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Processo n.º 40/2016 Recurso jurisdicional em matéria penal
Recorrentes: A e B.
Recorridos: Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada e Ministério Público.
Assunto: Assistente em processo penal. Legitimidade e interesse em agir no recurso. Suspensão da execução da pena de prisão.
Data do Acórdão: 22 de Julho de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO
I – Em processo penal, o assistente, que se limitou a aderir à acusação do Ministério Público e a formular pedido de indemnização, não tem interesse em recorrer da decisão que suspendeu a execução da pena de prisão do arguido, a menos que, por exemplo, defenda que a suspensão da pena só se justifica como condição de pagamento indemnizatório ao assistente, em determinado prazo.
II - O excesso de pronúncia de decisão de 1.ª instância não é de conhecimento oficioso do tribunal de recurso.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 6 de Novembro de 2015, condenou:
- O 1.º arguido C, a 2.ª arguida D e a 3.ª arguida A, pela prática em co-autoria e na forma consumada de 1 crime de burla informática, previsto e punível pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea 1) e n.º 3, alínea 2), conjugado com o artigo 196.º, alínea b) da Lei n.º 11/2009 (sic.), com as circunstâncias atenuantes especiais previstas pelos artigos 221.º, 201.º, n.º 2 e 66.º, n.º 2, alínea c) do Código Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão.
- A 4.ª arguida E, pela prática em co-autoria e na forma consumada de 1 crime de burla informática, previsto e punível pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea 1) e n.º 3, alínea 2), conjugado com o artigo 196.º, alínea b) da Lei n.º 11/2009 (sic.), na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
- A 5ª arguida B, pela prática em co-autoria e na forma consumada de 1 crime de burla informática, previsto e punível pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea 1) e n.º 3, alínea 2), conjugado com o artigo 196.º, alínea b) da Lei n.º 11/2009 (sic), na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos.
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, decidiu o seguinte quanto às indemnizações:
“Ao abrigo do disposto no art.º 74.º do CPP, deviam o 1º arguido pagar à assistente a indemnização de HKD$15.000.000,00, a 2ª arguida pagar a indemnização de HKD$5.751.450,00, a 3ª arguida pagar a indemnização de HKD$7.250.000,00, a 4ª arguida pagar a indemnização de HKD$548.850,00 e a 5ª arguida pagar a indemnização de HKD$688.350,00. Tais valores equivalem ao prejuízo patrimonial sofrido pela ofendida.
O 1º arguido já restituiu à assistente uma quantia de HKD$10.073.480,00, incluindo os bens apreendidos, pelo que o restante montante que ainda tem de restituir deve ser de HKD4.926.520,00. As outras arguidas já realizaram a restituição integral, sem necessidade de mais prestação.”
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 14 de Abril de 2016, quanto à Parte Civil:
- Julgou parcialmente procedente o recurso da assistente Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada, e passou a condenar os 5 arguidos no pagamento solidário da indemnização no montante de HKD$4.926.520,00, fixado pelo tribunal a quo.
- Julgou improcedente o recurso subordinado interposto pela 4.ª arguida E.
Quanto à Parte Penal:
- Julgou parcialmente procedentes os recursos da assistente, do 1.º arguido C e da 3.ª arguida A, procedência essa que aproveita à 2.ª arguida D e
- Condenou o 1.º arguido C, a 2.ª arguida D e a 3.ª arguida A pela prática de 1 crime de burla informática, nas penas de 2 anos e 3 meses de prisão.
- Condenou a 4ª arguida E pela prática de 1 crime de burla informática, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
- Condenou a 5.ª arguida B pela prática de 1 crime de burla informática, na pena de 2 anos de prisão.
Recorrem, novamente, as 3.ª e 5.ª arguidas, para este Tribunal de Última Instância (TUI).
Suscita a 3.ª arguida A as seguintes questões:
- Há contradição entre a decisão do acórdão recorrido de concordar com a pretensão da assistente relativa à responsabilidade solidária, passando a ordenar o pagamento solidário do montante de HKD$4.926.520,00, e o seu entendimento de que a decisão da 1.ª instância de arbitrar oficiosamente à assistente uma reparação pelos danos causados constituiu excesso de pronúncia.
- A recorrente não concorda com a qualificação da obrigação dela e dos outros arguidos como obrigação solidária passiva porque cada arguido usou, separadamente, a sua conta exclusiva para praticar o respectivo crime, apropriando-se, também separadamente, das vantagens ilegítimas para si próprio.
Suscita a 5.ª arguida B as seguintes questões:
- Em relação à parte penal, o acórdão recorrido violou o art.º 48.º do CPM, e devia ser mantida a decisão feita pelo Tribunal Colectivo de primeira instância, no sentido de suspender a execução da pena aplicada à recorrente.
- Além disso, o acórdão recorrido incorreu no vício de “violação da jurisprudência obrigatória”, no Acórdão do TUI no processo n.º 128/2014.
- Quanto à parte civil, só se deve condenar os 5 arguidos a assumir a responsabilidade solidária de indemnização pelos danos sofridos pela assistente quando não for possível determinar as culpas dos arguidos e as consequências ou os danos que delas advieram.
- Se for julgado improcedente o supracitado fundamento e forem os agentes condenados em responsabilidade solidária, tem-se de determinar as quantias a suportar por cada um deles na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, de modo a exercer, no futuro, o direito de regresso sobre os restantes co-devedores após o pagamento da indemnização.
- O acórdão recorrido devia fixar o montante da indemnização em HKD$2.025.170,00, o valor do prejuízo, já que no recurso do acórdão do tribunal de primeira instância, interposto pela assistente ao TSI, da matéria civil, que a assistente tinha recorrido quanto aos respectivos montantes e deduzido impugnação, pelo que houve omissão da pronúncia sobre a impugnação, deduzida pela assistente relativa ao montante da indemnização.
O Ex.mo Procurador-Adjunto pronunciou-se pela procedência do recurso da 5.ª arguida na parte penal.
  
II – Os factos
Estão provados os seguintes factos:
1. Antes de Agosto de 2014, o 1º arguido C, a 2ª arguida D, a 3ª arguida A, a 4ª arguida E e a 5ª arguida B foram contratados pela “Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada”, para trabalhar como pessoal de tesouraria no Clube de VIP Sun City no [Casino (1)], eram responsáveis por manter a operação diária da tesouraria, incluindo a distribuição da comissão de ficha (que é a comissão recebida pelos clientes através da comprar fichas e fornecê-las aos jogadores para jogar).
2. Podem os clientes levantar em pessoa ou encarregar outrem de levantar as comissões de ficha, e para o levantamento, só é necessário que um pessoal de tesouraria usa a sua conta exclusiva para aceder ao sistema informático, alterar os dados da conta dos clientes, e deixar a pessoa que levanta o dinheiro a assinar no recibo para concluir o procedimento de levantamento. Mesmo que o cliente encarregue outrem de levantar a comissão de ficha, a “Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada” não vai comunicar, por telefone ou mensagem, o levantamento ao titular da conta.
3. A partir do início de 2014, os 5 arguidos chegaram ao acordo e colaboram-se para aproveitar da omissão da “Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada” na distribuição da comissão de ficha dos clientes, apropriando-se ilicitamente das comissões de ficha dos clientes através da alteração dos dados informáticos e obtendo vantagens ilegítimas.
4. Os 5 arguidos utilizaram o sistema informático da sociedade para recolher as contas da comissão de ficha expirantes ou já expiradas. Quando dois dos arguidos estiveram de serviço ao mesmo tempo, um deles iria usar a sua conta exclusiva para aceder ao sistema informático, alterar o estado da comissão nas contas dos clientes para “levantada”, e o outro arguido era responsável pelo olheiro, e depois, os dois arguidos iriam levantar na tesouraria dinheiro ou fichas correspondentes, mas do recibo de levantamento não constou a assinatura dos clientes ou dos seus procuradores.
5. No período compreendido entre 28 de Março e 31 de Julho de 2014, o 1º arguido usou, por várias vezes, a sua conta exclusiva para aceder ao sistema informática da sociedade, alterou os dados dos clientes e colaborou com os outros arguidos, apropriando-se ilicitamente de pelo menos HKD$15.000.000,00.
6. No período compreendido entre 26 de Fevereiro e 1 de Junho de 2014, a 2ª arguida usou, por várias vezes, a sua conta exclusiva para aceder ao sistema informática da sociedade, alterou os dados dos clientes e colaborou com os outros arguidos, apropriando-se ilicitamente de HKD$5.751.450,00.
7. No período compreendido entre 19 de Fevereiro e 21 de Julho de 2014, a 3ª arguida usou, por várias vezes, a sua conta exclusiva para aceder ao sistema informática da sociedade, alterou os dados dos clientes e colaborou com os outros arguidos, apropriando-se ilicitamente de pelo menos HKD$7.250.000,00.
8. No período compreendido entre 27 de Julho e 14 de Agosto de 2014, a 4ª arguida usou, por várias vezes, a sua conta exclusiva para aceder ao sistema informática da sociedade, alterou os dados dos clientes e colaborou com os outros arguidos, apropriando-se ilicitamente de HKD$548.850,00.
9. No período compreendido entre 17 de Abril e 12 de Maio de 2014, a 5ª arguida usou, por várias vezes, a sua conta exclusiva para aceder ao sistema informática da sociedade, alterou os dados dos clientes e colaborou com os outros arguidos, apropriando-se ilicitamente de pelo menos HKD$688.350,00.
10. O supervisor da tesouraria da “Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada” F notou que nos levantamentos de comissão tratados pelos 5 arguidos acima referidos, mostrou-se no sistema informático que os clientes já tinha levantado as comissões de ficha, mas não constaram dos recibos assinaturas dos clientes ou dos seus procuradores, tendo assim descoberto que os 5 arguidos apropriaram-se ilicitamente das comissões dos clientes.
11. Posteriormente, os 5 arguidos assinaram um título da obrigação perante a “Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada”.
12. Os 5 arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente ao chegarem ao acordo e colaborarem-se, aproveitarem, por várias vezes, da omissão da “Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada” na distribuição da comissão de ficha dos clientes, apropriarem-se ilicitamente das comissões de ficha dos clientes através da alteração dos dados informáticos e obterem vantagens ilegítimas para si ou para terceiro, causando prejuízos patrimoniais de valor consideravelmente elevado a outrem.
13. Os 5 arguidos sabiam bem da ilegalidade das condutas acima referidas, e que tais condutas eram proibidas por lei.
Mais se provou:
14. Em 18 de Agosto de 2014, o 1º arguido, a 2ª arguida e a 3ª arguida restituíram, cada um, à assistente, HKD$3.000.000,00.
15. Em 22 de Agosto de 2014, os 5 arguidos restituíram à assistente o montante de HKD$15.723.480,00, do qual o 1º arguido restituiu HKD$7.000.000,00 e HKD$73.480,00, a 2ª arguida restituiu HKD$5.100.000,00, a 3ª arguida restituiu HKD$2.000.000,00, a 4ª arguida restituiu HKD$550.000,00, e a 5ª arguida restituiu HKD$1.000.000,00.
16. Em 7 de Janeiro de 2015, a 5ª arguida B pagou à ofendida “Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada” uma quantia de HKD$240.000,00 a título de reparação parcial dos prejuízos patrimoniais. (fls. 289 dos autos)
17. Em 29 de Maio de 2015, a 3ª arguida A pagou à ofendida “Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada” uma quantia de HKD$2.250.000,00 a título de reparação parcial dos prejuízos patrimoniais. (fls. 440 dos autos)
18. O 1º arguido alegou ser pessoal de tesouraria, auferindo mensalmente cerca de MOP$20.000,00 a MOP$30.000,00.
O arguido tem como habilitação literária o ensino secundário complementar e não tem ninguém a seu cargo.
19. A 2ª arguida alegou ser supervisora da tesouraria, auferindo mensalmente cerca de MOP$30.000,00 a MOP$40.000,00.
A arguida tem como habilitação literária o ensino secundário complementar e tem a seu cargo 1 filho.
20. A 3ª arguida alegou ser pessoal de tesouraria, auferindo mensalmente cerca de MOP$28.000,00 a MOP$30.000,00.
A arguida tem como habilitação literária o ensino secundário complementar e tem a seu cargo 2 filhos.
21. A 4ª arguida alegou ser empregada de escritório, auferindo mensalmente cerca de MOP$6.000,00.
A arguida tem como habilitação literária o ensino secundário complementar e tem a seu cargo 1 filho.
22. A 5ª arguida alegou ser vendedora de mercadorias, auferindo mensalmente cerca de MOP$12.000,00 a MOP$13.000,00.
A arguida tem como habilitação literária o 1º ano do ensino secundário e tem a seu cargo 1 filha.
23. Segundo o CRC, os 5 arguidos são delinquentes primários.
Factos não provados:
1. A “Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada” dispõe que as comissões dos clientes são guardadas por um prazo até 3 meses, e se os clientes não levantam as comissões neste prazo, serão consideradas abandonadas as comissões. As comissões expiradas só serão distribuídas aos clientes em casos excepcionais.
2. No período compreendido entre 28 de Março e 31 de Julho de 2014, o 1º arguido apropriou-se ilicitamente de HKD$23.997.900,00.
3. No período compreendido entre 19 de Fevereiro e 21 de Julho de 2014, a 3ª arguida apropriou-se ilicitamente de HKD$8.986.550,00.
Contestação constante das fls. 382 dos autos, apresentada pela 3ª arguida A: nada a assinalar.
Contestação constante das fls. 404 dos autos, apresentada pela 5ª arguida B: nada a assinalar.

III - O Direito
1. As questões a resolver
As questões a resolver são as questões suscitadas pelas recorrentes.

2. Recurso do assistente em processo penal
Comecemos por apreciar a impugnação da parte penal do julgado do acórdão do TSI, deduzida pela 5.ª arguida B.
Entende esta recorrente que devia ter sido mantida a decisão de primeira instância, no sentido de suspender a execução da pena aplicada à recorrente.
Na verdade, em primeira instância foi a recorrente condenada na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, decisão revogada pelo acórdão recorrido, quanto à suspensão da execução da pena.
Considera a recorrente que o acórdão recorrido incorreu no vício de violação da jurisprudência obrigatória, relativamente ao Acórdão do TUI de 15 de Abril de 2015, no Processo n.º 128/2014, segundo o qual, “o assistente não tem legitimidade para recorrer, quanto à espécie e medida da pena aplicada”, ao aceitar o recurso da assistente no que se refere à suspensão da execução da pena.
Vejamos.
Este Tribunal pronunciou-se no acórdão de 18 de Setembro de 2013, no Processo n.º 45/2013, sobre as circunstâncias em que o assistente, em processo penal pode recorrer de decisões judiciais. Aí se disse o seguinte:
«Ao Ministério Público compete o exercício da acção penal [artigo 56.º, n. os 1 e 2, alínea 3), da Lei de Bases da Organização Judiciária], esclarecendo a lei que compete, em especial ao Ministério Público, neste âmbito, receber denúncias e queixas e apreciar o seguimento a dar-lhes, dirigir o inquérito, deduzir acusação e sustentá-la efectivamente na instrução e no julgamento, interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa e promover a execução das penas e medidas de segurança (artigo 42.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, como serão todos os preceitos citados sem indicação de proveniência).
A lei processual penal permite a constituição de assistente no processo, que é uma parte acusadora privada, que intervém como colaborador do Ministério Público, a cuja actividade subordina a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei (artigo 58.º).
Podem constituir-se assistentes no processo penal, três grupos de pessoas (artigo 57.º):
- O ofendido (seus sucessores, no caso de morte, e seus representantes, se for incapaz);
- A pessoa de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento penal;
- Qualquer pessoa, nos crimes cujo procedimento não depender de queixa nem de acusação particular e ninguém se possa constituir assistente, nos termos das regras anteriores (não interessa agora aprofundar esta noção).
Quando o procedimento penal depender de queixa, isto é, nos crimes semipúblicos, é necessário que a pessoa com legitimidade para a apresentar dê conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo (artigo 38.º, n.º 1).
Quando o procedimento penal depender de acusação particular, isto é, nos crimes particulares, é necessário que a pessoa com legitimidade para tal se queixe, se constitua assistente e deduza acusação particular (artigo 39.º, n.º 1).
Nos crimes públicos em que há ofendido – como é o caso dos autos - só este se pode constituir assistente.
O Código de Processo Penal acolheu a noção estrita de ofendido, que é o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação [artigo 57.º, n.º 1, alínea a)], noção essa que já resultava da legislação anterior, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 35007, de 13.10.19451.
O artigo 58.º, n.º 2, estatui sobre os poderes que competem, em especial, ao assistente:
a) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias;
b) Deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de procedimento dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza;
c) Interpor recurso das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.
A intervenção do assistente no inquérito é totalmente subordinada à do Ministério Público, podendo oferecer provas e requerer diligências que se afigurarem necessárias. Não tem, porém, acesso ao processo, que está em segredo de justiça (artigo 76.º).
O assistente pode, no inquérito, requerer, nomeadamente, a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, que se proceda a buscas domiciliárias ou noutros locais e a apreensões, incluindo de correspondência (artigo 250.º, n.º 2), que seja ouvida testemunha em declarações para memória futura e estar presente ao seu interrogatório, podendo solicitar a formulação de perguntas ao juiz (artigo 253.º).
O assistente pode deduzir acusação independente da do Ministério Público nos crimes públicos e semipúblicos, pelos factos da acusação do Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem uma alteração substancial daqueles (artigos 58.º, n.º 2 e 266.º).
Nos crimes particulares o assistente pode deduzir acusação, ainda que o Ministério Público o não faça (artigos 58.º, n.º 2 e 267.º).
O assistente pode requerer a abertura de instrução, tanto em caso de acusação do Ministério Público (relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação e importem uma alteração substancial desta), como de arquivamento (artigos 269.º e 270.º) e aí intervir, participando no debate instrutório (artigo 284.º).
Vejamos, agora, os poderes do assistente em matéria de recursos.
Como se disse, a lei prescreve que compete ao assistente interpor recurso das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.
O artigo 391.º, n.º 1, alínea b), subordinado à epígrafe “Legitimidade e interesse em agir”, dispõe que o assistente tem legitimidade para recorrer de decisões contra ele proferidas, acrescentando o n.º 2, que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
A interpretação dos segmentos “decisões que o afectem” e “decisões contra ele proferidas” tem levantado alguma controvérsia, especialmente a legitimidade e o interesse em agir do assistente para recorrer da medida da pena.
Em matéria de recursos, é praticamente pacífico que o assistente pode recorrer da decisão absolutória do arguido, na medida em que, tendo exercido o direito de queixa ou de acusação por determinado crime, a absolvição do arguido constitui decisão que afecta o assistente2. É do interesse do assistente a condenação do arguido.
Pela mesma ordem de razões, também se tem entendido, pacificamente, que o assistente pode recorrer da decisão de não-pronúncia.
Igualmente, deve-se entender que o assistente pode recorrer da decisão que condenou o arguido por crime diverso do que foi objecto da sua acusação3. Também está em causa decisão que afecta o assistente.
Quanto à medida da pena.
A maioria expressiva da jurisprudência e, ao que parece também da doutrina, nega que, sem mais, o assistente possa recorrer quanto à medida da pena, se o Ministério Público o não fizer.
Diz-se que a medida concreta da pena, em geral, não afecta o assistente, já que esta questão faz parte do núcleo punitivo do Estado (interesse punitivo), cuja defesa não cabe aos particulares, mas sim ao Ministério Público. Aduz-se, também, que permitir que o assistente recorra para agravar a pena do condenado seria voltar ao tempo da justiça privada.
Admite-se, nalguns casos, no âmbito da escolha e medida da pena, que o assistente tenha interesse em agir. Por exemplo, quando defenda que a suspensão da pena só se justifica como condição de pagamento indemnizatório ao ofendido/assistente, em determinado prazo.
É esse o entendimento de MAIA GONÇALVES4, quando afirma:
“Questão que tem sido controvertida e objecto de decisões contraditórias é a da legitimidade do assistente para recorrer da medida da pena. Cremos que a esta questão não pode ser dada resposta geral, e que deve ser apreciada caso a caso. Assim, o assistente poderá recorrer da medida da pena quando, no caso, tiver um interesse concreto e próprio em agir, por da medida da pena poder tirar um benefício, v.g. evitando a prescrição. Caso contrário, não lhe será dado recorrer. Neste preciso sentido foi fixada a jurisprudência”.
Também GERMANO MARQUES DA SILVA5 discorre no mesmo sentido:
“A lei, porém, só permite que recorra das decisões que o afectem …, o que representa uma efectiva limitação, porventura ditada pela preocupação de evitar que o assistente, subvertendo a razão da sua intervenção de colaborador da justiça, use o processo para se desforçar.
As finalidades da punição, que hão-de traduzir-se na espécie e medida da pena, não visam dar satisfação ao ofendido pelo crime, pelo menos não é essa a sua finalidade imediata, e por isso que não possa considerar-se que possam afectá-lo”.
J. DAMIÃO DA CUNHA6considera que o assistente tem interesse em agir em matéria de recursos, podendo “interpor recurso restrito à questão da medida da pena, quando durante a audiência de julgamento ele tenha formulado uma qualquer pretensão sobre tal matéria que não tenha merecido acolhimento na decisão final. Ora, esta «pretensão» tem evidentemente de ser formulada – o que poderá manifestamente suceder quer nas chamadas exposições introdutórias, quer nas alegações finais. Daí que só possa decidir sobre a verificação do pressuposto do interesse em agir quem tenha, em primeira mão, de pronunciar um juízo de admissibilidade do recurso – o tribunal a quo.”
Mas, com razão, já se opôs a esta ideia que nem as exposições introdutórias, nem as alegações finais, na audiência, ficam registadas em acta, pelo que seria impraticável esta doutrina. Além de que o interesse em agir se deve aferir autónoma e objectivamente e não por qualquer opinião vertida em audiência.
Em suma, afigura-se-nos serem ponderosos os argumentos dos que têm defendido que o assistente não pode recorrer quanto à escolha e medida da pena, a menos que demonstre, concretamente, um interesse próprio nessa impugnação, como nos exemplos atrás referidos.
No caso dos autos o assistente limitou-se a formular pedido de indemnização, para o que nem é necessário ser assistente. Não mostrou nenhum interesse concreto que fundamentasse o seu recurso para o TSI da medida da pena. Nem sequer deduziu acusação ou aderiu à acusação do Ministério Público».
Posteriormente, nos acórdãos de 23 de Julho de 2014 e 15 de Abril de 2015, respectivamente, nos Processos n.os 43/2014 e 128/2014, este em que se fixou a mencionada jurisprudência obrigatória, seguiu-se a doutrina do acórdão de 18 de Setembro de 2013, em ambos se citando o excerto que acabámos de transcrever.
O acórdão recorrido entendeu que basta que o assistente adira à acusação do Ministério Público para que tenha legitimidade em recorrer quanto à espécie e medida da pena.
Para tal, invocam-se os nossos mencionados acórdãos. Mas em nenhum excerto destes acórdãos se diz que basta que o assistente adira à acusação do Ministério Público para que tenha legitimidade em recorrer quanto à medida e espécie de pena.
No mencionado acórdão de 18 de Setembro de 2013, deu-se vários exemplos em que o assistente teria interesse em recorrer:
- Da decisão absolutória do arguido;
- Da decisão de não-pronúncia.
- Da decisão que condenou o arguido por crime diverso do que foi objecto da sua acusação.
Quanto à medida da pena. Disse-se que, em geral, sem mais, o assistente não pode recorrer quanto à medida da pena, se o Ministério Público o não fizer.
Admitiu-se que nalguns casos, no âmbito da escolha e medida da pena, o assistente tenha interesse em agir:
- Quando defenda que a suspensão da pena só se justifica como condição de pagamento indemnizatório ao ofendido/assistente, em determinado prazo.
- Quando tiver um interesse concreto e próprio em agir, por da medida da pena poder tirar um benefício, v.g. evitando a prescrição.
E após se terem dados estes exemplos, rematou-se com o caso concreto em exame:
“No caso dos autos o assistente limitou-se a formular pedido de indemnização, para o que nem é necessário ser assistente. Não mostrou nenhum interesse concreto que fundamentasse o seu recurso para o TSI da medida da pena. Nem sequer deduziu acusação ou aderiu à acusação do Ministério Público”.
Pois bem, nunca se disse, como pretendeu o acórdão recorrido, que basta que o assistente tenha aderido à acusação do Ministério Público para que tivesse interesse em recorrer quanto à espécie e medida da pena. É sabido que a utilização do argumento a contrario sensu exige algumas cautelas.
Por outro lado, no caso dos autos, a assistente apenas pretendeu que se revogasse a suspensão da execução das penas às 4.ª e 5.ª arguidas, sendo certo que no seu recurso para o TSI a assistente nunca ligou a mencionada suspensão da execução das penas ao pagamento das indemnizações.
Ora, no mencionado acórdão de 18 de Setembro de 2013, disse-se expressamente o seguinte, que foi invocado pelos acórdãos de 23 de Julho de 2014 e 15 de Abril de 2015:
“Admite-se, nalguns casos, no âmbito da escolha e medida da pena, que o assistente tenha interesse em agir. Por exemplo, quando defenda que a suspensão da pena só se justifica como condição de pagamento indemnizatório ao ofendido/assistente, em determinado prazo”.
No caso dos autos não se verifica este pressuposto, pelo que não tem justificação que se tivesse aceitado o recurso da assistente no tocante à revogação da suspensão da execução das penas às 4.ª e 5.ª arguidas.
Procede o recurso da 5.ª arguida nesta parte, que aproveita à 4.ª arguida, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 392.º do Código de Processo Penal.

3. Contradição entre fundamentação e decisão
Quanto à parte cível dos recursos, comecemos pelo recurso da 3.ª arguida.
Entende ela que há contradição entre a decisão do acórdão recorrido de concordar com a pretensão da assistente relativa à responsabilidade solidária, passando a ordenar o pagamento solidário do montante de HKD$4.926.520,00, e o seu entendimento de que a decisão da 1.ª instância de arbitrar oficiosamente à assistente uma reparação pelos danos causados constituiu excesso de pronúncia.
A assistente deduzira pedido cível de indemnização.
Em 1.ª instância, por despacho do Ex.mo Juiz, com fundamento em que o pedido cível, com a citação edital da 3.ª ré, atrasaria o processo, remeteram-se as partes para a acção cível separada.
Não obstante, o acórdão condenatório, oficiosamente, condenou os arguidos a indemnizarem a assistente.
O acórdão recorrido entendeu que nesta parte teria havido excesso de pronúncia do acórdão condenatório mas, não tendo qualquer das partes – assistente e arguidos – suscitado a nulidade, não poderia conhecer da questão. O acórdão recorrido considerou que o conhecimento da nulidade, por excesso de pronúncia, não seria de conhecimento oficioso. Certo é que não decretou a nulidade por excesso de pronúncia.
Logo, não há contradição com a decisão de dar provimento ao recurso da assistente, no sentido da condenação solidária de todos os arguidos.
Por outro lado, não merece censura o entendimento de que o excesso de pronúncia de decisão de 1.ª instância não é de conhecimento oficioso do tribunal de recurso. É isso que resulta dos n. os 2 e 3 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente, diploma que prevê como nulidade de sentença na alínea d) do n.º 1 do mencionado artigo 571.º o excesso de pronúncia, como é isso que resulta do n.º 2 do artigo 360.º do Código de Processo Penal, especificamente quanto às nulidades previstas no n.º 1 deste artigo.

4. Obrigação solidária
A mesma recorrente não concorda com a qualificação da obrigação dela e dos outros arguidos como obrigação solidária passiva porque cada arguido usou, separadamente, a sua conta exclusiva para praticar o respectivo crime, apropriando-se, também separadamente, das vantagens ilegítimas para si próprio.
Não é exacto.
Provou-se:
A partir do início de 2014, os 5 arguidos chegaram ao acordo e colaboram-se para aproveitar da omissão da “Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada” na distribuição da comissão de ficha dos clientes, apropriando-se ilicitamente das comissões de ficha dos clientes através da alteração dos dados informáticos e obtendo vantagens ilegítimas.
Os 5 arguidos utilizaram o sistema informático da sociedade para recolher as contas da comissão de ficha expirantes ou já expiradas. Quando dois dos arguidos estiveram de serviço ao mesmo tempo, um deles iria usar a sua conta exclusiva para aceder ao sistema informático, alterar o estado da comissão nas contas dos clientes para “levantada”, e o outro arguido era responsável pelo olheiro, e depois, os dois arguidos iriam levantar na tesouraria dinheiro ou fichas correspondentes, mas do recibo de levantamento não constou a assinatura dos clientes ou dos seus procuradores.
Provou-se também que, sempre que cada um dos 5 arguidos usou a sua conta exclusiva para aceder ao sistema informática da sociedade e alterou os dados dos clientes, colaborou com os outros arguidos.
Isto é, a acção dos arguidos foi concertada entre todos e sempre que um agia tinha um dos outros a colaborar, entrando também no sistema informático.
A obrigação é, portanto, solidária, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 490.º do Código Civil.

5. Solidariedade da obrigação
Recurso da 5.ª arguida.
Na tese da arguida, só se deve condenar os 5 arguidos a assumir a responsabilidade solidária de indemnização pelos danos sofridos pela assistente quando não for possível determinar as culpas dos arguidos e as consequências ou os danos que delas advieram.
Não é exacto. Não é isso que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 490.º do Código Civil, como se disse. A solidariedade entre os devedores significa que cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (n.º 1 do artigo 505.º do Código Civil).
Pretende ainda a recorrente que se tem de determinar as quantias a suportar por cada um deles na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, de modo a exercer, no futuro, o direito de regresso sobre os restantes co-devedores após o pagamento da indemnização.
Também aqui a recorrente está equivocada. Todos os arguidos respondem perante o credor pela totalidade das quantias em dívida. Nos termos do n.º 1 do artigo 490.º do Código Civil, o direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis. Portanto será na acção de regresso a intentar, eventualmente, que se pode discutir a medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram.
Improcede a questão suscitada.

6. Omissão de pronúncia
Para a recorrente o acórdão recorrido devia fixar o montante da indemnização em HKD$2.025.170,00, o valor do prejuízo, já que no recurso do acórdão do tribunal de primeira instância, interposto pela assistente ao TSI, da matéria civil, que a assistente tinha recorrido quanto aos respectivos montantes e deduzido impugnação, pelo que houve omissão da pronúncia sobre a impugnação, deduzida pela assistente relativa ao montante da indemnização.
Recorde-se que o acórdão recorrido considerou ser HKD$2.025.170,00, o valor do prejuízo, mas que não poderia alterar o montante fixado na 1.ª instância (HKD$4.926.520,00) dado não ter havido recurso nessa parte dos arguidos.
A alegação da recorrente, de que no recurso do acórdão do tribunal de primeira instância, interposto pela assistente, houve omissão da pronúncia sobre a impugnação, deduzida pela assistente relativa ao montante da indemnização, não é exacta.
O acórdão recorrido pronunciou-se sobre o valor da indemnização devida.
A recorrente não impugna a conclusão do acórdão recorrido de que não poderia alterar o montante fixado na 1.ª instância dado não ter havido recurso nessa parte dos arguidos.
Improcede a questão suscitada.

IV – Decisão
Face ao expendido:
A) Concedem parcial provimento ao recurso interposto pela 5.ª arguida B, revogando o acórdão recorrido na parte em que revogou a suspensão da execução da pena, revogação esta extensiva à 4.ª arguida E;
B) Negam provimento no restante ao recurso interposto pela 5.ª arguida B e na totalidade ao recurso interposto pela 3.ª arguida A.
Custas da parte penal pela assistente Sun City Promoção de Jogos – Sociedade Unipessoal Limitada com taxa de justiça fixada em 10 UC neste Tribunal e 10 UC no TSI.
Custas da parte cível pela 3.ª arguida A e pela 5.ª arguida B, na parte em decaíram, com taxa de justiça de ¼ da tabela (n.º 3 do artigo 17.º do Regulamento das Custas).
Macau, 22 de Julho de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

     1 M. CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, I, Lisboa, 1955, p. 130 e JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1.º Volume, 1974, p. 505 e segs.
     2 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Lisboa/São Paulo, Verbo, 2.ª edição, 2000, III, p. 332.
3 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso…, III, p. 332.
     4 MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, Coimbra, Almedina, 15.ª edição, 2005, p. 800.
     5 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso…, III, p. 332.
     6 J. DAMIÃO DA CUNHA, A participação dos particulares no exercício da acção penal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, fasc. 4.º, p. 647 e 648.
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Processo n.º 40/2016

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Processo n.º 40/2016