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Proc. nº 1043/2015
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 22 de Setembro de 2016
Descritores:
-Interdição de entrada
-Perigo para a segurança e ordem públicas
-Conceito indeterminado
-Princípio da proporcionalidade

SUMÁRIO:

I. “Perigo efectivo” e “perigo para a ordem e segurança públicas” constituem conceitos jurídicos indeterminados, os quais podem ser sujeitos a interpretação jurisdicional, sem que, porém, possam ser sindicados na zona de incerteza e de prognose sobre comportamento futuro das pessoas visadas que eles conferem à actuação administrativa, salvo em caso de manifesto e ostensivo erro grosseiro e tosco.

II. Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.

III. O princípio da proporcionalidade manifestado no nº4, do art. 12º citado não se pode dizer ferido se a actuação administrativa na fixação do período de interdição não se mostra eivada de erro manifesto e intolerável.












Proc. nº 1043/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, do sexo masculino, casado, titular do BIRHK n.º PXXXXX9(6), emitido pela RAEHK em 25 de Junho de 2012, com endereço de comunicação em XX/C, Bloco XX, XX Garden, n.º XX, XX Square St. XX, Kowloon, Hong Kong, ----
Recorre contenciosamente ----
Do despacho do Secretário para a Segurança, datado de 2/09/2015, que o inibe de entrar em Macau por 3 anos (contados de 4 de Junho de 2015).
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Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
«A) O despacho recorrido do Secretário para a Segurança consta da proposta n.º 1049/2015-Pº.222.18.
B) Na proposta, o Chefe do Departamento de Informações proferiu parecer; o Comandante do CPSP também proferiu parecer, o qual se lê como “Concordo. À consideração do Secretário para a Segurança”.
C) Afinal, o Secretário para a Segurança proferiu despacho na mesma proposta, o qual se lê como “Concordo, proceda-se conforme proposto.”. (vide o doc. 1, para o devido efeito, jurídico, cujo teor se dá como integralmente reproduzido)
D) Por ofício n.º 2807/2015-Pº.229.01, o Comandante do CPSP notificou o procurador do recorrente A do despacho e proposta referidos. (vide o doc. 2, para o devido efeito, jurídico, cujo teor se dá como integralmente reproduzido)
E) O procurador do recorrente A recebeu ofício em 7 de Outubro de 2015 mediante a assinatura.
F) Ao abrigo do art.º 25.º n.º 2 alínea b) do Código de Procedimento Administrativo, e dentro do prazo indicado no ofício referido, o recorrente vem interpor o presente recurso contencioso administrativo com tempestividade.
Por outro lado,
G) Ao abrigo do art.º 33.º alínea a) do mesmo Código, quando proceder o presente recurso contencioso administrativo, o recorrente A tem interesse directo, pessoal e legítimo.
H) Na proposta n.º 1049/2015-Pº.222.18, da qual consta o despacho objecto do recurso, o Chefe B indicou que:
“ (...)
2. Em 4 de Junho de 2015, ao efectuar a operação de verificação de viatura em Rua XX, às proximidades do Ministério Público, o agente policial do nosso CPSP interceptou o veículo conduzido por A (com matrícula n.º MJ-XX-X7). Na altura, constatando que A tinha um forte cheiro de álcool, o agente policial impôs-lhe teste de álcool e o resultado foi 1.94g/litro. Deste modo, A foi denunciado pelo Comissariado de Trânsito pela prática dum crime de condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto pelo art.º 90.º n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário.
3. Pelo exposto, se A puder entrar em Macau no futuro, vai causar perigo para a ordem e a segurança pública. Nos termos da lei vigente, pode-se aplicar a medida de inibição de entrada a A.
4. Ao abrigo do art.º 93.º do Código de Procedimento Administrativo, por notificação de audiência escrita, o nosso CPSP notificou A de que as autoridades administrativas pretendiam o inibir de entrar em Macau por um devido período, poderia alegar por escrita as matérias que entendia adequadas dentro de 30 dias. O nosso CPSP recebeu em 6 de Julho de 2015 a alegação escrita do Advogado D sobre a medida de interdição de entrada imposta ao seu patrocinado A.
5. No tocante ao teor da carta, o Advogado D afirmou que, o seu patrocinado tem várias companhias em Macau, que se destinam a fornecer recursos humanos às obras, é também sócio administrativo de 3 companhias de Macau, pelo que a sua entrada é favorável ao desenvolvimento de Macau. Além disso, na notificação do CPSP recebida pelo patrocinado, não foram expostos os factos criminosos c o resultado do teste, ao patrocinado ainda não foi imposta qualquer sanção criminal e o processo em causa não foi decidido por encontrar-se na fase de inquérito e não foi aplicada qualquer punição, outrossim, o patrocinado não deixou de participar na fase de inquérito e inquisitório, a interdição de entrada iria conduzir a prejuízo de direitos do patrocinado no processo penal, a aplicação da medida obviamente violou o princípio de presunção de inocência, pelo que, o Advogado D pediu que não fosse aplicada ao patrocinado a medida de inibição de entrada.
6. Deste modo, para evitar A de entrar em Macau e praticar de novo actividade criminosa, ao abrigo do art.º 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n. º 4/2003, em conjugação com o art.º 12.º n.º 2 alínea 1), n.º 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, vem propor impor a medida de inibição de entrada a A.
(...)”
I) Na mesma proposta, o Chefe do Departamento de Informações proferiu o parecer seguinte:
“1. Conforme o resultado de investigação, há forte indícios de prática por parte de A do crime de condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto pelo art.º 90.º n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, o qual, assim sendo, foi denunciado pelo nosso CPSP, o processo foi remetido ao Ministério Público.
2. Como há forte indícios de prática de crime em Macau por parte do indivíduo referido, se ele entrar no Território, vai causar perigo à ordem e segurança pública. Ao abrigo do art.º 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n.º 4/2003, em conjugação com o art.º 12.º n.º 2 alínea 1), n.º 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, venho propor impor a A a medida de inibição de entrada por 3 anos.
(...)”
J) O Comandante do CPSP proferiu despacho, pronunciando-se por concordância e à consideração do Secretário para a Segurança.
K) Afinal, o Secretário para a Segurança proferiu despacho, pronunciando-se por concordar e proceder conforme a proposta.
L) Em concreto, segundo o ofício n.º 2807/2015-Pº.229-01, o Superintendente Geral do CPSP C indicou que:
“(...)
Em vista dos factos objectivos e as circunstâncias referidas, se A entrar no Território, vai causar perigo à ordem e segurança pública. Ao abrigo do art.º 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n.º 4/2003, em conjugação com o art.º 12.º n.º 2 alínea 1), n.º 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, o Secretário para a Segurança proferiu despacho e ordenou inibir A de entrada de Macau por 3 anos (contados de 4 de Junho de 2015)
(...)”.
M) Salvo o devido respeito, a proposta n.º 1049/2015-Pº.222.18, que faz parte do despacho do Secretário para a Segurança, padece dos vícios seguintes:
A. Violação do princípio de fundamentação
N) O Secretário para a Segurança fundamenta-se em que o recorrente A praticou crime de condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto pelo art.º 90.º n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, mas no despacho e na proposta não se vê como o recorrente vai ausar perigo à ordem e segurança pública.
O) De resto, conforme a interpretação sobre a Lei do Trânsito Rodoviário:
“Para verificar a prática do crime deste artigo - infracção prevista no art.º 96.º-, não é necessário provar a existência de perigo concreto (ao contrário ao crime previsto no art.º 229.º), basta provar simplesmente que o condutor conduziu veículo com uma taxa de álcool no sangue a um determinado nível (crime de perigo abstracto).”
(vide revista jurídica de Macau, Lei de Trânsito Rodoviário, Dezembro de 2011, pág. 158, para o devido efeito, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
P) Deste modo, salvo fundamentos mais suficientes, mesmo procedendo a acusação contra o recorrente A, não se pode presumir que a conduta do recorrente vai causar perigo, tampouco concluir que “entrar em Macau e praticar de novo actividade criminoso” ou “vai causar perigo à ordem e segurança pública”.
Q) No despacho do Secretário para a Segurança, objecto do presente recurso, e na proposta da qual consta o despacho bem como no parecer, não se aponta concreta e/ou suficientemente que a conduta do recorrente A constitui perigo.
R) Ao contrário, sem considerar suficientemente a alegação escrita apresentada pelo Advogado D sobre a medida de inibição de entrada imposta ao recorrente A, o Chefe B da Secção de Processamento e Tratamento de Notícias do CPSP chegou à seguinte conclusão:
“6. Deste modo, para evitar A de entrar em Macau e praticar de novo actividade criminosa, ao abrigo do art.º 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n.º 4/2003, em conjugação com o art.º 12.º n.º 2 alínea 1), n.º 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, vem propor impor a medida de inibição de entrada a A.”
S) Quanto aos factos explicitados no despacho objecto do presente recurso, o recorrente A participou no processo penal e confessou a condução em estado de embriaguez. (vide o doc. 3, para o devido efeito, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
T) Na altura, o juiz condenou o recorrente A em pena acessória de inibição de condução por 1 ano. Dentro de 10 dias contados do trânsito em julgado, o respectivo documento foi remetido ao CPSP.
U) Em 4 de Dezembro de 2015, o recorrente A entregou através de representante a licença de condução ao Departamento de Trânsito do CPSP. (vide o doc. 4, para o devido efeito, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)
V) Ou seja, o recorrente A cumpriu a ordem de inibição de condução de 1 ano, é impossível praticar de novo a conduta criminosa ou a infracção de condução em estado de embriaguez, nem causar qualquer perigo abstracto ou concreto à segurança de trânsito, sob pena de constituir o crime de desobediência qualificada.
W) Pelo que, salvo o devido respeito, o despacho objecto do presente recurso adopta fundamentos abstractos e insuficientes.
X) Ao abrigo do art.º 115.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, salvo fundamentos mais suficientes, o despacho padece do vício de falta de fundamentação.
Y) Ao abrigo do art.º 124.º do Código de Procedimento Administrativo, o acto administrativo é anulável.
B. Violação do princípio de proporcionalidade
Z) Ao abrigo do art.º 5.º n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo:
“As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.”
AA) O recorrente A é sócio e membro do órgão administrativo da Companhia de E, Ltd. (registo comercial n.º 5XXX6SO), Companhia de F, Ltd. (registo comercial n.º 5XXX1SO) e Companhia de G, Ltd. (registo comercial n.º 5XXX9SO).
BB) As Companhias referidas dedicam-se respectivamente ao sector de limpeza, recursos humanos e construção e obra, servem para o desenvolvimento de Macau, contratam muitos empregados, que tem confiança sempre no recorrente A.
CC) Além das actividades económicas do Território, o recorrente A também participam nas actividades assistenciais humanitárias de donativo. (vide o doc. 4)
DD) No que diz respeito aos factos estipulados no despacho objecto do presente recurso, o juiz titular do processo penal indicou no acórdão que:
“ (...) o Tribunal entende que é mais adequado condenar o arguido em pena de prisão de 3 meses pela prática dum crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo arte o 90.º n.º 1 da Lei n.º 3/2007.
(...)
(...), Ponderando a personalidade do arguido, o estado de vida, as circunstâncias anterior e posterior ao crime, o Tribunal entende que realizam suficientemente as finalidades de punição a simples censura do facto e a ameaça da prisão, portanto, fica suspensa a execução da pena referida por 1 ano.”
EE) De resto, no mesmo acórdão, o juiz condenou o recorrente A em pena acessória de inibição de condução de 1 ano.
FF) Quer comparando com o regime global de pena, cuja moldura normalmente é de 1 mês a 25 anos.
GG) Quer partindo do crime de condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, cuja pena máxima é pena de prisão de 1 ano e pena de inibição de condução de 1 a 3 anos.
HH) A ordem de inibição de entrada por 3 anos imposta ao recorrente A por despacho do Secretário para a Segurança objecto do presente recurso supera demais o prazo de pena de prisão e o prazo de inibição de condução impostos ao recorrente, também não está conforme à proporção definida pelo princípio de legalidade.
II) Deste modo, salvo fundamentos mais suficientes, o despacho do Secretário para a Segurança objecto do presente recurso viola o princípio de proporcionalidade, o acto administrativo é anulável ao abrigo do art.º 124.º do Código de Procedimento Administrativo.
Pelo exposto, como estão provados os fundamentos fácticos acima alegados, pede-se que seja proferida a decisão da forma seguinte nos termos das leis aplicadas:
1) Dar provimento, declarar que o despacho objecto do presente recurso padece do vício de violação do princípio de fundamentação e/ou de violação do princípio de proporcionalidade, por conseguinte, anular o acto administrativo recorrido».
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Contestou a entidade recorrida, pugnando pela improcedência do recurso.
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O recorrente apresentou, na oportunidade, alegações facultativas, nas quais manteve as conclusões da p.i., acrescentando, porém, desta vez a violação do art. 65º do Código Penal, de disposições da Lei nº 6/2004 e da Lei Básica.
*
O Digno Magistrado do MP opinou, por fim, no sentido da improcedência do recurso contencioso.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 – No âmbito do respectivo procedimento administrativo, tendo por visado o ora recorrente, foi elaborada a seguinte proposta:
«Assunto: Medida de inibição de entrada de indivíduo da nacionalidade não chinesa
Proposta n.º 1049/2015-Pº.222.18
Data: 20 de Julho de 2015
1. A (do sexo masculino), casado, nascido no Nepal aos 26 de Dezembro de 1961, da nacionalidade nepalesa, filho de H e I, residente em FLAT-XX, XX/F BLOCK XX, XX GARDEN, NO-XX XX SQUARE ST, XX, KOWLOON, HONG KONG, tel. n.º 6XXXXX57, titular do BIRHK n.º PXXXXX9(6).
2. Em 4 de Junho de 2015, ao efectuar a operação de verificação de viatura em Rua XX, às proximidades do Ministério Público, o agente policial do nosso CPSP interceptou o veículo conduzido por A (com matrícula n.º MJ-XX-X7). Na altura, constatando que A tinha um forte cheiro de álcool, o agente policial impôs-lhe teste de álcool e o resultado foi 1.94g/litro. Deste modo, A foi denunciado pelo Comissariado de Trânsito pela prática dum crime de condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto pelo art.º 90.0 n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário.
3. Pelo exposto, se A puder entrar em Macau no futuro, vai causar perigo para a ordem e a segurança pública. Nos termos da lei vigente, pode-se aplicar a medida de inibição de entrada a A.
4. Ao abrigo do art.º 93.º do Código de Procedimento Administrativo, por notificação de audiência escrita, o nosso CPSP notificou A de que as autoridades administrativas pretendiam o inibir de entrar em Macau por um devido período, poderia alegar por escrita as matérias que entendia adequadas dentro de 30 dias. O nosso CPSP recebeu em 6 de Julho de 2015 a alegação escrita do Advogado D sobre a medida de interdição de entrada imposta ao seu patrocinado A.
5. No tocante ao teor da carta, o Advogado D afirmou que, o seu patrocinado tem várias companhias em Macau, que se destinam a fornecer recursos humanos às obras, é também sócio administrativo de 3 companhias de Macau, pelo que a sua entrada é favorável ao desenvolvimento de Macau. Além disso, na notificação do CPSP recebida pelo patrocinado, não foram expostos os factos criminosos e o resultado do teste, ao patrocinado ainda não foi imposta qualquer sanção criminal e o processo em causa não foi decidido por encontrar-se na fase de inquérito e não foi aplicada qualquer punição, outrossim, o patrocinado não deixou de participar na fase de inquérito e inquisitório, a interdição de entrada iria conduzir a prejuízo de direitos do patrocinado no processo penal, a aplicação da medida obviamente violou o princípio de presunção de inocência, pelo que, o Advogado D pediu que não fosse aplicada ao patrocinado a medida de inibição de entrada.
6. Deste modo, para evitar A de entrar em Macau e praticar de novo actividade criminosa, ao abrigo do art.º 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n.º 4/2003, em conjugação com o art.º 12.º n.º 2 alínea 1), n.º 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, vem propor impor a medida de inibição de entrada a A.
7. À consideração superior.
Chefe da Secção de Processamento e Tratamento de Notícias».
2 – Àquela proposta seguiu-se esta outra:
«1. Conforme o resultado de investigação, há forte indícios de prática por parte de A do crime de condução em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto pelo art.º 90.º n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, o qual, assim sendo, foi denunciado pelo nosso CPSP, o processo foi remetido ao Ministério Público.
2. Como há forte indícios de prática de crime em Macau por parte do indivíduo referido, se ele entrar no Território, vai causar perigo à ordem e segurança pública. Ao abrigo do art.º 4.º n.º 2 alínea 3) da Lei n.º 4/2003, em conjugação com o art.º 12.º n.º 2 alínea 1), n.º 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, venho propor impor a A a medida de inibição de entrada por 3 anos.
3. À consideração superior.
Chefe do Departamento de Informações»
3 – O Comandante da PSP emitiu o seguinte parecer:
«Concordo. À consideração do Secretário para a Segurança».

4 – O Secretário para a Segurança, por despacho de 2/09/2015, decidiu o seguinte:
«Concordo. Proceda-se conforme proposto».
5 – Pela prática dos factos acima descritos, foi o recorrente julgado no Tribunal Judicial de Base (Proc. nº CR3-15-0363-PCS), vindo a ser condenado pela autoria material, e na forma consumada, de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punível pelo art. 90º, nº1, da Lei nº 3/2007 (Lei do Trânsito rodoviário) na pena de 3 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa a por um período de um ano.
***
IV – O Direito
1 – Questão prévia
Aos vícios imputados ao acto na petição inicial do recurso contencioso, o recorrente aditou na sua alegação facultativa alguns outros, tal como acima relatado. Porém, de acordo com o artigo 68º, nº3, do CPAC, a alegação de novos fundamentos nessa peça alegatória só é possível se eles tiverem vindo ao seu conhecimento supervenientemente.
Ora, os vícios invocados na alegação são referentes a uma pretensa violação de disposições do Código Penal, da Lei Básica e da Lei nº 6/2004. O que significa que não assentam em novo conhecimento de factos e circunstâncias, nem são fundados na análise, por exemplo, do procedimento administrativo apensado ou motivados nalguma razão trazida pela mão da entidade recorrida na sua peça contestatória. Em vez disso, são vícios que já poderiam ter sido invocados na petição inicial.
Razão pela qual não procederemos ao seu conhecimento.
*
2 – Dos vícios imputados ao acto na p.i.
O recorrente suscitou o vício de forma por falta de fundamentação (cfr. arts. 115º do CPA), bem como o da violação do princípio da proporcionalidade (art. 5º do CPA).
A matéria dos vícios invocados pelo recorrente foi abordada pelo digno Magistrado do MP nos termos, que, com a devida vénia, a seguir transcrevemos:
«Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 02 de Setembro de 2015, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que interditou a entrada do recorrente A na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de três anos.
Fundou-se tal acto na existência de fortes indícios de que o recorrente cometera o crime previsto no artigo 90.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (Lei 3/2007), por ter conduzido veículo na via pública com uma taxa de 1,94 gramas por litro de álcool no sangue, e nas disposições normativas conjugadas dos artigos 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003 e 12.º, n.ºs 2, alínea 1), 3 e 4, da Lei n. º 6/2004.
Na sua petição de recurso, o recorrente sustenta que o acto padece dos vícios de insuficiência da fundamentação e de violação do princípio da proporcionalidade, no que é contraditado pela autoridade recorrida, cuja contestação afirma a legalidade do acto e se bate pela improcedência do recurso.
Em alegações facultativas, viria o recorrente a dar uma nova roupagem à invocada violação do princípio da proporcionalidade, com o que acabou por imputar ao acto novos vícios de violação de lei, por ofensa de normas do Código Penal, da Lei n.º 6/2004 e da Lei Básica. Porém, estes novos fundamentos do recurso, porque não são de conhecimento superveniente, não podem ser levados em conta, pois a tanto obsta a norma do artigo 68.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso, pelo que não serão objecto da nossa análise.
Vejamos, começando pelo vício de forma.
O despacho recorrido foi precedido de parecer e propostas, que apropriou e em que se apoiou. Desses elementos resulta claro que o recorrente foi mandado parar pela PSP, em 4 de Junho de 2015, quando seguia ao volante da viatura de matrícula MJ-XX-X7, e, submetido a teste de alcoolemia, ficou apurado que era portador de uma taxa de 1,94 gramas por litro de álcool no sangue. Considerando que esta situação de facto indiciava fortemente a prática do crime previsto no artigo 90.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, e fazendo apelo ao quadro normativo relativo à interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau, foi adoptada a medida de interdição em que se substancia o acto.
Perante esta constatação, não se crê razoável imputar ao acto o arguido vício de forma. É evidente que um destinatário médio, em face do conteúdo do acto, fica a saber as razões de facto e de direito que levaram à aplicação da medida de interdição de entrada. E tanto basta para que o acto se deva ter por suficientemente fundamentado à luz do artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo. Aliás, do teor da petição de recurso resulta que o recorrente compreendeu os motivos que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu.
Argumentar-se com a falta de explicitação acerca da forma como o recorrente poderá de futuro causar perigo à ordem e segurança pública, para sustentar a alegada insuficiência da fundamentação, como faz o recorrente, é extravasar as exigências preconizadas para os respectivos requisitos pelo já referido artigo 115.º.
Improcede o vício de falta ou insuficiência de fundamentação.
Passemos à alegada ofensa do princípio da proporcionalidade.
Este princípio, que é um corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir. Subjacente à estatuição do acto está o perigo, para a segurança e ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau, representado pela possibilidade de cometimento de novos factos ilícitos, nomeadamente em matéria de condução sob influência do álcool, e pelo potencial de ameaça latente que isso representa para aqueles valores. O recorrente questiona a duração da interdição de entrada, considerando-a desproporcionada por comparação com as penas que lhe foram aplicadas em sede criminal (três meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, e um ano de inibição de conduzir) e contrapõe à ordem de interdição o seu interesse em participar nas actividades económicas do Território, através das três sociedades comerciais em que tem comprovada participação.
Não nos parece que seja relevante a comparação efectuada com as penas aplicadas em sede criminal. Não é a eventual discrepância entre duração de penas e de medidas administrativas, reportadas a um mesmo facto, que releva enquanto ofensa do princípio da proporcionalidade. O que importa, como se viu, é que as decisões administrativas que possam afectar direitos e interesses dos particulares apenas o façam na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir, isto é, na estrita medida imposta pelo interesse público.
Pois bem, constata-se que, no confronto dos interesses do recorrente - de normal entrada e permanência na RAEM, até porque é sócio de empresas aqui instaladas - e do interesse público de salvaguarda dos valores inerentes à segurança e ordem pública, o despacho recorrido atribuiu supremacia ao interesse público, o que se compreende e é aceitável, face ao potencial de ameaça latente que a condução de uma máquina perigosa, como é o veículo automóvel, sob influência do álcool, pode representar para a segurança e ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau.
E esta primazia conferida ao interesse público tem que aceitar-se porquanto, sendo o acto proferido no exercício de um poder discricionário, posto que enformado pela ponderação de certos aspectos a que a lei manda atender, não padece de erro, muito menos ostensivo ou grosseiro, que caucione uma interferência do tribunal relativamente ao sentido do exercício desse poder.
Improcede, também, a invocada ofensa do princípio da proporcionalidade.
Deve, pois, a nosso ver, ser negado provimento ao recurso».
Está no parecer acabado de transcrever tudo o que, em síntese, de mais relevante há a dizer sobre cada um dos vícios em apreço. Assim é que, com o devido respeito, e por razões de economia e celeridade, aqui fazemos nosso o seu integral conteúdo para todos os efeitos.
Acrescenta-se apenas que:
- “Perigo efectivo” e “perigo para a ordem e segurança públicas” constituem conceitos jurídicos indeterminados, os quais podem ser sujeitos a interpretação jurisdicional, sem que, porém, possam ser sindicados na zona de incerteza e de prognose sobre comportamento futuro das pessoas visadas que eles conferem à actuação administrativa, salvo em caso de manifesto e ostensivo erro grosseiro e tosco (neste sentido, v.g., Ac. do TUI, de 19/11/2014, Proc. nº 28/2014; Ac. TSI, de 18/10/2012, Proc. nº 127/2012; 22/10/2015, Proc. nº 267/2014; de 7/04/2016, Proc. nº 530/2014).
- “Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.” (Ac. do TUI, de 19/11/2014, Proc. nº 112/2014).
- “O princípio da proporcionalidade manifestado no nº4, do art. 12º citado não se pode dizer ferido se a actuação administrativa na fixação do período de interdição não se mostra eivada de erro manifesto e intolerável” (citado Ac. TSI, de 18/10/2012; 16/01/2014, Proc. nº 833/2012; de 5/06/2014, Proc. nº 656/2012).
Por tudo isto e por não nos parecer haver erro grosseiro e manifesto na dosimetria do período de proibição de entrada na RAEM ao recorrente, somos a entender que o acto não padece do vício de violação do princípio da proporcionalidade.
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto impugnado.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 4 UC.
TSI, 22 de Setembro de 2016
_________________________ _________________________
José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
_________________________ (Fui presente)
Tong Hio Fong
_________________________
Lai Kin Hong



1043/2015 20