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Processo n.º 512/2016 Data do acórdão: 2016-7-21 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– crime de reentrada ilegal
– julgamento na ausência do arguido
– desconhecimento pessoal da sentença
– interrogatório em inquérito
– Ministério Público
– revogação da suspensão da pena
– prática de novo crime
– art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal
S U M Á R I O
1. Nos presentes autos, o arguido foi julgado em primeira instância na sua ausência, tal como foi consentido por ele próprio. E como chegou ele, aquando do interrogatório pelo Ministério Público em sede do inquérito, a admitir a prática do crime de reentrada ilegal, e a consentir a leitura dessas declarações na vindoura audiência de julgamento, ele devia, ao prestar consentimento da realização da audiência na sua ausência, ter contado com a condenação no crime em questão, pelo que mesmo que ele não tenha vindo a conhecer pessoalmente dos termos concretos da decisão judicial condenatória deste crime, ao tribunal é possível decidir da revogação da suspensão da pena de prisão então decretada na sentença condenatória.
2. Como o arguido, durante o período da suspensão da pena, não só voltou a cometer um novo crime pelo qual veio a ser condenado num outro processo, como também o cometeu como um crime doloso, que até é igual ao tipo legal de reentrada ilegal pelo qual tinha sido condenado nos presentes autos, essa situação já revela que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena, sobretudo na vertente de prevenção especial, não puderam, por meio dela, ser alcançadas, pelo que há que revogar directamente a suspensão da pena nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 512/2016
(Recurso em processo penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o despacho judicial proferido em 18 de Maio de 2016 a fls. 120 a 121 dos autos de Processo Comum Singular n.o CR1-15-0484-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que prorrogou por um ano a suspensão, inicialmente decretada pelo período de dois anos e seis meses, da execução da pena de cinco meses de prisão do crime de reentrada ilegal do arguido A, veio a Digna Delegada do Procurador recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação desse despacho judicial, com consequente execução imediata da prisão, alegando, para o efeito, e na sua essência, que a decisão recorrida violou os art.os 54.º, n.º 1, alínea b), e 53.º, alínea d), do Código Penal (CP) (cfr. o teor da motivação, apresentada a fls. 126 a 128v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o arguido (a fls. 140 a 142) no sentido de manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 150 a 151), pugnando pelo provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença de 16 de Fevereiro de 2015 do Processo Comum Singular n.º CR2-14-0509-PCS do TJB, transitada em julgado em 16 de Março de 2015, o arguido ora recorrido, então julgado aí na sua ausência tal como consentido por ele próprio, depois de ter admitido a prática dos factos em questão em sede do interrogatório pelo Ministério Público durante a fase de inquérito, ficou condenado como autor material de um crime, consumado em 15 de Agosto de 2012, de apropriação ilegítima de coisa achada, p. e p. pelo art.º 200.º, n.os 2 e 1, do CP, com circunstância cominada pelo art.º 22.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto (por se tratar de um imigrante clandestino aquando da prática deste delito), na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, (cfr. o teor certificado dessa sentença, a que aludem as fls. 65 a 71 dos presentes autos correspondentes);
– No Processo Comum Singular n.º CR1-15-0484-PCS do TJB, subjacentes à presente lide recursória, o arguido ora recorrido, aquando do interrogatório pelo Ministério Público na fase do inquérito, admitiu materialmente ter entrado clandestinamente em Macau, no período da sua interdição de reentrada em Macau, declarações dele essas (registadas a fls. 44 a 44v) que vieram a ser lidas, com o seu consentimento escrito prestado em 6 de Julho de 2015 (a fl. 48), na audiência de julgamento realizada em 10 de Dezembro de 2015 na ausência dele (como tal também consentido a fl. 48) com presença do seu Ex.mo Defensor Oficioso; e por sentença proferida neste processo em 7 de Janeiro de 2016 (a fls. 74 a 76v), com trânsito em julgado em 27 de Janeiro de 2016 (cfr. a nota lançada a fl. 81), ficou o mesmo arguido condenado como autor material de um crime, consumado em Junho de 2015, de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.º 21.º da Lei n.º 6/2004, na pena de cinco meses de prisão, suspensa na execução por dois anos e seis meses;
– Em 12 de Abril de 2016, foi junta aos presentes autos (a fls. 89 e seguintes) a certidão da sentença de 10 de Março de 2016 do Processo Sumário n.º CR2-16-0038-PSM do TJB (com respectivo texto disponibilizado a partir de 14 de Março de 2016), transitada em julgado em 7 de Abril de 2016, segundo cujo teor o arguido ora recorrido ficou condenado como autor material de um crime, consumado em 7 de Março de 2016, de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.º 21.º da Lei n.º 6/2004, na pena de cinco meses de prisão efectiva;
– Em face dessa nova condenação penal do arguido, a M.ma Juíza titular dos presentes autos n.º CR1-15-0484-PCS em primeira instância procedeu à audição do arguido em 5 de Maio de 2016, em sede da qual este declarou que como não chegou a comparecer na audiência de julgamento do presente processo, mas sim se submeteu à investigação pelo Ministério Público por causa deste processo, não ficou ciente do conteúdo da sentença proferida no processo (cfr. o auto da audição lavrado a fls. 117 a 118);
– Após essa audição, a M.ma Juíza, em 18 de Maio de 2016, acabou por decidir (ao considerar o verdadeiro desconhecimento do arguido do teor da sentença condenatória) em prorrogar por um ano, nos citados termos do art.º 53.º, alínea d), do CP, a suspensão da execução da pena de cinco meses de prisão anteriormente imposta ao arguido (cfr. o teor deste despacho, constante de fls. 120 a 121 dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso dos autos, o arguido ora recorrido foi então julgado na sua ausência, tal como foi consentido por escrito (a fls. 48) por ele próprio. Assim sendo, ele já ficou representado para todos os efeitos possíveis pelo seu Ex.mo Defensor na audiência de julgamento em primeira instância (art.º 315.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal).
E como chegou ele, aquando do interrogatório pelo Ministério Público em sede do inquérito, a admitir materialmente a prática do crime de reentrada ilegal em Macau, e a consentir a leitura dessas declarações na vindoura audiência de julgamento, ele devia, ao prestar consentimento escrito da realização da audiência na sua ausência, ter contado com a condenação no crime em questão, pelo que mesmo que ele não tenha vindo a conhecer pessoalmente dos termos concretos da decisão judicial condenatória deste crime, ao presente Tribunal de recurso é possível ainda decidir da questão da revogação ou não da suspensão da pena de prisão, posta na motivação do recurso do Ministério Público.
Pois bem, ante os elementos fácticos acima coligidos dos autos, vê-se que o arguido ora recorrido, durante a plena vigência do período da suspensão da pena de prisão imposta nos presentes autos penais, não só voltou a cometer um novo crime pelo qual veio a ser condenado no Processo Sumário n.º CR2-16-0038-PSM do TJB, como também o cometeu como um crime doloso, que até é igual ao tipo legal de crime de reentrada ilegal pelo qual tinha sido já condenado nos presentes autos, pelo que é entendimento deste Tribunal ad quem que essa situação já revela que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena, sobretudo na vertente de prevenção especial, não puderam, por meio dela, ser alcançadas, havendo, pois, que revogar directamente a suspensão da pena nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, determinando a execução imediata da pena de cinco meses de prisão do arguido A então imposta nos presentes autos penais por um crime de reentrada ilegal.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça, e mil e quinhentas patacas de honorários ao seu Ex.mo Defensor Oficioso.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Comunique urgentemente ao Processo Sumário n.º CR2-16-0038-PSM do Tribunal Judicial de Base à ordem do qual se encontra preso o arguido, solicitando a esse processo o desligamento oportuno do arguido, para este passar a estar preso à ordem dos presentes autos penais.
Macau, 21 de Julho de 2016.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
_______________________ (concordo com os fundamentos expostos pelo
Tam Hio Wa Tribunal a quo, pelo que se deveria julgar
(Primeira Juíza-Adjunta) improcedente o recurso e manter a decisão de prorrogação do período da suspensão.)



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