, a título exemplificativo, o conteúdo de um desses arestos (TSI, Processo 778/2010):
“4. Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a abordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender por e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
Ora, na lógica do defendido pela recorrida e de certa forma com acolhimento na douta sentença recorrida este condicionalismo é marginalizado.
A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, alínea d).
Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101º/84/M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril.

Muito sumariamente que, aliás como a própria recorrida reconhece, o Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo uma natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora, elencam as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n.º 3, 1) da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.

6. Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável a este contrato de trabalho, sabido que o mesmo se iniciou em 8 de Outubro de 1996 e cessou em 31 de Maio de 2008.
Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a C, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
Tanto mais que está provado que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão-de-obra com a C, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação(…)
É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre a empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
Razões estas, se não apodípticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
“Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora. Entendeu-se assim que a solução do problema passava por uma clara destrinça entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas têm que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a título experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, entendido este com assento na concepção das opções legislativas pro operário e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.
7. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrida, das posições desenvolvidas na douta elaboração presente na sentença recorrida a propósito da incursão pelo Direito das Obrigações, para excluir em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a C, Lda, a natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo analisados - contrato de trabalho, contrato para pessoa a nomear, contrato a favor de terceiro, contrato de cedência de trabalhadores, contrato de promessa - não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais cláusulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde, repete-se, o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
Mas, mesmo numa perspectiva de direito obrigacional puro, não somos a acompanhar, sem escolhos a leitura, aliás com mérito, que o Mmo Juiz faz dos diferentes institutos, muito particularmente no que se refere ao contrato a favor de terceiro.
Mas antes de prosseguirmos importa referir que não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.
A razão excludente da configuração de um contrato a favor de terceiros, na tese do Mmo Juiz a quo, parece-nos algo limitativa.
Porque a obrigação assumida consiste numa prestação e não na celebração de um contrato, tal enquadramento não caberia ao caso.
Não estamos certos desta aparente linearidade.
A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assumpção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar de Pessoa Jorge.
Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.
As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
Aliás, esta possibilidade de acopulação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.
Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
Esta aproximação encontramo-la também em Pires de Lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”
Quanto ao argumento avançado na sentença, aliás douta, de que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação".
Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro”
Na esteira do tal entendimento jurisprudencial, continuamos a julgar ser essa a melhor solução para o caso, pelo que não se descortina razão para alterar a posição já tomada nesta Instância.
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Refere ainda a recorrente que a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário, neste caso a Sociedade, tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, mas o Autor em momento algum o alegou ou provou, pelo que, no seu entender, não é possível qualificar o contrato em causa como contrato a favor de terceiro.
Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar a tese da recorrente.
A prestação corresponde a um interesse digno de protecção legal quando, por um lado, não se visem satisfazer um mero capricho do credor e, por outro, se excluem as prestações que, podendo ser dignas embora da consideração de outros complexos normativos, como por exemplo a religião, a moral, a cortesia, os usos sociais, todavia não merecem a tutela específica do direito.1
Ora bem, no presente caso, a promessa em causa traduz-se numa obrigação de carácter patrimonial ou económico, daí que não se vislumbra falta de interesse digno de protecção legal neste tipo de relação jurídica.
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Dos pedidos
Das diferenças salariais e trabalho extraordinário
Decidido ficou que o contrato de prestação de serviço celebrado entre a recorrente e a C Limitada consubstancia como sendo um contrato a favor de terceiro, é forçoso concluir que a decisão de condenação da recorrente no pagamento das diferenças salariais e da remuneração do trabalho extraordinário não merece qualquer reparo.
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Do subsídio de alimentação
No concernente ao subsídio de alimentação, entende a recorrente que o subsídio de alimentação depende da prova do número de dias de trabalho efectivamente prestados pelo Autor, e não tendo sido alegados nem provados os respectivos factos, não podia o Tribunal a quo ter condenado a recorrente nos termos em que o fez.
Vejamos.
Na esteira da jurisprudência deste TSI, designadamente nos Acórdãos dos Processos 376/2012, 322/2013, 78/2012, 414/2012, 697/2014, assinala-se que a atribuição do subsídio de alimentação depende da prestação de serviço efectivo, isto significa que, para se poder efectuar o cálculo do respectivo subsídio, terá que se apurar o número de dias de trabalho efectivamente prestados pelo Autor.
Nesta conformidade, uma vez que não foi apurado o número de dias de trabalho efectivo, deve a sentença recorrida ser revogada quanto a esta parte e, em consequência, ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia que a esse título vier a liquidar-se em execução de sentença, nos termos do artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil.
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Do subsídio de efectividade
Trata-se de uma questão também já amplamente abordada por este TSI em processos congéneres, no sentido de que o trabalhador ora recorrido tem direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta.
Tem-se entendido ainda que na apreciação do tal pedido, as faltas justificadas não são consideradas como fundamento de exclusão do subsídio em apreço.
A título exemplificativo, cita-se o Acórdão proferido no âmbito do Processo 322/2013 deste TSI:
“Em relação a este subsídio, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade.”
No caso vertente, uma vez provado que, por um lado, durante todo o período da relação laboral, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade e, por outro, nunca o Autor deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia pela Ré, improcede o recurso quanto a esta parte.
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Sobre o recurso final do Autor
Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal
Entende o Autor ora recorrente que, nos termos do artigo 17º do Decreto-Lei nº 24/89/M, o trabalho prestado em dias de descanso semanal deveria ser remunerado pelo dobro do salário normal.
Em nossa opinião, julgamos assistir razão ao Autor.
De acordo com a interpretação que tem vindo a ser adoptada de forma quase unânime neste TSI, tem-se entendido que o trabalho prestado em dias de descanso semanal é pago pelo dobro da retribuição normal aos trabalhadores que auferem salário normal, para além do singelo já recebido e do dia de descanso compensatório.
No mesmo sentido, citam-se, a título exemplificativo, os Acórdãos deste TSI, proferidos no âmbito dos Processos 778/2010, 376/2012 e mais recentemente, Processos 61/2014 e 582/2014.
Nesta conformidade, por o Autor ter direito a receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do salário em singelo e do dia de descanso compensatório, é revogada a decisão quanto a esta parte, ficando a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$63.438,00, em vez de MOP$31.719,00, a título do dobro da retribuição.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente B (Autor), revogando a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$31.719,00, a título de compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, e em sua substituição, é a Ré condenada a pagar ao Autor a esse mesmo título a quantia de MOP$63.438,00 (sem prejuízo da quantia devida a título do não gozo dos dias de descanso compensatório).
Mais acordam em conceder parcialmente provimento ao recurso interposto pela recorrente A (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd (Ré), revogando a sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$30.600,00, a título de subsídio de alimentação, e em consequência, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia que a esse título vier a liquidar-se em execução de sentença, nos termos do artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil.
Confirmando-se a sentença em tudo o mais.
Custas pelas partes, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
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RAEM, 23 de Junho de 2016
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Tong Hio Fong
(Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição” (cfr. se refere na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do DL nº 24/89/M), este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, e para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de, salvo o devido respeito, estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.) – Posição assumida na declaração de voto vencido dos Processos nº 669/2014, 757/2014 e outros)
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
                   
                   
                   
                   
1 Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7ª edição, página 109 e 110
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Recurso laboral nº 353/2016 Página 32