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Processo n.º 30/2016
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: A
Recorrido: Conselho Superior da Advocacia
Data da conferência: 12 de Outubro de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Processo disciplinar
- Advogado
- Prazo de prescrição
- Dever de colaboração na administração da justiça

SUMÁRIO
1. O prazo de prescrição do procedimento disciplinar começa a correr desde o dia em que a infracção se consumou, nos termos do artigo 111.º do Código Penal, aplicável subsidiariamente, nos termos do art.º 65.º, al. a) do Código Disciplinar dos Advogados, e termina na data da formação do caso decidido da decisão disciplinar que, se tiver havido recurso contencioso da decisão disciplinar, coincide com o trânsito em julgado da sentença neste recurso contencioso.
2. Os vícios do acto administrativo, pela natureza das coisas, têm de preceder ou ser contemporâneos do acto. Não podem ser posteriores.
3. Quando o prazo de prescrição do procedimento disciplinar se completa após decisão punitiva e antes de se formar caso decidido, designadamente na pendência do recurso contencioso daquela decisão, cabe ao interessado suscitar a questão ao órgão decisor, não podendo fazê-lo no recurso contencioso, por falta de jurisdição do Tribunal.
4. Se o advogado, enquanto mandatário dos réus condenados como litigantes de má fé e subscritor de ambas as peças processuais, negou nas alegações de recurso um facto relevante para a decisão da causa que antes tinha sido expressamente confessado na contestação, violou o dever de colaboração na administração da justiça previsto no art.º 12.º do Código Deontológico dos Advogados, cujo n.º 2 impõe o dever de não advogar contra lei expressa, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correcta aplicação da lei ou a descoberta da verdade.

A Relatora,
Song Man Lei
  ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, advogado, interpôs recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Superior da Advocacia de 7 de Março de 2014, bem com da deliberação de 6 de Junho de 2014, ambas proferidas no âmbito do processo disciplinar n.º 07/2012/CSA, que o condenaram na pena disciplinar de advertência.
Por Acórdão proferido em 21 de Janeiro de 2016, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar improcedente o recurso.
Deste Acórdão vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A - O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no âmbito do processo disciplinar objecto dos presentes autos, na parte em que declarou improcedente a arguição de prescrição do procedimento disciplinar, bem como na parte que valorou a conduta do Recorrente como violadora da norma ínsita no art. 12.º, n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados.
B - Tal como resulta dos presentes autos, o Recorrente suscitou oportunamente a questão da prescrição, sufragando que, atenta a redacção do art. 11.º do Código Disciplinar dos Advogados, não se aplicam as causas de suspensão e de interrupção da prescrição previstas no Código Penal de Macau e, como tal, o procedimento disciplinar se encontra prescrito.
C - Do cotejo do n.º 1, com o n.º 2, do art. 11.º do Código Disciplinar dos Advogados, resulta que, no que diz respeito às infracções que constituam simultaneamente ilícito disciplinar e penal, o prazo de prescrição é o mais longo, donde, nesses casos, há que fazer recurso aos institutos da suspensão e da interrupção da prescrição. Nesses casos é a própria lei que manda aplicar o prazo de prescrição previsto na lei penal.
D - O Código Disciplinar dos Advogados de Macau teve por fonte o seu homólogo de Portugal constante, ao tempo, do Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março: à semelhança do n.º 1 do artigo 11.º do Diploma de Macau, o artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados de Portugal dispunha (na sua redacção inicial) que: “O procedimento disciplinar prescreve no prazo de 3 anos”.
E - Ora, a respeito da melhor interpretação do preceito, sempre correspondeu a orientação repetidamente afirmada na jurisprudência portuguesa (em especial, junto do Supremo Tribunal Administrativo (conferir, nomeadamente, o Acórdão do STA de 30.09.2010), nos termos do qual: “ O prazo de prescrição do procedimento disciplinar por infracção disciplinar praticada por advogado, estabelecido no artigo 99 do Estatuto da Ordem dos Advogados, na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei 80/2001, de 20 de Julho, corre continuamente, desde a data em que tenham sido praticados os correspondentes factos constitutivos, sem intervenção dos institutos da suspensão ou da interrupção.”
F - O Diploma de Portugal foi objecto de uma alteração legislativa, por intermédio da Lei n.º 80/2001, de 20 de Julho, tendo em vista a introdução dos institutos da interrupção e da suspensão da prescrição ao prazo prescricional no processo disciplinar contra advogados.
G - Situação que, até à data, não se verificou no âmbito da legislação vigente em Macau, na medida em que o Código Disciplinar dos Advogados aprovado pelo Despacho n.º 53/GM/95, não foi objecto de qualquer alteração.
H - A consagração legal de um regime jurídico da prescrição do procedimento disciplinar que não comporte causas de interrupção e suspensão é uma solução materialmente adequada, visto permitir conciliar o interesse do órgão decisor na efectivação da responsabilidade do infractor/arguido no processo disciplinar com a defesa dos direitos do próprio arguido, os quais que se prendem com o direito de não ver arrastarse no tempo uma situação que lhe é potencialmente gravosa.
I - Acresce que, constituindo o direito disciplinar um dos ramos do direito punitivo, a natureza da prescrição e as razões que pressupõem a actuação do instituto e do respectivo regime assumem-se substancialmente idênticas ao seu tratamento no âmbito do direito penal, donde não deverá ser permitida qualquer integração de lacunas por recurso a analogia.
J - Isto dito, deverá concluir-se que o procedimento disciplinar que impende sobre o Recorrente se encontra prescrito desde 15.04.2013, atendendo a que, entre a data da imputada infracção – 15.04.2010 – até ao presente já decorreram praticamente 6 anos, quase o dobro do prazo de prescrição legalmente previsto.
K - Porém, na hipótese de assim não se entender – o que apenas por mera cautela de patrocínio se pondera, sem conceder – a verdade é que a própria Entidade Recorrida apenas vem sustentando a aplicação de causas de interrupção da prescrição no âmbito dos processos disciplinares cuja instrução e decisão lhe compete.
O - O próprio Conselho Superior da Advocacia não tem considerado a aplicação de causas de suspensão previstas no art. 112.º do Código Penal.
P - É o que resulta da Acta do Conselho Superior da Advocacia da reunião realizada em 10 de Maio de 2002, junta como Doc. 1.
Q - Sucede que, mesmo considerando tal entendimento – aplicação dos prazos de interrupção previstos no art. 113.º do Código Penal ao processo disciplinar –, o prazo de prescrição do presente processo disciplinar também já ocorreu, porquanto, nos termos do art. 113.º, n.º 3 do Código Penal, já decorreu o prazo normal de prescrição (3 anos), acrescido de metade (1 ano e seis meses).
R - Pelo exposto, mesmo que ao processo disciplinar se apliquem os prazos de interrupção previstos no Código Penal, ainda assim, por aplicação do disposto no art. 113.º, n.º 3 do Código Penal, o presente processo disciplinar também se encontra prescrito.
S - Por último, na hipótese de assim não se entender – hipótese que por mera cautela de patrocínio se pondera, sem conceder – entende o Recorrente que também não deve merecer vencimento a tese exposta no Acórdão Recorrido, na medida em que, mesmo considerando a aplicação de uma causa de suspensão aos presentes autos – a notificação da acusação ao Recorrente em 08.01.2013 –, nesse caso, o prazo máximo de suspensão também já ocorreu em 08.01.2016.
T - No entender do Recorrente, e contrariamente ao entendimento que se sufraga no Acórdão recorrido, independentemente da data do acto punitivo em 07.03.2014, tal condenação do Recorrente sempre seria susceptível de recurso, donde, mesmo considerando que o prazo de prescrição se suspendeu em 08.01.2013 (com a notificação da acusação ao arguido), o prazo máximo de suspensão ocorreu em 08.01.2016. Donde, em qualquer caso, sempre se deverá considerar que o processo disciplinar se encontra prescrito desde 08.01.2016.
U - Quanto à condenação na pena disciplinar de advertência pela infracção prevista no art. 12.º, n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados, no entender do Recorrente, não obstante o mesmo ter sido condenado por litigância de má fé no âmbito dos autos cujos termos correram no Tribunal Judicial de Base sob o n.º CV1-05-0070-CAO, de tal facto não se pode retirar, como causa directa e necessária, que o Recorrente tenha incorrido na infracção disciplinar prevista no disposto no 12.º, n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados.
V - Tal como o Recorrente procurou explicar nos presentes autos, o raciocínio subjacente às afirmações vertidas nas alegações de recurso apresentadas em 15.04.2010 para o Tribunal de Segunda Instância, baseou-se na ideia de que um devedor não paga as dívidas ao procurador mas sim ao credor em nome do qual o procurador as recebe.
W - Na opinião do Recorrente, mesmo tendo presente o disposto no artigo 562.º, n.º 3 do Código do Processo Civil, no rigor dos princípios processuais que devem estar na base da prolacção de uma sentença isenta de vícios, os factos admitidos por acordo ou não impugnados são logo incluídos na lista dos factos assentes, aquando da respectiva selecção no despacho saneador.
X - E, por sua vez, os factos provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados são os que resultam provados nas respostas aos quesitos na sequência dos documentos apresentados ou da confissão reduzida a escrito das próprias partes, e da restante prova produzida em audiência.
Y - Foi com base no pressuposto de os factos não terem sido desde logo considerados assentes no despacho saneador, nem encontrarem expressão com exactidão nos factos dados como provados, no Acórdão que procedeu à resposta à matéria de facto, que o Recorrente arguiu a nulidade da sentença, com base no disposto no art. 571.º do Código de Processo Civil.
Z - No fundo, o Recorrente procurou chamar a atenção para um vício formal da sentença, e que, no seu entender, era susceptível de pôr em causa o seu conteúdo, no pressuposto de que o que alegara não encontrava expressão nos factos assentes ou nos factos provados.
AA - No entender do Recorrente, tal facto não deveria ter motivado uma condenação por litigância de má fé. Mas, sendo tal decisão irreversível, pelas razões expostas, entende o Recorrente que, no caso, não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Código Deontológico.

Não contra-alegou a entidade recorrida.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que não merece provimento o recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
Nos autos foram dados como assentes os seguintes factos com interesse à boa decisão da causa:
1. Em 02 de Dezembro de 2005, foi intentada uma acção declarativa de condenação pelo senhor B, aliás B1, casado com C, contra D, E e outros, na qual o Autor pedia a declaração de nulidade dos negócios celebrados, por alegada simulação, por fraude e conluio entre as partes e, subsidiariamente, a resolução do contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, por incumprimento definitivo e culpa dos 1.º, 2.º e 3.º Réus, a condenação dos mesmos no pagamento do dobro do sinal, e a condenação da 4.ª Ré no pagamento de obras de remodelação feitas na fracção em causa.
2. A referida acção correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Base de Macau, sob o n.º CV1-05-0070-CAO.
3. Na petição inicial, o autor alegou, nos artigos 1.º a 3.º, ter celebrado com o 1.º Réu, um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, tendo o 1.º Réu agido em representação dos proprietários do imóvel (2.º e 3.º Réus).
4. Nos artigos 4.º a 6.º da petição inicial, o Autor alegou que os 2.º e 3.º Réus haviam constituído procurador o 1.º Réu, tendo-lhe conferido plenos poderes em relação ao imóvel em questão, incluindo poderes para a prática de “negócio consigo mesmo” e para substabelecer.
5. Do artigo 7.º da petição inicial consta que, no referido contrato-promessa de compra e venda, as partes fixaram em HKD2.200.000,00 o preço do imóvel e do parque de estacionamento.
6. No artigo 8.º da petição inicial, o Autor alegou que pagou, no acto da assinatura do contrato-promessa, o montante de HKD300.000,00, através de uma ordem de caixa, emitida em 01 de Março de 2005, a favor do 1.º Réu.
7. No artigo 9.º da petição inicial, o Autor alegou que as partes estipularam que o remanescente do preço seria pago no acto da escritura pública.
8. Nos artigos 12.º, 17.º e 18.º da petição inicial foi alegado que, entretanto, o 1.º Réu acordou com o Autor a concretização do negócio através do substabelecimento, no Autor, de todos os poderes que os proprietários lhe haviam conferido, tendo-se munido da ordem de caixa, emitida no dia 15 de Abril de 2005, em favor do 1.º Réu, no valor de HKD1.900.000,00.
9. O participado interveio no processo judicial n.º CV1-05-0070-CAO, na qualidade de advogado, em representação de D e E, 1.ºs Réus, tendo, em nome daqueles, contestado a petição inicial, que deu entrada no Tribunal Judicial de Base de Macau no dia 14 de Julho de 2006 (a “Contestação”).
10. No artigo 3.º da referida Contestação, subscrita pelo participado, o 1.º Réu confessou ter recebido do Autor a quantia de HKD300.000,00, nos seguintes termos: “É igualmente verdade que o 1.º réu recebeu do autor a quantia de HKD300.000,00”.
11. No artigo 4.º da Contestação referiu “Porém, fê-lo, única e exclusivamente, em nome e representação dos 2.º e 3.º réus e de acordo com as instruções expressas da última”.
12. No artigo 25.º da Contestação, alegou “(...) o 1.º réu, após ter recebido do autor, em nome e representação dos 2.º e 3.º réus e de acordo com as instruções expressas da última, o sinal e o preço da fracção, acordou com a 3.ª ré proceder à compensação da quantia em causa com o valor do seu crédito sobre aqueles.”
13. No artigo 41.º da Contestação: “Sendo certo que o pagamento do crédito do 1.º réu sobre os 2.º e 3.º réus foi, de qualquer forma, obtido pela venda do imóvel ao autor a qual proporcionou, desde logo, aos 2.º e 3.º réus os fundos suficientes para o liquidar.”
14. No artigo 42.º da Contestação fez constar: “Não é verdade que o autor tenha pago ao 1.º réu quaisquer montantes respeitantes ao sinal e ao preço da fracção.”
15. No artigo 43.º da Contestação podemos ler “O 1.º réu recebeu do autor, em nome e representação dos 2.º e 3.º réus e de acordo com as instruções expressas da última, os montantes em causa e posteriormente, acordou com a 3.ª ré proceder à compensação das mesmas quantias com o valor do seu crédito sobre os proprietários do imóvel.”
16. No artigo 49.º da Contestação referiu “Porém, dos montantes entregues pelo autor ao 1.º Réu, apenas a quantia de HKD300.000,00 o foi a título de sinal.”
17. No artigo 50.º da Contestação acrescenta “Tendo todas as restantes sido entregues como pagamento do preço do imóvel.”
18. No artigo 53.º da Contestação refere ainda: “Mesmo que o Tribunal assim não entenda, dever-se-á considerar então que apenas parte do montante alegadamente recebido pelo 1.º réu teria o carácter de sinal atribuído pelas partes.”
19. No artigo 44.º da Contestação, os 1.ºs Réus impugnaram os factos constantes dos artigos 8.º, 10.º, 12.º a 18.º, 20.º, 22.º a 41.º, 45.º a 52.º, 54.º a 59.º,61.º a 73.º, 77.º a 82.º e 91.º a 110.º da petição inicial.
20. O Juiz do Tribunal Judicial de Base, que elaborou o despacho relativo aos factos assentes e base instrutória, considerou serem controvertidos os factos que constam dos quesitos 14.º, 62.º, 65.º e 66.º da base instrutória, que se transcrevem:
- Quesito 14.º : “O Autor muniu-se da ordem de caixa emitida em 15 de Abril de 2005, pelo [Banco], Sucursal de Macau, em favor do 1.º Réu, no valor de HK$1,900,000.00 (um milhão e novecentos mil dólares de Hong Kong)?”;
- Quesito 62.º : “O 1.º Réu recebeu do Autor a quantia de HKD300.000,00, em nome e representação dos 2.º e 3.º Réus de acordo com instruções expressas da última?”;
- Quesito 65.º : “O 1.º Réu, após ter recebido do Autor, em nome e representação dos 2.º e 3.º Réus de acordo com as instruções expressas da última a quantia de HK$300.000,00 e o preço da fracção, acordam com a 3.ª Ré proceder à compensação daquela quantia com o valor que aqueles lhe “deviam”?”;
- Quesito 66.º : “Dos montantes que o Autor entregou ao 1.º Réu, apenas a quantia de HK$300.000,00, foi a título de sinal?”;
21. Na resposta aos quesitos, o Tribunal Judicial de Base deu como provado, entre outros, os seguintes factos:
- o Autor se havia munido da ordem de caixa emitida em 15 de Abril de 2005, pelo [Banco], Sucursal de Macau, em favor do 1.º Réu, no valor de HK$1,900,000.00 (um milhão e novecentos mil dólares de Hong Kong) (quesito 14.º);
- dos montantes que o Autor entregou ao 1.º Réu, apenas a quantia de HK$300,000.00, foi a título de sinal (quesito 66.º);
- o Autor pagou, no acto da assinatura do contrato-promessa, o montante de HK$300,000.00 (trezentos mil dólares de Hong Kong) através da ordem de caixa n.º HXXXXXX, emitida em 01 de Março de 2005, pelo [Banco], Sucursal de Macau, em favor do 1.º Réu, D (quesito 62.º); e
- o 1.º Réu acordou com a 3.ª Ré a compensação da dívida com o valor recebido da venda daquela fracção (quesito 65.º).
22. Nas alegações de direito, que deram entrada no Tribunal Judicial de Base em 01 de Dezembro de 2008, subscritas pelo participado, consta, com relevância nesta sede, no artigo 10.º, que “(...) ainda que o réu D houvesse incumprido definitivamente perante o autor a promessa de compra e venda, (...) nem assim seria aquele responsável pelo pagamento da quantia de HK$4.740.000,00.”;
23. No artigo 11.º das alegações de direito, refere que “(...) para que o promitente comprador possa exigir o pagamento em dobro da totalidade das quantias por si entregues ao promitente vendedor no âmbito da promessa de compra e venda, é necessário que aquelas tenham sido, todas elas, oferecidas com carácter de sinal.”;
24. No artigo 12.º das alegações de direito referiu “Porém, dos montantes entregues pelo autor ao 1.º réu, apenas a quantia de HK$300.000,00 o foi a título de sinal.”;
25. No artigo 13.º das alegações de direito refere “Tendo todas as restantes sido entregues como pagamento do preço do imóvel.”;
26. Nas alegações de direito subscritas pelo participado não se pôs em causa o facto de ter havido o pagamento de determinadas quantias, referindo-se apenas que as quantias pagas foram entregues como pagamento do preço, à excepção da quantia entregue aquando a celebração do contrato-promessa, no valor de HK$300.000,00, que foi oferecido a título de sinal.
27. Posteriormente, por acórdão de 11 de Janeiro de 2010, o Tribunal Judicial de Base declarou resolvido o contrato-promessa e condenou o 1.º Réu a restituir ao Autor a quantia de HK$2.200.000,00 e a 3.ª Ré a pagar ao Autor a quantia de HK$170.000,00.
28. O 1.º Réu, representado pelo participado, interpôs recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base, invocando a nulidade do mesmo, nos termos do artigo 571.º do Código de Processo Civil, por considerar que a matéria provada nos autos era insuficiente para suportar a conclusão de que o 1.º Réu havia recebido do autor a quantia de HK$2,200,000.00, e a consequente decisão de condenar o 1.º Réu a restituir a referida quantia ao Autor.
29. No artigo 5.º das alegações de recurso, o participado, em representação do 1.º Réu, referiu “Ora, antes de mais, não se provou nos autos que o autor, para além das quantias de HK$300.000,00 e HK$170.000,00, haja pago qualquer outro montante.”
30. No artigo 6.º das alegações de recurso refere “Com efeito, quanto ao remanescente do preço da fracção, provou-se apenas que o autor e o réu D, com o conhecimento da ré F, acordaram em proceder ao pagamento da totalidade do preço estipulado (cfr. resposta ao quesito 41.º) e que o autor muniu-se da ordem de caixa a favor do réu D, no valor de HK$1,900.000,00 (resposta ao quesito 14.º).”
31. No artigo 7.º das alegações de recurso pode ler-se a conclusão de “Não ficou demonstrado, portanto, que o autor pagou efectivamente essa quantia a quem quer que seja mas apenas que acordou com o réu D pagá-la, tendo-se munido da ordem de caixa nesse valor a favor deste que, aliás, não sabemos se lhe entregou.”
32. No artigo 8.º das alegações de recurso concluiu “Logo, se não se provou que o autor pagou a quantia HK$1,900.000,00, naturalmente que também não se provou que o réu D a recebeu.”
33. E acrescentou, por cautela de patrocínio, que o Réu D actuou sempre em nome dos 2.º e 3.º Réus, razão pela qual os actos praticados pelo primeiro produziram efeitos apenas nas esferas jurídicas dos segundos.
34. No art. 13.º das alegações de recurso consta “O que significa que tudo quanto o réu D recebeu do autor, recebeu-o em nome e por conta dos réus G e F.”
35. No art. 14.º alegou “Ao receber do autor o sinal e o preço da fracção, o réu D pratica um acto cujos efeitos se produzem não na sua esfera jurídica mas sim nas esferas jurídicas dos réus G e F.”
36. O Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso interposto pelo 1.º Réu, tendo confirmado a decisão recorrida, e condenou os 1.ºs Réus como litigantes de má-fé, na multa de 10 unidades de conta, nos termos do artigo 385.º, n.º 2, a) do CPC e 101.º, n.º 2 do Código das Custas, pelo facto de os 1.ºs Réus terem vindo negar, em sede de recurso, um facto (o do recebimento do preço da fracção, no valor de HK$1,900,000.00) que não podia ser ignorado pelos Recorrentes, e cuja existência foi declarada por confissão expressa na Contestação.
37. Os 1.ºs Réus, representados pelo participado, recorreram deste aresto que os condenou como litigantes de má fé, para o Tribunal de Ultima Instância (TUI), alegando não terem negado que o Autor pagou a quantia de HK$1,900,000.00, referindo que não tinha ficado provado nos autos que o Autor lhe tinha pago essa quantia, mas apenas que o Autor tinha acordado com o Recorrente pagá-la, tendo-se munido de ordem de caixa a favor dele.
38. O TUI negou provimento ao recurso e considerou que o mandatário teve responsabilidade directa nos actos pelos quais se revelou a má fé na causa, tendo determinado proceder à comunicação ao Conselho Superior da Advocacia, nos termos do art. 388.º do CPC, por consubstanciar uma violação da alínea d) do artigo 385.º do CPC.
39. Por deliberação de 16/03/2012, o Conselho Superior da Advocacia determinou a instauração do processo disciplinar comum contra o ora Recorrente, nomeando, para o efeito, a Dra. H como instrutor.
40. Em 07/01/2013, a Srª. Instrutora deduziu acusação contra o ora Recorrente.
41. Em 08/01/2013, o ora Recorrente foi notificado da acusação.
42. Em data não apurada, o ora Recorrente apresentou defesa escrita (fls. 168 e ss. do PA).
43. Em 03/12/2013, a Srª. Instrutora apresentou o relatório final constante a fls. 186 a 196 do PA, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
44. Com base nos factos referidos nos pontos n.ºs 1 a 38 e ao abrigo do da al. a) do n.º 1 do art. 41.º do Código Disciplinar dos Advogados, o Conselho Superior de Advocacia, deliberou, em 07/03/2014, em aplicar ao ora Recorrente uma pena disciplinar de advertência, com o pagamento integral, através da devolução ao seu constituinte, da totalidade das custas do recurso para o TUI e da quantia correspondente à multa da condenação da litigância de má-fé.

3. Direito
No presente recurso jurisdicional, foram suscitadas as questões referentes à prescrição do procedimento disciplinar e à valoração da conduta do recorrente como infracção disciplinar (violação da norma ínsita no art.º 12.º n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados).

3.1. Da prescrição
No Acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância entende que, uma vez inexistentes no Código Disciplinar dos Advogados normas expressas reguladoras da matéria da suspensão e da interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, é de aplicar subsidiariamente o regime previsto no Código Penal, por força da remissão da al. a) do art.º 65.º do mesmo Código Disciplinar.
Já na óptica do recorrente, atenta a redacção do art.º 11.º do Código Disciplinar dos Advogados, não se aplicam as causas de suspensão e de interrupção da prescrição previstas no Código Penal, sendo que o procedimento disciplinar se encontra prescrito.
Cremos não assistir razão ao recorrente.
Desde logo, é de lembrar que recentemente este Tribunal de Última Instância já se pronunciou sobre a questão ora em apreço, expondo as seguintes considerações:
“Dispõe o artigo 65.º do Código Disciplinar dos Advogados que são aplicáveis supletivamente no âmbito da interpretação e integração das lacunas desse Código o direito penal vigente na Região.
No que toca a normas substantivas tal Código contém três artigos, o artigo 41.º elencando as penas disciplinares e o artigo 42.º atinente à graduação das penas e ao artigo 11.º relativo à prescrição do procedimento disciplinar, que se limita a estatuir sobre o prazo de prescrição das infracções e que a prescrição é de conhecimento oficioso.
Ora, é evidente que, no mais tem de se recorrer ao Código Penal, que o Código manda expressamente aplicar. Especificando no que se refere à prescrição do procedimento disciplinar, não pode deixar se aplicar o Código Penal, quanto à prescrição do procedimento criminal, ao qual dedica quatro artigos, com as adaptações que se impuserem pela diferente natureza dos procedimentos.
Assim, devem considera-se aplicáveis ao procedimento disciplinar dos advogados os artigos 112.º e 113.º do Código Penal, respectivamente dispondo sobre suspensão e interrupção da prescrição.”1
É de manter tal entendimento.
Nos termos do art.º 111.º do Código Penal, aplicável subsidiariamente, por força do disposto no art.º 65.º, al. a) do Código Disciplinar dos Advogados, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar dos advogados começa a correr desde o dia em que a infracção se consumou e termina na data da formação do caso decidido da decisão disciplinar que, se tiver havido recurso contencioso da decisão disciplinar, coincide com o trânsito em julgado da sentença neste recurso contencioso.2
O prazo prescricional é de 3 anos, ao abrigo do disposto no art.º 11.º n.º 1 do Código Disciplinar dos Advogados.
Com a notificação da acusação ao arguido, começa a correr o prazo de suspensão, nos termos do art.º 112.º n.º 1, al. b), do Código Penal, sendo certo que, neste caso, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos e a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (n.ºs 2 e 3 do art.º 112.º).
No caso dos presentes autos, tendo em conta as datas em que foram praticados os factos susceptíveis de punição disciplinar (15/04/2010) e foi o Recorrente notificado da acusação (08/01/2013, com o que se suspendeu prazo de prescrição), é evidente que não se encontra ainda prescrito o procedimento disciplinar contra o recorrente, reparando que o acto punitivo foi praticado no dia 07/03/2014.
A conclusão deve ser a mesma se se tomar em consideração a aplicação de causas de interrupção da prescrição, já que, conforme a disposição no n.º 3 do art.º 113.º do Código Penal, a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, que perfaz 4 anos e 6 meses, no presente caso.
Alega ainda o recorrente que o processo disciplinar contra ele instaurado se encontra sempre prescrito desde 15/10/2014 ou 08/01/2016, consoante o caso de interrupção ou suspensão da prescrição, independentemente da data do acto punitivo em 07/03/2014, susceptível de recurso.
Ora, sobre tal questão é de reafirmar o entendimento deste Tribunal de Última Instância no sentido de considerar que, quando o prazo de prescrição do procedimento disciplinar se completa após decisão punitiva e antes de se formar caso decidido, designadamente na pendência do recurso contencioso daquela decisão, cabe ao interessado suscitar a questão ao órgão decisor, não podendo fazê-lo no recurso contencioso, por falta de jurisdição do Tribunal.
Na verdade, o acórdão recorrido não poderia conhecer de eventual prescrição ocorrida após a data do acto punitivo recorrido visto que o objecto do recurso contencioso é o acto administrativo em causa e não qualquer outro acto.3
Daí que a prescrição hipotética alegadamente ocorrida em 15/10/2014 ou 08/01/2016 não podia ser objecto de apreciação no Acórdão recorrido.
Não merece censura o Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância.

3.2. Da infracção disciplinar
Na tese do recorrente, não obstante ele ter sido condenado por litigância de má fé no âmbito dos autos n.º CV1-05-0070-CAO, de tal facto não se pode retirar, como causa directa e necessária, que ele tenha incorrido na infracção disciplinar prevista no disposto no art.º 12.º n.º 2 do Código Deontológico dos Advogados.
Desde logo, é de salientar que só a parte pode ser condenada como litigante de má fé, tal como decorre da disposição no art.º 385.º do Código de Processo Civil.
Se o tribunal considerar que o mandatário da parte que litigou de má fé teve responsabilidade pessoal nos actos reveladores da má fé, deve fazer-se uso do procedimento previsto no art.º 388.º do CPC, dando conhecimento do facto ao organismo representativo dos advogados para que este possa aplicar as sanções respectivas.
Em bom rigor, não se deve dizer que a punição disciplinar do recorrente constitui consequência directa e necessária da sua condenação por litigância de má fé.
Na realidade, o que decorre dos autos é que, pela prática dos factos descritos nos autos, foram os 1.ºs Réus condenados como litigantes de má fé e, quanto ao ora recorrente, mandatário daqueles Réus na referida acção, o Tribunal de Última Instância considerou que ele teve responsabilidade directa nos actos pelos quais se revelou a má fé, tendo determinado proceder à respectiva comunicação ao Conselho Superior da Advocacia, nos termos do art.º 388.º do CPC, por consubstanciar uma violação da al. d) do art.º 385.º do CPC.
Uma coisa é a condenação da parte por litigância de má fé, outra é a comunicação feita ao Conselho Superior da Advocacia sobre a responsabilidade do mandatário nos actos e a eventual aplicação da sanção disciplinar que o Conselho achar adequada.
Vamos ver se a actuação do recorrente descrita nos autos incorre, ou não, na infracção disciplinar prevista no n.º 2 do art.º 12.º do Código Deontológico dos Advogados.
Dispõe a norma em causa o seguinte:
“Artigo 12.º
(Colaboração na administração da justiça)
1. O advogado deve pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento das instituições.
2. Constitui dever do advogado, no exercício da sua profissão, não advogar contra lei expressa, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correcta aplicação da lei ou a descoberta da verdade.”
Resulta da factualidade assente que:
- O ora recorrente interveio no processo judicial n.º CV1-05-0070-CAO, na qualidade de advogado, em representação dos 1.ºs Réus, tendo, em nome daqueles, contestado a petição inicial.
- Na contestação subscrita pelo recorrente, o 1.º Réu confessou ter recebido do Autor o sinal e o preço da fracção em causa, salientando que fê-lo em nome e representação dos 2.º e 3.º réus e de acordo com as instruções expressas da última. E dos montantes entregues pelo autor ao 1.º Réu, apenas a quantia de HKD300.000,00 o foi a título de sinal, tendo todas as restantes sido entregues como pagamento do preço do imóvel. (nomeadamente artigos 3.º, 4.º, 25.º, 43.º, 49.º e 50.º da contestação).
- Na resposta aos quesitos, o Tribunal Judicial de Base deu como provado que o Autor se havia munido da ordem de caixa emitida em 15 de Abril de 2005, pelo [Banco], Sucursal de Macau, em favor do 1.º Réu, no valor de HK$1,900,000.00 e dos montantes que o Autor entregou ao 1.º Réu, apenas a quantia de HK$300,000.00, foi a título de sinal (quesitos 14.º e 66.º).
- Nas alegações de direito subscritas pelo recorrente não se pôs em causa o facto de ter havido o pagamento da quantia em questão, referindo-se apenas que as quantias pagas foram entregues como pagamento do preço, à excepção da quantia de HK$300.000,00, que foi oferecido a título de sinal (nomeadamente artigos 12.º e 13.º).
- Nas alegações de recurso, interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base, o recorrente, em representação do 1.º Réu, referiu que “não se provou nos autos que o autor, para além das quantias de HK$300.000,00 e HK$170.000,00, haja pago qualquer outro montante”, “não ficou demonstrado, portanto, que o autor pagou efectivamente essa quantia a quem quer que seja” e que “se não se provou que o autor pagou a quantia HK$1,900.000,00, naturalmente que também não se provou que o réu D a recebeu.” (nomeadamente artigos 5.º, 7.º e 8.º das alegações de recurso)
Ora, perante a factualidade acima transcrita, não resta dúvida em dizer que o 1.º Réu, representado pelo recorrente, confessou na contestação (e também nas alegações de direito) que tinha recebido do autor a quantia para além das admitidas, facto este que foi dado como assente pelo Tribunal Judicial de Base, entretanto negado depois em sede de recurso pelo recorrente, em representação do 1.º Réu.
Tal actuação constitui a litigância de má fé por parte dos 1.ºs Réus, que foram condenados pelo Tribunal de Última Instância nos termos da al. d) do art.º 385.º do CPC, enquanto o recorrente foi considerado ter responsabilidade directa nos actos pelos quais se revelou a má fé na causa, tendo o Tribunal procedido à comunicação ao Conselho Superior da Advocacia, nos termos do art.º 388.º do CPC, o que determinou a instauração do processo disciplinar contra o recorrente.
No que concerne à sua responsabilidade, é de salientar que, como mandatário dos Réus condenados como litigantes de má fé, subscritor de ambas as peças processuais (contestação e alegações de recurso), o recorrente negou um facto relevante para a decisão da causa que antes tinha confessado, respeitante ao pagamento pelo autor ao 1.º Réu do preço do imóvel.
Ora, a negação posterior pelo recorrente, enquanto mandatário, dum facto relevante que foi expressamente confessado na contestação e que não foi posto em causa nas alegações de direito, subscritas pelo mesmo recorrente, constitui violação dum dever legalmente imposto a advogados, nomeadamente pela norma contida no n.º 2 do art.º 12.º do Código Deontológico dos Advogados, que têm o dever de colaboração na administração da justiça, não devendo advogar contra lei expressa, usar de meios ou expedientes ilegais, ou promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correcta aplicação da lei ou a descoberta da verdade (o sublinhado é nosso).
E como advogado, o recorrente devia cumprir, no exercício da sua profissão, o seu dever, colaborando na administração da justiça, e não antes optando pela actuação diferente.
A conduta do recorrente integra-se, sem dúvida, na infracção disciplinar em causa, com violação do dever imposto pelo n.º 2 do art.º 12.º do Código Deontológico dos Advogados.
Queria o recorrente justificar a sua conduta com o facto de os factos em causa não terem sido desde logo considerados assentes no despacho saneador, nem encontrarem expressão com exactidão nos factos dados como provados, no Acórdão que procedeu à resposta à matéria de facto.
É de transcrever aqui as seguintes considerações deste Tribunal de Última Instância expostas no Acórdão n.º 39/2011, de 4 de Outubro de 2011, para mostrar a sem razão do recorrente:
《4. O acordo das partes nos articulados, ainda que não constante do despacho do artigo 430.º do Código de Processo Civil, impõe-se ao juiz da sentença e aos tribunais de recurso
Por outro lado, apesar de o juiz que elaborou o despacho relativo aos factos assentes e base instrutória (artigo 430.º do Código de Processo Civil) não ter dado como assente o pagamento daquela quantia de HK$1,900,000.00, como deveria ter feito, face à confissão expressa do réu, atento o disposto nos artigos 80.º e 410.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, o facto não deixa de estar plenamente provado nos autos, isto é, subtraído à decisão do tribunal colectivo que julgou a matéria de facto, que aliás, só emitiu pronúncia nos termos atrás referidos.
Na verdade, o acordo das partes nos articulados sobre determinado ponto de facto constitui prova plena, pois a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente (artigo 351.º, n.º 1 do Código Civil), sendo que a confissão não foi retirada (artigo 80.º do Código de Processo Civil).
E os factos provados por meio de prova plena devem ser considerados como tais, pelo juiz na sentença e pelos tribunais de recurso, ainda que não constem como factos assentes no despacho do artigo 430.º, sendo que o tribunal de julgamento nem sequer pode emitir pronúncia sobre eles, atento o disposto no artigo 549.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (“Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, confissão ou falta de impugnação”).4
Esta doutrina resulta do disposto no artigo 562.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz, na sentença, não tem que considerar como provados apenas os factos que integrem os dados como assentes no despacho do artigo 430.º e os que o tribunal de julgamento deu como provados, mas antes “Na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provado” (artigo 562.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Foi neste sentido, o Acórdão deste TUI de 1 de Junho de 2011, no Processo n.º 20/2011.
Isto é pacífico5, ….》
Tais considerações também valem para o presente caso.
Ora, não se pode admitir a ignorância do recorrente nesta matéria, sendo ele mandatário forense, profissional de direito.
Improcede o recurso, também nesta parte.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 6 UC.

Macau, 12 de Outubro de 2016

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa


1 Ac. do TUI, de 9 de Março de 2016, Proc. n.º 49/2015.
2 Ac. do TUI, de 17 de Junho de 2015, Proc. n.º 37/2015 e de 9 de Março de 2016, Proc. n.º 49/2015.
3 Ac. do TUI, de 17 de Junho de 2015, Proc. n.º 37/2015 e de 9 de Março de 2016, Proc. n.º 49/2015.
4 O sublinhado é nosso.
5 CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, II Volume, 1987, p. 509, J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2008, p. 677 e M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 352.
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Processo n.º 30/2016