打印全文
Proc. nº 215/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Julho de 2016
Descritores:
-Cheques
-Título executivo
-Relação causal
-Impugnação da matéria de facto

SUMÁRIO:

I. Independentemente da controvérsia sobre se, prescrito o cheque, deve o exequente, que queira valer-se dele como título executivo, invocar a relação jurídica causal, não estaremos seguramente perante a nulidade a que se refere o art. 139º, n.2, al. a), do CPC (ineptidão da p.i.), se o exequente levou efectivamente à causa de pedir os factos subjacentes à emissão dos cheques, referindo que eles foram subscritos pela embargante como compromisso (garantia) do pagamento de um empréstimo em dinheiro feito à embargante.

II. O art. 599º do CPC encerra um ónus recaído sobre o recorrente que impugne a decisão de facto, o que significa que se não especificar esses controversos pontos, nem particularizar os concretos meios probatórios e passagens detalhadas em que deve assentar a reapreciação solicitada, o tribunal de recurso a ela não deve proceder.
Proc. nº 215/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
“A, Limitada”, executada nos autos de execução nº CV1-14-0021-CEO instaurada no TJB por B, um e outro com os demais sinais dos autos, deduziu embargos à execução, alegando que os três cheques dados à execução não foram emitidos para servirem de pagamento, mas apenas enquanto garantia de pagamento de fornecimento de mercadoria que o exequente não chegou a fornecer, acrescentando ter sido resolvido o contrato e não ser devido o pagamento dos cheques, os quais o exequente deveria ter devolvido e não o fez.
*
Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou julgou improcedentes os embargos, bem como o pedido de condenação da embargante como litigante de má fé.
*
É contra tal sentença que ora vem interposto pela “A, Limitada”, o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«a) No requerimento executivo de cheque bancário deve indicar a “relação jurídica subjacente”, mas no requerimento nesta causa não foi feita a indicação exigida, o que se traduz na falta de indicação de causa de pedir, violando assim o artº 139º, nº 2, al. a), parte final, do CPC e devendo ser declarado nulo todo o processo nos termos do nº 1 do mesmo artigo.
b) Do facto nº 4 enunciado no requerimento executivo constante dos autos principais, resulta que o embargado confessou que a quantia foi oriunda do “contrato de fornecimento de mercadorias”, o que corresponde ao facto invocado na petição de embargos da embargante, ou seja, ambas as partes declararam que o dinheiro em causa decorreu do “contrato de fornecimento de mercadorias”. Conjugando com os depoimentos prestados pelas duas testemunhas da embargante em audiência, tal quantia, sem dúvida, decorreu do “contrato de fornecimento de mercadorias” e os factos nºs 1 a 12 devem ser dados como assentes mas não os factos nºs 13 a 15.
c) O Tribunal Colectivo a quo, não acreditando que a quantia veio do “contrato de fornecimento de mercadorias” nem do “empréstimo”, não deu como assentes todos os factos a serem provados, verificando-se assim erro no reconhecimento e apreciação (sic) que tornou o acórdão recorrido injusto.
d) Salvo o devido respeito, entende a recorrente que os factos nºs 1 a 12 devem ser considerados provados e, em conjugação com os demais factos provados e a interpretação e aplicação da lei, deve ser julgado procedente todo o pedido formulado pela recorrente na petição de embargos.
e) Nestes termos, requer a V.Exas. que julguem procedentes os fundamentos invocados pela recorrente e declarem nulo todo o processo. Caso assim não entendam V.Exas., requer que revoguem o acórdão recorrido e julguem, nos termos da lei, procedente todo o pedido da recorrente e improcedente a pretensão do recorrido, com vista à produção de efeitos jurídicos adequados.».
*
Não houve contra-alegações.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
a) A presente execução baseou-se nos três cheques em que a embargante/executada era sacadora e o embargado/exequente tomador do título, todos emitidos no dia 30 de Julho de 2007, com os montantes de HKD$80.000,00, HKD$450.000,00 e HKD$92.500,00 (equivalentes a MOP$82.400,00, MOP$463.500,00 e MOP$95.275,00), cujo aqui se dá por integralmente reproduzido.
b) O exequente/embargado é portador dos três cheques acima referidos.
c) Estes três cheques foram apresentados a pagamento no dia 12 de Julho de 2013, e foram recusados por falta de provisão na conta bancária.
d) A executada/embargante é uma empresa que explora fábrica de têxteis e negócio de importação e exportação.
***
III – O Direito
1 - A sentença recorrida considerou que, mesmo quando prescrita a relação jurídica subjacente, o cheque vale como título executivo, desde que não recaia sobre um negócio jurídico formal (no caso contrário, o título – cheque – não garantiria a validade formal do negócio e, então, a nulidade formal impediria a exequibilidade do título).
Depois, afirmou que os cheques oferecidos à execução se reportavam a uma obrigação cambial subjacente já prescrita.
Mas, por entender que não era formal a referida relação subjacente, concluiu que os três cheques constituíam títulos executivos nos termos do art. 677º, al. c), do CPC e que caberia à executada/embargante a demonstração de que não era devida qualquer obrigação relativamente àqueles quirógrafos.
*
2 – No presente recurso, porém, vem a recorrente defender:
a) Que no requerimento da execução deveria ter sido indicada a relação jurídica causal.
b) Que o tribunal errou na apreciação dos factos provados. Na sua óptica deveriam ser dados por provados os factos 1 a 12 e não provados 13 a 15;
Vejamos, então.
*
2.1 – Acha a recorrente que, nos termos do art. 139º, n.1, al. a), do CPC, deveria o exequente ter indicado a relação jurídica causal. Não o tendo feito, “deve toda a acção processual ser decretada nula”.
Estamos convictos de que, com esta arguição, está a recorrente a clamar pela nulidade processual derivada da ineptidão da petição inicial. Ora, tal nulidade, quando suscitada pela demandada, só pode ser arguida até à contestação ou neste articulado (art. 150º, nº1, do CPC), sendo certo que, no âmbito de um processo de execução, à contestação deve corresponder a forma de oposição correspondente, que no caso são os embargos. Todavia, não vemos que tenha sido suscitada na petição de embargos de fls. 59 e sgs. a referida nulidade.
Em todo o caso, tratando-se de uma nulidade principal, pode ser conhecida oficiosamente em qualquer momento, a não ser que deva considerar-se sanada (art. 148º, n.1, do CPC). E como esta nulidade é insuprível1, nada obstará a que apreciemos esta questão (de resto, até equacionada na sentença recorrida no ponto 2 da fundamentação, embora sob prisma diferente do agora tratado).
E, abreviando caminho e adiantando a conclusão, somos a referir que a recorrente não tem razão. E isto pela simples razão de que - independentemente da controvérsia sobre se, prescrito o cheque, deve o exequente que dele queira valer-se como título executivo invocar a relação jurídica causal – o exequente levou efectivamente à causa de pedir os factos subjacente à emissão dos cheques, ao referir que eles foram documentos particulares subscritos pela embargante como compromisso (garantia) do pagamento de um empréstimo em dinheiro feito à embargante (cfr. fls. 98-101).
Ou seja, verdadeira ou não esta alegação, o exequente densificou a causa de pedir, pelo que, quanto a este aspecto, não podemos dar por verificada a invocada nulidade.
Consequentemente, o recurso tem necessariamente que improceder quanto a esta parte.
*
2.2 - Quanto ao segundo fundamento referido, é firme a posição deste TSI no sentido de que “o art. 599º do CPC encerra um ónus que impende sobre o recorrente que impugne a decisão de facto, o que significa que se não especifica esses controversos pontos e não especifica os concretos meios probatórios e passagens detalhadas em que deve assentar a reapreciação solicitada, o tribunal de recurso a ela não deve proceder” (ac. TSI, de 17/03/2016, Proc. nº 873/2015, entre vários).
Ora, a recorrente limitou-se, muito simplesmente, a defender que determinada matéria de facto deveria ser provada e outra não provada. Simplesmente, isso. Nada, porém, disse sobre os meios probatórios de onde lhe advém essa sua posição e em lado nenhum remeteu para as passagens especificadas das gravações de onde pudesse resultar um diferente entendimento.
Significa isso que, quanto a esta matéria, não poderemos, sequer, tomar conhecimento do recurso (cfr. art. 599º, n.2, do CPC).
***
IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
TSI, 28 de Julho de 2016
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

1 Em direito comparado, Ac. STJ, de 12/03/2009, Proc. nº 4079/07.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------



215/2016 1