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Processo nº 428/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 15 de Setembro de 2016

ASSUNTO:
- Suspensão da instância

SUMÁRIO:
- O nº 1 do artº 223º do CPCM apenas prevê uma possibilidade da suspensão da instância por parte do juíz face à existência da pendência da causa prejudicial, e não uma obrigatoriedade da suspensão da instância, ou seja, ainda que haja a pendência da causa prejudicial, o juíz pode optar suspender a instância da lide ou continuar prosseguir da mesma.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 428/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 15 de Setembro de 2016
Recorrente: Farmácia A Limitada (Ré)
Objecto do Recurso: Despacho que indeferiu o pedido de suspensão da instância

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 09/10/2015, foi indeferido o pedido de suspensão da instância da Ré Farmácia A Limitada.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. Da falta de interesse em agir - Face à renovação em 8/05/2015 das deliberações tomadas na assembleia geral de 30/06/2014, ainda que a presente acção procedesse, o Autor ficaria na mesma situação em que já se encontrava antes da sua instauração, voltando tudo ao «status quo ante».
B. Isto por a razão de ser deste pressuposto processual ser precisamente a de evitar ... que sejam impostos custos ao demandado e aos tribunais numa situação em que não se fundamenta o recurso aos órgãos jurisdicionais (Cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in "O interesse Processual na Acção Declarativa", Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1989, pág. 5).
C. Daí a falta de interesse em agir do Autor, sem o qual a presente instância não pode prosseguir.
D. Ciente disso, o Autor optou pela impugnação autónoma nos autos CV2-15-0050-CAO da deliberação renovatária das deliberações objecto da presente acção (fls. 248-262).
E. Sucede que enquanto não for decidida a acção dos autos CV2-15-0050-CAO não há como saber se a deliberação que os sócios da Ré qualificaram como renovatória é ou não apta à produção dos efeitos a que se destina.
F. Na jurisprudência comparada atente-se, pelo seu interesse para o caso concreto, no Ac. da RP, de 12/05/2008, Relator: XXX, Processo 0836512, segundo o qual: "Impugnada também a deliberação dita renovatória, com fundamento em não ser renovatória e enfermar dos mesmos vícios da primeira, só depois de decidida esta acção se poderá avaliar da repercussão a ter na acção instaurada para anulação da primeira deliberação adoptada sobre a mesma matéria."
G. E no Acórdão da RL, de 03/03/2009, Relator: XXX, Processo 1008/07.0TYLSB-7, segundo o qual: havendo lugar à impugnação da nova deliberação em processo judicial autónomo, não pode deixar de suspender-se a instância no primeiro processo até que neste último seja proferida decisão final. (Cfr. Ac. RL, de 03/03/2009, Relator: XXX, proferido no processo 1008/07.0TYLSB-7).
H. Na doutrina, por exemplo, escreve XXX na sua tese "As Deliberações Renovatórias Inválidas", se forem propostas duas acções contra as duas deliberações, haverá suspensão da instância da primeira acção proposta, enquanto a segunda não for decidida (cfr. arts. 276.º, c) e 279.º CPC). Tal é devido ao facto de, só depois de se aferir se a segunda pode valer como renovatória, que a primeira acção pode prosseguir, e esta é uma questão relativa ao mérito da causa só apreciável a final.
I. Acrescentando, Se a deliberação renovatória for tomada no decurso do processo judicial para acção de anulação, quer por convite do Tribunal, quer por iniciativa da sociedade Ré, deverá haver suspensão da instância da primeira acção, enquanto a segunda não for decidida, de modo a aferir se efectivamente a deliberação subsequente renova ou não a primeira (cfr. arts. 276.º c) e 279.º do CPC).
J. Também assim, ao abrigo do direito anterior, XXX, "Anulação de Deliberação e deliberações Conexas", Atlântida Editora., págs. 537 a 541.
K. Isto porque a deliberação renovatória implica a revogação ex nunc, uma vez que os efeitos da deliberação antecedente deixam de se poder produzir para o futuro, dando lugar aos da própria deliberação renovatória.
L. No mesmo sentido, XXX, em "Renovação de Deliberações Sociais", onde se escreveu que "Através da renovação, os sócios refazem a deliberação que antes haviam tomado, concluindo sobre o seu objecto uma nova deliberação destinada a absorver o conteúdo daquela e a tomar o lugar dela", deste modo afastando "os inconvenientes que ao desenvolvimento regular da sua actividade põe a existência de uma deliberação viciada ou, ao menos, a incerteza da sua validade" (nota de rodapé 16 das presentes alegações).
M. Por isso, na sequência dos requerimentos de fls. 224 e ss e de fls. 293, não poderia a instância prosseguir sem que se pudesse aferir, em função do desfecho do processo CV2-15-0050-CAO, se se mantinha ou não a necessidade de tutela judiciária que levara o Autor a propor a presente acção.
N. Tal solução de suspender a instância era assim, a que, na perspectiva da Ré, deveria ter sido tomada pelo Tribunal a quo.
O. Da eficácia da deliberação renovatória - Pretende-se com o processo CV2-15-0050-CAO a anulação da deliberação renovatória tomada na assembleia geral de 8/05/2015.
P. Isto por o Autor achar que ela é anulável.
Q. Sucede que a deliberação anulável, deixando de produzir os seus efeitos caso seja anulada por sentença judicial - que tem assim efeitos constitutivos - produz até esse momento, ressalvados os casos de suspensão, os efeitos jurídicos a que tendia - Cf., quanto ao regime jurídico da anulabilidade das deliberações, Prof. PINTO FURTADO, "Deliberações de Sociedades Comerciais", págs. 706-707.
R. Logo, sendo meramente anulável, a deliberação renovatória, produzindo todos os efeitos que lhe são próprios até vir a ser eventualmente anulada, determinará, por falta de interesse em agir, a absolvição da instância da sociedade na acção pendente. (MANUEL CARNEIRO DA FRADA, notas de rodapés 16 e 17 destas alegações).
S. Ora, é justamente o que acontece in casu, sendo evidente que a mera impugnação da deliberação renovatória "anulável" empreendida pelo Autor nos autos CV2-15-0050-CAO, não suspendeu a sua eficácia, sendo que, enquanto não for anulada (se alguma vez o for), produz todos efeitos jurídicos a que se destinava.
T. E se a deliberação renovatória surtiu, desde o início, todos os efeitos a que se destinava, afigura-se que com a renovação das primitivas deliberações a presente acção de impugnação ficou sem ter o que impugnar, pelo que tinha de ser suspensa até a decisão da acção dos autos CV2-15-0050-CAO.
U. Da relação de prejudicialidade - O que nos leva à questão de saber se estão ou não verificados os pressupostos de que depende a suspensão da instância, na presente acção, até à decisão da acção, que, sob o na CV2-15-0050-CAO, corre os seus termos pelo 2.º juízo cível do Tribunal Judicial de Base.
V. Ora, a decisão da presente acção exige e pressupõe que as deliberações tomadas na assembleia geral de 30/06/2014 não tenham sido validamente renovadas pela deliberação tomada na assembleia geral 8/05/2015.
W. E é precisamente a questão da validade da deliberação renovatória tomada na assembleia geral 8/05/2015 que se discute na acção dos CV2-15-0050-CAO prejudicial.
X. Sendo que uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda (A. DOS REIS, "Comentário ao Código de Processo Civil", vol. 3.°- 206 e Ac. RP, de 25.6.1969: JR, 15.º-670).
Y. É justamente essa a situação do caso sub iudice, uma vez que o sentido da decisão acerca da alegada anulabilidade da deliberação renovatória na acção dos autos CV2-15-0050-CAO influencia o sentido e constitui premissa da decisão que venha a ser tomada na presente acção, dado que se não for anulada a deliberação renovatória das deliberações que foram impugnadas no presente processo, desaparece o seu objecto e com ele a carência de tutela judiciária que levou o Autor a intentá-lo.
Z. Logo, existe entre a acção dos autos CV2-15-0050-CAO e a presente acção uma incontornável conexão, na medida em que a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda.
AA. E, para constatar esse facto basta comparar a deliberação renovatória (acta de fls. 226 e ss.) objecto do processo CV2-15-0050-CAO com as primitivas deliberações (acta de fls. 49 e ss.) objecto dos presentes autos.
BB. Isto porque, de facto, aquilo que, no essencial, está em causa em ambas as acções é a anulabilidade das deliberações aprovação das contas anuais, do relatório da administração e da proposta de aplicação de resultados do exercício de 2013, sendo que a improceder a acção de anulação proposta pelo Autor nos autos CV2-15-0050-CAO, o objecto da presente acção deixa de existir.
CC. Assim, tendo a deliberação renovatória de fls. 225 e ss. tomada na assembleia geral de 8/05/2015 substituído as deliberações anteriores tomadas na assembleia geral de 30/06/2014 (ou não se sabendo se tal substituição ocorreu ou não), não é possível conhecer do objecto da presente acção sem que a acção dos autos CV2-15-0050-CAO se venha a mostrar procedente.
DD. A decisão da presente acção pressupõe, por isso, a anulação da deliberação renovatória consignada na acta de fls. fls. 226 e ss., sem o que a instância não pode, em rigor, prosseguir.
EE. Logo, não é possível apreciar o objecto processual da presente acção sem que se pressuponha a procedência do pedido formulado no processo CV2-15-0050-CAO.
FF. E, sendo assim é necessariamente de concluir pela existência do nexo de prejudicialidade descrito no disposto no artigo 223°/1, primeira parte, do CPC, entre ambas as acções, sendo de julgar procedente o recurso.
GG. Do motivo justificado - Por outro lado, ainda que, por hipótese, o Tribunal a quo entendesse não existir prejudicialidade, sempre ocorreria motivo justificado para a suspensão da presente acção até à decisão da acção dos autos CV2-15-0050-CAO, de forma a evitar o risco de incompatibilidade de fundo entre as decisões a proferir em ambas as acções, que poderia decorrer do prosseguimento simultâneo de ambos os processos.
HH. Isto, porque pode muito bem acontecer que a presente acção proceda, e a acção de impugnação da deliberação renovatória não proceda. Neste caso, verificar-se-á uma escusada incompatibilidade de fundo entre julgados.
II. É que o critério orientador decisivo para uma correcta utilização da faculdade contemplada no 223.°/1, última parte, do CPC é o de prevenir, através do decretamento da suspensão da instância, a eventualidade de a mesma questão poder vir a ser objecto de decisões incoerentes, quiçá mesmo contraditórias entre si, como sucederá, por exemplo, se a acção de anulação da deliberação renovatória for julgada improcedente e a presente acção procedente.
JJ. Assim, tendo em conta que nos autos CV2-15-0050-CAO existe a possibilidade de improcedência da acção de anulação da deliberação renovatória que substituiu as deliberações tomadas na assembleia geral de 30/06/2014 e, no caso da presente acção, existe a possibilidade de o tribunal vir a concluir pela invalidade dessas mesmas deliberações numa data em que elas já não existem no mundo do Direito por força da eficácia plena e imediata do deliberado em 8/05/2015, é real o perigo de julgados incoerentes ou contraditórios entre si.
KK. Assim, a decisão recorrida, ao consentir que ambas as acções corram em simultâneo, não observou o disposto no artigo 223.°/1 do CPC, pelo que, salvo melhor entendimento, deverá ser revogada.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
- Em 18/05/2015 a Ré requereu a junção aos autos da acta das deliberações renovatórias das deliberações tomadas nas assembleias gerais de 27/06/2013 e 30/06/2014, pedindo a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide.
- Em 08/06/2015, o Autor B informou o Tribunal de que havia interposto acção de anulação dessas deliberações, concluindo que, por isso, não podiam tais deliberações ser renovatórias ou substitutivas das que tinham sido por si impugnadas nos autos.
- Sobre o requerido a fls. 224 do Proc. nº CV3-14-0052-CAO recaiu o despacho de fls. 263 que indeferiu o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide de fls. 224 pelo facto de as deliberações de fls. 226-242 tomadas na assembleia geral de 08/05/2015 terem sido impugnadas judicialmente conforme a petição inicial de fls. 248-262.
- Em 01/09/2015, a Ré notificada do requerimento de fls. 269 e da certidão de fls. 270-285 do Proc. nº CV3-14-0052-CAO que o instruiu, veio requerer, ao abrigo do disposto no artigo 223/1 do Código de Processo Civil, que fossem suspensos os termos da presente acção com vista a saber qual o desfecho da acção de impugnação da deliberação social renovatória de fls. 221 e ss. que corre termos pelo 2.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base sob o n.º CV2-15-0050-CAO, e evitar o desenvolvimento de actividade processual que viesse a revelar-se inútil ou conduzisse a decisões contraditórias.
- Sobre o requerimento de fls. 293 do Proc. nº CV3-14-0052-CAO recaiu a seguinte decisão:
«Fls: 293
Pretende a Ré a suspensão de instância com base no que alega a fls. 293.
Diremos que, a seguirem os presentes autos, na pior das hipóteses - em face da decisão que for proferida em relação à impugnação da deliberação "renovatária" e com eventual virtualidade de determinar a inutilidade da instância - o tribunal ter-se-á esforçado desnecessariamente.
Todavia, a proceder tal impugnação, então o nosso trabalho não foi em vão.
Desta sorte, não vemos razão para suspender os autos, consequentemente indeferindo o pedido em apreciação.»
- O processo nº CV3-14-0052-CAO encontra-se agendado para audiência de julgamento no dia 27/10/2016.
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III – Fundamentação:
O presente recurso consiste em saber se deve ou não suspender a instância do Proc. nº CV3-14-0052-CAO.
Para sustentar a sua posição, a Ré, ora Recorrente, citou, a título do direito comparado, as seguintes jurisprudências e doutrina de Portugal:
   "Impugnada também a deliberação dita renovatória, com fundamento em não ser renovatória e enfermar dos mesmos vícios da primeira, só depois de decidida esta acção se poderá avaliar da repercussão a ter na acção instaurada para anulação da primeira deliberação adoptada sobre a mesma matéria." (Ac. da RP, de 12/05/2008, Relator: XXX, Processo 0836512)
   "havendo lugar à impugnação da nova deliberação em processo judicial autónomo, não pode deixar de suspender-se a instância no primeiro processo até que neste último seja proferida decisão final." (Ac. RL, de 03/03/2009, Relator: XXX, proferido no processo 1008/07.0TYLSB-7)
   "se forem propostas duas acções contra as duas deliberações, haverá suspensão da instância da primeira acção proposta, enquanto a segunda não for decidida (cfr. arts. 276.º, c) e 279.º CPC). Tal é devido ao facto de, só depois de se aferir se a segunda pode valer como renovatória, que a primeira acção pode prosseguir, e esta é uma questão relativa ao mérito da causa só apreciável a final" .... "Se a deliberação renovatória for tomada no decurso do processo judicial para acção de anulação, quer por convite do Tribunal, quer por iniciativa da sociedade Ré, deverá haver suspensão da instância da primeira acção, enquanto a segunda não for decidida, de modo a aferir se efectivamente a deliberação subsequente renova ou não a primeira (cfr. arts. 276.º c) e 279.º do CPC)." (escreve ANA MARGARIDA ANDRADE E CASTRO DOS SANTOS na sua tese "As Deliberações Renovatórias Inválidas")
Quid iuris?
Dispõe o artº 223º do CPCM o seguinte:
1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2. Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as suas vantagens.
3. Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4. As partes podem acordar na suspensão da instância por prazo não superior a 6 meses.
Ora, analisado o teor da decisão recorrida, afigura-se que o Tribunal a quo não negou que a eventual improcedência do Proc. nº CV2-15-0050-CAO implicaria a inutilidade da lide do processo principal a que os presentes autos correm por apenso.
Contudo e ainda assim fosse, indeferiu o pedido da suspensão da instância da Ré.
Será que a decisão recorrida violou desta forma o disposto do nº 1 do artº 223º do CPCM?
Cremos que não, já que o nº 1 do artº 223º do CPCM apenas prevê uma possibilidade da suspensão da instância por parte do juíz face à existência da pendência da causa prejudicial, e não uma obrigatoriedade da suspensão da instância.
Ou seja, ainda que haja a pendência da causa prejudicial, o juíz pode optar suspender a instância da lide ou continuar prosseguir da mesma.
No mesmo sentido, veja-se o Ac. do STJ-6ª, de 25/01/2000, Sumarios, 37º-27 (in Código de Processo Civil Anotado, de Abílio Neto, 21ª Edição, pág. 440, anotação do artº 279º, nota nº 38)
Nesta conformidade, não podemos censurar a decisão recorrida que optou continuar prosseguir os autos.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento do presente recurso, mantendo o despacho recorrido.
*
Custas do recurso pela Ré.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 15 de Setembro de 2016.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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