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Processo n.º 53/2016. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças.
Assunto: Contabilidade devidamente organizada. Relatório e contas de exercício. Revogação de autorização de funcionamento de instituição de serviços comerciais e auxiliares offshore.
Data da Sessão: 28 de Setembro de 2016.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I - Contabilidade devidamente organizada, para os efeitos do disposto nos artigos 68.º e 42.º, n.º 1, alínea e) Decreto-Lei n.º 58/99/M, entende-se a contabilidade organizada de acordo com o estabelecido nas Normas de Contabilidade aprovadas pelo Regulamento Administrativo n.º 25/2005.
II – A não elaboração e aprovação do relatório e contas de exercício por instituição de serviços comerciais e auxiliares offshore significa que esta não dispõe de contabilidade devidamente organizada, para os efeitos previstos na conclusão anterior.
III – O acto administrativo de revogação de autorização de funcionamento de instituição de serviços comerciais e auxiliares offshore é praticado no uso de poderes vinculados.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 18 de Fevereiro de 2014, do Secretário para a Economia e Finanças, que revogou a autorização da recorrente para funcionamento como instituição de serviços comerciais e auxiliares offshore.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 21 de Abril de 2016, negou provimento ao recurso.
Inconformada, interpõe A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), alegando que:
- A recorrente dispõe de contabilidade organizada, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido;
- O que a Recorrente alega é a inexistência de facto ilícito doloso, na falta de entrega dos documentos contabilísticos em causa, a qual constituiu a infracção administrativa invocada no acto administrativo para a assunção (não permitida por lei) de que a Recorrente não tem contabilidade organizada e o que, em consequência, determinou a revogação da autorização em causa, por força do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 58/99/M;
- Mas ainda que se entenda que a conduta da administração actual (ou da Sociedade) consubstancia, de algum modo, um acto ilícito doloso, ainda assim a ilicitude estaria afastada pelo facto de a falta apontada ser resultado de um dever legal dos administradores da Recorrente (e da Sociedade) de não apresentarem documentos ou prestarem informações que aparentam serem incorrectas, sem primeiro apurar a veracidade, ou não, dos mesmos, apenas para manter a autorização do exercício da actividade "offshore";
- A decisão de revogação em causa foi efectivamente praticada ao abrigo de poderes discricionários, representando o acto recorrido uma violação dos princípios da prossecução do interesse público, da adequação e da proporcionalidade.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
A) O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. A Recorrente é uma sociedade unipessoal detida pela sociedade B, constituída segundo as leis de Hong Kong, a qual, por sua vez, é indirectamente detida a 100% pela sociedade C.
2. Em 26 de Julho de 2013, na sequência de um processo judicial que correu termos em Hong Kong, o Sr. D e a Sra. E, foram nomeados (i) liquidatários provisórios da C, e (ii) administradores das subsidiárias desta sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas e na Região Administrativa Especial de Hong Kong, como é o caso da B.
3. Nesse mesmo dia, a B destituiu, com efeito imediato, os administradores até então registados da Recorrente e nomeou, em sua substituição, o Sr. D, a Sra. E e a Sra. F, os quais são, desde então, os seus legais e legítimos representantes.
4. Poucos dias depois da sua nomeação, a nova administração da Recorrente recebeu uma notificação do IPIM, datada de 25 de Julho de 2013, a aplicar uma multa àquela por não ter sido entregue, até ao dia 30 de Junho de 2013, a documentação mencionada no artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 58/99/M, que define o regime jurídico aplicável à actividade “offshore”.
5. A Recorrente não conseguiu entregar os documentos em falta até ao dia 26 de Novembro de 2013.
6. Em consequência, por despacho de 18 de Fevereiro de 2014, o Senhor Secretário para a Economia e Finanças determinou a revogação da autorização para o funcionamento como instituição de serviços comerciais e auxiliares “offshore”.
7. Os administradores actuais da Recorrente conseguiram apurar até à data, que há indícios sérios que apontam para a existência de irregularidades e incorrecções na documentação e nos registos da actividade da mesma, anteriores a 26 de Julho de 2013.
*
B) Consta do processo instrutor o seguinte:
1. Em 13 de Fevereiro de 2014, foi emitida a seguinte informação no procedimento do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau:
Em 28 de Fevereiro de 2005, o Chefe do Executivo deferiu o requerimento de serviços offshore n.º XXX/XXX/2005, autorizando a criação em Macau de instituição de serviços comerciais offshore de Macau (anexo 1). Tal empresa foi registada e obteve a licença de serviços offshore em 18 de Abril de 2005 (anexo 1), cuja denominação social é A (doravante designada simplesmente por “A”), designada em chinês como 甲 e em inglês como A.
“A” não cumpriu o art.º 66º do Decreto-Lei n.º 58/99/M relativo a offshore (anexo 2), e o aviso n.º XX/XXX/XXXX/2002 (anexo 2), isto é, não apresentou ao IPIM, no prazo de seis meses a contar do dia 31 de Dezembro, ora data da liquidação do ano económico, ou seja, até ao dia 30 de Junho de 2013 (data essa não é dia útil, por isso o prazo foi adiado para o dia 2 de Julho daquele ano), o relatório financeiro examinado do ano de operação (doravante designado simplesmente por “relatório de auditoria”).
FACTOS
1. Conforme a Proposta n.º XXXXX/XXX/2013 (anexo 3) em que foi exarado o despacho proferido em 23 de Julho de 2013 pelo Presidente do Conselho Executivo deste Instituto, A não apresentou, no prazo legal, a este Instituto o “relatório de auditoria” anual, pelo que se propôs que lhe aplicasse uma multa de MOP20.000,00 e que lhe exigisse a sanação do respectivo acto indevido no prazo fixado, bem como a apresentação a este Instituto o relatório financeiro em apreço, no prazo de 30 dias a contar da remessa da notificação de multa.
2. Em 25 de Julho de 2013, por ofício n.º XXXXX/XXX/2013 (anexo 4) deste Instituto, efectuou-se a notificação do pagamento de uma multa de MOP20.000,00, da sanação da infracção e da apresentação do “relatório de auditoria”.
3. Em 5 de Agosto de 2013, este Instituto recebeu uma quantia de MOP20.000,00 paga por A a título de multa (anexo 5), mas ainda não recebeu o “relatório de auditoria” daquela empresa.
4. Em 4 de Setembro de 2013, por requerimento n.º XX/XX/XX/XX/XX/XXXX/XXXXXX (anexo 6), A solicitou a este Instituto a prorrogação do prazo para apresentação do “relatório de auditoria” anual por três meses.
5. Por despacho proferido em 12 de Setembro de 2013 pelo Presidente do Conselho Executivo deste Instituto, exarado na Informação n.º XXXXX/XXX/2013 (anexo 7), deferiu-se o pedido de prorrogação do prazo por três meses para a sanação do dever de apresentação do “relatório de auditoria”, formulado por A.
6. Em 12 de Setembro de 2013, por ofício n.º XXXXX/XXX/2013 (anexo 8), este Instituto notificou a referida empresa do assunto relativo ao pedido de prorrogação do prazo para sanação da apresentação do relatório de auditoria, isto é, autorizou-se o cumprimento do dever de apresentação do “relatório de auditoria” em falta até ao dia 26 de Novembro de 2013.
7. Em 17 de Dezembro de 2013, por meio do ofício de audiência escrita relativa à revogação da autorização de serviços offshore n.º XXXXX/XXX/2013 (anexo 9), foi notificada a aludida empresa de que, este Instituto ainda não tinha recebido o “relatório de auditoria” de A depois do término do prazo para apresentação do “relatório de auditoria” prorrogado a pedido daquela empresa (26 de Novembro de 2013), pelo que, nos termos do art.º 68º e alínea e) do n.º 1 do art.º 42º do Decreto-Lei n.º 58/99/M, de 18 de Outubro de 1999 (anexo 10), a autorização de serviços offshore é revogada sempre que se verifique a inexistência de contabilidade organizada em instituições offshore. Pelos factos acima expostos, propôs-se a revogação da licença de serviços concedida a A. Aliás, nos termos do disposto no Código do Procedimento Administrativo, poderia a referida empresa apresentar, no prazo de 15 dias, a este Instituto a aclaração escrita quanto ao assunto em epígrafe.

Em 22 de Janeiro de 2014, a representante de A, advogada G, apresentou a este Instituto a contestação da audiência escrita (anexo 11) que é tempestiva e composta por 16 pontos, na qual não só existem esclarecimentos, mas também o pedido de arquivamento da revogação da licença de serviços offshore em causa.

Cumpro-me analisar rigorosamente a contestação escrita:

1. Quanto ao ponto 4 da contestação, “tal empresa efectuou aclaração quanto à respectiva questão, que aqui se dá por reproduzida: a empresa em apreço é uma sociedade unipessoal, cuja titular é “B”, foi registada com a observação da legislação de Hong Kong, bem como 100% das suas acções são indirectamente detidos por C”.
No entendimento deste Instituto, A é uma sociedade da pessoa colectiva independente, que dota da personalidade jurídica independente e tem uma administração independente a que compete a gestão e operação da mesma, pelo que deve ter um sistema de contabilidade e contas independentes e organizados.
2. Quanto ao ponto 8 da contestação, “por um lado, a quantidade das informações contabilísticas e financeiras da empresa é muito maior do que tinha previsto e, por outro lado, o tempo despendido na avaliação e na análise exacta das informações é muito mais longo do que tinha previsto”. E, quanto ao ponto 9, “ademais, devido ao impacto emergente da exoneração do administrador anterior e da nomeação do novo administrador da empresa, tornou-se rara a prestação de apoio e informações relevantes pelo ex-administrador e auditor da empresa, além disso, afigura-se que muitos documentos comprovativos da contabilidade contêm informações incorrectas e imprecisas”.
É de salientar que a data da liquidação do ano económico de A é de 31 de Dezembro, ou seja, até 30 de Junho de 2013 (data essa não é dia útil, por isso o prazo foi adiado para o dia 2 de Julho daquele ano), essa empresa deveria apresentar ao IPIM o relatório de auditoria referente ao período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 2012. Por outras palavras, tal empresa devia observar as disposições do Decreto-Lei relativo a offshore, no sentido de cumprir o dever de apresentação do “relatório de auditoria”, isto é, apresentar o aludido “relatório de auditoria” do ano de operação no prazo fixado (2 de Julho de 2013) e não apenas no prazo de tolerância é que efectuar o exame de contas ou elaborar o relatório financeiro. Conforme as informações de registo da Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis (anexo 12), a nova classe de administração só tomou oficialmente a gerência da empresa em 26 de Julho de 2013, porém, de facto, a impontualidade na apresentação do relatório de auditoria pela dita empresa ocorreu durante a operação da empresa pela classe de administração anterior, por conseguinte, não se verifica a rara prestação de apoio e informações relevantes pelo ex-administrador e auditor da empresa causada pelo impacto emergente da exoneração do administrador anterior e da nomeação do novo administrador da empresa. A incorrecção ou imprecisão das contas e dos documentos comprovativos da contabilidade é justamente uma revelação da inexistência de contabilidade organizada, designadamente sistema de contabilidade, contas e regime de controlo interno, em A.
3. A mudança da classe de administração duma sociedade da pessoa colectiva acontece vulgarmente na sociedade comercial. Se uma empresa tiver contabilidade organizada, a mudança da classe de administração não causará confusões ou incorrecções na contabilidade, nem atraso na elaboração do “relatório de auditoria”. Assim sendo, a justificação dada pela representante de A – devido ao impacto emergente da exoneração do administrador anterior e da nomeação do novo administrador da empresa, tornou-se rara a prestação de apoio e informações relevantes pelo ex-administrador e auditor da empresa – não deve ser considerada como justa causa. A par disso, após a tomada da gerência de A em 26 de Julho de 2013, a nova classe de administração devia ter antes conhecimento suficiente da situação concreta da empresa, tais como das contas, das informações financeiras e dos documentos comprovativos, é que apresenta o requerimento de concessão do prazo de tolerância por três meses. Em 12 de Setembro de 2013, este Instituto prorrogou o prazo até ao dia 26 de Novembro de 2013 a pedido da mesma (perfazendo um período de quatro meses contados da remessa do ofício de notificação de multa n.º XXXXX/XXX/2013 (anexo 4) em 25 de Julho de 2013 até à data do término do prazo), para a sanação do dever de apresentação do “relatório de auditoria”. Na verdade, não obstante ter expirado o prazo de tolerância (26 de Novembro de 2013), este Instituto ainda não recebeu o “relatório de auditoria” da aludida empresa.
4. Além do mais, a requerente sabia que a falta da apresentação do “relatório de auditoria” a este Instituto implicaria a revogação da autorização para licenciamento de serviços offshore, entretanto, a requerente ainda não cumpriu o dever de apresentação do “relatório de auditoria” a este Instituto após expirado o prazo de tolerância (26 de Novembro de 2013), nem pediu a este Instituto que lhe desse mais tempo para sanar o erro em causa.
5. Quanto ao conteúdo do ponto 14 da contestação da requerente, “a par disso, a empresa considera que a falta da apresentação do relatório de auditoria completo no prazo previsto no art.º 66º do Decreto-Lei n.º 58/99/M não significa que a mesma “não tem um regime de contabilidade organizado regular”, sendo esta a razão citada por esse Instituto na proposta de revogação de licença”.
Se for verdadeiro aquilo que foi dito pela requerente, ou seja, se a empresa tiver um regime de contabilidade organizado, não deverá haver as confusões mencionadas nos pontos 7, 8 e 9 da contestação nem a imprecisão das informações, além disso, o “relatório de auditoria” deveria ter sido concluído antes de 2 de Julho de 2013. Lamentavelmente, até ao presente momento, este Instituto ainda não recebeu o “relatório de auditoria” em causa.
6. Ademais, quanto ao conteúdo do ponto 15 da contestação, “na verdade, a empresa tem um regime de contabilidade organizado regular, mas, devido às razões supracitadas que não são imputáveis à empresa, a auditoria das contas de 2012 da mesma ainda não está concluída, por serem extremamente complicadas as informações”.
No que concerne à questão de existência de informações extremamente complicadas, invocada pela requerente, crê-se que os profissionais daquela área podem prestar certo auxílio, como por exemplo, na área de contabilidade, pode pedir-se apoio a contabilistas/auditores profissionais. Nesta conformidade, este Instituto discorda que a existência de informações extremamente complicadas seja justa causa para o atraso na apresentação de contas ou relatório de auditoria.
7. Pelo exposto, A não apresentou, no prazo legal (30 de Junho de 2013), a este Instituto o relatório de auditoria anual. Em 12 de Setembro de 2013, alegou a referida empresa que, devido à demora por parte da nova classe de administração no tratamento do assunto em causa, solicitou a este Instituto que prorrogasse o prazo para apresentação do relatório de auditoria e, em seguida, após a apreciação do requerimento e pedido da requerente, este Instituto concedeu-lhe um prazo de tolerância de três meses (até ao dia 26 de Novembro de 2013) para apresentação do relatório de auditoria, contudo, a requerente ainda não cumpriu o dever de apresentação do “relatório de auditoria”. Este Instituto ainda não recebeu da requerente o “relatório de auditoria” em causa após expiração do prazo legal e do de tolerância, pelo que há razões para crer que a aludida empresa não possui contabilidade organizada, causando, portanto, confusões nas contas, bem como impontualidade (fora do prazo legal e do de tolerância) na conclusão do “relatório de auditoria” e na apresentação deste a este Instituto.
8. A par disso, até ao término do prazo de tolerância, A não apresentou, juntamente com a sua contestação escrita, nenhum relatório do parecer profissional emitido, conforme a contabilidade organizada da empresa, por auditor registado na RAEM, para efeito de confirmação.
9. Face ao presente procedimento administrativo de revogação de licença, o Departamento de Serviços Offshore tinha pedido parecer ao Gabinete Jurídico e de Fixação Residência e, por seu turno, o referido Gabinete concordou que o procedimento administrativo estava livre de incorrecções, pelo que, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 42º – a inexistência de contabilidade organizada, por remissão do art.º 68º (Revogação da autorização) do Decreto-Lei n.º 58/99/M, veio propor que fosse revogada a licença de serviços concedida a A.

Com base na supracitada análise de razões, venho propor o seguinte:

1. Até ao presente momento, A ainda não apresentou a este Instituto as contas examinadas e o relatório financeiro, violando portanto as respectivas normas legais. A par disso, a contestação e aclaração escrita da representante da referida empresa não expôs fundamentos de direito que justificam o incumprimento do dever de apresentação do “relatório de auditoria” pela mesma empresa, deste modo, proponho que não seja admitida a contestação e aclaração escrita em causa.
2. Tendo expirado o prazo legal e o de tolerância para apresentação das contas examinadas e do relatório financeiro, A ainda não comprovou perante este Instituto que tivesse cumprido o disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 42º por remissão do art.º 68º do Decreto-Lei n.º 58/99/M, pelo que proponho que, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 42º – a inexistência de contabilidade organizada, por remissão do art.º 68º (Revogação da autorização) do Decreto-Lei n.º 58/99/M, seja revogada a licença de serviços offshore concedida à referida empresa.
3. Caso houver decisão sobre as propostas acima expostas, para além da notificação da decisão a A, será necessária a comunicação, por ofício, da mesma à Autoridade Monetária de Macau, à Direcção dos Serviços de Finanças, à Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, a H – Sociedade de Auditores contratada para verificação de contas, e à representante da empresa em causa, advogada G.
2. Sobre esta informação, um Director do mesmo Instituto propôs o seguinte em 13 de Fevereiro de 2014:
1. Até ao presente momento, A ainda não apresentou a este Instituto as contas examinadas e o relatório financeiro, violando portanto as respectivas normas legais. A par disso, a contestação e aclaração escrita da representante da referida empresa não expôs fundamentos de direito que justificam o incumprimento do dever de apresentação do “relatório de auditoria” pela mesma empresa, deste modo, proponho que não seja admitida a contestação e aclaração escrita em causa.
2. Tendo expirado o prazo legal e o de tolerância para apresentação das contas examinadas e do relatório financeiro, A ainda não comprovou perante este Instituto que tivesse cumprido o disposto no art.º 68º e alínea e) do n.º 1 do art.º 42º do Decreto-Lei n.º 58/99/M, pelo que venho propor que, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 42º (Revogação da autorização) do Decreto-Lei n.º 58/99/M – a inexistência de contabilidade organizada, seja revogada a licença de serviços offshore concedida à referida empresa.
À consideração de V. Ex.ª
3. Na mesma data o Presidente do Instituto emitiu o seguinte parecer:
Concordo com a proposta, sendo a mesma levada à apreciação do Sr. Secretário para a Economia e Finanças.
4. Em 18 de Fevereiro de 2014, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu o seguinte despacho:
“Autorizo”.
É este o acto recorrido.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Importa apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas.
Entre elas não se encontra a nulidade do acórdão recorrido, por oposição entre fundamentos e decisão – apesar de a recorrente ter mencionado a violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 571.º do Código de Processo Civil, lateralmente à invocação da violação do disposto nos artigos 42.º e 68.º do Decreto-Lei n.º 58/99 e como decorrência destas violações – uma vez que a recorrente não alegou qualquer contradição concreta entre fundamentos e decisão do acórdão recorrido. É sabido que esta nulidade processual não é consubstanciada por meras más interpretação ou aplicação da lei, como parece entender a recorrente.

2. Actividade «offshore»
A recorrente exerce a actividade «offshore», como instituição de serviços comerciais e auxiliares «offshore», nos termos regidos pelo Decreto-Lei n.º 58/99/M, constituindo esta actividade económica dirigida para os mercados externos, a ser exercida exclusivamente com não-residentes, através de operações denominadas noutra moeda que não a pataca [alínea a) do artigo 2.º do mesmo diploma legal].
O acesso à actividade «offshore» depende de autorização prévia, nos termos do mencionado diploma (artigo 3.º).
De acordo com o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 58/99/M:
Artigo 6.º
(Contabilidade)
As instituições «offshore» dispõem obrigatoriamente de contabilidade organizada segundo os princípios contabilísticos geralmente aceites e, quando aplicável, em obediência ao plano que se encontrar fixado para o respectivo sector de actividade.
Dispõem o seguinte os artigos 66.º, 68.º e 42.º do mesmo Decreto-Lei n.º 58/99/M:
Artigo 66.º
(Fiscalização de contas)
As instituições de serviços comerciais e auxiliares «offshore» devem enviar ao IPIM o relatório e contas de cada exercício, acompanhado do correspondente relatório de auditoria.
Artigo 68.º
(Revogação da autorização)
A autorização para o funcionamento de instituições de serviços comerciais e auxiliares «offshore» é revogada nos casos previstos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 42.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 a 5 do mesmo artigo.
Artigo 42.º
(Revogação da autorização)
1. A autorização para o funcionamento de instituições de gestão fiduciária «offshore» é revogada sempre que se verifique:
a) Ter sido obtida através de falsas declarações ou outros meios ilícitos;
b) A falta de pagamento da taxa de funcionamento no prazo fixado para o efeito;
c) A infracção reiterada dos deveres decorrentes do presente diploma ou das regras de conduta a que se refere o artigo 15.º;
d) A inobservância dos requisitos estabelecidos em matéria de capital social mínimo;
e) A inexistência de contabilidade organizada;
f) A ocorrência comprovada de algum dos factos referidos no artigo 31.º;
g) A terceira revogação da domiciliação da gestão fiduciária por motivos imputáveis ao órgão de gestão ou a algum dos seus administradores;
h) A revogação da domiciliação da gestão fiduciária com base em conduta dolosa de qualquer dos administradores do gestor fiduciário, se este não for destituído.
2. Para os efeitos previstos na alínea c) do número anterior, considera-se infracção reiterada a prática de 3 infracções da mesma natureza ou de 5 infracções, independentemente da sua natureza, num período igual ou inferior a 2 anos.
3. Salvo em casos excepcionais devidamente justificados, a intenção de revogar a autorização é previamente notificada à instituição em causa, a qual pode apresentar, no prazo de 5 dias úteis, as alegações que entenda desaconselharem a revogação.
4. No recurso interposto da decisão de revogação presume-se, até prova em contrário, que a suspensão da eficácia determina grave lesão do interesse público.
 5. A revogação, qualquer que seja o seu fundamento, implica a dissolução e liquidação da instituição de gestão fiduciária «offshore».


3. Contabilidade organizada
O acto recorrido revogou a autorização para o funcionamento da recorrente com fundamento na inexistência de contabilidade organizada.
Como é sabido, a contabilidade organizada é um regime fiscal aplicável a certos contribuintes, no âmbito do imposto complementar de rendimentos e do imposto profissional, mais exigente em termos de informação contabilística exigida que o aplicável aos sujeitos não submetidos a tal regime.
Nos termos do artigo 4.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos profissional, as pessoas singulares ou colectivas sujeitas ao imposto complementar de rendimentos distribuem-se por um dos dois grupos: A ou B. Pertencem ao grupo A, sendo tributados com base nos lucros efectivamente determinados através de contabilidade devidamente organizada, assinada e verificada por contabilistas ou auditores inscritos nos Serviços de Finanças de acordo com a lei vigente, as sociedades anónimas, em comandita por acções e as cooperativas, as sociedades de qualquer natureza com interesses próprios e que não se confundam nas pessoas dos seus sócios, com um capital social não inferior a $1 000 000,00 ou cujos lucros tributáveis sejam, em média dos últimos três anos, superiores a $500 000,00 e as demais pessoas singulares ou colectivas que, possuindo contabilidade devidamente organizada, tenham optado por este grupo, mediante declaração a entregar até 31 de Dezembro do ano a que respeita o imposto, salvo se tiverem iniciado a sua actividade no último trimestre desse ano, caso em que a respectiva declaração poderá ser entregue até 31 de Janeiro do ano seguinte. Integram o grupo B e são tributadas com base nos lucros que presumivelmente obtiverem, as pessoas singulares ou colectivas que não estejam abrangidas por nenhuma das alíneas do número antecedente.
Por outro lado, de acordo com o estatuído nos artigos 5.º, 10.º e 11.º do Regulamento do Imposto Profissional, o prazo para a apresentação de declaração de rendimentos pelos contribuintes a ele sujeitos e os documentos necessários para a instruírem depende de os contribuintes do 2.º grupo (aqueles que exercem actividades por conta própria) terem ou não contabilidade devidamente organizada.
Como se disse, as instituições «offshore» dispõem obrigatoriamente de contabilidade organizada.
Estabelece o artigo 7.º do Regulamento Administrativo n.º 25/2005, que aprova as normas de contabilidade, que:
Artigo 7.º
Conceito fiscal de contabilidade devidamente organizada
Para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos e no n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento do Imposto Profissional, por contabilidade devidamente organizada entende-se a contabilidade organizada de acordo com o estabelecido nas Normas de Contabilidade ora aprovadas.
Uma vez que o Decreto-Lei n.º 58/99/M, para os efeitos do disposto nos artigos 68.º e 42.º, n.º 1, alínea e), não define o que seja contabilidade devidamente organizada, é razoável presumir que o legislador quis adoptar o conceito fiscal, tal como ele é acolhido nas normas de contabilidade, como entendeu o acórdão recorrido.
Vejamos, pois, se a recorrente dispõe de contabilidade devidamente organizada, como exigido pelas normas de contabilidade.
As Normas de Relato Financeiro, constantes do Anexo II ao Regulamento Administrativo n.º 25/2005, aplicam-se à preparação e apresentação das demonstrações financeiras, entre outras, das instituições offshore, ainda que no exercício da actividade regulada pelo Decreto-Lei n.º 58/99/M [alínea 4) do n.º 1 do artigo 4.º do mencionado Regulamento Administrativo].
As demonstrações financeiras são preparadas e apresentadas pelo menos actualmente (parágrafo 6.º da Estrutura Conceptual para a Apresentação e Preparação de Demonstrações Financeiras, das Normas de Relato Financeiro).
As demonstrações financeiras fazem parte do processo do relato financeiro. Um conjunto completo de demonstrações financeiras inclui normalmente um balanço, uma demonstração dos resultados, uma demonstração das alterações na posição financeira (que pode ser apresentada de várias maneiras, por exemplo, como uma demonstração dos fluxos de caixa ou uma demonstração dos fluxos de fundos), e as notas e outras demonstrações e material explicativo que constituam parte integrante das demonstrações financeiras (parágrafo 7.º da Estrutura Conceptual para a Apresentação e Preparação de Demonstrações Financeiras, das Normas de Relato Financeiro).
Um conjunto completo de demonstrações financeiras inclui:
(a) um balanço;
(b) uma demonstração dos resultados;
(c) uma demonstração de alterações no capital próprio que mostre ou:
(i) todas as alterações no capital próprio; ou
(ii) as alterações no capital próprio que não sejam as provenientes de transacções com detentores de capital próprio agindo na sua capacidade de detentores de capital próprio;
(d) uma demonstração dos fluxos de caixa; e
(e) notas, compreendendo um resumo das políticas contabilísticas significativas e outras notas explicativas
(parágrafo 8.º da Norma Internacional de Contabilidade 1 - Apresentação de Demonstrações Financeiras, das Normas de Relato Financeiro).
Parece pacífico que uma instituição offshore que não elabore as demonstrações financeiras a que está obrigada, e que sucintamente descrevemos, não dispõe de contabilidade devidamente organizada.
É também indiscutível que a recorrente não cumpriu o dever imposto pelo artigo 66.º Decreto-Lei n.º 58/99/M atrás citado, que consiste em enviar ao IPIM o relatório e contas de cada exercício, acompanhado do correspondente relatório de auditoria. Não o fez no prazo legal nem posteriormente, tendo sido sancionada por tal incumprimento.
É evidente que uma entidade poderia ter elaborado o relatório e contas de um exercício mas não o ter enviado no prazo previsto, por esquecimento ou outra razão. Haveria violação de um dever, punível com multa nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 58/99/M, mas não falta de contabilidade organizada.
Não é este o caso da recorrente. Esta não só não enviou o relatório e contas do exercício em questão, como o não elaborou.
Logo, não tem a recorrente contabilidade devidamente organizada, como entendeu o acórdão recorrido e decidiu o acto administrativo recorrido.
Não tem qualquer relevância discutir se existiu ou não facto ilícito relativamente à punição da recorrente pela infracção prevista e punível pelos artigos 66.º e 70.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 58/99/M, visto que a revogação da autorização da recorrente para funcionamento como instituição de serviços comerciais e auxiliares offshore não assentou na violação da mencionada infracção administrativa, mas na inexistência de contabilidade organizada, nos termos dos artigos 68.º e 42.º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 58/99/M. De resto, como bem notou o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, a mencionada infracção administrativa pode ser praticada a título de negligência e não apenas com dolo, face à aplicação do estatuído no n.º 3 do artigo 123.º do Código Penal, por força do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 52/99/M, aplicável face ao estabelecido no artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 58/99/M.

4. Acto vinculado
Como se viu, estatui o artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 58/99/M que a autorização para o funcionamento de instituições de serviços comerciais e auxiliares «offshore» é revogada nos casos previstos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 42.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 a 5 do mesmo artigo.
Destes dois preceitos (artigos 68.º e 42.º) resulta, indiscutivelmente, que logo que se verifiquem os comportamentos, as omissões, ou as infracções previstas no último dos artigos, impõe-se, inelutavelmente, à Administração a revogação da autorização para o funcionamento da instituição offshore em questão. Não tem a Administração qualquer margem de livre apreciação ou decisão.
Contra o entendimento do acórdão recorrido de que o acto administrativo recorrido foi praticado no uso de poderes vinculados, não relevando, por conseguinte, a alegada violação de princípios jurídicos por parte do mesmo acto, contrapôs a recorrente com o disposto no n.º 3 do artigo 42.º, segundo o qual a intenção de revogar a autorização é previamente notificada à instituição em causa, a qual pode apresentar, no prazo de 5 dias úteis, as alegações que entenda desaconselharem a revogação.
Na tese da recorrente “é a própria lei admite a possibilidade de a entidade visada invocar circunstâncias que a desaconselhem.
O que quer, necessariamente, dizer que a Administração poderá ter essas circunstâncias em consideração, e decidir de modo diverso, por razões precisamente de conveniência, oportunidade, adequação e proporcionalidade, sob pena de o normativo do n.º 3 do artigo 42.º ser absolutamente inútil”.
Vejamos.
A norma determina que a Administração, antes de revogar a autorização de funcionamento, oiça a entidade em causa. Trata-se de norma especial prevendo a audiência do interessado, antes de ser tomada a decisão final, prevista em termos gerais nos artigos 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
Tem a instituição offshore o prazo de 5 dias úteis para apresentar as alegações que entenda desaconselharem a revogação. Não deixando de reconhecer que o legislador não foi inteiramente feliz na utilização da forma verbal em causa, o que se prevê é que o interessado pode alegar o que tiver por conveniente quanto à exactidão dos factos invocados ou à construção jurídica elaborada pela Administração para integrar os factos nas previsões das várias alíneas do n.º 1 do artigo 42.º. Mas daqui não se retira que a Administração possa ponderar se é conveniente ou oportuno proceder à revogação da autorização.
Tratando-se de acto praticado no exercício de poderes vinculados não é operante a alegação de violação de princípios jurídicos, de justiça, proporcionalidade ou outros, como tem este Tribunal decidido uniformemente.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso jurisdicional.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 UC.
Macau, 28 de Setembro de 2016.



Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa






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