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Processo n.º 260/2015 Data do acórdão: 2016-6-30 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– contravenção estradal
– art.º 132.º, n.º 2, da Lei do Trânsito Rodoviário
– dados oficiais de registos de entrada/saída de Macau
– ausência de Macau
– impossibilidade da prática da contravenção

S U M Á R I O

Sendo de considerar suficientemente provado em juízo, com base nos dados oficiais de registos de entrada/saída do arguido de Macau, que este não estava em Macau na data da acusada prática, aqui, de uma contravenção estradal, não se pode condená-lo com aplicação da norma do n.º 2 do art.º 132.º da Lei do Trânsito Rodoviário, devendo o mesmo ser absolvido, por não lhe ser possível cometer tal contravenção naquele dia.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 260/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 29v a 30v do Processo Contravencional n.° CR4-14-0858-PCT do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, condenatória do arguido A em mil e duzentas patacas de multa, convertível em dez dias de prisão, pela prática de uma contravenção (por desrespeito pela luz vermelha) p. e p. pelo art.º 99.º, n.º 1, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio (Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), conjugado com o disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 12.º do respectivo Regulamento, veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a invalidação dessa decisão condenatória com base na opinada existência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), alegando, para o efeito, que mostrando os dados constantes dos autos que o arguido, à data da ocorrência dos factos imputados, não estava em Macau, o mesmo não podia ter cometido a dita contravenção estradal, pelo que deveria ter sido absolvido, na esteira, aliás, da posição jurídica veiculada no acórdão do Processo n.º 131/2011 do TSI (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 31 a 34v dos presentes autos correspondentes).
Sobre o recurso, disse o arguido não se opor à revogação da decisão recorrida (cfr. a resposta de fls. 36 a 38).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 47 a 48v), pugnando pela procedência do recurso, com abolvição contravencional directa do arguido.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que:
– o Tribunal a quo considerou provado na sentença ora recorrida que em 30 de Julho de 2014, cerca das 13:56 horas, o veículo automóvel ligeiro de chapa de matrícula n.º MP-34-25, cujo proprietário era o arguido A, não acatou, numa via pública em Macau, a obrigação de parar imposta pela luz vermelha, tendo esse Tribunal sentenciador afirmado que a sua livre convicção sobre os factos foi formada após feita a análise dos elementos dos autos (cfr. o teor da sentença concretamente a fl. 30 dos autos);
– antes da realização da audiência de julgamento, o mesmo Tribunal chegou, sob promoção do Ministério Público, a mandar oficiar aos Serviços de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau (CPSP), para solicitar o fornecimento de dados sobre os registos das últimas dez entradas/saídas do arguido (cfr. a douta promoção de fl. 15, o despacho judicial de fl. 16 e o ofício a que se refere a fl. 18), tendo o CPSP respondido por escrito, com envio dos registos fronteiriços de últimas dez entradas/saídas de Macau do arguido, segundo os quais o arguido saiu de Macau em 5 de Março de 2012, e não houve, a partir daí, mais registo de entrada em Macau até 4 de Dezembro de 2014 (cfr. o teor do ofício de resposta de fl. 19 e os dados constantes de fls. 20 a 22);
– no início da audiência de julgamento, a Digna Delegada do Procurador procedeu à leitura do teor de Notificação policial n.º N002596/2014 (de fl. 9 dos autos), para imputar ao arguido a prática de uma contravenção p. e p. pelo art.º 99.º, n.º 1, da LTR, conjugado com o disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 12.º do respectivo Regulamento (cfr. o teor da acta da audiência de julgamento de fls. 29 e seguintes);
– de acordo com os factos descritos nessa Notificação policial, o infractor A, ao conduzir o veículo automóvel ligeiro de chapa de matrícula n.º MP-XX-XX numa via pública em Macau, não acatou a luz vermelha, às 13:56 horas do dia 30 de Julho de 2014 (cfr. o teor de fl. 9);
– da parte final dessa Notificação policial, consta que “O infractor foi notificado no prazo de 15 dias para o pagamento da referida multa, a partir do momento da presente notificação, caso negativo, será remetido ao Tribunal competente para os devidos efeitos. No caso de pagamento voluntário. É pago no montante mínimo.”;
– o Departamento de Trânsito do CPSP procedeu a essa notificação do arguido como proprietário do veículo automóvel em questão, por via de carta registada enviada ao endereço do arguido constante dos dados existentes no arquivo (cfr. o teor de fls. 4 a 5 e 7), não tendo o arguido feito o pagamento da multa no prazo indicado (cfr. o teor de fl. 2);
– como não foi possível notificar o arguido para comparecer na audiência de julgamento, ele foi representado pelo seu Ex.mo Defensor Oficioso na audiência (cfr. o teor da acta da audiência de fls. 29 e seguintes).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
É de notar, de antemão, que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, embora a Digna Delegada do Procurador invoque, na motivação do recurso, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude o art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP, o cerne da sua argumentação também está na questão da apreciação da prova, pois alega que mostrando os dados constantes dos autos que o arguido, à data da ocorrência dos factos imputados, não estava em Macau, o mesmo não podia ter cometido a infracção estradal em causa.
Ante os elementos acima coligidos dos autos, é patente que o Tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação da prova (como vício propriamente previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do CPP), ao desconsiderar os dados concretos fornecidos pelo CPSP em resposta oficial ao pedido de informação sobre as últimas dez entradas/saídas do arguido de Macau, então formulado pelo próprio Tribunal sentenciador sob douta promoção do Ministério Público.
Como a entrada/saída do arguido de Macau pode ser comprovada cabalmente através desses dados concretos então fornecidos pelo CPSP em resposta oficial ao Tribunal a quo, não é de ordenar agora o reenvio do processo para novo julgamento, pois é possível ao presente Tribunal ad quem decidir directamente da causa.
Assim, com base nos mesmos dados concretos sobre os registos de últimas dez entradas/saídas do arguido de Macau, passa-se a considerar suficientemente provado que o arguido não estava em Macau no dia 30 de Julho de 2014 (data da prática da imputada infracção estradal).
Perante este facto ora dado como provado nesta lide recursória, é de absolver directamente o arguido da acusada contravenção, sendo de frisar que apesar de o art.º 132.º da LTR dispor que <<1. Quando o agente de autoridade não puder identificar o autor da contravenção, deve ser notificado o proprietário, o adquirente com reserva de propriedade, o usufrutuário ou aquele que, a qualquer título, tenha a posse efectiva do veículo para, no prazo de 15 dias, proceder a essa identificação ou efectuar o pagamento voluntário da multa.// 2. O notificado que, no prazo indicado, não proceder à identificação nem provar a utilização abusiva do veículo é considerado responsável pela contravenção>>, não se pode pegar na norma do n.º 2 deste artigo para condenar o arguido pela prática da acima dita contravenção estradal, visto que no caso concreto dos autos, já está considerado provado judicialmente que o arguido não estava em Macau no dia da acusada prática da mesma contravenção, pelo que ele não pode ter cometido essa contravenção, daí que tem que ser absolvido (neste sentido, cfr. também a posição jurídica veiculada no acórdão de 16 de Dezembro de 2013, do Processo n.º 131/2011 deste TSI, acerca do sentido e alcance do art.º 132.º da LTR).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, absolvendo directamente o arguido A da imputada contravenção p. e p. conjugadamente pelo art.º 99.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário e pelo art.º 12.º, n.º 2, alínea a), do respectivo Regulamento.
Sem custas nas Primeira e Segunda Instâncias, tendo, entretanto, o Ex.mo Defensor Oficioso do arguido direito a receber, ao total, mil e quinhentas patacas de honorários (oitocentas patacas das quais foram já arbitradas na sentença recorrida, e as restantes setecentas patacas são agora fixadas na presente lide recursória), a cargo do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 30 de Junho de 2016.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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