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Processo n.º 49/2016 Data do acórdão: 2016-7-21 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– medida da pena
– confissão dos factos
– gravação por sistema de vigilância visual da actuação delituosa
– crime com valor pecuniário envolvido
S U M Á R I O

1. Em sede da medida da pena, o valor da confissão dos factos fica algo enfraquecido pela circunstância de toda a actuação delituosa já ter sido gravada por sistema de vigilância visual.
2. Na medida da pena de crimes com valores pecuniários envolvidos, o montante dos valores releva para a graduação da pena dentro da moldura aplicável.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 49/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A (A)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 174 a 180 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-15-0023-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que a condenou como autora material de quatro crimes consumados de peculato, p. e p. pelos art.os 340.º, n.o 1, e 336.º, n.º 2, alínea c), do Código Penal (CP), em 1 ano e 3 meses de prisão por cada, e como autora material de um crime tentado do mesmo tipo legal, em 9 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas cinco penas parcelares, finalmente em 3 anos e 3 meses de prisão única, para além da condenação no pagamento de oitenta mil dólares de Hong Kong de indemnização civil a favor da sociedade comercial ofendida, com juros legais desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento, veio a arguida A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar a esse Tribunal o excesso na medida das penas, a fim de pedir que passasse a ser condenada em 1 ano e 2 meses de prisão, por cada um dos quatro crimes consumados, e em 2 meses de prisão pelo dito crime tentado, e, em cúmulo jurídico, apenas em 2 anos e 6 meses de prisão única, suspensa na execução sob condição do pagamento da indemnização civil ou da prestação da garantia desse pagamento (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 203 a 211 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal a quo no sentido de improcedência da argumentação da recorrente (cfr. a resposta de fls. 213 a 217v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 227 a 228), pugnando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 5 a 8 do texto do acórdão recorrido (ora a fls. 176 a 177v) e sendo o objecto do recurso circunscrito tão-só à problemática da medida da pena, é de tomar tal factualidade provada como fundamentação fáctica da presente decisão de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal.
Segundo essa matéria de facto provada:
– a recorrente, em termos cronológicos, praticou primeiro quatro crimes consumados, e só depois o crime tentado, com seguintes valores pecuniários envolvidos: no primeiro e no segundo crimes consumados, igualmente vinte mil dólares de Hong Kong; no terceiro crime consumado, dez mil dólares de Hong Kong; no quarto crime consumado, trinta mil dólares de Hong Kong; e no crime tentado, dez mil dólares de Hong Kong;
– todas essas condutas delituosas da recorrente foram gravadas por sistema de vigilância visual;
– a arguida é delinquente primária, confessou voluntariamente os factos imputados, tem por habilitações literárias o 1.º ano do curso secundário elementar, é doméstica e vive à custa do marido, com um filho menor a cargo.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O crime consumado de peculato é punível com pena de 1 a 8 anos de prisão (art.º 340.º, n.º 1, do CP).
No caso, o Tribunal a quo aplicou 1 ano e 3 meses de prisão a cada um dos quatro crimes consumados de peculato cometidos pela recorrente.
Da matéria de facto dada por provada no acórdão recorrido, vê-se que o terceiro crime consumado envolve dez mil dólares de Hong Kong, enquanto os restantes três crimes consumados envolvem, cada um dos quais, vinte mil dólares de Hong Kong, pelo menos.
Por outro lado, o valor da confissão dos factos fica algo enfraquecido pela circunstância de toda a actuação delituosa da recorrente já ter sido gravada por sistema de vigilância visual.
Sendo certo que na medida da pena de crimes com valores pecuniários envolvidos, o montante dos valores releva para a graduação da pena dentro da moldura aplicável.
Assim sendo, tudo ponderado (com consideração, inclusivamente, de todas as restantes circunstâncias fácticas apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida) à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, mostra-se equilibrada a pena de 1 ano e 3 meses de prisão já achada no acórdão recorrido para o terceiro crime consumado.
Em termos da justiça relativa, atendendo sobretudo aos montantes envolvidos em cada um dos crimes consumados, os outros três crimes consumados deveriam ser punidos com penas concretas de prisão de duração mais longa do que 1 ano e 3 meses. Contudo, por força do princípio da proibição da reforma para pior das penas de prisão plasmado no art.º 399.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ficam agora mantidas as penas impostas pelo Tribunal a quo a esses restantes três crimes consumados.
Resta aquilatar agora da justeza da pena do crime tentado, cuja moldura é de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão (cfr. os art.os 22.º, n.º 2, 67.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 41.º, n.º 1, do CP). Apesar do valor pecuniário em causa nesse crime tentado, a recorrente praticou-o já depois de cometidos os quatro crimes consumados, pelo que agiu ela, nesse delito tentado, com maior grau de dolo. Assim, vistas também todas as outras circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância com pertinência à medida da pena, tem-se por mais equilibrada uma pena de 5 meses de prisão para o crime tentado.
Há que proceder ao novo cúmulo jurídico das penas, dentro da correspondente moldura de 1 ano e 3 meses a 5 anos e 5 meses de prisão única. Portanto, nos termos ditados nomeadamente no art.º 71.º, n.os 1 e 2, do CP, e vistos, em conjunto, os factos provados e a personalidade da recorrente neles reflectida, mostra-se indicada a nova pena única de 2 anos e 6 meses, suspensa, à luz do art.º 48.º, n.os 1, 2 e 5, do CP, na sua execução por 4 anos, sob condição de pagamento total, no prazo máximo de 8 meses, da indemnização civil (com juros legais) por que já vinha condenada a recorrente em primeira instância.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, reduzindo, por conseguinte, a pena de prisão do crime tentado de peculato, de nove meses para cinco meses, com o que passa a recorrente a ser punida finalmente com dois anos e seis meses de prisão única, suspensa na execução por quatro anos, sob condição de pagamento total de oitenta mil dólares de Hong Kong de indemnização civil com juros legais (contados a partir da data do acórdão recorrido) a favor da ofendida dentro do prazo máximo de oito meses.
Pagará a recorrente metade das custas do recurso e duas UC de taxa de justiça (correspondente ao seu decaimento). Fixam em duas mil e quatrocentas patacas os honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso, ficando metade desta quantia a cargo da recorrente, e a outra metade a ser suportada pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
A presente decisão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Comunique a presente decisão à ofendida.
Macau, 21 de Julho de 2016.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta) (entendo que as sociedades que exploram os jogos de fortuna ou azar deixam de ser em regime de exclusivo, e em consequência, os seus funcionários não podem ser equiparados como funcionários. Nesta conformidade, a conduta das arugidas deveriam ser qualificadas como crimes do abuso de confiança, previstos e punidos no art. 199º do Código Penal.)



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