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Processo n.º 51/2016. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: Administração do Condomínio A.
Recorrido: B.
Assunto: Caso julgado.
Data do Acórdão: 22 de Julho de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
Tendo acórdão do Tribunal de Última Instância decidido que a regularização da representação do autor cabe à administração do condomínio, viola o caso julgado formado por tal acórdão, a decisão do Tribunal de Segunda Instância segundo a qual que cabe tal regularização à assembleia de condóminos.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima


ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório e factos provados
A Administração do Condomínio A intentou acção declarativa com processo ordinário contra B, pedindo que esta fosse condenada a entregar-lhe a gestão do condomínio A, devolver o fundo de gestão que tem à sua guarda, bem como o fundo de reserva e juros.
Nos autos, o Ex.mo Juiz decidiu estar a autora bem representada judicialmente.
Interposto recurso deste despacho pela ré, o Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 27 de Março de 2014, considerou que a autora perdeu os poderes de representação orgânica do condomínio, por anulação das deliberações que a elegeram, revogou aquele despacho e absolveu a ré da instância.
Recorreu a autora para este Tribunal de Última Instância (TUI) que, por acórdão de 30 de Julho de 2014, considerou:
- É à administração do condomínio que cabe a sua representação judiciária (artigos 1352.º, n.º 2, 1357.º, n.º 1, alínea i) e 1359.º do Código Civil).
- No caso dos autos, a eleição da administração que propôs a presente acção, para tanto constituindo advogados, veio a ser anulada judicialmente, mais tarde. Ou seja, aquando da propositura da acção, a representação judiciária do condomínio e a sua representação forense estavam regulares. Mas, com a anulação judicial da deliberação que elegeu a administração, deixou de o estar.
- O caso é de irregularidade de representação, mencionada no n.º 1 do artigo 55.º do Código de Processo Civil.
- Esta norma aplica-se a qualquer irregularidade de representação, incluindo a de pessoas colectivas ou de entes com mera personalidade judiciária, como é o caso.
- Uma das características do Código de Processo Civil vigente, de 1999, é a da prevalência do fundo sobre a forma, de privilegiar a decisão de mérito, limitando tanto quanto possível as decisões de forma, que não resolvem o conflito de interesses que constitui a causa.
- Para tal, entre outros institutos, o artigo 6.º, n.º 2, do Código de Processo Civil impõe deveres precisos ao juiz, que “… providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais, sempre que essa falta seja susceptível de suprimento, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância …”.
- Especificamente, no que tange à irregularidade de representação, esta é sanada pela intervenção do representante legítimo, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 55.º do Código de Processo Civil, devendo o juiz, a todo o tempo, oficiosamente, providenciar pela regularização da instância.
- Também a falta de autorização ou de deliberação a que se refere o artigo 57.º do Código de Processo Civil, de que se socorreu o acórdão recorrido, é sempre sanável.
- Desde que o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância julgou válida a representação da autora e o acórdão recorrido revogou tal decisão, cabia ao TSI determinar que fosse regularizada a representação, já que as sanações podem ter lugar a todo o tempo e em qualquer instância. Só se a parte não cumprisse, então haveria lugar a absolvição da ré da instância. Independentemente de se tratar de irregularidade de representação ou de falta de deliberação.
- A irregularidade de representação do autor é ratificada por quem deva representar o autor e não por este. Ou seja, pela administração do condomínio e não pelo condomínio.
E decidiu o TUI no mencionado acórdão, proferido nos presentes autos:
- Revogar o acórdão recorrido para que o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância cumpra o disposto nos artigos 55.º, n.os 1 e 2 e 56.º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Civil, notificando a actual legítima administração do condomínio para, em prazo a fixar, ratificar ou retirar, no todo ou em parte, o processado na acção, concedendo poderes forenses a advogado para a continuar a representar na causa.
- Se houver ratificação deve o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância decidir estar regularizada a representação do autor e devolver o processo ao TSI para apreciar os restantes recursos.
- Se não houver ratificação, deve o Ex.mo Juiz de 1.ª Instância absolver a ré da instância.
Devolvidos os autos à 1.ª Instância, o Ex.mo Juiz notificou a autora para os fins mencionados atrás e junta procuração, julgou regularizada a representação da autora e devolveu os autos ao TSI.
Recorreu a ré deste despacho.
A fls. 568, traduzida a fls. 610 e 611, a autora juntou cópia de acta de reunião realizada a 5 de Outubro de 2014, do Conselho de Administração do Condomínio, no qual este constituiu o mandatário dos autos e ratificou o processado pelo advogado nos presentes autos.
Por acórdão de 17 de Março de 2016, o TSI julgou procedente o recurso, julgando não regularizada a representação da autora e absolveu a ré da instância.
Para tal entendeu o seguinte:
“1. O objecto do presente recurso passa apenas por saber se a a actuação da A., enquanto Administração do Condomínio A se mostra ou não ratificada por quem de direito para o efeito: a Assembleia de Condóminos, pois só assim estaria legitimada para esta acção e dotada da respectiva capacidade judiciária.
Para que a Administração esteja dotada de capacidade judiciária, em face das disposições conjugadas dos artigos 43.°, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 1359.°, n.º 3, do Código Civil, na medida em que aquela capacidade decorre do regime da propriedade horizontal para determinadas acções, tal como previsto, nos artigos 1352.º, n.º 2, 1357. º, n.º 1 , alínea i) e 1359.º do CC, precisava de estar mandatada pela Assembleia de Condóminos.
Ora, da pública-forma da deliberação que instruiu o requerimento de 18/03/2015 não consta que a assembleia dos condóminos tenha atribuído poderes à Autora para reivindicar em juízo os documentos relativos ao condomínio, o valor do fundo de gestão e do valor do fundo comum de reserva e/ou para discutir em juízo o valor das receitas obtidas e das despesas realizadas pela Ré no período em que esta administrou o condomínio e a sua eventual condenação no pagamento do saldo que viesse a apurar-se, a final.
Ou seja, da pública-forma da acta a que ora se responde, não consta qualquer autorização ou mandato da assembleia geral dos condóminos à Autora para que exigisse da Ré prestação de contas da sua administração nos termos do disposto no artigo 879.º do CPC.
Quanto basta para estarmos perante uma falta de poderes de representação e de capacidade judiciária.
Basta atentar no documento de fls. 610 que essa acta não respeita a qualquer Assembleia de Condóminos, mas tão somente ao Conselho de Administração.
Tivesse o Mmo Juiz visto esse documento, ao julgar regularizada a representação judiciária da A. e, seguramente, não teria proferido o douto despacho ora recorrido.
Em face do exposto, não interessa mais desenvolver este assunto, havendo que concluir no sentido de que assiste razão à recorrente.
Deve assim ser revogado o despacho recorrido e julgada não regularizada a intervenção da A. com absolvição de instância da Ré, em face do disposto no art. 413.º, c) e 230.º, n.º 1, c) do CPC”.
Recorre a autora, dizendo que não é preciso obter poderes da Assembleia de Condóminos porque os pedidos não são os mencionados no n.º 3 do artigo 1359.º do Código Civil, sendo a Administração do Condomínio o representante da autora, nos termos do n.º 1 do artigo 1359.º do Código Civil.

II – O Direito
Diga-se desde já que o recurso é procedente.
Este TUI decidiu, claramente, no acórdão de 30 de Julho de 2014, que:
- É à administração do condomínio que cabe a sua representação judiciária;
- A irregularidade de representação do autor é ratificada por quem deva representar o autor e não por este. Ou seja, pela administração do condomínio e não pelo condomínio;
- Que deveria ser notificada a actual legítima administração do condomínio para, em prazo a fixar, ratificar ou retirar, no todo ou em parte, o processado na acção, concedendo poderes forenses a advogado para a continuar a representar na causa.
O acórdão recorrido violou manifestamente o caso julgado formado pelo acórdão de 30 de Julho de 2014, ao decidir que a regularização da representação do autor cabe à assembleia de condóminos e não à administração do condomínio, bem como o disposto no n.º 1 do artigo 1359.º do Código Civil.
A procuração de fls. 568, traduzida a fls. 610 e 611 dá poderes ao advogado e ratifica o processado, pelo que está regularizada a representação do autor.

III – Decisão
Face ao expendido concedem provimento ao recurso e.
A) Julgam regularizada a representação do autor;
B) Determinam que os autos voltem ao TSI para, nos termos do acórdão de 30 de Julho de 2014, apreciar os restantes recursos.
Custas pela ré neste TUI e no TSI.
Macau, 22 de Julho de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
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Processo n.º 51/2016