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Processo n.º 1080/2015
(Recurso Cível)
    
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 30/Junho/2016


ASSUNTOS:

    - Erro- vício
   - Nulidade do contrato de arrendamento comercial em fracção habitacional
    - Negócio contrário à lei
    - Fins, motivos e causa do negócio
    - Impossibilidade originária da prestação
    
    SUMÁRIO :

   1. Se A. celebra contrato de arrendamento para fins comerciais de uma dada fracção X, em prédio para habitação, e vem alegar erro- vício, pedindo a anulação do contrato, alegadamente por desconhecimento dos fins habitacionais, afirmando que nunca quem quer que fosse lhe dera conhecimento dessa afectação do imóvel e que todos os intervenientes, da banda, dos proprietários bem sabiam da finalidade que o A. se propunha desenvolver no arrendado: comércio de venda a retalho de vestuário para homem, não se comprovando o desconhecimento da finalidade do prédio, não há qualquer erro.
  2. Erro, em Direito, é um vício no processo de formação da vontade, em forma de noção falsa ou imperfeita sobre alguma coisa ou alguma pessoa. É uma noção mais restrita da do erro em geral que é um estado de apartamento, desfasamento ou desconhecimento da realidade.
  3. Se o A. celebra um contrato, sabendo, à partida, ou devendo saber da nulidade que o invalida e pretende dele tirar proveito e se, não logrando os seus intentos, vem dizer que esse mesmo contrato é nulo, há aqui qualquer coisa que nos diz que esta conduta não pode ser tolerada pela ordem jurídica, servindo o negócio nulo ou deixando de servir a belo talante dos interesses conjunturais das partes, especialmente se apenas uma das partes é responsável pela causa de nulidade e esta apenas a ela aproveita.
  4. O negócio será nulo por contrariedade ou desconformidade com a lei, se outra solução não decorrer da lei e se o fundamento teleológico do estabelecimento dessa invalidade radica ainda em motivos de interesse público predominante - como ocorrerá em situações de salvaguarda dos direitos de personalidade, do património arquitectónico, paisagístico e cultural, de saúde pública, regras de funcionamento do mercado, em geral em todas as matérias inderrogáveis e subtraídas à vontade e disponibilidade das partes.
  5. O fim do negócio traduz a finalidade económico-social que as partes pretendem alcançar com a sua celebração, não se confundindo, deste modo, nem com os motivos, nem com a causa do negócio. Os motivos são as circunstâncias que levam ao surgimento da vontade, traduzindo-se no elemento subjectivo que antecede o negócio. A causa consubstancia a função económico-social típica do negócio juridicamente reconhecida.
  6. Decorre da economia do regime da propriedade horizontal e do regime dos regulamentos dos imóveis, que, se, por um lado, não se vê que o fim habitacional ou comercial não possa deixar de poder ser alterado, mediante as respectivas autorizações e procedimentos; se é configurável a possibilidade de as partes afectarem o fim do arrendado ao fim previamente autorizado, ou seja, no caso, o habitacional; se, sempre, na impossibilidade do gozo da coisa, restará a possibilidade de eventual resolução do negócio; por outro lado, importa não desfocar a finalidade daquele contrato em concreto e já não de um qualquer outro em que possa ser transformado, havendo que conjugar as diferentes normas que disciplinam a afectação e utilização dos prédios urbanos e as razões e interesses subjacentes que se visam tutelar por via dessa regulamentação.
  7. Face ao respectivo regime jurídico e regulamentar aplicável, não será difícil concluir que é proibido instalar uma actividade comercial em prédio destinado a habitação, cabendo à Administração impedir tal utilização.
  8. A falta de licença de utilização e de título constitutivo da propriedade horizontal para o exercício da actividade comercial gera a nulidade do contrato de arrendamento comercial, na medida em que implica uma impossibilidade originária da prestação, sendo a mesma objectiva, absoluta e essencial (não versando sobre aspectos incidentais da prestação), nulidade esta que é do conhecimento oficioso do Tribunal. Ademais, não havendo elementos nos autos que demonstrem ainda a possibilidade de conformação do contrato às exigências legais, em tempo e utilidade razoáveis. Ou sequer que seja intento de qualquer das partes encetar e desenvolver tal iniciativa para a conformar com as exigências legais.
  9. Decretando-se a nulidade do contrato, haverá, lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado e, se a restituição em espécie não for possível, o seu correspondente valor – cfr. art. 282º, .º 1 do CC. Em face do sinalagma das prestações, deve o inquilino pagar a parte objectivamente correspondente à utilização que fez do prédio, pelo que se entende não haver lugar à restituição da comissão e rendas pagas, em vista do serviço que foi efectivamente pedido pelo recorrente, prestado pelo agente e pelas utilidades e gozo da coisa desfrutado, não mais sendo possível apagar essa realidade passada.
  10. Mesmo no pressuposto, de que o candidato a inquilino estivesse de boa fé, na medida em que pensasse, ao fazer as obras, que não lesava o direito de outrem - cfr. art. 1184.º, n.º 1, “ex vi” art. 282.º, n.º 3, ambos do CC -, embora não deixe de poder levantar o que o possa ser sem detrimento da coisa - cfr. art. 1198.º/1 e 1200.º do CC -, não havendo elementos que consintam uma condenação no pagamento por benfeitorias necessárias, por falta de concretização da natureza das obras, não terá direito ao pagamento das benfeitorias ali feitas. Para mais se fez as obras, bem sabendo que não podia afectar o arrendado ao fim a que aquelas se destinavam.
O Relator,
João A.G. Gil de Oliveira




Processo n.º 1080/2015
(Recurso Civil)
Data : 30/Junho/2016

Recorrente : - A A

Recorridos : - B B
- C C
- D D
- E E
- F F
- G G


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
    A, autor no presente processo (adiante designado por recorrente), mais bem identificado nos autos, intentou acção no TJB.
    
    Alegou o Autor que viu afixado na fracção na fracção a que se reportam os autos um cartaz publicitário que referia H Loja para arrendamento, pelo que encetou negociações com vista ao arrendamento da mesma o que veio a concretizar mediante o pagamento de HKD$13.000 e pelo prazo de 2 anos.
   Posteriormente veio o Autor a saber que a fracção em causa se destinava a habitação não podendo servir à exploração de actividade comercial.
   O Autor nunca tomaria de arrendamento a fracção em causa se tivesse conhecimento que a mesma não podia ser usada para fins comerciais, não podendo usar a loja para o fim para que a arrendou, nem nunca tendo usufruído da mesma.
   Para tomar a loja de arrendamento o Autor despendeu HKD$13.000,00 no pagamento da comissão ao 2º Réu, HKD$44.000,00 de caução e rendas às 3ª, 4ª e 5ª Rés e HKD$67.010,00 de despesas de decoração.
   O Autor adquiriu artigos de vestuário para vender na loja em causa no valor de HKD$63.978,51 e fez um contrato com uma agência pelo qual pagou uma caução de HKD$20.000,00, sendo que, não podendo proceder à venda dos respectivos produtos na loja em causa irá ter um prejuízo correspondente a este valor.
   
   Concluindo pede o Autor que se:
   
   Julge procedente a pretensão do Autor, condenado os 1º, 2º, 3ª, 4ª e 5ª Rés a pagar solidariamente ao Autor a quantia de HKD$187.988,51, equivalente a MOP$193.910,10, acrescida dos juros vencidos à taxa legal desde a data da citação até ao pagamento feito pelos Réus ao Autor;
   Decida anular o “contrato de arrendamento do imóvel” relativo à fracção autónoma designada por XXX/X do prédio sito em Macau, com os números xxx a xxx da Rua do xxx e x a xx, descrito na Conservatória do Regista Predial sob o nº xxxxx;
   Ordene a consignação em depósito da fracção autónoma designada por XXX/X do prédio sito em Macau, com os números xxx a xxx da Rua do xxx e x a xx, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº xxxxx, e a restituição imediata da dita fracção às 3ª, 4ª e 4ª Rés, e nomear como depositário I, do sexo masculino, maior, titular do BIRPLM nº xxxxxxx(x), residente em Macau, na Avenida da XXX, nº xxx, edf. “XX”, xxº andar X, com tel. nº (853) 28xxxxxx
    
    A final vieram os pedidos formulados a ser julgados improcedentes.
    
    Inconformado com o decidido, vem o Autor recorrer, formulando as seguintes conclusões na sua alegação de recurso:

1. O 1º Juízo Cível do TJB proferiu acórdão em 13 de Julho de 2015 (no processo n.º CV1-13-0066-CAO), decidindo absolver os réus dos pedidos do recorrente por não serem provados;
2. Porém, salvo o devido respeito, o recorrente não concorda com o supracitado acórdão (adiante designado por acórdão recorrido), imputando ao tribunal a quo o erro na aplicação da lei.
3. Nos termos dos artigos 1.º, 5.º, 7.º, n.º 1 e 9.º da Lei n.º 6/99/M – Disciplina da utilização de prédios urbanos, é proibida a qualquer pessoa a utilização indevida de prédio urbano, por exemplo, a utilização do prédio diversa da estabelecida por lei.
4. Quando o objecto e o fim do negócio jurídico sejam contrários à lei, ao abrigo dos dispostos nos artigos 273.º, 274.º e 395.º, n.º 1 do Código Civil, deve ser declarado nulo o respectivo negócio jurídico.
5. O referido entendimento também foi admitido pelo TUI e pelo TSI. (Cfr. o Acórdão de 30/07/2015 do TUI, no Processo n.º 44/2015 e o Acórdão de 29/01/2015 do TSI, no Processo n.º 406/2014)
6. Por isso, quando um contrato de arrendamento seja celebrado para finalidade diversa da permitida legalmente para o uso do edifício, verificam-se os objecto e fim do negócio jurídico contrários à lei.
7. No caso vertente, de acordo com a alínea a) dos factos provados: conforme poder ser verificado da certidão do registo predial, a fracção autónoma XXX/X, registada na Conservatória do Registo Predial sob o n.º xxxxx, a fls. 59v do livro B48, com uma área de 52M2 e a entrada sita na XXX, é destinada à habitação (constante das fls. 31 a 38 dos autos), e de acordo com a alínea g) dos factos provados: o autor celebrou com os réus um contrato de arrendamento da supracitada fracção autónoma, do qual constou que a fracção seria arrendada ao recorrente para utilização a fins comerciais.
8. Segundo as alíneas p) e q) dos factos provados: “em 21 de Abril de 2013, na loja em causa, o 1º réu B perguntou ao autor a actividade que pretendia exercer.”, “o autor respondeu ao 1º réu que pretendia exercer a actividade de retalho de vestuário masculino.” E segundo a alínea r) dos factos provados: “respondeu o 1º réu: não há problema, a loja foi anteriormente destinada à actividade de fomento predial.”
9. Segundo a alínea w) dos factos provados: “os proprietários da ‘loja’, ou seja os 3º a 6º réus, concordaram que o autor subarrendasse a referida ‘loja’ à sua irmã mais velha J para o exercício da actividade de fomento predial.”
10. Segundo a alínea bb) dos factos provados: “os 1º, 2º e 3º réus, e este último em representação de si próprio e dos outros proprietários, sabiam bem da intenção do autor no sentido de desenvolver actividades de retalho de vestuário masculino e de fomento predial.”
11. Segundo a alínea cc) dos factos provados: “o 3º réu D, em representação de si próprio e dos outros proprietários, sabendo bem que a ‘loja’ era destinada à habitação, ainda arrendou-a ao autor para o exercício da actividade comercial.”
12. Além da informação dada pelo 1º réu, no sentido de a referida fracção autónoma XX/X tiver sido utilizada para o exercício da actividade de fomento predial, e agora poder ser utilizada para exercer actividades de retalho de vestuário masculino e de fomento predial, ficou provado que os 3º a 6º réus, concordaram que o recorrente subarrendasse a referida ‘loja’ à sua irmã mais velha J para o exercício da actividade de fomento predial.
13. Por isso, com base na informação dada pelo 1º réu e com o consentimento dos 3º a 6º réus no sentido de o recorrente subarrendar a ‘loja’ à sua irmã mais velha para o exercício da actividade de fomento predial, o recorrente assinou o contrato de arrendamento da supracitada fracção autónoma XX/X, a fim de exercer actividades de retalho de vestuário masculino e de fomento predial.
14. Desde o início até ao fim, o recorrente não soube que a referida fracção autónoma XX/X não podia ser utilizada para exercer actividades de retalho de vestuário masculino e de fomento predial; caso contrário, o recorrente não teria assinado o contrato de arrendamento, nem só teria exigido a anulação desse contrato depois do pagamento da renda, da obra de decoração, da celebração de contrato com agência concessionária e da compra de mercadorias, sem operação efectiva.
15. A irmã mais velha do recorrente J, desde o início, não sabia da utilização da fracção alugada (que não foi mencionada nos factos provados), e apenas foi informada pelo recorrente de que a mesma podia ser utilizada para o exercício da actividade de fomento predial.
16. Ao abrigo dos dispostos nos artigos 1.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 6/99/M – Disciplina da utilização de prédios urbanos, os prédios urbanos destinados a fins habitacionais não podem ser destinados a fins comerciais.
17. Além disso, nos termos do art.º 17.º, n.º 1 da Lei n.º 16/2012 – Lei da actividade de mediação imobiliária, que entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2013, a irmã mais velha do recorrente não podia requerer licença da actividade de mediador imobiliário para a fracção autónoma XX/X destinada a fins habitacionais.
18. Assim, de acordo com os artigos 273.º, 274.º e 395.º, n.º 1 do Código Civil, por ser contrário à lei o objecto do contrato de arrendamento (negócio jurídico) e originariamente impossível a prestação, deve ser nulo o contrato em causa.
19. Nos termos do art.º 279.º do Código Civil, a nulidade do negócio jurídico pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.
20. Ao mesmo tempo, dispõe-se no art.º 282.º, n.º 1 do Código Civil que na declaração de nulidade de um negócio jurídico, deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
21. Como é ensinado pelo Autor CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, “o negócio jurídico nulo, por causa de falta ou vício de certo elemento interno ou elemento constitutivo, não produz, desde o princípio, os efeitos que tenderia a produzir” (…) A nulidade do negócio jurídico é invocável por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, e ao mesmo tempo, o vício de nulidade não é sanável com o correr do tempo ou mediante confirmação;
22. O 2º réu C deve restituir ao recorrente a comissão de mediador imobiliário no valor de HKD$13.000,00, equivalente a MOP$13.390,00.
23. Os 3º a 6º réus devem restituir ao recorrente a caução e a renda no valor de HKD$44.000,00, equivalente a MOP$45.320,00.
24. Por fim, todos os réus assumem a responsabilidade solidária de restituir ao recorrente as despesas de decoração e benfeitoria da fracção autónoma XX/X no valor de HKD$67.010,00, equivalente a MOP$69.020,30.
25. Pelo exposto, o recorrente entende que o acórdão recorrido incorreu no erro na aplicação da lei, violando os artigos 273.º, 274.º e 395.º, n.º 1 do Código Civil.
26. O recorrente entende que, ao abrigo dos dispostos nos artigos 273.º, 274.º, 395.º, n.º 1 e 279.º do Código Civil, por ser contrário à lei o objecto do negócio jurídico envolvido e originariamente impossível a prestação, cabe ao tribunal declarar, oficiosamente, a nulidade do contrato de arrendamento em causa.

Face ao expendido, pede-se ao MM.º Juiz para julgar procedente o presente recurso, deferir os pedidos do recorrente e modificar o acórdão de 13/07/2015, proferido pelo Tribunal Colectivo do TJB, de seguinte forma:
(1) Anular o acórdão de 13/07/2015 proferido pelos Juízes do Tribunal Colectivo do TJB, e julgar parcialmente procedentes os pedidos do recorrente.
(2) Declarar oficiosamente a nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre o recorrente e os 3º a 6º réus.
(3) Condenar o 2º réu C a restituir ao recorrente a comissão de mediador imobiliário no valor de HKD$13.000,00, equivalente a MOP$13.390,00.
(4) Condenar os 3º a 6º réus a restituir ao recorrente a caução e a renda no valor de HKD$44.000,00, equivalente a MOP$45.320,00.
(5) Condenar todos os réus no pagamento solidário ao recorrente das despesas de decoração e benfeitoria da fracção autónoma XX/X no valor de HKD$67.010,00, equivalente a MOP$69.020,30.
(6) Condenar os réus a pagar as custas processuais.

O recurso não foi contra-alegado.
Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:

a) Os 3°, 4°, 5° e 6° RR são comproprietários da fracção autónoma XXX/X, para habitação, com entrada pela XXX, com a área de 52 m2, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº xxxxx, a fls. 59 V do livro B48, em conformidade com o teor da certidão junta a fls. 31 a 38 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzida;
b) Em 20 de Abril de 2013, o Autor, ao passar pela XXX e pela XXX, viu um cartaz publicitário da companhia “K Macau” afixado numa fracção, em que estavam escritas as palavras “H Loja para arrendamento RENT Sr. L 6xxxxxxx”;
c) O 1º Réu B é agente imobiliário da Companhia K Macau e estava encarregue de arrendar a dita fracção;
d) O 2° Réu é agente imobiliário da Agência de Fomento Predial M;
e) Na primeira visita do Autor à fracção, em 21 de Abril de 2013, e no interior da mesma o 1º Réu disse ao Autor que a parte direita da “loja” tinha sido destinada anteriormente à exploração do ramo de fomento predial;
f) No dia 26 de Abril de 2013 o Autor pagou ao 2° Réu C o sinal de dez mil dólares de Hong Kong (HKD$10.000,00), tendo este emitido ao Autor, em nome da Agência de Fomento Predial “M”, o respectivo recibo;
g) Posteriormente, no dia 27 de Abril de 2013 o Autor assinou, na qualidade de arrendatário, um documento escrito, denominado “contrato de arrendamento do imóvel”, tendo por objecto a fracção aludida em a) constante dos autos a fls. 24 cujo teor integral aqui se dá por integralmente reproduzido;
h) O Autor efectuou, de imediato, de acordo com tal contrato, o pagamento ao 2° Réu C da caução de vinte e seis mil dólares de Hong Kong (HKD$26.000,00), de um mês da renda (desde 18 de Maio de 2013 até a 17 de Junho de 2013), no montante de treze mil dólares de Hong Kong (HKD$13.000,00), e da comissão a intermediário, no montante de treze mil dólares de Hong Kong (HKD$13.000,00), num total de cinquenta e dois mil dólares de Hong Kong (HKD$52.000,00);
i) Em 19 de Junho de 2013, J, irmã do Autor, depositou a quantia de cinco mil dólares de Hong Kong (HKD$5.000,00) na conta bancária do Banco N de Macau fornecida pela 3ª Ré, a título de pagamento parcial da renda da dita “loja” correspondente ao período entre 18 de Junho e 17 de Julho de 2013;
j) No cartaz publicitário aludido em b), a palavra “loja” refere-se a um estabelecimento comercial, de acordo com os termos usualmente utilizados no mercado imobiliário de Macau e de Hong Kong;
k) O Autor estava a procurar uma loja destinada ao fim comercial para explorar actividade comercial de vestuário;
l) Na fachada da fracção em causa há uma escada em ferro que dá acesso directo à rua;
m) Para facilitar a exploração da actividade comercial e a entrada e saída de clientes;
n) O 1º Réu acrescentou ao Autor que se fosse fornecida a escada em aço inoxidável, a renda mensal seria de quinze mil dólares de Hong Kong (HKD$15.000,00);
o) E caso fosse adquirida e colocada a escada em aço inoxidável a expensas do Autor, poderia ser fixada a renda por acordo das partes;
p) Em 21 de Abril de 2013, no interior da dita loja, o 1º Réu B perguntou ao Autor qual era o ramo de actividade que pretendia explorar;
q) Tendo este respondido que pretendia explorar a actividade de venda a retalho de vestuário para homem;
r) O 1º Réu respondeu que não havia problema e que a loja já tinha sido destinada a loja de fomento predial;
s) O 1º Réu acrescentou que a loja não podia ser usada para restauração ou actividades que exigissem o parecer dos bombeiros;
t) O Autor incumbiu o agente imobiliário C, 2º Réu, para o representar junto do 1º Réu e dos proprietários da loja;
u) Os proprietários da fracção dos autos aceitaram dar a mesma de arrendamento ao Autor por HKD$13.000,00 mensais;
v) Tendo, para o efeito, o Autor que mandar proceder, a suas expensas, à encomenda e à colocação da escada em aço inoxidável;
w) As proprietárias da “loja”, ora 3º a 6º RR, consentiram que o Autor concedesse de subarrendamento tal “loja” à sua irmã J para exploração da actividade de fomento imobiliário;
x) Em 26 de Abril de 2013, à noite, o Autor, o 1º Réu B, o 2º Réu C e a 3ª Ré D encontraram-se na dita “loja” e acordaram que a utilização da mesma seria para exploração da actividade de venda a retalho de vestuário para homem;
y) A 3ª Ré D consentiu na realização futura de obras de decoração levadas a efeito pelo Autor no interior da dita “loja”;
z) Depois de ter recebido as chaves da dita “loja”, o Autor procedeu a obras de decoração;
aa) Tendo, para o efeito, despendido a quantia total de HKD67.010,00 em despesas de decoração;
bb) Os 1º, 2º e 3ª Ré, a última por si e enquanto representante das restantes proprietárias, bem sabiam da intenção do Autor de exercer a actividade de venda a retalho de vestuário para homem e de fomento imobiliário;
cc) A 3ª Ré D, por si e como representante das restantes proprietárias, deu de arrendamento ao Autor a dita “loja” para exploração de uma actividade comercial, bem sabendo que tal “loja” se destinava ao fim habitacional;
dd) Depois de celebrar o dito acordo, o Autor celebrou contratos para poder proceder à entrada dos seus artigos de vestuário e colocá-los à venda a retalho no locado;
ee) Tendo, para o efeito, despendido a quantia total de (HKD$63.978,51);
ff) O Autor celebrou um contrato com a agência “O”;
gg) Foi o próprio Autor quem solicitou a inclusão no contrato da menção “para fins comerciais”;
hh) Os comproprietários da fracção, antes da feitura do contrato de arrendamento, mostraram ao Autor a respectiva informação (vulgo busca) da Conservatória do Registo Predial de Macau de onde resultava que a mesma se destinava a habitação;
ii) Os RR. assentiram ao pedido do Autor e surgiu a expressa alusão no contrato de arrendamento ao exercício de uma “finalidade comercial” naquele espaço;
jj) Tendo o referido contrato sido submetido pelos comproprietários da fracção aos Serviços de Finanças da RAEM, em 30/04/2013, para efeitos do pagamento do imposto de selo e nele se declarando a finalidade que o ora Autor havia requerido;
  
   Cumpre assim apreciar e decidir.
   
   Nos termos do artº 969º do C.Civ. diz-se locação o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição» dizendo-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel – artº 970º do C.Civ. -.
   Da factualidade apurada o que resulta demonstrado é que entre o Autor e os 3º a 6º Réus foi celebrado um contrato, mediante o qual estes cederam à quele o gozo da fracção autónoma objecto destes autos para comércio, por determinado prazo, mediante o pagamento por aquele a estes de um valor mensal, ou seja, foi celebrado entre o Autor e os 3º a 6º Réus um contrato de arrendamento,
   Entre o Autor e os 1º e 2º Réus houve um contrato de mediação imobiliária com vista à realização daquele contrato de arrendamento.
   Concluindo-se que se trata de um contrato de arrendamento cabe-nos agora apreciar se a coisa pode ser usada para o fim a que se destina e em caso negativo se há erro do Autor ao contratar.
   Na base do litígio está o facto da fracção autónoma objecto deste contrato se destinar a habitação e o arrendamento ter sido feito para fins comerciais.
   Da factualidade apurada o que resulta é que quer o Autor quer os Réus sabiam que o Autor queria destinar a fracção ao exercício do comércio, tendo o arrendamento sido feito para esse fim como resulta do contrato, bem como, que todos igualmente sabiam que a fracção autónoma se destinava a habitação.
   Pretende o Autor a anulabilidade do negócio com base no erro-vício previsto nos artº 240º e seguintes do C.Civ.
   Para tanto havia que se ter provado ter estado o Autor em erro essencial aquando da sua declaração, que no caso se traduziria na sua ignorância de que a fracção autónoma objecto do arrendamento se destinava a habitação.
   Porém, como vimos, o Autor sabia que a fracção em causa se destinava a habitação, e tanto assim foi, que exigiu que do contrato constasse que se destinava a fins comerciais.
   Pelo que, não foi feita prova alguma de que o Autor tivesse actuado em erro e sendo assim não se demonstra que a declaração daquele estivesse viciada por erro do declarante.
   Por fim cabe referir que o facto de as partes terem celebrados relativamente à fracção autónoma a que se reportam os autos, destinada a habitação, um contrato de arrendamento para fins comerciais, o que aparentemente viola o fim para o qual a fracção pode ser utilizada, essa violação, a acontecer, não decorre do que consta do contrato mas sim do uso que efectivamente se vier a dar à fracção, sendo certo que, não é matéria desta acção nem cabe a este tribunal apreciar.
   
   Pelo que, não enferma o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e os Réus de vício algum.
   
   Improcedendo o pedido de anulação do contrato de arrendamento, falece por falta de fundamento o pedido de indemnização do Autor uma vez que este ao contratar sabia que a fracção autónoma em causa se destinava a habitação.
   
   Destarte, devem os pedidos do Autor ser julgados improcedentes.
   
   Quanto à alegada má-fé do Autor não se verificando os pressupostos da mesma não se defere o requerido.
   
   Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgam-se improcedentes porque não provados os pedidos do Autor absolvendo os Réus dos mesmos.
   
   Custas a cargo do Autor.
   Registe e Notifique.
   
   Macau, 13.07.2015.
   (Apenas nesta data porquanto desde 20.12.2014 nos encontramos a exercer funções em regime de acumulação com a Presidência do Tribunal Colectivo do Juízo CR4 o que nos ocupa na realização de julgamentos em 4 a 5 dias por semana, com a inerente necessidade de em matéria crime as sentenças terem de ser realizadas de imediato)

    III – FUNDAMENTOS
    1. O caso
    O A. celebrou contrato de arrendamento para fins comerciais de uma dada fracção X e vem alegar erro- vício, pedindo a anulação do contrato, alegadamente por desconhecimento dos fins habitacionais, afirmando que nunca quem quer que fosse lhe dera conhecimento dessa afectação do imóvel e que todos os intervenientes, da banda, dos proprietários bem sabiam da finalidade que o A. se propunha desenvolver no arrendado: comércio de venda a retalho de vestuário para homem. Não tendo até deixado de autorizar o subarrendamento da fracção à irmã do A. para aí desenvolver actividade de fomento predial.
    Julgada a acção, veio a esta a ser julgada improcedente, por se ter provado que os comproprietários da fracção, antes da feitura do contrato, mostraram ao A. a informação da Conservatória do Registo Predial, de onde resultava que a mesma se destinava a habitação.
    Perante isto e perante o regime do art. 240.º do CC, por falta de comprovação dos respectivos requisitos do erro-vício, nomeadamente por inverificação do erro essencial do declarante, na medida e que ele estava ciente dos fins habitacionais da fracção que se propunha arrendar, foi a acção julgada improcedente.
    Vem agora o A. mudar a agulha e invocar nesta instância recursória a nulidade do contrato por o objecto ou a finalidade do contrato ser contrária à lei.
    
    2. Atentemos na douta fundamentação expendida na sentença recorrida:
   
“Nos termos do artº 969º do C.Civ. diz-se locação o «contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição» dizendo-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel – artº 970º do C.Civ. -.
Da factualidade apurada o que resulta demonstrado é que entre o Autor e os 3º a 6º Réus foi celebrado um contrato, mediante o qual estes cederam à quele o gozo da fracção autónoma objecto destes autos para comércio, por determinado prazo, mediante o pagamento por aquele a estes de um valor mensal, ou seja, foi celebrado entre o Autor e os 3º a 6º Réus um contrato de arrendamento,
Entre o Autor e os 1º e 2º Réus houve um contrato de mediação imobiliária com vista à realização daquele contrato de arrendamento.
Concluindo-se que se trata de um contrato de arrendamento cabe-nos agora apreciar se a coisa pode ser usada para o fim a que se destina e em caso negativo se há erro do Autor ao contratar.
Na base do litígio está o facto da fracção autónoma objecto deste contrato se destinar a habitação e o arrendamento ter sido feito para fins comerciais.
Da factualidade apurada o que resulta é que quer o Autor quer os Réus sabiam que o Autor queria destinar a fracção ao exercício do comércio, tendo o arrendamento sido feito para esse fim como resulta do contrato, bem como, que todos igualmente sabiam que a fracção autónoma se destinava a habitação.
Pretende o Autor a anulabilidade do negócio com base no erro-vício previsto nos artº 240º e seguintes do C.Civ.
Para tanto havia que se ter provado ter estado o Autor em erro essencial aquando da sua declaração, que no caso se traduziria na sua ignorância de que a fracção autónoma objecto do arrendamento se destinava a habitação.
Porém, como vimos, o Autor sabia que a fracção em causa se destinava a habitação, e tanto assim foi, que exigiu que do contrato constasse que se destinava a fins comerciais.
Pelo que, não foi feita prova alguma de que o Autor tivesse actuado em erro e sendo assim não se demonstra que a declaração daquele estivesse viciada por erro do declarante.
Por fim cabe referir que o facto de as partes terem celebrados relativamente à fracção autónoma a que se reportam os autos, destinada a habitação, um contrato de arrendamento para fins comerciais, o que aparentemente viola o fim para o qual a fracção pode ser utilizada, essa violação, a acontecer, não decorre do que consta do contrato mas sim do uso que efectivamente se vier a dar à fracção, sendo certo que, não é matéria desta acção nem cabe a este tribunal apreciar.

Pelo que, não enferma o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e os Réus de vício algum.

Improcedendo o pedido de anulação do contrato de arrendamento, falece por falta de fundamento o pedido de indemnização do Autor uma vez que este ao contratar sabia que a fracção autónoma em causa se destinava a habitação.

Destarte, devem os pedidos do Autor ser julgados improcedentes.

Quanto à alegada má-fé do Autor não se verificando os pressupostos da mesma não se defere o requerido.

    Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgam-se improcedentes porque não provados os pedidos do Autor absolvendo os Réus dos mesmos.”
    
3. À primeira vista parece irrepreensível esta argumentação e acertada a decisão, na exacta medida em que não houve erro, independentemente da sua caracterização como essencial ou não objectivamente essencial, tal como previsto nos artigos 240.º e 241º do CC. Erro, em Direito, é um vício no processo de formação da vontade, em forma de noção falsa ou imperfeita sobre alguma coisa ou alguma pessoa. É uma noção mais restrita da do erro em geral que é um estado de apartamento, desfasamento ou desconhecimento da realidade.
No contraponto com o regime do erro do Código pré-vigente nem sequer se coloca a questão da cognoscibilidade da essencialidade sobre o elemento em que incidiu o erro ou, tal como agora se impõe, do próprio erro, numa aproximação à tutela da confiança e da estabilidade negocial, pois, como já se disse, o declarante bem sabia que a fracção arrendada se destinava a fins habitacionais. Não há aí qualquer desconformidade entre a realidade, a percepção da realidade e a possibilidade de uma formação da vontade negocial em termos de conformidade com essa realidade, seja ao nível da formação da vontade perceptiva, da vontade negocial, ou da exteriorização dessa vontade.
Isto é, em termos simples, se o A., sabendo que tal fracção era para fins habitacionais, celebra um contrato para fins comerciais, sibi imputat.
    
    4. Não havendo lugar à invocação do erro, vem agora invocar a nulidade do contrato, argumentando que se o objecto ou fim do contrato forem contrários à lei, o contrato será nulo, apoiando-se, para tanto, nos artigos 273º, 274º e 395º do CC.
    Ainda aqui não lhe assiste razão.
    Desde logo se poderá colocar a questão da validade desta arguição – não obstante o regime da nulidade arguível a todo o tempo e de conhecimento oficioso -, na medida em que se questione a invocação de um vício, independentemente do momento processual em que é feito, que raia a violação da boa-fé numa emanação da proibição do venire contra factum proprium e, no caso subjudice, se reconduz à seguinte perplexidade: o A. celebra um contrato, sabendo, à partida, ou devendo saber da nulidade que o invalida e pretende dele tirar proveito; como não logra os seus intentos, então, vem dizer que esse mesmo contrato é nulo. Há aqui qualquer coisa que nos diz que esta conduta não pode ser tolerada pela ordem jurídica, servindo o negócio nulo ou deixando de servir a belo talante dos interesses conjunturais das partes, se apenas é uma delas a responsável pela causa de nulidade e esta apenas a ela aproveita.
    
    5. Contrariedade à lei
    Mas deixemos de parte esta abordagem, por si só naturalmente complexa e de não fácil dilucidação, em vista dos interesses que se contrapõem e debrucemo-nos sobre a invalidade que se pretende atingir o contrato celebrado.
    Não é qualquer contrariedade ou desconformidade com a lei que gera a nulidade do contrato.
O requisito da contrariedade à lei não é fácil de precisar.
O que é um negócio contrário à lei? Quando, em determinado negócio, se inobservam determinadas regras de carácter imperativo, se ignoram os requisitos de que a lei faz depender a validade do negócio, se não se actua, acatando os elementos essenciais ou acessórios do contrato, não se adoptam determinados procedimentos, formalidades, se não cumprem determinadas imposições, omissões ou abstenções, que acompanham aquele negócio em concreto, o negócio é nulo, por contrário à lei?
Será que o âmbito da contrariedade à lei aqui previsto se reconduz à previsão do artigo 287.º - “Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei” ?
A doutrina actual, sem embargo de algum avanço aqui e ali, não se desprende da elaboração teorizada por Vaz Serra (para onde nos remete Rui de Alarcão, em sede de Trabalhos Preparatórios do CC de 66 e Manuel de Andrade. Atentemos, assim, no que nos diz, sobre o assunto, este último Autor, ainda que sob a égide do Código de Seabra:

   “Como saber, porém, se uma proibição legal é estabelecida sob pena de nulidade dos negócios que a contravenham?
   Responde-nos fundamentalmente o art. 10.º [Código de Seabra]. Lá se determina que «Os actos praticados contra a disposição da lei, quer esta seja proibitiva, quer preceptiva, envolvem nulidade, salvo nos casos em que a mesma lei ordenar o contrário; acrescentando depois o § ún. que esta nulidade pode, contudo, sanar-se pelo consentimento dos interessados, se a lei infringida não for de interesse e ordem públicas».
   Deixando agora de parte a distinção entre as leis de interesse público e as de interesse particular, temos pois que a regra geral é a nulidade dos negócios realizados em contrário de qualquer proibição legal. Uma regra, todavia, que comporta excepções. O próprio art. 10.0 ressalva a possibilidade de a lei estatuir diversamente. Ora a este propósito convém notar que não é indispensável ser a lei explicita no sentido de proscrever a nulidade. Basta que dos respectivos termos ou de quaisquer outros factores atendíveis na sua interpretação se possa concluir com suficiente probabilidade ter sido esse o intuito da lei. Nesta ordem de ideias, é claro que reveste particular importância a consideração dos interesses em presença e do escopo presumìvelmente visado pelo legislador. Se, postas as coisas neste plano, a nulidade do negócio se mostrar sanção pouco adequada, até sòmente por aí deverá julgar-se excluída. Os negócios contrários a uma proibição legal poderão portanto deixar de ser nulos, mesmo sem texto que assim o declare.
   (…) Tal será o caso, v. g., dos negócios realizados em contravenção das disposições legais que proíbem a mendicidade, ou as relativas ao descanso semanal, ou às horas em que devem fechar os estabelecimentos, ou ainda ao horário de trabalho - só quanto a este último exemplo, se podendo, talvez, suscitar algumas dúvidas. Ninguém pretenderá, com efeito, que sejam nulas as esmolas dadas a um mendigo, podendo como tais ser repetidas por quem as deu, ou que sejam nulas as vendas feitas numa loja em dia ou hora em que ela por lei devesse estar encerrada. E também não parece que o operário que tenha trabalhado além das horas legais esteja impedido de reclamar o salário estipulado ou tenha de restituir o salário recebido.
   Serão nulos, porém (…), os respectivos contratos -promessas, podendo qualquer das partes recusar-se a cumpri-los; e também certamente o operário não será obrigado a trabalhar fora das horas regulamentares, mesmo que a isso se tenha comprometido.
   (…)”1
   
Oliveira Ascensão parece reconduzir a impossibilidade ao objecto proibido e, portanto, expurgável; mas, se imposto, acarretará a nulidade e considera que, na interpretação a fazer, se deve ter em conta o disposto nas duas normas, a partir da constatação de Larenz, que, perante artigo semelhante do ordenamento alemão, o considera “pouco expressivo” e cujo sentido só se apura mediante interpretação. Donde lhe parecer que a restrição do art. 287.º é aplicável aos casos previstos no art. 273.º Haverá nulidade, quando outra solução não resulte da lei e a cominação de nulidade “só é pois útil nos casos em que a interpretação da disposição injuntiva não permite concluir algo diverso, como sanção para a violação dessa disposição.”2
Se o acto é desconforme à lei, assinala, por sua vez, Mota Pinto, nos termos do artigo 287.º do C. Civil será nulo se outra solução não decorrer da lei e se o fundamento teleológico do estabelecimento dessa invalidade radica ainda em motivos de interesse público predominante - como ocorrerá em situações de salvaguarda dos direitos de personalidade, do património arquitectónico, paisagístico e cultural, de saúde pública, regras de funcionamento do mercado, em geral em todas as matérias inderrogáveis e subtraídas à vontade e disponibilidade das partes. 3

     6. Convém citar os preceitos donde decorrerá a invocada nulidade. E ainda o artigo 287.º, que aparenta regular sobre uma realidade semelhante à prevista no n.º 1 do artigo 273.º, na parte em que estatui sobre o objecto do negócio contrário à lei.

Dispõem tais normas:
“Artigo 273.º
(Requisitos do objecto negocial)
1. É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”.

“Artigo 274.º
(Fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes)
Se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes”.

“Artigo 287.º
(Negócios celebrados contra a lei)
Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”.

“Artigo 395.º
(Impossibilidade originária da prestação)
1. A impossibilidade originária da prestação produz a nulidade do negócio jurídico.
2. O negócio é, porém, válido, se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível, ou se, estando o negócio dependente de condição suspensiva ou de termo inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou até ao vencimento do termo.
3. Só se considera impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto, e não apenas em relação à pessoa do devedor”.

7. Visto que os artigos 273.º e 395.º se referem ao objecto do negócio jurídico e o artigo 274.º ao fim do negócio jurídico, comecemos por definir e caracterizar estes elementos do negócio.
Seguimos a abordagem já ensaiada nos Acs. do TUI, Proc. n.º 44/2015 e 406/2014, deste TSI.
    Como se discorre naquele acórdão do TUI:
    “ … Objecto jurídico é o mesmo que conteúdo ou substância do negócio, sendo o seu objecto material o bem, a coisa ou a prestação, de cuja fruição o negócio em última análise se ocupa.
    … O artigo 273º do Código Civil engloba as duas realidades, também designadas, respectivamente, por objecto imediato e objecto mediato.
Causa do negócio é o interesse prosseguido pelo negócio jurídico, sendo que o interesse indirecto é considerado pela lei subjectivamente, sob a figura do fim do negócio jurídico no artigo 281.º do Código Civil de 1966.4
ELSA VAZ DE SEQUEIRA4, sobre causa, motivos e fim, diz:
    … “O fim do negócio traduz a finalidade económico-social que as partes pretendem alcançar com a sua celebração, não se confundindo, deste modo, nem com os motivos, nem com a causa do negócio. Os motivos são as circunstâncias que levam ao surgimento da vontade, portanto, o “elemento subjectivo que antecede o negócio” (Carvalho Fernandes, 2010: 381). O que significa que os motivos respondem à pergunta sobre o porquê de as partes quererem contratar, enquanto o fim dá resposta à questão sobre o para quê querem as partes contratar. A causa por seu turno, consubstanciando a função económico-social típica do negócio juridicamente reconhecida, explica a opção das partes pelo modelo negocial concretamente escolhido. Assim, por exemplo, se uma pessoa ganha a lotaria e utiliza parte desse dinheiro para comprar uma casa e aí instalar um orfanato, poderá dizer-se que o motivo é a disponibilidade financeira derivada do prémio da lotaria, a causa é a transmissão da propriedade e o fim a criação de um orfanato”.5
… Há uma relação directa entre os artigos 273.º, n.º 1 e 395.º do Código Civil, pois se referem ambos os preceitos à impossibilidade física e legal do objecto do negócio, cominando-a com a nulidade deste negócio.
Já não assim quanto ao artigo 274.º que apenas se refere ao fim do negócio.
Também existe uma relação entre os artigos 273.º, n.º 1 e 287.º, na parte em que o primeiro dispõe sobre o objecto do negócio contrário à lei, sancionado também com a nulidade, por outra via, pelo segundo destes artigos.
Comecemos por examinar o artigo 273.º, n.º 1, onde se comina com a nulidade, entre outras situações, o negócio jurídico cujo objecto seja legalmente impossível ou contrário à lei.
… Explica ELSA VAZ DE SEQUEIRA56 que «Não é fácil separar estes conceitos, questionando-se amiúde sobre a própria relevância desta distinção, tanto mais que o efeito resultante de qualquer um destes vícios gera sempre e de forma indistinta a nulidade do negócio. Acreditando, no entanto, que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, como preceitua o artigo 9.º, a doutrina tem tentado encontrar um critério que permita proceder à presente distinção. É assim que surge a ideia de que a impossibilidade legal pressupõe um “objecto jurídico que, independentemente de quaisquer regras, sempre seria inviável” (Menezes Cordeiro, 2014: 556), por lei erguer “a esse objecto um obstáculo tão insuperável como o que as leis da natureza põem aos fenómenos fisicamente impossíveis” (C. Mota Pinto, 2012: 556). Um obstáculo desta índole existe, designadamente, “quando a ordem jurídica não prevê tipos negociais ou meios para” a realização do objecto “ou quando não o admite sequer em relações jurídicas privadas”, como acontece, por exemplo, na promessa da celebração de um negócio que a ordem legal proíbe ou no acordo uma prestação legalmente impossível de efectuar, nomeadamente, a transferência da propriedade para quem já é proprietário (Heinrich Hörster, 2000: 523). Diferentemente, “será contrário à lei (ilícito) o objecto quando viola uma disposição da lei, isto é, quando a lei não permite uma combinação negocial com aqueles efeitos (objecto imediato) ou sobre aquele objecto mediato” (C. Mota Pinto, 2012: 557). Neste caso, “o negócio é materialmente possível”, mas contradiz normas imperativas (Heinrich Hörster, 2000: 523). Numa palavra, na impossibilidade legal, o ato é de todo inviável, por a lei obviar à sua prática, ao passo que na contrariedade à lei, o ordenamento jurídico não tem como impedir a prática do ato proibido. Este pode ser efectivamente realizado, embora em violação de uma norma injuntiva».
… Por outro lado, como vimos, o artigo 274.º sanciona também com a nulidade o negócio jurídico cujo fim for contrário à lei, mas apenas quando o fim for comum a ambas as partes.
… Acentua HEINRICH EWALD HÖRSTER67que “O fim do negócio ou os motivos que lhe subjazem em geral não têm – como elementos meramente subjectivos – relevância jurídica (p. ex., o erro sobre os motivos é em regra juridicamente irrelevante). Mas já não é assim quando ambas as partes contratarem por motivos ilícitos ou imorais para obter deste maneira um fim negocial desaprovado pela ordem jurídica”.
… Ensina A. MENEZES CORDEIRO78, interpretando a norma do Código Civil de 1966, correspondente ao artigo 274.º do Código Civil de Macau, que “…não se exige que o fim último de negócio seja ativamente procurado por ambas as partes; basta que se trate de o fim de uma delas, expressa ou implicitamente conhecido pela outra, na contratação. A pessoa que venda uma arma nada tem a ver com o uso ulterior da mesma; mas deve recusar o negócio se souber que, com ela, o adquirente pretende perpetrar um roubo”.
HEINRICH EWALD HÖRSTER9exemplifica alguns negócios cujo fim é contrário à lei: “…contratos entre credor e devedor destinados a prejudicar outros credores; a colusão entre o representante e a outra parte do negócio que visa prejudicar o representado; instituições testamentárias para compensar relações extra-matrimoniais; contratos de arrendamento (ou de compra e venda) com o fim de montar um bordel ou um centro de distribuição ou consumo de drogas; contratos concluídos sob o aproveitamento de uma certa pré-disposição emocional, criada para o efeito com fins comerciais; etc.”.


8. Feito o devido enquadramento legal e doutrinário, resta descer ao concreto.
Somos a considerar que a nulidade virtual dos artigos 273.º e 287º do CC só ocorrerá quando outra solução não resultar da lei, devidamente interpretada.
No caso sub judice, da economia do regime da propriedade horizontal e do regime dos regulamentos dos imóveis, se, por um lado, não se vê que o fim habitacional ou comercial não possa deixar de poder ser alterado, mediante as respectivas autorizações e procedimentos, se é configurável a possibilidade de as partes afectarem o fim do arrendado ao fim previamente autorizado, ou seja, no caso, o habitacional (como, aliás, se refere na douta sentença ora recorrida), se, sempre, na impossibilidade do gozo da coisa, restará a possibilidade de eventual resolução do negócio, por outro lado, importa não desfocar a finalidade daquele contrato em concreto e já não de um qualquer outro em que possa ser transformado, havendo que conjugar as diferentes normas que disciplinam a afectação e utilização dos prédios urbanos e as razões e interesses subjacentes que se visam tutelar por via dessa regulamentação.
9. Propriedade horizontal. Finalidade da utilização de edifício
A especificação do fim ou fins a que se destinam os prédios urbanos em regime de propriedade horizontal é feita nos respectivos títulos constitutivos ou regulamentos do condomínio [artigo 4.º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 6/99/M, de 17 de Dezembro].
A utilização de prédios urbanos, suas partes ou fracções deve respeitar o fim ou fins constantes das respectivas licenças de utilização (artigo 5.º da mesma Lei).

Estatui o artigo 7.º da referida Lei n.º 6/99/M:
“Artigo 7.º
(Utilização diversa da destinada)
1. É proibida qualquer utilização indevida de prédio urbano.
2. Consideram-se indevidamente utilizados um prédio urbano, sua parte ou fracção, sempre que o respectivo proprietário, concessionário por aforamento, arrendamento ou concessão gratuita, ocupante por licença, superficiário, enfiteuta, usufrutuário, usuário ou morador usuário, condómino, arrendatário, sub-arrendatário, comodatário, cessionário de posição contratual, cessionário de exploração ou transmissário de empresa comercial ou de estabelecimento industrial, ou legítimo possuidor:
a) Os afectar, jurídica ou materialmente, na sua forma ou substância, a fim ou fins diversos daquele ou daqueles a que se destinam, nos termos dos artigos anteriores ou, quando exigível por lei, do licenciamento administrativo da actividade aí exercida;
b) Consentir que terceiros os afectem, utilizem ou gozem, nos termos previstos na alínea anterior;
c) Os utilizarem ou gozarem, ou consentirem que terceiros os utilizem ou gozem, em violação do disposto no Capítulo seguinte.
3. Consideram-se terceiros apenas os detentores ou possuidores precários; não é terceiro quem adquira a posse, por inversão do respectivo título, de má fé ou com violência”.

Compete à Direcção de Solos, Obras Públicas e Transportes, fiscalizar o cumprimento do disposto nos mencionados preceitos, sem prejuízo, tratando-se de situações previstas no artigo 12.º, do disposto no n.º 3 do artigo 51.º do Regulamento Geral da Construção Urbana (artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 6/99/M).
E estabelece o artigo 9.º da mesma Lei:
“Artigo 9.º
(Procedimento)
1. Por cada infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 7.º é lavrado o respectivo auto pela DSSOPT, o qual é objecto de notificação ao infractor no prazo de 8 dias, com indicação expressa das normas legais violadas.
2. No mesmo prazo, e não sendo a situação passível de legalização, o director da DSSOPT ordena ao infractor que cesse, imediatamente, a utilização indevida.
3. Se a situação for passível de legalização, é fixado prazo para o infractor apresentar, querendo, um plano das medidas que se propõe adoptar com vista à referida legalização.
4 . Na falta de apresentação, no prazo fixado, do plano previsto no número anterior, no caso da sua não aprovação ou, ainda, em caso de incumprimento das medidas constantes de plano aprovado, dentro do prazo e nas condições nele definidas, o director da DSSOPT, se a utilização indevida se mantiver, adopta as providências necessárias para fazer cessar essa utilização”.

Acresce que a constituição de propriedade horizontal só pode ser registada definitivamente após emissão da licença de utilização [artigos 43.º, n.ºs 5 e 6 e 86.º, n.º 1, alínea b) do Código do Registo Predial].
Face às normas citadas, não será difícil concluir que é proibido instalar uma actividade comercial em prédio destinado a habitação, cabendo à Administração impedir tal utilização.

10. Será o contrato nulo?
Neste condicionalismo legal, resta saber qual a consequência da celebração de contrato de arrendamento para finalidade diversa da permitida legalmente para o uso do edifício.
Será o contrato nulo, por o fim do negócio ser contrário à lei, nos termos do artigo 274.º do Código Civil, bem como por ser impossível originariamente a prestação, face ao disposto no artigo 395.º, n.º 1, do Código Civil?
Perante tudo quanto acima se disse, somos a considerar, não obstante, noutros meridianos, alguma Jurisprudência Comparada ir em sentido divergente,10 aderimos à posição que sustenta que a falta de licença de utilização e de título constitutivo da propriedade horizontal para o exercício da actividade comercial gera a nulidade do contrato de arrendamento comercial, na medida em que implica uma impossibilidade originária da prestação, sendo a mesma objectiva, absoluta e essencial (não versando sobre aspectos incidentais da prestação), nulidade esta que é do conhecimento oficioso do Tribunal.
Ademais, não há elementos nos autos que demonstrem ainda a possibilidade de conformação do contrato às exigências legais, em tempo e utilidade razoáveis. Ou sequer que seja intento de qualquer das partes encetar e desenvolver tal iniciativa para a conformar com as exigências legais.
Seja em vista dos motivos do negócio, do fim do negócio perspectivado, seja em vista da causa, consubstanciadora da função económico-social típica do negócio juridicamente reconhecido, aquele contrato, tal como delineado, não é passível de poder ser executado em conformidade com as regras que regulam a actividade permitida no arrendado, sobrelevando os interesses de ordem pública subjacentes a essa regulação.
A considerar-se uma conformação de utilização da fracção àquilo que é consentido, como se salientou, não deixaríamos de estar perante um contrato diferente e ficamos sem saber se a conjecturada vontade das partes, no caso de terem previsto essa invalidade, iria no sentido da sustentação de uma qualquer conversão do negócio, abstractamente possível nos termos do artigo 286º do CC.
11. Ainda a propósito do venire contra factum proprium
Posto isto, voltamos agora àquela questão que deixámos em aberto e se prende com uma eventual inalegabilidade de uma nulidade por quem dela tirou proveito, situação eventualmente enquadrável como de abuso do direito.
Se atentarmos bem na matéria de facto que vem provada, logo se afasta essa possibilidade, na medida em que a situação de impossibilidade e contrariedade à lei, prefigurando uma situação de impossibilidade da prestação, não deixou de ser prevista e ponderada por ambas as partes aquando da celebração do contrato. Na verdade, o senhorio não deixa de chamar a atenção ao candidato a inquilino que a coisa se destina a uma finalidade habitacional.
Por outro lado, ambas as partes, não obstante essa contrariedade à lei, levam por diante o contrato e tiram dele proveito. O inquilino, passando a fazer uso da coisa e obras de adaptação, o senhorio, recebendo as rendas. Há aqui uma relação sinalagmática de benefícios e vantagens entre os contratantes, durante o período em que, não obstante a nulidade do contrato, ele não deixou produzir efeitos, efeitos estes que já não é possível fazer reverter.
Acresce que a nulidade que decorre da continuação de execução do contrato atinge interesses superiores de ordem, segurança, ordenamento, técnica, arquitectónica, ou outros, que não se confinam aos meros interesses dos particulares contratantes, o que conduz a que não se paralise a activação da invalidade em presença.

12. Consequências…
Decretando-se a nulidade do contrato, haverá, lugar à repristinação das coisas no estado anterior ao negócio, restituindo-se tudo o que tiver sido prestado e, se a restituição em espécie não for possível, o seu correspondente valor – cfr. art. 282º, .º 1 do CC
Em face do sinalagma das prestações, deve o inquilino pagar a parte objectivamente correspondente à utilização que fez do prédio, pelo que se entende não haver lugar à restituição da comissão e rendas pagas, em vista do serviço que foi efectivamente pedido pelo recorrente, prestado pelo agente e pelas utilidades e gozo da coisa desfrutado, não mais sendo possível apagar essa realidade passada.
Quanto às pretensas benfeitorias, foram as obras feitas em função dos interesses do A.. não se comprovando que os RR. delas tirem proveito, pelo que se entende não haver lugar ao seu ressarcimento. Na verdade, não se concretizam as obras de decoração, pelo que ficamos sem saber se se trata de benfeitorias necessárias, úteis ou voluptuárias.
   De qualquer modo, mesmo no pressuposto, de que estivesse de boa fé, na medida em que pensava, ao fazer as obras, que não lesava o direito de outrem - cfr. art. 1184.º, n.º 1, “ex vi” art. 282.º, n.º 3, ambos do CC -, não deixará o recorrente de poder levantar o que o possa ser sem detrimento da coisa - cfr. art. 1198.º/1 e 1200.º do CC -, não havendo elementos que consintam uma condenação no pagamento por benfeitorias necessárias, por falta de concretização da natureza das obras. Não sem que se reconheça que, se fez as obras, as fez porque quis, bem sabendo que não podia afectar o arrendado ao fim a que se destinavam as obras.
Nesta conformidade se decidirá, no sentido da revogação do decidido, declarando-se a nulidade do contrato, sem restituição do prestado em vista dos contra-benefícios do que foi prestado.
    
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, e, revogando a decisão recorrida, declara-se a nulidade do contrato celebrado, devendo ser entregue a fracção aos seus proprietários, com levantamento do que o possa ser sem detrimento da coisa, no mais se julgando improcedente o pedido de restituição do que foi pago em execução do contrato ora declarado nulo.
Custas pelo recorrente e recorridos, na proporção dos decaimentos.
Macau, 30 de Junho de 2016,
João A.G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho


1 - Manuel de Andrade, TGRJ, 1972, II, 372 e segs
2 - Direito Civil, Teoria Geral, II, Coimbra Editora, 1999, 280
3 - cfr. Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 4ª ed., 2005, 610

4 - Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, II Volume, 1995, p. 272 a 274.
5 - ELSA VAZ DE SEQUEIRA, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Coordenação de L. Carvalho Fernandes e J. Brandão Proença, anotação ao artigo 280.º, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2014, p. 691
6 - Comentário…, anotação ao artigo 280.º, p. 691.
7 - HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Almedina, 1992, p. 523.
8 -A. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, Negócio Jurídico, Coimbra, Almedina, 4.ª edição, 2014, p. 572 e 573.
9 - HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte …, p. 526.
10 - cfr. Ac. do STJ, de 29/9/2009, Proc. n.º 1788/07.3TVLSB.S1; Ac. do STJ, de 30/6/2011, Proc. n.º 734/06.6TBA; Ac. do STJ, de 24/5/2012, Proc. n.º 1183/08.7TBLGS.E1.S1
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