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Processo n.º 76/2016
Recurso Penal
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 1 de Novembro de 2016
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de roubo
- Tentativa

SUMÁRIO
1. Nos crimes de furto e de roubo, a subtracção traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção.
2. A subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, na medida em que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, A, arguido nos presentes autos, foi condenado, pela prática em autoria material e na forma consumada de um crime de roubo p.p. pelo art.º 204.º n.º 2, al. b), conjugado com o art.º 198.º n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão de 1.ª Instância.
Vem agora o arguido recorrer para o Tribunal de Última Instância, suscitando as seguintes questões:
- Que deve ser condenado pelo crime de roubo na forma tentada; e
- Que a pena deve ser especialmente atenuada nos termos dos art.ºs 22.º n.º 2 e 67.º do Código Penal.
Respondeu o Ministério público, entendendo que o recurso merece provimento na parte respeitante à qualificação jurídica dos factos, mas com manutenção da pena de 3 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo Tribunal recorrido.
Nesta instância, a Digna Procuradora-Adjunta do Ministério Público emitiu o douto parecer, mantendo a posição já assumida na resposta à motivação do recurso.

2. Factos
Nos autos foram dados como provados os seguintes factos:
- No dia 24/09/2015, por volta das 15H00, o arguido (A) perdeu todo o dinheiro que trouxe para Macau, posteriormente viu o ofendido no interior do [Casino(1)] (B, melhor identificado nas fls. 26 dos autos) com muito dinheiro no corpo, pelo que teve a ideia de roubar, tendo assim perseguido atrás do ofendido até este se ir embora do casino.
- Na altura, o ofendido (B) pretendia usar o viaduto para peões perto da ala nova do [Hotel(1)] para ir ao [Hotel(2)], quando chegou a meio das escadarias do referido viaduto, o arguido (A) a passos acelerados aproximou-se por trás do ofendido, com violência apoderou a mala preta do ofendido (no interior da mala tinha um documento da RPC, um cartão ATM VIP do [Banco(1)], um cartão ATM do [Banco(2)] pertencentes ao ofendido e numerário no montante de 200,000 HK dólares), pelo que o ofendido, de imediato, ofereceu resistência (vide auto de visionamento de fls. 8 dos autos).
- Durante o confronto, o ofendido foi puxado pelo arguido nas escadarias e caiu ao chão, fez com que o ofendido sentisse tonturas, em seguida o arguido aproveitando a situação, apoderou com violência a mala do ofendido e muito rapidamente fugiu para os lados da Avenida Nam Wan, tendo o ofendido gritado por “roubo”.
- Dois guardas policiais que estavam precisamente nesse momento de patrulha na ala antiga do [Hotel(1)], no exercício ao combate à criminalidade (C e D, vide fls. 1 dos autos) viram a situação, imediatamente perseguiram o arguido (A).
- Ao mesmo tempo, um bombeiro de folga E (vide fls. 1 dos autos) passou perto do [Hotel(1)], viu o arguido (A) com uma mala preta na mão a correr para os lados da Avenida Nam Wan, atrás dele perseguia um indivíduo masculino chinês ferido (ofendido) a gritar por “roubo”, simultaneamente, outros dois indivíduos masculinos (guardas) a perseguir o arguido, o referido bombeiro E apercebeu-se que havia prática de crime, pelo que, ajudou a perseguir também, finalmente, em conjugação de esforços com a polícia, interceptou o arguido na zona de peões entre [Hotel(1)] e [Hotel(2)].
- Com consentimento do arguido (A), o polícia C fez a revista corporal ao arguido e encontrou no corpo dele os objectos pertencentes ao ofendido (B), pelo que procedeu a apreensão (vide auto revista e apreensão de fls. 13 dos autos, bem como fotografias de fls. 14 a 16 dos autos):
1. Uma mala preta (marca: RICH CAT, cerca de 3000 HK dólares);
2. Um documento da RPC (nº XXXXXXXXXXXXXXXXXX);
3. Um cartão do [Banco(1)] VIP (conta nº XXXXXXXXXXXXXXXXXXX);
4. Um cartão do [Banco(2)] (conta nº XXXXXXXXXXXXXXXXXXX);
5. Duzentas notas de mil (HKD1,000), no montante total de duzentas mil HK dólares (HKD 200,000).
- O montante dos supracitados objectos é de 203000 e tal patacas.
- A conduta violenta do arguido (A) causou ao ofendido (B) ofensas simples à integridade física (vide o auto de exame e parecer clínico de medicina legal dos seus ferimentos nas fls. 6 e 44 dos autos).
- O arguido livre e consciente praticou dolosamente a conduta supracitada.
- O arguido teve a intenção de apropriar ilegitimamente para si os bens móveis de outrem, através de violência apoderou os bens móveis de valor avultoso de outrem (ofendido).
- O arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.
- O arguido declarou que tem como habilitações literárias o ensino secundário completo, auferia o salário de RMB6,000, tem uma filha e a esposa que trabalha.
- Conforme o registo criminal recente do arguido, ele é primário.

3. Direito
As questões suscitadas pelo recorrente prendem-se com a qualificação jurídica do crime de roubo por si praticado: a sua conduta deve integrar-se no roubo consumado, ou tentado.
Ora, prevê o n.º 1 do art.º 21.º do Código Penal que “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.
E verifica-se a consumação do crime quando estão preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo criminal.
Quanto à questão de consumação ou tentativa do crime de roubo, teve já este Tribunal de Última Instância várias oportunidades para se pronunciar1, tendo entendido de modo uniforme que, nos crimes de furto e de roubo, a subtracção da coisa traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção, e só se efectiva quando o domínio deste sobre a coisa se torna relativamente estável, na medida em que ultrapassa os riscos imediatos de reacção da vítima, das autoridades ou de terceiro que auxilia a vítima.
O caso reportado nos presentes autos é semelhante aos analisados nos referidos Acórdãos, pelo que, no seguimento do entendimento supra transcrito, a solução não pode deixar de ser a mesma, no sentido de considerar que o crime de roubo foi cometido na forma tentada.
Na realidade, a factualidade apurada nos autos revela que, a meio das escadarias do viaduto para peões que liga a ala nova do [Hotel(1)] e o [Hotel(2)], o recorrente aproximou-se a passos acelerados ao ofendido e apoderou com violência a mala que trouxe o ofendido, dentro da qual continha numerário no montante de 200,000 HK dólares, para além dos outros objectos. E depois fugiu para os lados da Avenida Nam Wan, mas sempre perseguido pelo ofendido e pelos agentes policiais que se encontravam perto do local, até ser interceptado na zona de peões entre [Hotel(1)] e [Hotel(2)].
Tendo em consideração a proximidade dos locais em que ocorreram os factos e a detenção, o decurso do tempo que media entre os dois momentos e a circunstância de que, logo depois do roubo, o recorrente foi imediatamente perseguido pelo ofendido e pelas agentes policiais que aí passaram, até ser interceptado, é de concluir que, não obstante ter subtraído os bens alheios, o recorrente não conseguiu manter tais bens na sua posse com uma estabilidade relativa, pois o seu domínio sobre os objectos subtraídos estava sempre sujeito aos riscos imediatos de reacção do ofendido e dos agentes policiais que o perseguiram e interceptaram, tendo os bens sido recuperados pouco tempo depois do roubo.
Daí que o recorrente deve ser condenado pela prática do crime de roubo qualificado pelo art.º 204.º n.º 2, al. b), conjugado com o art.º 198.º n.º 2, al. a) do Código Penal, na forma tentada.
E há que lançar mão à atenuação especial da pena, ao comando do art.º 22.º n.º 2 do Código Penal de Macau.
A tentativa do crime de roubo pelo qual foi condenado o recorrente deve ser punível com a pena de 7 meses e 6 dias de prisão a 10 anos de prisão, nos termo do art.º 67.º n.º 1 do mesmo diploma.
Nos termos do art.º 40.º n.º 1 do Código Penal de Macau, a aplicação de penas visa não só a reintegração do agente na sociedade mas também a protecção de bens jurídicos.
E ao abrigo do art.º 65.º do Código Penal de Macau, a determinação da medida da pena é feita “dentro dos limites definidos na lei” e “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal”, tanto de prevenção geral como de prevenção especial, atendendo a todos os elementos pertinentes apurados nos autos, nomeadamente os elencados no n.º 2 do artigo.
No caso vertente, resulta dos autos que o recorrente é delinquente primário e, prestando declarações em audiência de julgamento, admitiu a prática do crime de roubo, negando no entanto ter agredido o ofendido.
O valor dos bens subtraídos pelo recorrente é consideravelmente elevado.
No que tange às finalidades da pena, são prementes as exigências de prevenção geral, impondo-se prevenir a prática do crime em causa, que tem sido frequentemente cometido em Macau.
Tudo ponderado, afigura-se-nos adequada e ajustada uma pena de 2 anos de prisão.
Nos termos do art.º 48.º n.º 1 do Código Penal de Macau, “o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Como se sabe, a suspensão da execução da pena só é decretada quando se verificarem, em caso concreto, todos os pressupostos, tanto formais como materiais, de que a lei faz depender a aplicação do instituto.
No presente caso, tendo em conta o tipo e a natureza do crime em causa, a realidade social de Macau e as necessidades de prevenção geral, afigura-se-nos que as finalidades da punição não possam ser atingidas pela simples censura do facto e pela ameaça da prisão, pelo que não se decreta a suspensão da execução da pena.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso, revogando o Acórdão recorrido, passando a condenar o recorrente, pela prática na forma tentada dum crime de roubo p.p. pelo art.º 204.º n.º 2, al. b), conjugado com o art.º 198.º n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão efectiva.
Sem custas.
Fixam os honorários ao Ilustre Defensor do recorrente no montante de 2.000 patacas.

Macau, 1 de Novembro de 2016

   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

1 Cfr. Ac. do TUI, de 22-5-2013, 30-9-2014 e 20-5-2015, Proc.s n.ºs 24/2013, 67/2014 e 18/2015.
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